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O discurso da dança e o conceito de gênero - alguns elementos de leitura

RESUMO

O objetivo do presente artigo é tratar a dança como discurso visual e verbo-visual e identificar alguns de seus componentes que permitem a construção de sentido para um público sem formação específica e que seja mero amador e frequentador de espetáculos de dança. Na primeira parte, busca-se estabelecer as bases teórico-conceituais do trabalho e, para tanto, percorrem-se trechos da obra de Bakhtin, Medviédev e Volóshinov que convergem com o pensamento de Rudolf Laban, teórico da dança que a concebe como linguagem. Na segunda parte, analisa-se um corpus constituído de quatro fragmentos discursivos, exemplares de diferentes gêneros - balé clássico, balé moderno, hip-hop e streetdance. Mobilizam-se para a análise os conceitos de gênero discursivo, entonação e sistema de valores.

PALAVRAS-CHAVE:
Dança; Gênero; Enunciado; Valor; Entonação

ABSTRACT

The objective of this article is to examine dance as visual and verbal-visual discourse, and to identify the components that foster the production of meaning for an audience without any specialized training, but who are merely amateurs, and who attend dance shows. The first part of the article establishes the theoretical-conceptual basis for the study, supported by excerpts from the works of Bakhtin, Medvedev, and Voloshinov, which converge with the perspective of dance theorist, Rudolf Laban, who conceives of dance as language. Secondly, a corpus consisting of four discursive fragments from different genres are analyzed: classical ballet, modern ballet, hip-hop and street dance. The analysis focuses on the concepts of discursive genres, intonation, and value systems.

KEYWORDS:
Dance; Genre; Utterance; Value; Intonation

O âmbito da presente reflexão restringe-se à dança como espetáculo, executada para um determinado público, por profissionais ou semiprofissionais com domínio de técnicas corporais específicas. Nessa área, o termo “discurso da dança” é utilizado com frequência pelos artistas e demais especialistas. Aparece em entrevistas ou documentários realizados com dançarinos e coreógrafos, e também nos textos dos programas que são distribuídos na entrada dos espetáculos. Ao excluirmos de nosso objeto a dança ritual onde os gestos estão préviamente codificados com significação fixa e unívoca, ao excluirmos as danças tradicionais cujo repertório de gestos e movimentos é imutável, e, por fim, ao excluirmos a dança festiva e espontânea praticada de modo aleatório, coletiva ou individualmente, podemos então nos perguntar: o que diz o discurso da dança-espetáculo? Afora os movimentos de pantomima que podem eventualmente integrar uma coreografia e que significam pela referência icônica, como uma coreografia faz sentido? Parte-se da idéia de que a dança espetáculo precisa “tocar” o espectador. Isso somente é possível na medida em que ela lhe diga algo, por mais abstrato ou vago que seja, que justifique para ele o fato de ali estar. Se é discurso, é endereçado e contém em seu enunciado um destinatário suposto.

A pergunta merece uma precisão no que concerne ao destinatário suposto do discurso da dança: não se tratará aqui do que pode significar o vocabulário ou a linguagem da dança para os profissionais que a praticam. Do contrário, estaríamos no campo de uma reflexão de especialistas e técnicos na arte da dança e o que aqui se quer é interrogar a dança na sua capacidade de significar para o espectador leigo, mero amador e frequentador desse tipo de espetáculo, como é aliás nosso caso.

Nosso trabalho está organizado em duas partes: na primeira, colocamos fundamentos teóricos que esboçam uma abordagem de leitura; na segunda, exercitamos o uso dessa abordagem no tratamento de quatro fragmentos1 1 Falamos de fragmentos discursivos na medida em que operamos uma seleção na constituição do corpus o que, a rigor, na perspectiva aqui adotada, é o que acontece em toda pesquisa, uma vez que o enunciado é parte de uma cadeia que o ultrapassa. discursivos.

1 Elementos teóricos

Tentaremos responder a nossa pergunta inscrevendo-a numa problemática discursiva mais ampla. Para tanto, mobilizaremos a abordagem bakhtiniana e do Círculo para os estudos discursivos e iremos recorrer ao teórico da dança Rudolf Laban2 2 Coreógrafo e dançarino, ele foi também criador de um sistema de cinesiografia (grafia do movimento) conhecido como Laban notation. , no qual encontramos elementos que nos parecem autorizar essa transposição.

No livro que aqui utilizamos, designado por ele como um manual para o palco, Laban analisa e descreve a relação do corpo com o espaço. Sua intenção é que “[...] se amplie e se aprofunde a apreciação e a compreensão do movimento humano” (1978, p.56).

A primeira indicação que nos autoriza a transposição pretendida é que Laban trata a dança como uma linguagem:

Os movimentos isolados são evidentemente apenas semelhantes às palavras ou às letras de uma língua, não dando nenhuma impressão definida, nem tampouco um fluir coerente de idéias. A fluência de idéias deve ser expressa em sequências de movimento como as sentenças da fala (1978, p.141).

E se aproxima, sem o saber, da concepção de linguagem de Volóchinov quando este diz:

O centro de gravidade para ele [o falante] não se encontra na identidade da forma, mas naquela significação nova e concreta que ela adquire nesse. contexto.

[...] No geral, a tarefa de compreensão não se reduz ao reconhecimento da forma usada, mas à sua compreensão em um contexto concreto, à compreensão da sua significação em um enunciado, ou seja, à compreensão da sua novidade e não no reconhecimento de sua identidade (2017, p.177-178).

Diz Laban:

O uso exclusivo de movimentos com um significado fixo jamais resultará num trabalho de arte, pois é precisamente a combinação incomum de movimentos que os torna interessantes para o público (1978, p.142).

Sabemos que a ancoragem social e ideológica da arte é central na filosofia da linguagem de Volochínov:

O traço característico da interação estética é justamente o fato de se realizar plenamente na criação da obra e nas suas constantes recriações mediante a contemplação criativa conjunta, e não necessita de nehuma outra objetivação. Mas, esta forma peculiar de comunicação não aparece isolada: participa na corrente única da vida social, reflete em si a base econômica comum e entra em interação e intercâmbio de forças com outras formas de comunicação (2013a, p.76-77; destaque do autor).

A mesma ancoragem aparece indicada, embora sem desdobramento, na reflexão de Laban sobre a dança. Teria Laban conhecido a obra do Circulo3 3 Rudolf Laban nasceu em 1879 e faleceu em 1958, sendo, portanto, contemporâneo dos autores do Círculo. De origem húngara, quando viveu na Alemanha, sustentava a ideologia do regime nazista embora acabe sendo desautorizado por Goebbels quando, então, transferiu-se para Londres. Ideologicamente, portanto, parece que nada o aproximava das ideias do Círculo. Entretanto mantemos a pergunta colocada. ?

O que parece é que, durante várias centenas de anos, vieram se opondo duas modalidades gerais de movimentação passíveis de fácil reconhecimento: a da classe alta e a da classe baixa, havendo talvez um estilo intermediário entre os dois (1978, p.204).

Uma grande parte da análise de Laban concentra-se no trabalho do bailarino-ator, o que o direciona para as bases da mímica ou, se preferirmos, da pantomima. Mas ao analisar os componentes da mímica que integram a linguagem da dança, ele diz: “O solo nutritivo onde se alimenta a árvore da mímica é o mundo dos valores” (1978, p.187).

Ao dirigir-se aos estudantes dançarinos-atores, orienta-os a tomar, em primeiro lugar:

[...] o caráter das pessoas a serem representadas, do tipo de valores pelos quais lutam e das circunstâncias nas quais esta luta ocorre. A seguir, como parte de sua função criativa enquanto ator, ele deve selecionar os movimentos apropriados ao personagem, aos valores e à situação em particular (LABAN, 1978LABAN, R. O domínio do movimento. 4. ed. Tradução Ana M. B. De Vecchi e Maria Sílvia Mourão Netto. São Paulo: Summus Editorial, 1978. [1950], p.194).

Em Volóchinov:

Uma vez que o signo é criado entre os indivíduos e no âmbito social, é necessário que o objeto também obtenha uma significação interindividual, pois apenas assim ele poderá adquirir uma forma sígnica. Em outras palavras, somente aquilo que adquiriu um valor social poderá entrar no mundo da ideologia, tomar forma e nele consolidar-se (2017, p.111; destaque do autor).

[...] Não existe um enunciado sem avaliação. Todo enunciado é antes de tudo uma orientação avaliativa (2017, p.236; destaque do autor).

Quase no final do livro, Rudolf Laban indica que a dança moderna não aceita os passos do repertório clássico nem o vocabulário que se baseia na mímica para poder significar.

Para muitos bailarinos modernos, a “dança literária”, aquela cujo conteúdo pode ser descrito num resumo, não é dança de modo algum mas, sim, dança-mímica. Os movimentos familiares ao espectador devido a sua semelhança com os que se usam nas ações e comportamentos cotidianos são suspeitos a esses dançarinos modernos. [...] O dançarino moderno reivindica o direito de criar invenções pessoais na dança, com base em sequências de evoluções não convencionais de seu corpo (1978, p.235-236).

Entretanto, concordamos com Grillo quando diz: “[...] a linguagem visual funda-se sobre uma matriz indicial que comporta uma relação icônica ou de semelhança com os referentes do mundo” (2012, p.241).

Se admitirmos que, para o espectador, a dança-espetáculo é uma linguagem predominantemente visual, podemos dizer que toda coreografia contém referências icônicas mas, uma vez agenciadas em sequências, demandam uma interpretação que escapa tanto à dicionarização quanto à compreensão imediata4 4 Sem contar que qualquer símbolo, mesmo motivado como o índice e o ícone de Pearce, demanda o conhecimento prévio das convenções culturais do contexto em que aparece. . Parece-nos que, se a dança consegue fazer sentido para seu interlocutor amplo, o público, é porque se apresenta como uma totalidade que, por sua vez, está organizada como gênero discursivo. Como diz Medviédev, “[…] a poética deve partir precisamente do gênero. Pois o gênero é uma forma típica do todo da obra, do todo do enunciado” (2008a, p.193).

A recorrência de determinadas sequências de movimento supõe que o destinatário-espectador identifique essa regularidade como algo que irá tipificar o gênero de discurso em questão. O gênero fornecerá chaves de leitura para o espectador mesmo que este não seja um profissional da dança. Transpor o conceito de gênero discursivo dos textos bakhtinianos e do Círculo para a linguagem da dança não parece contradizer as idéias de Laban. De fato, encontramos em sua análise do movimento, elementos convergentes com essa transposição:

Embora não pretendamos oferecer sequer um esboço da história do movimento, pode-se adiantar que em certas épocas, em partes definidas do mundo, em certas ocupações, nos apreciados credos estéticos ou em habilidades com fim utilitário, algumas atitudes corporais são preferidas e usadas com mais frequência do que outras. [...] É fácil compreender como a seleção e o estabelecimento de preferências de certas atitudes corporais criam um estilo [...] (LABAN, 1978LABAN, R. O domínio do movimento. 4. ed. Tradução Ana M. B. De Vecchi e Maria Sílvia Mourão Netto. São Paulo: Summus Editorial, 1978. [1950], p.135).

Do mesmo modo, podemos dizer que os autores do Círculo autorizam expansões dessa ordem. Segundo Brait5 5 No original: “La genèse et le développement de la pensée bakhtinienne suggèrent ce geste amplificateur de l’objet langage, si l’on tient compte notamment de ce que, à aucun moment, les travaux du Cercle ne se définissent comme une théorie linguistique ou une théorie littéraire tout court”. ,

A gênese e o desenvolvimento do pensamento bakhtiniano sugerem esse gesto amplificador do objeto linguagem, se levarmos em conta principalmente que, em nenhum momento, os trabalhos do Círculo se definem como uma teoria linguística ou uma teoria literária exclusivamente (2012, p.2).

Ao identificar regularidades na dança, o espectador encontrará o equivalente às formas relativamente estáveis de enunciado que caracterizam os gêneros discursivos. Segundo Bakhtin:

Falamos apenas através de certos gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados têm formas relativamente estáveis e típicas de construção do conjunto (2016, p.38,;destaque do autor).

Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (2016, p.12; destaque do autor).

Nossa hipótese poderia ser assim formulada: a compreensão ativa da platéia e o trabalho de produção de sentido baseia-se em elementos da realidade socio-cultural compartilhada entre ela e o artista criador-intérprete da dança. Mas isso não quer dizer que o discurso da dança copie ou imite a realidade compartilhada. É pelo gênero que a relação com a realidade ilumina a obra e nos permite compreendê-la e não apenas pela iconicidade de seus signos. Medviédev explica a natureza da relação entre gênero discursivo e realidade:

A totalidade artística de qualquer tipo, isto é, de qualquer gênero, orienta-se na realidade de forma dupla, e as particularidades dessa dupla orientação determinam o tipo dessa totalidade, isto é, seu gênero.

Em primeiro lugar, a obra se orienta para os ouvintes e receptores, e para determinadas condições de realização e de percepção. Em segundo lugar, a obra está orientada na vida, como se diz, de dentro por meio de seu conteúdo temático. A seu modo, cada gênero está tematicamente orientado para a vida, para seus acontecimentos, problemas, e assim por diante (2012a, p.195).

Em suma, “O gênero lança uma luz sobre a realidade, enquanto a realidade ilumina o gênero” (2012a, p.201).

Ademais, podemos conceber a realidade compartilhada que torna o gênero compreensível pelo fato de que a arte, enquanto gênero discursivo secundário6 6 Os termos secundário e primário são propostos por Bakhtin em Os gêneros do discurso (2016, p.11-69). Acreditamos poder fazê-los corresponder à relação que Volóchinov estabelece entre a arte e o que chama de gêneros cotidianos. Ver também VOLÓCHINOV, 2017. , elabora-se a partir dos gêneros cotidianos. Segundo Volochínov, no discurso cotidiano comum se encontram “os fundamentos, as potencialidades de uma forma artística futura” (2013a, p.77).

Para entendermos como se cria, por sua vez, o gênero cotidiano, Volochínov nos oferece a seguinte síntese: “Toda situação inscrita duravelmente nos costumes possui um auditório organizado de uma certa maneira e consequentemente um certo repertório de pequenas fórmulas correntes” (2013b, p.160; grifo nosso.).

Entendemos assim que os enunciados relativamente estáveis dos gêneros discursivos da dança fornecem ao espectador vestígios das fórmulas correntes do discurso cotidiano e instauram, desse modo, uma discursividade compartilhada. As recorrências e regularidades que o espectador percebe e que aqui designaremos como formas recorrentes convocam-no a produzir sentido. Na medida em que tipificam um gênero, outros elementos deste - as esferas concretas de produção e circulação, a relação entre interlocutores, a temática e os valores afirmados - poderão configurar um quadro geral de referências. A partir delas, uma leitura interpretativa, mesmo espontânea e assistemática, fará emergir as singularidades, tanto da obra e/ou de seu intérprete naquilo que trazem de novo, quanto de cada espectador na rede discursiva que lhe é própria.

No exercício de leitura subsequente, trabalharemos com determinadas formas recorrentes tentando identificar um quadro geral de referências que, evidentemente, não são exaustivas. Outros espectadores poderão perceber outras recorrências contidas no mesmo gênero discursivo e, até mesmo, formas que convocariam outros gêneros discursivos. Afinal, nada impede que um mesmo discurso seja perpassado por mais de um gênero. Esse é, aliás, o caso dos discursos tratados abaixo. Por essa razão, falaremos de fragmento discursivo para sublinhar que operamos um recorte no fluxo discursivo em que aparecem e na rede complexa de gêneros que os perpassam. Conforme indicamos antes, toda pesquisa na abordagem bakhtiniana e do Círculo leva em conta o fato de que a responsividade dos enunciados remete sempre a outros discursos, sejam eles analisados ou não.

2 Exercício de leitura

2.1 Primeiro fragmento: a busca das alturas

Tomaremos para começar um fragmento exemplar da coreografia clássica, o célebre balé A morte do cisne (FOKINE, 1907). A coreografia foi criada por Mikhaïl Fokine e é considerada a maior expressão do balé clássico romântico, no qual não é apenas o virtuosismo e a técnica que são buscados como valor. O caráter romântico valoriza aqui a expressividade de uma condição de dor e de fragilidade diante da morte. A música de Saint-Saens de que se serve o balé é uma parte integrante da obra O carnaval dos animais (SAINT-SAENS, 1886), peça satírica e jocosa composta especialmente para as festas carnavalescas da época. Posteriormente, o compositor proibiu a difusão da obra por considerar que não estava à altura de seu renome de compositor de música séria. A parte utilizada em A morte do cisne foi a única parte autorizada por ele para divulgação, por ser dramática e não jocosa. No link abaixo, encontramos um vídeo disponível no Youtube7 7 Último acesso em 19/02/2018. , com o balé encenado no Teatro Mariinsky de São Petersburgo na Rússia, em 2007, por ocasião dos cem anos da estréia da obra nesse mesmo teatro em 1907. Segundo a indicação no youtube, ele é aqui interpretado pela bailarina Ulina Lopatkina: http://www.youtube.com/watch?v=XmlpxIJ1BqY

Primeiramente, o uso de um vídeo do youtube merece uma consideração metodológica. Essa esfera de circulação de documentos audiovisuais mereceria por si só um estudo à parte, uma vez que suas especificidades conferem aos vídeos uma condição discursiva peculiar - o formato, as informações apostas à imagem (por exemplo, o tempo de duração), os recursos interativos oferecidos ao espectador para interromper a visualização, congelar a imagem, voltar, adiantar, repetir, etc. Além disso, cada vídeo apresenta-se em um ambiente discursivo saturado de chamadas para outros vídeos, comentários de internautas, etc. Todos esses aspectos parecem configurar nosso material de análise, o vídeo do youtube, como um subgênero discursivo mas, analisá-lo, fugiria ao objeto de nosso texto.

Vamos então tomar o youtube como um espaço de pesquisa onde o pesquisador encontra arquivos para seu corpus. O que significa que o uso e o olhar do objeto-vídeo obedecem e se constrangem pelas questões do pesquisador e sua abordagem teórica. De certo modo, podemos ver um paralelo com as preocupações metodológicas de Volochínov quando se serve de enunciados artísticos como se fossem da vida cotidiana.

Esse procedimento é cientificamente perigoso e admissível somente em casos excepcionais. No entanto, por não dispormos de uma fita magnética gravada que possa transmitir-nos a efetiva transcrição de uma conversação entre pessoas reais devemos utilizar o material literário tendo sempre presente sua particular natureza artística (2013b, p.179-180).

No nosso caso, devemos esquecer convencionalmente, na expressão de Volochínov (p.179), que se trata de um vídeo no youtube para tratar de nossas questões relativas à dança. O que aparece como regularidade na coreografia? Independentemente do reconhecimento dos passos ou das bases que o profissional ou iniciado designaria como vocabulário do balé clássico, podemos observar algumas formas recorrentes:

  • Os movimentos se encadeiam em linha contínua, sem rupturas, sem obstáculos - de um lado do corpo ao outro, do pé até a mão ou vice-versa, de baixo até o alto.

  • A ênfase é colocada na linha em detrimento do volume - mais desenho do que escultura, quase somente em duas dimensões (vertical e horizontal ou altura e largura).

  • Os corpos delgados e finos aparecem como que suspensos por fios invisíveis em função da leveza que aparentam.

  • As roupas tendem a acentuar esses aspectos - as meias coladas ao corpo, as sapatilhas acompanham o desenho dos pés. Também o penteado feminino que prende e assenta os cabelos para que não produzam volume ou desalinho.

  • O esforço e a tensão são ocultados pelo apagamento do peso e do barulho - o corpo quase poderia flutuar.

  • O gesto é límpido, preciso e depurado - busca-se exibir a perfeição do gesto e do corpo.

  • Os movimentos se encadeiam em linha contínua, sem rupturas, sem obstáculos - de um lado do corpo ao outro, do pé até a mão ou vice-versa, de baixo até o alto.

  • A ênfase é colocada na linha em detrimento do volume - mais desenho do que escultura, quase somente em duas dimensões (vertical e horizontal ou altura e largura).

  • Os corpos delgados e finos aparecem como que suspensos por fios invisíveis em função da leveza que aparentam.

  • As roupas tendem a acentuar esses aspectos - as meias coladas ao corpo, as sapatilhas acompanham o desenho dos pés. Também o penteado feminino que prende e assenta os cabelos para que não produzam volume ou desalinho.

  • O esforço e a tensão são ocultados pelo apagamento do peso e do barulho - o corpo quase poderia flutuar.

  • O gesto é límpido, preciso e depurado - busca-se exibir a perfeição do gesto e do corpo.

Desenhamos então o seguinte esquema8 8 Esse esquema e os demais são de nossa autoria. (Fig. 1):

Figura 1

As formas recorrentes inscritas no gênero discursivo fornecem um quadro geral, de modo algum exaustivo, no interior do qual o espectador poderá identificar outros elementos e construir sua interpretação singular. Na nossa hipótese, do mesmo modo que o artista, o espectador será criador de uma interpretação singular a partir da base comum ao gênero.

Como em todo gênero de discurso artístico, as formas aqui tipificadas encarnam valores que são, a um só tempo, estéticos e sociais. A evolução coreográfica tem como direção o alto9 9 Sem se deter em nenhum gênero ou estilo em particular, Laban dá algumas indicações com o mesmo sentido: “Um corpo esticado para cima oferece uma impressão diferente de um curvado para baixo. [...] O balé clássico, herdeiro das cerimônias de corte dos últimos três séculos, é uma forma artística na qual prevalece o movimento de dança-alta [...]” (1978, p.206-207). . Poder voar, alcançar o céu ou as altas esferas, para longe do chão e da terra. Nesse exemplo específico, o tema da morte e do cisne engendram movimentos de tremular dos membros que evocam o vôo ou as últimas tentativas de voar, numa tensão dramática de resistência à morte. A direção para o alto acentua a dramaticidade da agonia face à morte que puxa o corpo para o chão. Da mesma forma, a música acompanha o movimento se agudizando, indo do grave para o agudo. Do mesmo modo que a linha contínua do braço, ao se quebrar, dramatiza a impossibilidade de alçar vôo com a asa partida. Assim como a música volta aos tons graves e se quebra - interrompe, novamente, nos agudos, produzindo dramaticidade. A figura do cisne acentua a forma longilínea, ascendente e elegante. E o figurino branco se associa aos valores de pureza celestial. Em outras obras do mesmo gênero, é comum o palco ser envolvido de névoa fina, remetendo, mais uma vez, às esferas celestes. A verticalidade do corpo aponta para cima e o prodígio, isto é, o ponto chave de virtuosismo é a ponta e o salto10 10 Embora não apareça nesse balé, o salto é um enunciado típico do gênero e por isso o incluímos em nosso esquema. Do mesmo modo, a elevação da perna na altura da elevação do braço foi incluída. Trataremos desse ponto mais adiante. . É nesses momentos que o público aplaude e é autorizado a irromper e interromper no meio do espetáculo. Mas tudo deve aparecer como leveza e naturalidade. Porque os valores estéticos da coreografia clássica são da ordem da sublimação: as imprecisões da vida e dos movimentos cotidianos devem desaparecer e se fazerem esquecer, seguindo um ideal de perfeição, equilíbrio, simetria, leveza e harmonia. Ao gesto puro, homologa-se o som puro de linhas melódicas nítidas em uma transmissão perfeita (executada em presença pela orquestra ou, em outros casos, por aparelhagem de som sofisticada).

Esse efeito de sentido apoia-se na esfera de produção e circulação do discurso do gênero: estamos em um teatro onde palco e platéia são claramente separados. No palco, o artista é dono do espaço. Espaço amplo e cuidadosamente encerado onde ele pode deslizar, saltar e expandir-se em todas as direções. Tudo ali é disposto para que sua arte seja perfeitamente vista e apreciada. Trata-se de um espaço protegido e inalcançável por quem não pertence a ele. Em frente, o público perfeitamente instalado, em poltronas e cadeiras concebidas especialmente para que possa apreciar o espetáculo da melhor forma possível. No escuro da sala e no silêncio circundante, o espectador encontra-se protegido. Ele vê sem ser visto e seu olhar é direcionado para concentrar-se no palco.

Espaço facilitador e propiciador de uma retirada do mundo cotidiano. Ali, outro mundo, o da perfeição das alturas, deve poder surgir. Tanto o palco como a platéia constituem espaços exclusivos em que só entra quem é habilitado para tal: o artista, profissional especializado formado nas melhores escolas, mestre na técnica e na arte; o público que pode e escolhe pagar para estar ali, habituado a frequentar teatros, conhecedor das regras claras e rígidas do comportamento a adotar. A relação entre interlocutores, entre o artista e o público, é inteiramente pré-regulada: onde e quando sentar/levantar, aplaudir/ou não, permanecer em silêncio quase absoluto, etc.

O teatro é como um templo dedicado aos valores daquela arte: nada deve atrapalhar a subida às altas esferas, nem o mínimo ruído, nem o mínimo movimento em falso. Somente ali e desse modo, o corpo diáfano do bailarino poderá alçar vôo aos céus. Aqui, podemos citar Medviédev:

O que então, na realidade, é aquele elemento que reúne a presença material da palavra com o seu sentido? Supomos que esse elemento seja a avaliação social (2012b, p.183).

De fato, é impossível compreender um enunciado concreto sem conhecer sua atmosfera axiológica e sua orientação avaliativa no meio ideológico (2012b, p.185).

O dispositivo do palco instaura um jogo de presença/ausência, visibilidade/invisibilidade, com ajuda dos efeitos de iluminação e de cenografia, e pela alternância de entradas e saídas do palco. O escuro, em que o artista penetra desaparecendo para o público e de onde surge sem ser visto, engendra uma teatralidade da aparição e do mistério em que, mais uma vez, o valor das alturas é consagrado.

O palco é bordeado por grandes cortinas de veludo, matéria nobre e imponente, que intensificam a teatralidade ao mesmo tempo em que isolam e protegem o artista. A relação entre os interlocutores, entre o artista e a platéia, é assim delimitada, contribuindo para tematizar a separação entre o ordinário e o extraordinário.

Na entrada, um programa impresso fornecido pelo teatro a cada espectador comenta, informa e explica aspectos do espetáculo: o título do balé, que muitas vezes remete a uma história, a uma lenda, etc. cujo resumo consta do folheto; a coreografia, que pode ser comentada pelo autor e também por um crítico da arte; o histórico e o currículo dos artistas - compositor, coreógrafo, dançarinos, cenarista, figurinista, etc. - o que fornece a priori a valorização social e a legitimação conferidas pela instituição-teatro que acolhe o espetáculo. Todo texto que acompanha o discurso da dança forma com ela uma unidade verbo-visual dirigida ao espectador e que mereceria ser analisada se tivéssemos aqui mais espaço e caso estivéssemos presentes no teatro e acedêssemos a esse material. Ao recorrer a um arquivo do youtube, o pesquisador aparece privado desse material verbal copresente na cena do espetáculo. Podemos, entretanto, sugerir que o discurso da dança seria de natureza viso-verbal, invertendo a designação habitual, uma vez que a predominância recai no material visual e não no verbal.

Mais uma vez, sublinhamos que os elementos de leitura que trazemos não esgotam o trabalho interpretativo, mas o subsidiam. O discurso da dança é feito de múltiplas discursividades e vozes, como a música, a cenografia, o figurino, a iluminação. O que apresentamos aqui é apenas um quadro geral que indica valores do gênero.

Além do quadro geral aqui esboçado, será necessário identificar e integrar as recorrências específicas da obra. No nosso exemplo, embora não apareça nesse balé, o salto é um enunciado típico do gênero e por isso o incluímos em nosso esquema. Do mesmo modo, a elevação da perna até quase coincidir com a linha do braço foi incluída como ponto chave de virtuosismo e de afirmação dos valores estético-sociais do gênero. Mas, em A morte do cisne, entendemos que a ausência dessas proezas marca uma especificidade da obra na qual, justamente, a proximidade da morte as impossibilita. Além das formas e sentidos específicos de uma obra, integram o trabalho interpretativo aqueles que correspondem ao estilo do coreógrafo e ao estilo do bailarino.

2.2 Segundo fragmento: o drible na rua

Os efeitos de sentido do discurso da dança se desdobram e se multiplicam ainda mais quando fazemos dialogar diferentes gêneros. Para os objetivos do presente trabalho, quanto mais contrastante for a comparação, mais claro o enunciado-tipo aparece. Prossigamos então com outro gênero discursivo de modo a nos apoiarmos no contraste. Trata-se da dança urbana, por muitos chamada de hip-hop, tal como ela aparecia no início da sua difusão e adoção na França dos anos 8011 11 O hip hop nasce nos Estados Unidos muito antes de difundir-se em inúmeros países. Trabalhamos com material francês por ser aquele ao qual tivemos maior acesso em função de vivermos na França. . O vídeo escolhido como exemplo12 12 Disponível no youtube, fragmento 1/7. Último acesso em 20/02/2018. é um fragmento do documentário de Jean-Pierre Thorn, Faire kiffer les anges13 13 O título é composto da gíria “kiffer” e de “gens” em verlan - linguajar popular que inverte sílabas ou letras no interior da palavra. Kiffer vem do árabe e originalmente designa o haschisch, evoluindo para designar prazer, êxtase. Um dos significados do título do documentário seria Para extasiar os anjos (e/ou as pessoas). , de 1996, onde aparecem os pioneiros14 14 Como são muitos dançarinos e muitas vezes em conjunto ou alternância, ver seus nomes no documentário. do hip-hop na França. O documentário mostra os vários elementos da chamada cultura hip-hop - grafiti, diferentes gêneros de dança que nela se fundem (o break, o battle, etc.), diferentes gêneros musicais como o scracht, o rap e outros: https://www.youtube.com/watch?v=H6N6CB38BdM Acrescente-se o fragmento 7/7 do mesmo documentário15 15 Acrescentamos esse fragmento por dois motivos: primeiramente porque ele traz elementos da constante evolução do discurso da dança. Por exemplo, aqui é possível identificar elementos da dança flamenca. Além disso, nele se vê com clareza o prodígio, o ponto chave de virtuosismo no gênero. Trataremos de ambos os aspectos na sequência da análise. : http://www.youtube.com/watch?v=dEgLroN83pM

Precisaremos aqui esquecer convencionalmente tanto o sub-gênero “vídeo do youtube” quanto o gênero “filme documentário”16 16 O documentário foi produzido e divulgado pela prestigiada rede de tv franco-alemã ARTE. Assim, ele traz uma condição de valorização e legitimação institucional do hip hop que é bem posterior ao seu surgimento e ao início da sua difusão na França. com todo seu material verbal, para nos concentrarmos na dança.

Também nesta, elementos verbais se incluem como material na interpretação que faz o expectador e/ou dançarino daquilo a que assiste. Dada a situação informal da cena, entre o grupo de pares e parceiros, muita coisa é dita verbalmente e participa da produção de sentido. Mais uma vez, porém, o pesquisador não está presente à cena e não dispõe desse material para análise. Trabalhamos então com o discurso coreográfico naquilo em que nos é possível identificar algumas sequências de gestos e movimentos recorrentes:

  • Os movimentos e gestos são aqui decompostos, desconstruídos. Cada parte do corpo - cabeça, ombro, alto do braço, baixo do braço, mão, cada dedo na mão espalmada - tornam-se como peças destacáveis de uma máquina ou de um robot17 17 Nas versões americanas, fala-se de robot dance. .

  • A linha é quebrada18 18 Daí, em inglês, o break. e em cada articulação se marca uma tensão. O gesto tenso e quebrado, com o uso de movimentos em câmara lenta, acentua e revela a desconstrução de uma rigidez pré-estabelecida.

  • A coreografia opera com o peso e o volume. Os corpos não são exibidos como no balé clássico. Ao contrário, são ocultados e aumentados pelas roupas largas e os tênis volumosos e pesados.

  • O peso e o volume puxam para baixo e essa é a direção para a qual evolui a coreografia: o chão e o baixo. O espaço é reduzido e muitas vezes compreende apenas a região entre a linha da cintura e a parte inferior.

  • Os movimentos tangentes ao solo se desdobram com o apoio da mão espalmada no chão. Aqui o virtuosismo se acentua pela rapidez com que os movimentos são executados tendo como único suporte do corpo todo uma das mãos.

  • O ponto chave do virtuosismo é a sequência que faz girar, de cabeça para baixo, o corpo inteiro com o apoio no chão das partes altas do corpo - costas na região dos ombros ou cabeça. Gira o corpo e gira a cabeça e quanto mais tempo girar, mais virtuoso é o artista e mais aplausos ele desperta. A sequência enunciada transgride a ordem espacial ordinária: é o alto invertido em baixo, o mundo de cabeça para baixo.

Esquematizamos assim as formas recorrentes aqui tratadas (Fig. 2):

Figura 2

Se levarmos em conta a dimensão da esfera de produção e circulação do gênero, temos um espaço que é fisica e socialmente reduzido. Na origem do gênero, as danças acontecem no corredor de um conjunto habitacional da periferia ou na calçada estreita do bairro. Mesmo quando o espaço é amplo, é sempre algo a conquistar. Em geral, o chão é áspero e nele não é possível deslizar. Às vezes a dança é produzida fora da periferia, no centro de Paris, na saída do metrô Les Halles ou no hall do shopping center onde o chão é mais macio. O espaço não pertence ao dançarino, ele deve dançar “conforme a música”, com a parte que lhe sobra. Na diferença com o palco do balé clássico, podemos evocar o conceito de Michel De Certeau (1990) de próprio e não-próprio. Ao analisar formas de saber relacionadas com as posições de poder, De Certeau distingue a inteligência daquele que domina um espaço (que dispõe de um próprio) e pode, a partir dele, ter uma visão de conjunto e elaborar uma estratégia de ação, daquele que é obrigado a agir em espaços que não domina (não-próprio), que não lhe pertencem, e a construir táticas pontuais em função do que a ele se apresenta em cada situação. Por exemplo, De Certeau fala de enunciação do pedestre nas ruas de uma cidade e a trata como sendo da ordem da tática. Podemos então dizer que o artista do balé clássico elabora enunciados estratégicos ao passo que o artista de hip-hop enuncia sob o modo da tática.

O ritmo da dança acompanha o ritmo do rap, com escansões bem marcadas nas rimas e nos gestos. A música e o som se reivindicam como impuros na medida em que não exigem uma audição nítida e atenta de linhas melódicas, mas integram fragmentos de diversas fontes sonoras. Muitas vezes integram ruídos como no caso das composições de scracht em que o músico “arranha” manualmente discos de vinil. Estamos em plena rua ou cidade com seus barulhos insistentes e intrusivos, longe do espaço calafetado dos veludos do teatro. O equipamento de som e a trilha sonora são trazidos pelo próprio dançarino, que chega no grupo com seu rádio ou gravador portátil. Ou que liga o som do carro estacionado ao lado da calçada. Som alto, estridente e espaçoso, mas que está sujeito a outros barulhos da rua e a obstáculos eventuais ao bom funcionamento do equipamento.

Alguns movimentos da mão evocam o aprisionamento e a barreira de um muro ou de uma grade. Esse mundo-espaço não se deixa atravessar facilmente. A cidade agride os corpos e coloca barreiras. Os movimentos entrecortados e angulosos trazem a tensão do trajeto. É necessário avançar por baixo e driblar os obstáculos - por ondulações e movimentos circulares a partir do chão. A dimensão de humor e de jogo aparece então, como se brincassem qual crianças ou acrobatas de circo, com cambalhotas que despertam o riso dos parceiros e dos passantes. Corpos de borracha que desmancham a ordem rígida de onde partem. A acrobacia assume aqui o valor de desafio e conquista, em um universo hostil que é preciso enfrentar. O que na vida é violência e agressividade é ressignificado pela tomada de distância, transformação e derisão. A arte, a técnica e o virtuosismo “dão um drible” na vida.

As roupas facilitam os movimentos amplos e também contribuem para tematizar o cotidiano na medida em que não são um figurino de personagens, mas roupas usuais. Acentuam assim a permeabilidade entre a arte e a vida. Sem divisão entre palco e platéia, esta se aproxima do dançarino, aplaudindo e estimulando-o. O espectador é visivel, tem rosto, tem voz e entra na cena. Os dançarinos se alternam na posição de espectadores e de dançarinos que entram e saem da roda de modo improvisado. Mais do que isso, alternam-se na posição de coreógrafos. Podemos então falar de alternância de enunciadores e de acabamento do enunciado. Este se dirige aos interlocutores como um dixi, na expressão de Bakhtin (2016, p.29)BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. Editora 34, 2016. , e adquire o sentido de desafio para o próximo que tomar a palavra, isto é, entrar na roda para executar sua dança: está convocado a fazê-lo tão bem ou melhor que seu predecessor. O desafio aqui, ao contrário da vida, tem caráter festivo, e o êxito de cada um é celebrado por todos. O diálogo e os enunciados desafio/resposta aparecem aqui com nitidez enquanto no balé nem sempre essa dimensão é visível para o espectador. Embora se possa supor que, nos bastidores do teatro, o espírito competitivo e o desafio endereçado aos outros dançarinos estejam igualmente presentes. Mas isso não é ostensivamente mostrado e talvez se deixe apenas entrever, algumas vezes, por um quê de altivez e orgulho na atitude corporal do bailarino clássico.

No hip-hop, a improvisação e a criação da coreografia devem afirmar o estilo de cada dançarino que, partindo do tipo de enunciado comum ao gênero, reinventa a arte a cada vez. O dançarino enquanto autor aparece aqui mais claramente do que no balé clássico onde, apesar da autoria interpretativa do bailarino, é o coreógrafo quem mais aparece na posição de criador. Também no balé moderno e no contemporâneo, a criação se apresenta sempre associada ao nome do coreógrafo. Ou seja, as distinções constitutivas do balé clássico e que persistem na chamada dança contemporânea - palco-platéia, coreógrafo-dançarino, compositor-cenógrafo-figurinista-iluminador, etc. quase19 19 Permanece, por exemplo, a distinção compositor-dançarino. desaparecem no hip hop da rua.

Os valores estéticos-sociais encarnados nas formas típicas do gênero discursivo do hip-hop remetem àqueles da cultura popular analisada por Bakhtin (2010)BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de François Rabelais. 7. ed. Tradução Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2010. [1965] ao tratar da obra de François Rabelais. As inversões do eixo alto/baixo, o desmoronamento do corpo pefeitamente esculpido, a indistinção palco-platéia e o cronotopo da praça no carnaval da Idade Média e do Reanascimento, tudo parece apontar na direção do destronar e derrubar um mundo hierárquicamente rígido e opressivo para celebrar a vida e seu poder de criação e transformação.

A oposição dos valores afirmados nos dois gêneros, clássico e hip-hop, já foi bastante tematizada e mesmo vulgarizada em filmes como Vem dançar e Street Dance 3D20 20 Vem dançar, filme americano de 2005 (Take the Lead, no original) e Street Dance 3 D, filme inglês de 2010. . Aqui, ela aparece como resultado de nossa escolha do corpus. Buscamos formas contrastantes para exercitar uma abordagem de leitura, mas, na realidade, essas formas dão origem a outras mais complexas de serem analisadas. O diálogo e a hibridação entre gêneros estão sempre presentes e em constante transformação. O próprio balé clássico, se analisado em sua história e origem, também poderá ser visto como resultante de outros que o antecederam. Hoje o hip-hop está nos palcos dos teatros e faz parte do vocabulário de coreografias da dança contemporânea. Acreditamos, porém, que as formas típicas que identificamos permanecem como uma referência possível para o entendimento da renovação dos gêneros, inclusive ao serem transgredidas. Bakhtin (2008)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. 4 ed. Tradução Paulo Bezerra, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 [1963]. nos diz:

O gênero sempre conserva os elementos imorredouros da archaica (. É verdade que nele essa archaica só se conserva graças a sua permanente renovação, vale dizer, graças à atualização. O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em cada obra individual de um dado gênero. Nisto consiste a vida do gênero. Por isso, não é morta nem a archaica que se conserva no gênero; ela é eternamente viva, ou seja, é uma archaica com capacidade de renovar-se. O gênero vive do presente mas sempre recorda o seu passado, o seu começo. É o representante da memória criativa no processo de desenvolvimento literário. É precisamente por isto que tem a capacidade de assegurar a unidade e a continuidade desse desenvolvimento (2008, p.121).

Por sua vez, Laban nos indica que a oposição às formas típicas estabelecidas está na origem da criação e da renovação em dança:

Após a descoberta de cada nova combinação de esforço21 21 O esforço empregado é um dos elementos que compõem a análise do movimento elaborada por Laban. que, para um período é venerada como a perfeição dos hábitos de movimento, ocorre um retorno temporário a formas mais primitivas pois se percebe que a especialização num número restrito de qualidades de esforço tem lá os seus perigos. [...] A preferência por umas poucas combinações de esforço apenas resulta numa falta de equilíbrio de esforço. Essa falta nem sempre é notada a nível consciente, mas as pessoas, cansadas de uma dada moda de movimento, tentam introduzir formas novas que, bastante frequentemente, contêm qualidades de movimento em acentuado contraste com as que estavam sendo previamente usadas (1978, p.211).

Laban não menciona explicitamente o balé A sagração da primavera (Nijinski, 1913), mas parece pensar nele quando diz:

Mais recentemente, presenciamos a introdução, no balé clássico, de passos de danças folclóricas e das formas de movimento predominantemente eslavas quanto a sua origem. [...] A rígida tensão induzida no bailarino pela maneira acrobática de dançar nas pontas dos pés foi posteriormente corrigida pela introdução de movimentos mais impulsivos, tais como os que se veem no assim chamado balé moderno (1978, p.212).

2.3 Terceiro fragmento: a transgressão

Interessa recordar aqui o “escândalo” que provocou o balé A sagração da primavera, estreado em 1913 no Teatro des Champs Elysées em Paris. Criado por Nijinsky22 22 Vaslav Nijinski, bailarino e coreógrafo russo de origem ucraniana (1889-1950). , partindo de ritos e lendas populares eslavas, os movimentos da coreografia rompem inteiramente com as regularidades do gênero clássico. Do mesmo modo, romperam-se aí as regras de interação entre os interlocutores. Embora se tratando de um dispositivo teatral onde a relação palco-platéia deveria obedecer ao gênero clássico de espetáculo, as vaias e os assobios impediram os dançarinos de ouvir a música e o diretor e empresário russo Serge Diaghilev, responsável pelo espetáculo, foi obrigado a acender as luzes da platéia inúmeras vezes.

No vídeo23 23 Disponível no youtube. Fragmento 2/3, último acesso em 21/02/2018. abaixo, o balé é interpretado pela compahia americana Joffrey Ballet, em 1987: https://www.youtube.com/watch?v=iH1t0pCchxM

Não fosse exíguo nosso espaço, seria interessante analisar o “escândalo” de A sagração da primavera incluindo em nossa abordagem a distinção entre destinatário suposto e destinatário real. Importaria, então, articulá-los ao conceito bakhtiniano de supradestinatário, uma vez que foi somente na posteridade que a obra pôde ser compreendida e reconhecida como fundadora de uma nova estética e de um novo universo de valores24 24 Para uma distinção entre destinatário suposto e destinatário real, ver AMORIM (2001). Para o conceito de supradestinatário, ver BAKHTIN (2016). .

Retomemos a abordagem que aqui utilisamos e busquemos identificar enunciados-tipo desse discurso. Em A sagração da primavera, mesmo quando aparecem sequências de saltos e movimentos de verticalidade ascendente, eles partem de e retornam à região baixa. Na maior parte do tempo, assistimos a movimentos que tendem para o baixo (a dança-baixa de Laban) ou que se produzem inteiramente no solo. Não há gratuidade nisso porque um dos quadros do balé é o “Canto da terra”, onde o solo é tocado pelos bailarinos e, frequentemente, é lugar de apoio das mãos. O que está em jogo no rito e que é tematizado na coreografia é poder realizar a união entre o céu e a terra.

O prodígio na sapatilha de ponta desaparece. Os pés aparecem numa postura original e inédita, voltando-se para dentro25 25 Considerando-se que os pés constituem um elemento central no corpo que dança, outro exemplo de transgressão fundadora na origem do balé moderno foi Isadora Duncan, que dançava descalça. . As linhas contínuas do balé clássico em que os pés prolongam toda a perna ou que as mãos prolongam todo o braço desaparecem por completo. Ao invés disso, temos linhas cortadas na altura do pulso e mãos que apontam espalmadas para baixo ou para cima. Temos pulsos cerrados apontados para o alto em cenas coletivas o que, ao menos para o espectador contemporâneo, evoca um gesto de luta e solidariedade em manifestações políticas populares. O cabelo é ostentado seja na forma de longas tranças femininas, seja nas volumosas e desalinhadas cabeleiras dos velhos sábios. Em contraste com o corpo moldado e ostentado do balé clássico, aqui as roupas, elemento essencial da linguagem visual da dança, restituem figurinos folclóricos de origem camponesa. Criadas pelo pintor Nicolas Roerich26 26 Nicolas Roerich, pintor, poeta, escritor e historiador russo (1874-1947). , com suas cores vivas e estampadas e com seu volume, apagam a escultura do corpo tal como modelada no figurino clássico. Por vezes, aparece nos movimentos uma dissimetria acentuada, com membros superiores e inferiores que se dirigem de modo desordenado. Corpos em estado de loucura ou, se quisermos nos ater à temática literal do balé, corpos possuídos pelas forças operantes no ritual pagão27 27 Lembremos que o subtítulo da obra é Cenas da Rússia pagã. . A marcação enfática do ritmo com os pés, marchando ou saltando, produz uma sonoridade que, ao contrário do balé clássico, não esconde o peso e a força dos corpos.

Os movimentos, que se repetem de modo quase obsessivo, são marcados pelo ritmo imponente da música de Stravinski28 28 Igor Stravinski, compositor russo (1882-1971). , que traz a mesma repetição enfática. Música29 29 A música foi composta para o balé sob encomenda feita a Stravinski pelo diretor de balé do teatro Marinsky, Diaghilev, que encomendou a Nijinski a coreografia e a Nicolas Roerich o tema-libreto, a cenografia e os figurinos. essa que também foi vista e ouvida como “escândalo”. O elemento rítmico que, em geral, é um suporte aos outros componentes musicais e que permanece como fundo em segundo plano, transfere-se aqui para o primeiro plano. Do mesmo modo que a coreografia de Nijinski foi considerada, por uma grande parte do público e da crítica da época, “primitiva”, “selvagem”. Stravinski traz para a esfera de produção e de circulação da arte de elite, os temas populares do interior da Rússia. A primeira frase musical, que é executada em solo por um fagote e que se tornou uma espécie de marca registrada da obra, é a reprodução exata de um canto dos camponeses eslavos30 30 Segundo declaração do próprio Stravinski. Cf. a brochura Aux sources du Sacre, programa do concerto do mesmo nome apresentado na Cité de la Musique de Paris em 24/09/2017. . É sabido que Debussy considerava essa obra a grande revolução da música do século XX, na medida em que rompia com os padrões musicais estabelecidos até então.

Indicamos aqui apenas alguns elementos intuitivos da música de Stravinski. Esta foi objeto de estudo detalhado e preciso por músicos e musicólogos como Pierre Boulez e Olivier Messiaen. O próprio Stravinski31 31 Para as análises de Stravinski, Boulez e Messiaen ver https://www.symphozik.info/stravinski-analyse-son-sacre-du-printemps,583,dossier.html. Último acesso em 08/11/2018. , pouco antes da estréia do balé, publica sua análise de cada uma das partes da obra e aqui citamos o trecho em que trata do Prelúdio:

[...] excluí dessa melodia as cordas que evocam em demasiado a voz humana, e coloquei no primeiro plano as madeiras, mais secas, mais nítidas, menos ricas de expressões fáceis e, por isso mesmo, mais emocionantes para o meu gosto. Em suma, quis exprimir no Prelúdio o medo, o “pânico” da natureza pela beleza que se eleva, um terror sagrado diante do sol de meio-dia, uma espécie de grito do deus Pan; sua própria matéria musical se entumece, cresce, se espalha. Cada instrumento é como um broto que eclode na casca de uma árvore secular; ele faz parte de um formidável conjunto. E toda a orquestra deve possuir a energia da primavera nascente [1913]32 32 Traduzido por mim do francês: “[...] j’ai exclu de cette mélodie les cordes trop évocatrices de la voix humaine, et j’ai mis au premier plan les bois, plus secs, plus nets, moins riches d’expressions faciles et, par cela même, plus émouvants à mon gré. En somme, j’ai voulu exprimer dans le Prélude la crainte "panique" de la nature pour la beauté qui s’élève, une terreur sacrée devant le soleil de midi, une sorte de cri du dieu Pan; sa matière musicale elle-même se gonfle, grandit, se répand. Chaque instrument est comme un bourgeon qui pousse sur l’écorce d’un arbre séculaire ; il fait partie d’un formidable ensemble. Et tout l’orchestre doit posséder l’énergie du printemps qui naît”. A questão da significação na obra de Stravinski é, no entanto, matéria polêmica, uma vez que anos mais tarde, em 1935, ele dirá aquilo que ficou conhecido como O postulado de Stravinski: “Considero que a música, pela sua essência, é incapaz de exprimir seja o que for: um sentimento, uma atitude, um estado psicológico, um fenômeno da natureza, etc.” Traduzido por mim do francês “Je considère la musique, par son essence, impuissante à exprimer quoi que ce soit: un sentiment, une attitude, un état psychologique, un phénomène de la nature, etc.” Extraído de https://www.universalis.fr/encyclopedie/igor-feodorovitch-stravinski/6-le-postulat-de-stravinski/. Último acesso em 08/11/2018. .

O “escândalo” de A sagração da primavera” pode ser considerado um verdadeiro acontecimento de sentido. Para o espectador da época, podemos supor que sua resposta, tanto na adesão quanto na rejeição, resulta da confrontação entre ao menos quatro discursos e universos de valores - o clássico e o moderno, o erudito e o popular. Não poderia, mesmo que inconscientemente, o tema do encontro entre o céu e a terra funcionar como metáfora do encontro entre esses discursos, supradestinada aos nossos olhos e ouvidos de hoje? Diz-nos Bakhtin:

[...] o autor do enunciado propõe, com maior ou menor consciência, um supradestinatário superior (o terceiro), cuja compreensão responsiva absolutamente justa ele pressupõe quer na distância metafísica, quer no distante tempo histórico. [...]. O autor nunca pode deixar que ele mesmo nem o conjunto de sua obra discursiva fiquem inteiramente à mercê plena e definitiva dos destinatários presentes ou próximos [...] e sempre pressupõe (com maior ou menor consciência) alguma instância superior de compreensão responsiva que possa se deslocar em diferentes sentidos (destaque do autor). [...]

[...] Para a palavra (e consequentemente para o homem), não existe nada mais terrível do que a irresponsividade (2016, p.104-105; destaques do autor).

Podemos também perguntar: nessa Rússia efervescente de modernidade, teriam os autores do Círculo frequentado a vanguarda do Teatro Mariinsky?

Voltemos às formas recorrentes aqui trabalhadas (Fig. 3).

Figura 3

Não nos parece despropositado colocar em diálogo o discurso do gênero hip-hop e o discurso do balé criado por Nijinsky. Nos dois casos, aparecem componentes da cultura e da estética popular, tal como indicados em Laban e fartamente tratados por Bakhtin, que deixam suas marcas na construção dos enunciados. Entretanto, um problema para o diálogo entre os dois gêneros é a disparidade na esfera de produção. A sagração da primavera foi criada sob encomenda de Diaghilev, diretor do balé do Teatro Mariinski, templo russo do balé clássico. Quanto à circulação, ele foi encenado em teatros da mesma linhagem, para públicos “habitués” desses teatros, de seus gêneros e de seus repertórios. O escândalo parisiense na estréia do balé em 1913 ocorreu na inauguração do Théâtre des Champs Elysées. Ou seja, apesar de seu caráter revolucionário, vários elementos do gênero obrigam-nos a circunscrevê-lo no universo de um público elitizado econômica e culturalmente. Sua memória discursiva pode, já em 1913, e mais ainda hoje, comparar com outros balés, outros coreógrafos, que passaram e que passam pela mesma esfera de circulação e recepção e, até poderíamos dizer, o mesmo cronotopo33 33 Não fosse exíguo nosso espaço e outro conceito bakhtiniano mereceria ser posto a serviço da análise do discurso da dança: o cronotopo do gênero. - o teatro como instaurador de uma determinada espacialidade e temporalidade na relação palco-platéia. Os dois discursos em questão (“Hip hop” e “Sagração”), por mais que contenham em comum os elementos da cultura popular identificados por Bakhtin, instauram uma relação entre os interlocutores de natureza distinta. A leitura e a produção de sentido obedeceram e obedecerão aos constrangimentos diversos dos dois gêneros.

O que, no entanto, permanece como elo é a constatação de que a evolução da arte e dos gêneros produz-se sempre na fronteira entre diferentes linguagens e campos da cultura. Em sua crítica às abordagens formalistas da arte, Bakhtin diz:

[...] ignoravam-se as questões da relação de reciprocidade e da interdependência entre os diversos campos da cultura; esquecia-se frequentemente que as fronteiras desses campos não são absolutas, que variam em diferentes épocas, não se levava em conta que a vida mais intensa e produtiva da cultura transcorre precisamente nas fronteiras de seus campos particulares e não onde e quando essas fronteiras se fecham em sua especificidade (2017, p.11-12).

Importante lembrar que a renovação da arte não pode ser entendida como uma cronologia sucessiva e irreversível. O “novo” e o “velho” podem ser simultâneos e não se suprimem mutuamente. No caso da dança, por exemplo, o chamado balé clássico continua a ser um gênero admirado e seus espetáculos continuam a ter grande afluência de público. A sagração da primavera foi criada por Nijinski na mesma instituição, o Teatro Mariinsky34 34 Embora estreado em Paris, no Théâtre des Champs Elysées, a obra é uma criação do Teatro Mariinsky e foi executado em Paris pelo corpo de baile russo. , que A morte do cisne por Michel Fokine. Este último, apenas três anos antes da Sagração, em 1910, havia criado, no mesmo teatro e com o mesmo Stravinski, a coreografia de O pássaro de fogo nos moldes do balé clássico romântico que o notabilizou.

2.4 Quarto fragmento: o nome de um desejo

Terminemos com um exemplo de discurso tirado do gênero street dance que, como dança urbana, compõe-se de vários outros gêneros de origem popular e da cultura de rua - hip-hop, capoeira, etc. Vale dizer que, cada vez mais, a street dance, assim como o hip-hop, se produz em espaços institucionais de espetáculo e não mais na rua como indicaria seu nome. No entanto, frequentemente são espaços que guardam uma marca popular e/ou de massa, como os ginásios em que se fazem concursos ou festivais. Nosso próximo exemplo produz-se em um programa de tv aberta brasileira, o reality show chamado Se ela dança eu danço, pela SBT em 2011. Trata-se de um concurso de dança e os jovens candidatos são de origem humilde, em geral, moradores de periferia. No nosso fragmento35 35 Disponível no Youtube. Último acesso em 21/02/2018. , o dançarino, chamado John Lennon da Silva, ganhou o prêmio “Revelação” do programa: https://www.youtube.com/watch?v=OnZB1pE6tNQ&app=desktop

Diferentemente do que fizemos nos fragmentos anteriores, selecionamos esse exemplo para enfatizar, não mais o quadro geral do gênero, mas a singularidade da obra. A street dance criada e interpretada por John Lennon da Silva dialoga direta e explicitamente com o original de A morte do cisne. O dialogismo do discurso encenado por JLS supõe, para seus destinatários, o conhecimento prévio do discurso clássico de origem para que se produza uma compreensão ativa e densa da interação permanente entre os dois discursos.

Do balé original, mantém o título e a música e é também uma dança solo interpretada em um palco. O mesmo movimento de tremular nos braços indica o vôo e o esforço para resistir à morte. Os braços longilíneos desenham a asa quebrada no corpo que se debate: linha angulosa que interrompe as linhas ondulatórias do vôo. Recupera a dramaticidade da versão clássica, mas atualizando-a em contexto radicalmente distinto, o que permite conferir um novo sentido: a dor e a fragilidade de um jovem habitante da periferia, constantemente exposto à morte. Sublinhe-se que, no original clássico, o cisne morre no solo com o corpo debruçado sobre as pernas e, portanto, com o peito protegido. Aqui, nosso cisne moreno morre caindo de costas e de peito aberto, exposto. Morto de frente, sem proteção.

O corpo magro e alto não traz os mesmos valores do corpo delgado e esculpido do bailarino clássico. Aqui parece caber o verso da canção popular36 36 Partido alto, de Chico Buarque de Holanda. : pele e osso simplesmente, quase sem recheio. A camiseta de manga curta acentua a magreza dos braços e a calça larga, a das pernas. Roupa cotidiana condizente com o gênero street dance que indica uma tematização do cotidiano. A morte se torna cotidiana.

A criação singular é de tal peso que coloca as regularidades características do gênero em segundo plano. Parece que aqui esses elementos marcam, mais do que o gênero, a obra e o estilo do artista. Ao mesmo tempo, sem o discurso da street dance e sem o discurso do gênero clássico, e mais ainda, sem o discurso da outra obra em questão, a versão clássica de A morte do cisne, o discurso da dança de JLS perderia muito da densidade de seu sentido. Aqui, a responsividade do enunciado é clara: sua dança responde à dança clássica.

As escolhas de nosso coreógrafo e dançarino - o objeto (a morte do cisne) e o diálogo entre dois gêneros precisos, dança urbana e balé clássico, - indicam uma intencionalidade. Ao tratar da metodologia bakhtiniana na compreensão da obra, Grillo sintetiza a relação entre autor e gênero:

As relações entre intenção discursiva do falante (autor ou sujeito) e o gênero se dão em dois momentos: primeiramente, o falante ou autor escolhe o objeto do sentido; mas essa escolha não é livre, está condicionada à esfera da comunicação discursiva; e em seguida, deve adaptar-se ao gênero escolhido (2012, p.240).

Abaixo (Fig. 4), algumas das formas recorrentes aqui evocadas.

Figura 4

A esfera de circulação e recepção da dança de JLS é o palco de um programa de tevê, inteiramente despojado de cenografia ou iluminação particular. Palco nu de fundo escuro. Também despojada é a roupa do dançarino. Vestido com tons predominantemente escuros, seu figurino traz a origem do gênero. Dessa origem rememorada no “não-figurino” do gênero street dance virá grande parte do sentido de seu enunciado. A dança de John Lennon vem da rua e seu sobrenome é da Silva!

Chegamos assim a outra especificidade desse material de análise: a presença do elemento verbo-visual. Não houvesse mais nenhuma palavra e apenas o nome do artista já seria uma voz a falar para o espectador. John Lennon da Silva é um nome que interpela. Quase podemos dizer que, à maneira dos nomes gregos da Antiguidade, trata-se de um nome que em si quer dizer. Ele é em si mesmo um enunciado. O que ele quer dizer? Ele quer fazer presente algo da ordem da arte. Esse desejo de arte se re-presenta tornando presente o artista inglês que, aqui, é metonímia de arte, de uma cultura de arte. Essa cultura de arte, esse cultivar ou esse desejo de arte poderia tomar o nome de um artista brasileiro o que, aliás, é bastante comum. Por exemplo, são sabidos os inúmeros casos de meninos chamados Roberto Carlos em homenagem ao célébre cantor. Porém, uma vez que o nome escolhido é estrangeiro, o desejo de arte se projeta mais longe, atravessa os mares e vai parar na Inglaterra, nos USA, etc. Um nome que atravessa mares em vez de nadar no lago: mais gaivota do que cisne.

A ousadia do desejo se marca também pelo fato de que causará estranheza a cada vez que for enunciado, uma vez que é notadamente um nome estrangeiro célebre: John Lennon. Mas talvez o que torne mais intenso esse desejo de arte seja o da Silva. Uma coisa é ser o John Lennon. Outra coisa é ser um John Lennon em um país de língua inglesa o que, no Brasil, conota uma condição socio-econômica privilegiada: o idioma inglês soa no Brasil como algo vindo de país rico. Portanto, outra coisa, ainda mais radicalmente outra, é ser John Lennon... da Silva! O sobrenome puxa e ancora o desejo: é daqui, dessa terra onde não se fala inglês, de uma periferia que não está no mapa, que o desejo de arte se enuncia! Com ponto de exclamação porque é assim que ele ressoa em nossas cabeças de espectadores brasileiros.

Além do nome, como o vídeo mostra o programa e não apenas o espetáculo de dança, participam da produção de sentido as inúmeras falas. A de John Lennon que diz “Nome de artista eu já tenho” ou que conta como elaborou a coreografia no contexto de um programa vocacional em que faz aula, ou que queria fazer algo de revolucionário em sua dança, etc. Falas que não serão aqui analisadas na medida em que não temos espaço para tal e que nos parecem convergentes com o que já identificamos. Quanto ao programa de televisão e sua produção, enunciam e tomam a dança de JLS como objeto de discurso, constituindo um gênereo discursivo à parte. Mas só vamos tomá-lo em nossa análise nos aspectos que concernem à presente reflexão.

As falas dos jurados que antecedem a dança parecem encenar uma desconfiança em relação à qualidade do que será apresentado: a roupa que “não tem nada a ver”, o provável desconhecimento do balé original, etc. A impressão que se tem é que essas falas são dirigidas aos espectadores mais do que ao dançarino. A reserva e a desconfiança do início dirigem a compreensão do que vai ser visto pelo espectador. Ao explicar préviamente em que consiste a versão original de A morte do cisne, o jurado subentende que se deve levar em conta a relação entre os dois discursos coreográficos. Ao fazê-lo em tom sério, quase severo, prepara e sublinha sua reação posterior quando aparece chorando, emocionado com a dança de JLS. Uma jurada registra como “inédito” ver aquele jurado chorando. Supomos que faz parte do gênero discursivo do programa, que aqui não é objeto de nossa análise, provocar emoções, suspense, polêmicas, etc. De modo a tornar um reality show o mais parecido possível com a suposta realidade de um concurso de dança.

Como afirmamos, esse material verbal nos parece convergir com o que já identificamos, mesmo se, na aparência, as falas dos jurados questionem John Lennon da Silva em sua competência para o que deseja apresentar. De todo modo, ao final, há unanimidade e o prêmio lhe é concedido. Entretanto, o que irá destabilizar o sentido que aqui produzimos com base na primeira apresentação, será a segunda apresentação da dança de JLS constante no link abaixo37 37 Disponível no Youtube. Último acesso em 21/02/2018. : https://www.youtube.com/watch?v=D4kCpLv_CcQ

Na segunda apresentação, John Lennon da Silva, consagrado e premiado, tem direito a um palco de artista profissional: com iluminação e efeitos especiais, ele dança no meio de uma névoa branca, a mesma que é frequente em espetáculos de balé clássico. No próprio vídeo se marca a mudança intencional da produção do programa que, na posição de enunciador determinante, dá um tratamento ao objeto - a dança de JLS - que visa a dirigir a leitura do espectador. Muitas vezes filmado de cima, em plongée, o dançarino-coreógrafo aparece embebido nas “nuvens”. Novamente, parece que se quer evocar uma esfera celeste, fora da terra e do mundo cotidiano. Embora sua roupa seja de tipo informal e cotidiano - calça e camiseta - parece agora constituir-se em figurino: camiseta branca e tênis branco que são ressaltados pela cenografia clara, azulada e a névoa branca. O contraste com a cena da primeira apresentação é flagrante. Resta saber que efeito de sentido resulta. Aos nossos olhos, houve uma perda. O branqueamento do discurso de John Lennon da Silva esmaeceu os sentidos, enfraqueceu a tensão subjacente a seu discurso, que era diálogo mas também embate com o discurso do balé clássico. Tensão presente já no nome: John Lennon... da Silva!

Para melhor compreender o que ocorreu na passagem da primeira à segunda apresentação, tomamos a formulação de Faraco (2011)FARACO, C. A. Aspectos do pensamento estético de Bakhtin e seus pares. Revista Letras de Hoje, Porto Alegre, 2011, v. 46, n. 1, p.21-26, jan./mar. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/9217
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
sobre o objeto estético na abordagem bakhtiniana e do Círculo, para entendermos que este não é nem mero artefato nem essência metafísica.

Ao contrário, trata-se efetivamente de um conjunto de relações axiológicas (o objeto estético é portanto relacional) que se concretiza no artefato. [...] a grande força que move o universo das práticas culturais são precisamente as posições socio-avaliativas postas numa dinâmica de múltiplas inter-relações responsivas (2011, p.23).

Na segunda apresentação de JLS, é como se o discurso da dança tivesse sido tratado como artefato; assim, ele teria permanecido o mesmo e o tratamento técnico da cena (iluminação, figurino, etc.) serviria apenas para realçá-lo e valorizá-lo. Na verdade, o objeto estético mudou porque a produção do programa de televisão alterou as relações axiológicas. O despojamento inicial do palco, da luz e da roupa, que apontavam para a rua e ancoravam o discurso trazendo novos valores estético-sociais em resposta aos do cisne clássico, ao serem “incrementados”, trouxeram de volta o branco e o celestial. Na primeira apresentação, o desejo de arte brota do asfalto, na segunda, ele vira produção de tevê.

Conclusão

Nosso trabalho partiu da hipótese de que o discurso da dança-espetáculo contém entre seus destinatários supostos um espectador que deve poder construir sentido para aquilo a que assiste mesmo sem ser iniciado na técnica e na arte da dança. Tentou então responder às seguintes perguntas: que elementos o discurso da dança fornece a esse espectador para que ele empreenda um trabalho interpretativo? Haveria um quadro geral de base que orienta esse trabalho?

Com base no conceito de gênero discursivo na acepção bakhtiniana e do Círculo, buscamos identificar algumas das formas recorrentes que equivaleriam a enunciados relativamente estáveis, esferas de produção e de circulação, tipos de relação entre os interlocutores e os valores estético-sociais que se afirmam e se incarnam no discurso da dança. Em suma, pudemos afirmar que a construção de sentido trabalha com totalidades que, uma vez que se organizam segundo constrangimentos e peculiaridades do gênero, estabelecem um solo de realidade discursiva valorada que se compartilha entre o artista e seu público.

  • 1
    Falamos de fragmentos discursivos na medida em que operamos uma seleção na constituição do corpus o que, a rigor, na perspectiva aqui adotada, é o que acontece em toda pesquisa, uma vez que o enunciado é parte de uma cadeia que o ultrapassa.
  • 2
    Coreógrafo e dançarino, ele foi também criador de um sistema de cinesiografia (grafia do movimento) conhecido como Laban notation.
  • 3
    Rudolf Laban nasceu em 1879 e faleceu em 1958, sendo, portanto, contemporâneo dos autores do Círculo. De origem húngara, quando viveu na Alemanha, sustentava a ideologia do regime nazista embora acabe sendo desautorizado por Goebbels quando, então, transferiu-se para Londres. Ideologicamente, portanto, parece que nada o aproximava das ideias do Círculo. Entretanto mantemos a pergunta colocada.
  • 4
    Sem contar que qualquer símbolo, mesmo motivado como o índice e o ícone de Pearce, demanda o conhecimento prévio das convenções culturais do contexto em que aparece.
  • 5
    No original: “La genèse et le développement de la pensée bakhtinienne suggèrent ce geste amplificateur de l’objet langage, si l’on tient compte notamment de ce que, à aucun moment, les travaux du Cercle ne se définissent comme une théorie linguistique ou une théorie littéraire tout court”.
  • 6
    Os termos secundário e primário são propostos por Bakhtin em Os gêneros do discurso (2016, p.11-69). Acreditamos poder fazê-los corresponder à relação que Volóchinov estabelece entre a arte e o que chama de gêneros cotidianos. Ver também VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo . Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. [1929; 1930]..
  • 7
    Último acesso em 19/02/2018.
  • 8
    Esse esquema e os demais são de nossa autoria.
  • 9
    Sem se deter em nenhum gênero ou estilo em particular, Laban dá algumas indicações com o mesmo sentido: “Um corpo esticado para cima oferece uma impressão diferente de um curvado para baixo. [...] O balé clássico, herdeiro das cerimônias de corte dos últimos três séculos, é uma forma artística na qual prevalece o movimento de dança-alta [...]” (1978, p.206-207).
  • 10
    Embora não apareça nesse balé, o salto é um enunciado típico do gênero e por isso o incluímos em nosso esquema. Do mesmo modo, a elevação da perna na altura da elevação do braço foi incluída. Trataremos desse ponto mais adiante.
  • 11
    O hip hop nasce nos Estados Unidos muito antes de difundir-se em inúmeros países. Trabalhamos com material francês por ser aquele ao qual tivemos maior acesso em função de vivermos na França.
  • 12
    Disponível no youtube, fragmento 1/7. Último acesso em 20/02/2018.
  • 13
    O título é composto da gíria “kiffer” e de “gens” em verlan - linguajar popular que inverte sílabas ou letras no interior da palavra. Kiffer vem do árabe e originalmente designa o haschisch, evoluindo para designar prazer, êxtase. Um dos significados do título do documentário seria Para extasiar os anjos (e/ou as pessoas).
  • 14
    Como são muitos dançarinos e muitas vezes em conjunto ou alternância, ver seus nomes no documentário.
  • 15
    Acrescentamos esse fragmento por dois motivos: primeiramente porque ele traz elementos da constante evolução do discurso da dança. Por exemplo, aqui é possível identificar elementos da dança flamenca. Além disso, nele se vê com clareza o prodígio, o ponto chave de virtuosismo no gênero. Trataremos de ambos os aspectos na sequência da análise.
  • 16
    O documentário foi produzido e divulgado pela prestigiada rede de tv franco-alemã ARTE. Assim, ele traz uma condição de valorização e legitimação institucional do hip hop que é bem posterior ao seu surgimento e ao início da sua difusão na França.
  • 17
    Nas versões americanas, fala-se de robot dance.
  • 18
    Daí, em inglês, o break.
  • 19
    Permanece, por exemplo, a distinção compositor-dançarino.
  • 20
    Vem dançar, filme americano de 2005 (Take the Lead, no original) e Street Dance 3 D, filme inglês de 2010.
  • *
    Entendida aqui no sentido etimológico grego como Antigüidade ou traços característicos e distintos dos tempos antigos (N. do T. da edição de 2008).
  • 21
    O esforço empregado é um dos elementos que compõem a análise do movimento elaborada por Laban.
  • 22
    Vaslav Nijinski, bailarino e coreógrafo russo de origem ucraniana (1889-1950).
  • 23
    Disponível no youtube. Fragmento 2/3, último acesso em 21/02/2018.
  • 24
    Para uma distinção entre destinatário suposto e destinatário real, ver AMORIM (2001). Para o conceito de supradestinatário, ver BAKHTIN (2016)BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de François Rabelais. 7. ed. Tradução Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2010. [1965].
  • 25
    Considerando-se que os pés constituem um elemento central no corpo que dança, outro exemplo de transgressão fundadora na origem do balé moderno foi Isadora Duncan, que dançava descalça.
  • 26
    Nicolas Roerich, pintor, poeta, escritor e historiador russo (1874-1947).
  • 27
    Lembremos que o subtítulo da obra é Cenas da Rússia pagã.
  • 28
    Igor Stravinski, compositor russo (1882-1971).
  • 29
    A música foi composta para o balé sob encomenda feita a Stravinski pelo diretor de balé do teatro Marinsky, Diaghilev, que encomendou a Nijinski a coreografia e a Nicolas Roerich o tema-libreto, a cenografia e os figurinos.
  • 30
    Segundo declaração do próprio Stravinski. Cf. a brochura Aux sources du Sacre, programa do concerto do mesmo nome apresentado na Cité de la Musique de Paris em 24/09/2017.
  • 31
    Para as análises de Stravinski, Boulez e Messiaen ver https://www.symphozik.info/stravinski-analyse-son-sacre-du-printemps,583,dossier.html. Último acesso em 08/11/2018.
  • 32
    Traduzido por mim do francês: “[...] j’ai exclu de cette mélodie les cordes trop évocatrices de la voix humaine, et j’ai mis au premier plan les bois, plus secs, plus nets, moins riches d’expressions faciles et, par cela même, plus émouvants à mon gré. En somme, j’ai voulu exprimer dans le Prélude la crainte "panique" de la nature pour la beauté qui s’élève, une terreur sacrée devant le soleil de midi, une sorte de cri du dieu Pan; sa matière musicale elle-même se gonfle, grandit, se répand. Chaque instrument est comme un bourgeon qui pousse sur l’écorce d’un arbre séculaire ; il fait partie d’un formidable ensemble. Et tout l’orchestre doit posséder l’énergie du printemps qui naît”. A questão da significação na obra de Stravinski é, no entanto, matéria polêmica, uma vez que anos mais tarde, em 1935, ele dirá aquilo que ficou conhecido como O postulado de Stravinski: “Considero que a música, pela sua essência, é incapaz de exprimir seja o que for: um sentimento, uma atitude, um estado psicológico, um fenômeno da natureza, etc.” Traduzido por mim do francês “Je considère la musique, par son essence, impuissante à exprimer quoi que ce soit: un sentiment, une attitude, un état psychologique, un phénomène de la nature, etc.” Extraído de https://www.universalis.fr/encyclopedie/igor-feodorovitch-stravinski/6-le-postulat-de-stravinski/. Último acesso em 08/11/2018.
  • 33
    Não fosse exíguo nosso espaço e outro conceito bakhtiniano mereceria ser posto a serviço da análise do discurso da dança: o cronotopo do gênero.
  • 34
    Embora estreado em Paris, no Théâtre des Champs Elysées, a obra é uma criação do Teatro Mariinsky e foi executado em Paris pelo corpo de baile russo.
  • 35
    Disponível no Youtube. Último acesso em 21/02/2018.
  • 36
    Partido alto, de Chico Buarque de Holanda.
  • 37
    Disponível no Youtube. Último acesso em 21/02/2018.

REFERÊNCIAS

  • A MORTE do Cisne por Ulina Lopatkina em 2007. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=XmlpxIJ1BqY . Acesso em 19 fev. 2018.
    » http://www.youtube.com/watch?v=XmlpxIJ1BqY
  • A SAGRAÇÃO da Primavera pelo Jeoffrey Ballet de Nova York em 1987. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iH1t0pCchxM Acesso em 21 fev. 2018.
    » https://www.youtube.com/watch?v=iH1t0pCchxM
  • AMORIM, M. O pesquisador e seu outro Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Editora Musa, 2001.
  • AUX SOURCES du Sacre: programa do concerto do mesmo nome apresentado na Cité de la Musique de Paris em 24 set. 2017.
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  • FAIRE kiffer les anges. Direção de Jean-Pierre THORN, Produção Agat films & Cie e La Sept ARTE, França, 1996, Distribuição por Jean-Pierre THORN, Doc & Film International, Duração de 88 minutos, colorido. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=H6N6CB38BdM Acesso em: 20 fev. 2018. [Dança hip-hop - fragmentos 1/7 e 7/7 do documentário]
    » https://www.youtube. com/watch?v=H6N6CB38BdM
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  • STREET Dance 3D: dois mundos Um sonho. Título original: Street Dance 3 D. Direção de Max Giwa e Dania Pasquini. Produção de Vertigo Films e BBC Films, Reino Unido, 2010. 98 minutos, colorido. Disponível em: https://www.telecineplay.com.br/filme/ Streetdance4763 Acesso em: 08 mar. 2018.
    » https://www.telecineplay.com.br/filme/ Streetdance4763
  • VEM Dançar. Título original: Take the Lead. Direção de Liz Friedland. Produção de New Line Cinema. USA, 2005. Distribuição de Theleadingmoving.com. 118 minutos, colorido.
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  • VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação. [1930] In: VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios Tradução João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro &João, 2013b. p.157-188.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2019
  • Aceito
    15 Dez 2019
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