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Formação ética, estética e política em oficinas com jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção

RESUMO

Este artigo apresenta e discute acontecimentos que emergiram no decorrer de uma pesquisa-intervenção com jovens, visando problematizar as contribuições para a formação ética, estética e política tanto dos pesquisadores como dos participantes. Oficinas estéticas mediadas por linguagens artístico-visuais consistiram no modus operandi da pesquisa-intervenção, sendo os acontecimentos relativos à oficina de graffiti o foco das análises aqui apresentadas. Participaram dessa oficina entre 20 a 25 jovens matriculados em uma escola pública municipal de Florianópolis/SC, com idades entre 13 e 16 anos. As atividades foram coordenadas por bolsistas de IC e extensão, graduandos de psicologia, e um bolsista AT, grafiteiro. Os registros das atividades foram feitos via filmagens, fotografia e registros em diário de campo. As análises foram realizadas a partir de uma perspectiva dialógica, com foco na responsividade que conota as ações e pauta a condição alteritária da existência.

PALAVRAS-CHAVE:
Oficinas estéticas; Dialogia; Formação ética, estética e política; Pesquisa-intervenção

ABSTRACT

This paper presents and discusses events that emerged in the course of research involving an intervention conducted with youngsters. The objective was to discuss contributions to ethical, aesthetic and political formation of both the researchers and participants. Aesthetic workshops mediated by artistic-visual languages consisted of the modus operandi of the intervention research, and the events related to a graffiti workshop were the focus of this analysis. From 20 to 25 youngsters, aged between 13 to 16 years old and enrolled in a city public school in Florianópolis, SC, Brazil participated. The activities were coordinated by undergraduate research assistants, senior psychology students, and one graffiti artist who received a Technical Support scholarship. The activities were filmed, photographed and recorded in a field diary. The analyses were conducted from a dialogic perspective focusing on responsiveness that connotes the actions and grounds the otherness nature of existence.

KEYWORDS:
Aesthetic Workshops; Dialogy; Ethical, Aesthetic and Political Formation; Intervention Research

Introdução

Este artigo apresenta e discute acontecimentos de uma oficina estética que possibilitaram problematizar as relações entre os jovens participantes e destes com os coordenadores das atividades. Foram esses acontecimentos importantes dispositivos para a formação ética, estética e política tal como preconizada no projeto ArteUrbe: oficinas estéticas com jovens da/na cidade1 1 Sobre o projeto ArteUrbe ver Zanella e Brito (2012), Fonseca et al. (2014) e Zanella et al. (2014). .

Via oficinas estéticas mediadas por variadas linguagens artístico-visuais, como fotografia, graffiti, estêncil e lambe-lambe, o projeto busca problematizar as relações dos jovens com a cidade e possibilidades de (re)invenção dessas relações por meio da arte. Realizadas com grupos de número variado de participantes, com idades entre 13 e 18 anos, as oficinas compreendem uma média de 8 a 12 encontros para cada grupo. As discussões aqui apresentadas referem-se às oficinas realizadas com um desses grupos, em uma das edições das oficinas que aconteceram entre 2010 e 2014.

Embora a diretriz geral dos encontros com os jovens sejam as relações destes com a cidade, nas oficinas foco de análise deste artigo emergiram com maior intensidade as tensões deles com os oficineiros e as regras estabelecidas nas oficinas. Essas tensões se caracterizaram pelos embates e oposições a modos de subjetivação dominantes, objetivados nas regras e normas que foram acordadas pelos oficineiros, mas que, de certo modo, não foram aceitas pelo grupo: em diversas vezes e de diversas formas, os jovens se manifestaram transgredindo os acordos propostos, desconstruindo a ordem, desorganizando as atividades e provocando a reorganização ou a elaboração de um novo arranjo.

O foco das discussões aqui apresentadas centra-se em acontecimentos de um dos encontros em que se trabalhava o graffiti, momento em que as transgressões se apresentaram com intensidade, e no encontro seguinte, quando atividades foram propostas visando tensionar e problematizar com os jovens o que havia acontecido.

Na pesquisa intervenção, como no caso do projeto ArteUrbe, atenta-se aos fatos e às possibilidades de intervenções na dimensão micropolítica; teoria e intervenção se constroem simultaneamente, sendo que a formação ética, estética e política do pesquisador se entretece com a dos participantes para que, a partir daí, possa ser problematizado o modo de intervenção na realidade e seus efeitos.

Nessas intervenções, investir na formação ética requer criar condições/espaços para problematizar as escolhas e seus efeitos através de um viés que não seja moral. Os discursos morais ou moralizadores, pautados em uma lógica do dever ser, geralmente se apresentam com maior intensidade nas intervenções quando o ímpeto de normalização e de controle emerge. Nessas situações, cabe aos oficineiros e/ou aos demais participantes problematizar, escutar, colocar em evidência o peso desses discursos para fazer emergir uma discussão outra, atenta às diferenças e possibilidades de diferir. Trata-se, pois, de investir em uma ética das relações, voltada à potência de vida e à sua reinvenção. A ética, nesse sentido, é entendida como,

[...] morada, modo de habitar o mundo e lugar de atualização de valores e atitudes. Ou seja, a ética está implicada nas escolhas humanas que criam mundos e nos modos de valorizar e viver estes mundos. A ética, portanto, é indissociável do tema da escolha. (SCHMIDT, 2008SCHMIDT, M. L. S. Pesquisa participante e formação ética do pesquisador na área da saúde. Ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.13, n.2, p.391-398, 2008. , p.392).

O aspecto estético se refere ao processo de criação que se desenrola no contexto da formação e produção da pesquisa-intervenção. As escolhas, uma vez tensionadas, oferecem espaço para que novas relações sejam engendradas, tanto interpessoais como entre o sujeito e suas escolhas. Essa desconstrução de relações cristalizadas sugere que um novo modo de estar com outros seja inventado, com novas configurações tanto para as relações interpessoais como para consigo mesmo, fundamentais para a produção de novas possibilidades de ser e estar no mundo.

Tensionadas as escolhas e seus efeitos evidencia-se o aspecto político da intervenção: visibilizar riscos e potências de cada ato, para si e para o coletivo, pois,

[...] viver significa tomar uma posição axiológica em cada momento, significa posicionar-se em relação a valores. Vivemos e agimos, portanto, num mundo saturado de valores, no interior do qual cada um dos nossos atos é um gesto axiologicamente responsivo num processo incessante e contínuo (FARACO, 2003FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2003., p.23).

Como sujeitos do e no mundo, estamos sempre em intensa relação e dialogia2 2 Bakhtin (2008, p.47) destaca que "as relações dialógicas - fenômeno bem mais amplo que as relações entre as réplicas do diálogo expresso composicionalmente - são um fenômeno quase universal, que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana, em suma, tudo o que tem sentido e importância". com muitos outros, presentes e ausentes, conhecidos e desconhecidos, de variados tempos e espaços. Essa relação é responsiva, ou seja, alicerçada na possibilidade de respostas que, uma vez concretizadas, seja de que forma for, se apresentam como abertura a outras mais. Trata-se, como afirma Bakhtin (2008, p.329)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., de um diálogo inconcluso que nos conecta inexoravelmente a muitos outros e do qual participamos "com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos".

Os outros para quem nossas respostas se dirigem, por sua vez, não necessariamente são nominados, reconhecidos, pois dialogia não se confunde com diálogo composicional, com alternância de falas. Estamos dialogando todo o tempo com variadas vozes sociais - compreendidas por Bakhtin como pontos de vista acerca do mundo - que compõem o universo do qual somos partícipes. Nossa própria presença no mundo é já uma resposta, um modo de nos posicionarmos em relação às vozes sociais das quais concordamos, discordamos, aderimos parcial ou totalmente, refutamos.

Compreender a responsividade que conota as ações e pauta a condição alteritária da existência (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: Estética da criação verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 393-410., 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.; FARACO, 2003FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.; SOBRAL, 2010SOBRAL, A. U. A estética em Bakhtin (literatura, poética e estética). In: PAULA, L.; STAFUZZA G. (org.). Círculo de Bakhtin: teoria inclassificável. Campinas/SP: Mercado das Letras, 2010, v. 1, p.53-88.) foi a diretriz que pautou os encontros dos oficineiros com os jovens, e este artigo se apresenta como a resposta dos pesquisadores ao que possibilitaram esses encontros.

1 Sobre a pesquisa

O grupo de jovens que participou da edição do projeto ArteUrbe foco das discussões apresentadas neste artigo era composto por 20 a 25 jovens com idades entre 13 e 16 anos, todos alunos regularmente matriculados em uma escola pública municipal de Florianópolis/SC. Na época da realização das oficinas os jovens cursavam as últimas séries do ensino fundamental e residiam nas proximidades da escola, situada em um bairro distante da região central da cidade.

As oficinas estéticas foram conduzidas por três estudantes de graduação em Psicologia - um bolsista de iniciação científica e dois de extensão - e um grafiteiro que na ocasião contribuía com o projeto ArteUrbe na condição de bolsista de Apoio Técnico/CNPq. Todo o trabalho foi coordenado e orientado pela pesquisadora responsável que, juntamente com um dos bolsistas de IC, desenvolveu a escrita deste artigo.

Caracteriza-se a pesquisa realizada como pesquisa-intervenção, entendendo que "a intervenção sempre se realiza por um mergulho na experiência que agencia sujeito e objeto" (PASSOS; BARROS, 2012PASSOS, E.; BARROS, R. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012., p.17). A partir dessa perspectiva entende-se que a pesquisa e seu corpo teórico se fundam e se reinventam a partir dos acontecimentos do campo - teoria e prática indissociáveis e em permanente transformação - e das análises posteriores.

Os procedimentos metodológicos utilizados para o registro dos acontecimentos que serão aqui apresentados e analisados foram: filmagem dos encontros com os jovens; fotografias; registro de observações em diário de campo. Para analisar esse material, foram feitas transcrições das filmagens. Os discursos registrados no diário de campo e nas filmagens foram analisados sob uma perspectiva dialógica tal como proposto por Bakhtin e seu Círculo. Para Bakhtin, "[...] o sujeito como tal não pode ser percebido como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico" (2003, p.400).

A dialogia diz respeito à condição relacional, responsiva - e por conseguinte alteritária - de toda pessoa, de todo ato, seja este objetivado em uma palavra, um gesto, uma imagem, uma expressão. Todo ato, compreendido como encontro com um outro (BUBNOVA, 2011BUBNOVA, T. Voz, sentido e diálogo em Bakhtin. Trad. BARONAS, R. L.; TONELLI, F. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v.6, n.1, p.268-280, 2011.)3 3 "o ato sempre será um encontro com o outro, encontro baseado em uma responsabilidade específica que a relação com o outro produz: minha posição no espaço e no tempo é única e irrepetível, por isso eu sou a única pessoa capaz de realizar os atos concretos que me correspondem a partir do meu único lugar no mundo, atos que ninguém pode executar em meu lugar" (BUBNOVA, 2011, p.272). na medida em que a esse outro se dirige, a ele responde, se insere em uma complexa trama discursiva em que vozes sociais de forças variadas se encontram, se confrontam, complementam-se, distanciam-se, enfim, transformam-se mutuamente. Atentar para essa trama é um modo de visibilizar as tensões que a conotam e, ao mesmo tempo, compreender o modo como ali nos posicionamos e afirmamos como seres únicos em complexo processo de vir a ser.

2 A oficina de graffiti: transgressões e tensões

O cronograma do segundo encontro da oficina de graffiti previa as seguintes atividades: solicitar aos jovens que ilustrassem em folhas de papel sulfite a cidade tal como a viviam, o que os afetava daquele contexto; esboçar coletivamente, a partir das ilustrações, o graffiti que iriam produzir; esboçar o desenho no muro previamente selecionado pelos oficineiros, em negociação com a direção da escola em que os jovens estudavam (o muro consistia em uma grande parede localizada na entrada da instituição, visível para os transeuntes); desenvolver o graffiti a partir das técnicas trabalhadas nos encontros anteriores.

A primeira etapa ocorreu bem, os jovens produziram diversas ilustrações no papel, dentre elas prédios, carros em congestionamento, praias, letras de pichação e graffiti4 4 Sobre a diferença entre graffiti e pichação, ver ALMEIDA, G.B. Política, subjetividade e arte urbana: o graffiti na cidade. 2013. 140 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). UFSC, Florianópolis. Disponível em: [https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/106968/319164.pdf?sequence=1]. , pessoas transitando nas ruas. Os desenhos foram recolhidos, espalhados no chão e uma roda foi feita ao redor para melhor visualizá-los. Foram analisadas as imagens e desenhado no quadro o esboço de cidade que se delineava a partir das contribuições do grupo.

O grupo se encaminhou até o muro cedido pela escola em que estudavam. Antes que o desenho fosse esboçado, foram relembradas algumas regras necessárias ao andamento da atividade e utilização de sprays de tinta, a saber: apenas seria permitido grafitar no muro cedido ao projeto; que preenchessem e contornassem, preferencialmente, apenas o que estava esboçado no muro e acrescentassem apenas contribuições referentes ao tema cidade; que não desenhassem por cima de desenhos de outras pessoas; que passassem adiante os sprays para que todos pudessem grafitar.

Esboçado então o desenho, foi dado início ao processo. Inicialmente a atividade corria de forma tranquila, algumas chamadas de atenção eram necessárias, mas nada mais do que o esperado. Ocorreu então a primeira transgressão às regras: dois garotos estavam pichando o chão. A diretora os flagrou de sua janela e começou a gritar para adverti-los. Um dos oficineiros interrompeu a atividade e solicitou que todos soltassem suas latas de spray e escutassem. Chamou a atenção de todos para o ocorrido, questionou os autores e demonstrou insatisfação perante o grupo. Depois de uma breve conversa, as atividades foram retomadas.

Nesse dia estavam presentes somente três dos quatro oficineiros e os jovens estavam em maior número que nos encontros anteriores: vinte e seis participantes. O grafiteiro havia faltado, o que prejudicava a coordenação das atividades.

O grupo estava excitado, o entusiasmo de poder usar uma lata de tinta em spray era suficiente para fazer com que não escutassem os oficineiros e os colegas. Alguns 'atropelos'5 5 Na prática do graffiti, 'atropelar' significa desenhar por cima de um desenho que já estava no muro, ou seja, desrespeitar aquele desenho e, por conseguinte, o seu autor. começaram a ocorrer, um deles quase resultou em briga entre um rapaz e uma moça, que chorava por ter sido seu desenho encoberto por um desenho feito por ele. Uma breve mediação foi feita pelos oficineiros e o conflito minimizado.

O graffiti havia perdido o foco do tema cidade, os jovens disparavam tinta sobre o muro sem atenção ao que estava sendo desenhado. Na intensidade e velocidade do que emergia, estava difícil coordenar o processo. Era preciso atentar para o que estava sendo grafitado, para os pequenos conflitos entre os jovens, para as perguntas de alguns deles e para o relógio, que finalmente marcava o horário de encerramento.

Foi solicitado que colocassem as latas no chão e observassem o que havia sido grafitado: um muro multicolorido, confuso e aparentemente sem utilização de técnica alguma de pintura, porém naquele momento e com aquelas condições não cabia aos oficineiros o julgamento estético do que foi produzido, e sim a reflexão sobre o processo de trabalho. Porém, a falta de tempo e a dispersão do grupo fizeram com que essa reflexão fosse adiada para o próximo encontro.

Quando o material estava sendo recolhido, os oficineiros notaram que em um muro um pouco distanciado do que havia sido autorizado para o trabalho, ainda dentro das dependências da escola, havia um desenho feito sem autorização e contra as regras acordadas: uma grande folha de maconha desenhada com tinta preta. A alternativa que os oficineiros escolheram naquele momento e com as condições que havia foi encobrir o desenho com outro qualquer para discutir o assunto no encontro seguinte.

Minutos depois, um tumulto na porta da escola foi iniciado. Policiais abordaram três garotos. A polícia havia sido chamada por uma ameaça de briga no horário da saída, porém o tumulto se acentuou quando, ao revistá-los, os policiais encontraram maconha no bolso de um deles e duas latas de spray em sua mochila. Um dos policiais queria levá-lo para a delegacia, porém um professor da escola e um dos oficineiros mediaram o conflito e o convenceram a liberar o jovem.

O oficineiro reconheceu as latas de spray do projeto e as pegou de volta; entre elas foi identificada a mesma tinta preta que havia sido utilizada para o desenho da folha de maconha no muro não autorizado. Nesse dia não havia tempo e disposição para que alguma atitude fosse tomada, o esgotamento impedia qualquer intervenção.

3 Sobre os acontecimentos

Como detectar modos de subjetivação emergentes, focos de enunciação coletiva, territórios existenciais, inteligências grupais que escapam aos parâmetros consensuais, às capturas do capital e que não ganharam ainda suficiente visibilidade no repertório de nossas cidades? (PELBART, 2003PÉLBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003., p.22).

No desenvolvimento do projeto ArteUrbe, os oficineiros propunham aos jovens uma atividade diferente a cada encontro. Estes consistiam, basicamente, em desenvolver determinadas técnicas da arte urbana, realizar alguma produção e a partir daí (re)pensar a cidade e os modos de habitá-la. Variavam as linguagens artísticas e as dinâmicas propostas, porém o foco era na potência das oficinas estéticas como dispositivo para tensionar as visibilidades, dizibilidades e pensabilidades (RANCIÈRE, 2012RANCIÈRE, J. O destino das imagens. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.) e potencializar outros possíveis. Tecia-se um plano rumo aos objetivos propostos no projeto, mas os encontros se pautavam pela intensidade das afecções que emergiam no processo e as possibilidades de reconstruir as rotas. Os objetivos a serem alcançados e os caminhos a serem percorridos faziam parte, pois, de um processo de grupo, marcado pelas escolhas de cada pessoa e de todos, suas implicações e efeitos. Ou seja, os objetivos (re)nasciam a cada acontecimento, em um processo incessante de reinvenção das atividades e potencialização dos encontros com os jovens. Mas esse processo não era tranquilo, e as escolhas de alguns jovens, relatadas anteriormente, afetaram as atividades do grupo. Os acontecimentos, por conseguinte, deveriam ser analisados e problematizados no/pelo grupo.

O que poderia significar fracasso para o andamento das oficinas foi considerado pelos pesquisadores como condição potencial de intervenção. Os atos, se analisados apenas a partir de uma perspectiva moral, levariam à constatação de que houve falha em relação ao cumprimento dos acordos estabelecidos, desrespeito às regras ordinárias. Porém, se analisadas a partir de um olhar outro, a partir da ótica dos, então, transgressores e a partir daquilo que se contrapõe às normas instituídas, poderiam ser vistos como resposta em um contexto marcado por tensões. Eis o que provoca pensar uma análise que considera a condição responsiva e alteritária, bem como a possibilidade de produção de novos possíveis para as relações com outros, pois "negar o status quo é uma dimensão do combate, mas não a única, afirmar outros modos de existência que escapem aos determinismos é fazer história" (ROCHA, 2006ROCHA, M. L. Psicologia e as práticas institucionais: a pesquisa intervenção em movimento. PSICO, Porto Alegre, v.37, n.2, p.169-174, maio/ago. 2006., p.171).

Fazia-se necessário discutir o descumprimento às regras acordadas pelo grupo antes de terem se dirigido ao muro que seria grafitado. Além das regras gerais anteriormente relatadas, havia sido acordado: não pintar em muros que não fossem os destinados à atividade, não escrever símbolos que fugissem ao escopo da atividade, preservar e se responsabilizar pelo material da pintura, não pintar por cima dos desenhos de outras pessoas. O imperativo 'não', porém, foi insuficiente. Os jovens inclinaram-se ao 'sim'. Um 'sim' que vigorava como resistência à normatização e, como consequência, permitia a ruptura, e por que não, a sua reinvenção.

Saltava aos olhos dos pesquisadores a possibilidade de intervir para que a história tomasse um rumo outro, que algo novo dali pudesse emergir. A análise dos fatos e a intervenção a ser realizada com os jovens na continuidade, por conseguinte, não poderia entender a transgressão como algo errado por si só, como se o erro principal fosse apenas desviar da ordem pré-estabelecida que deveria ter sido cumprida pelo grupo. Se esta foi negada pelos jovens, cabia aos pesquisadores analisarem no grupo e com o grupo as consequências de se desacordar as regras e a possibilidade de que novas ordens, novos acordos pudessem vir a ser estabelecidos. Ou seja, era necessário ouvir as vozes em tensão, compreender a dialogia que ali se apresentava.

Poderiam as ações dos jovens ser pensadas, a partir de Pelbart (2003)PÉLBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003., como um modo de 'inclusão às avessas'? Seria uma tentativa de incluírem seus modos de pensar e agir no grupo e além dele de participar daquele encontro? Para os pesquisadores, tratava-se de fissura, de ruído a clamar pelo investimento na formação ética, estética e política não apenas dos jovens, mas de todos. Para tanto, era necessário analisar, pensar e (re)significar as transgressões como potência de vida.

Pelbart (2003)PÉLBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003., a partir da análise do termo 'biopotência', ressalta a importância na mudança de foco quando se fala em biopolítica, antes entendida prioritariamente a partir da perspectiva do poder, isto é, a partir dos mecanismos utilizados pelo estado para manipular as grandes massas, para manipular a vida. "Daí a inversão, em parte inspirada em Deleuze, do sentido do termo forjado por Foucault: biopolítica não mais como poder sobre a vida, mas como a potência da vida". (PELBART, 2003PÉLBART, P. P. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003., p.23). Com essa inversão o foco recai nas estratégias e nas possibilidades utilizadas para reinventar ou resistir à verticalização das instituições, mesmo que seja a partir da transgressão ou do enfrentamento direto (como no caso dos jovens do projeto). O foco são as ações da base, do caos, das margens: as singularidades que se apresentam dispostas a reescrever a história, a reinventar o existente.

A pausa entre um encontro e outro e o distanciamento em relação ao que aconteceu possibilitou aos pesquisadores significar as transgressões como potência política da vida que pulsava no querer daqueles corpos 'transgressores'. Porém, a condição geradora de tensão era apenas o primeiro passo para a intervenção que se fazia necessária, para a resposta dos oficineiros aos acontecimentos. Afinal, silenciar em relação à transgressão e acreditar que o afrouxamento da norma é suficiente para que uma ética de bons encontros conquiste espaço nas relações é um equívoco.

Seria necessário atentar para outro aspecto da intervenção, o qual concerne à escuta no contexto da pesquisa-intervenção em psicologia. Caberia aos pesquisadores investirem nas possibilidades de acolhimento da diferença do/no grupo via problematização das tensões, e não de sua negação. Afinal, "ser significa ser para o outro, e através dele, para si. O homem não tem um território existencial soberano, está todo e sempre na fronteira, olhando para dentro de si ele olha o outro nos olhos ou com os olhos do outro" (Bakhtin, 2008BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., p.323, grifo do autor). Que olhos eram esses que constituíram as possibilidades dos jovens olharem para si do modo como ali se evidenciou? Que possíveis outros poderiam emergir da escuta do diálogo tecido pelos jovens com esses olhos/vozes sociais?

A transgressão dos acordos estabelecidos foi condição para que se investisse no processo inverso, objetivo da intervenção: o olhar para o outro e para si e a reinvenção das relações. Os desacordos manifestaram-se dentro de um grupo de trabalho, assim sendo não bastava legitimar as escolhas dos transgressores, era necessário escutar também aqueles que possivelmente se sentiram afetados no processo, o que incluía os oficineiros.

Axt (2008)AXT, M. Do pressuposto dialógico na pesquisa: o lugar da multiplicidade na formação (docente) em rede. Porto Alegre: v. 11, n. 1. p.91-104, 2008., em uma perspectiva bakhtiniana, entende que não existe separação hierárquica entre pesquisador e sujeito de pesquisa. A construção teórica e a intervenção se desenvolvem no decorrer do processo de pesquisar, são tecidos no próprio contexto da pesquisa, pois,

[...] a pesquisa não se refere, em absoluto, a uma forma monológica de conhecimento em que o intelecto contempla uma coisa e se pronuncia sobre ela, traduzindo-a literalmente; em que há um sujeito, aquele que pratica o ato de contemplação e abstração cognitivas e se pronuncia sobre ela, falando como seu representante autorizado, tendo diante de si o sujeito mudo, a coisa muda (AXT, 2008AXT, M. Do pressuposto dialógico na pesquisa: o lugar da multiplicidade na formação (docente) em rede. Porto Alegre: v. 11, n. 1. p.91-104, 2008., p.96, grifo da autora).

O sujeito nas pesquisas em ciências humanas é entendido, segundo Bakhtin (2003)BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: Estética da criação verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 393-410., como sujeito da linguagem, e em assim sendo não permanece estático para que o pesquisador o analise, o observe. A singularidade de seus movimentos é essencial para a elaboração e o desenvolvimento da pesquisa, pois fornecem as pistas que indicam os rumos a seguir. Escutar o outro com o qual se pesquisa significa, por conseguinte, dar visibilidade e espaço à vida, pois,

[...] os sentidos se produzem enquanto efeitos de um contexto vivencial, regido por uma ética das relações e uma estética da existência. É desses sentidos que propomos fazer a escuta: uma escuta instituída numa relação de solidariedade com a intervenção, uma intervenção, ela própria constituída em escuta (AXT, 2008AXT, M. Do pressuposto dialógico na pesquisa: o lugar da multiplicidade na formação (docente) em rede. Porto Alegre: v. 11, n. 1. p.91-104, 2008., p.97).

No decorrer do desenvolvimento do projeto ArteUbre, e com maior visibilidade nos acontecimentos que são foco de análise deste artigo, a escuta foi provocada a partir de atos transgressores. É possível pensar que os transgressores tenham sido sinceros em relação às suas demandas, porém a noção de ética, que envolve o mundo além da bolha das vontades individuais, merecia mais investimento para emergir.

Intensificava-se a necessidade de escutar as implicações dos acontecimentos para todos do grupo em um contexto onde as pessoas que se sentiram afetadas pudessem se manifestar. No lugar da norma se investiria na criação, no lugar da moral, a ética, e em lugar do desejo individual, na condição alteritária e, portanto, política da existência. Afinal, a formação ética, estética e política, nesse contexto e com essas condições, implicaria justamente criar condições, a partir das contribuições de todos os participantes do projeto, que permitissem tensionar as escolhas - e em especial aquelas que transgrediam as normas e, por conseguinte, a moral vigente - as implicações dessas escolhas e a responsabilização das ações de um e outros e de todos.

Engendrar processos que possibilitem a emergência dessas questões é investir nas relações, na medida em que são tensionadas as próprias escolhas e suas implicações em relação ao outro. Na pesquisa-intervenção os acontecimentos são tratados "nos próprios espaços de realidade de onde emergem, para aí crescerem, numa relação de coexistência e solidariedade, tanto como campo empírico, como com o pensamento teórico-conceitual e interpretativo que lhes dá sustentação" (AXT, 2009AXT, M. Do pressuposto dialógico na pesquisa: o lugar da multiplicidade na formação (docente) em rede. Porto Alegre: v. 11, n. 1. p.91-104, 2008., p.95).

Eis o desafio que se apresentava ao próximo encontro com os jovens: escutá-los, escutarem-se, escutarem-nos.

4 Desdobramentos

A programação do encontro seguinte ao do graffiti previa uma oficina de estêncil, porém os acontecimentos do encontro anterior exigiam alguma resposta. Ao entrarem na sala em que eram realizados os encontros, os oficineiros logo foram questionados sobre o estêncil. Os jovens demonstravam-se empolgados para trabalhar com a nova técnica, porém foi dito a eles que haveria uma modificação no cronograma e que naquele dia outra atividade seria realizada. Sem maiores esclarecimentos sobre a atividade, foi solicitado que formassem cinco grupos de quatro pessoas e que cada grupo se sentasse ao redor de uma mesa.

Foi distribuído para cada grupo uma folha de cartolina, pincéis e tinta guache de quatro cores diferentes, uma para cada integrante do grupo. Foi informado que eles fariam um desenho coletivo, obedecendo às seguintes regras: em cada grupo uma pessoa desenharia de cada vez e de tempo em tempo a cartolina iria ser passada ao próximo colega para que ele desse continuidade ao desenho. Assim sendo, a cada dois minutos uma pessoa do grupo acrescentaria seus traços ao trabalho.

Os jovens estavam compenetrados e perguntavam a todo tempo o que seria feito com o produto. Porém, os oficineiros apenas orientavam que prosseguissem desenhando. Quando a cartolina havia passado três vezes pela mão de cada pessoa, ou seja, quando o desenho já havia tomado forma, os oficineiros iniciaram a seguinte intervenção: sem pedir autorização e sem avisar aos jovens, pegaram tinta preta e pincéis e fizeram um "X" de ponta a ponta nas cartolinas, por cima dos desenhos deles, um coordenador em cada grupo simultaneamente.

As reações foram das mais variadas, porém a grande maioria demonstrou indignação. Os oficineiros foram questionados, confrontados, porém sem dar muitas satisfações orientaram que prosseguissem com os desenhos, afirmando apenas que aquela era a contribuição deles aos desenhos dos jovens. Os grupos seguiram desenhando, tentando na medida do possível consertar o estrago ou desenhar nos espaços restantes. Quando a cartolina rodou novamente mais três vezes por cada pessoa (o desenho havia tomado uma nova forma), novos "X" foram feitos pelos oficineiros nas cartolinas, gerando novamente indignação e reboliço nos grupos. Sem explicar os motivos da "contribuição" aos desenhos, os oficineiros dispensaram os jovens para o intervalo, dizendo que conversariam quando voltassem para a segunda parte do encontro.

Quando retornaram, foi solicitado que formassem um círculo. A conversa foi iniciada pelos oficineiros com as perguntas: "O que esse 'x' representou pra vocês? O que vocês sentiram quando o fizemos? Queremos que respondam um grupo de cada vez".

As respostas demonstravam indignação, raiva, tristeza (por exemplo: "Eu senti que não gostei, fiquei chateada"; "Fiquei puta da cara"; "A gente tava fazendo, daí vem esses 'x' e estraga o desenho").

Os oficineiros seguiram questionando: "Vocês acham que os desenhos de vocês eram importantes para nós?" Responderam os jovens: "Nem um pouco"; "Mas por que vocês fizeram isso?" Os oficineiros devolveram a pergunta aos jovens: o que pensavam eles a respeito dos motivos do 'x' que imprimiram nas produções? Após alguns instantes de silêncio uma garota respondeu: "Vocês fizeram isso pra mostrar pra gente o que a gente fez fazendo as coisas ruins da semana passada".

Nesse momento muitos jovens se exaltaram e começaram a falar ao mesmo tempo, mas sobressaiu a voz de um rapaz: "Tinha dezoito nego no mesmo muro, sem pensar no que ia fazer, eu fiquei lá um tempão preenchendo um negócio daí vem outro e pinta tudo por cima, tive que fazer tudo de novo, sacanagem!".

Após o depoimento desse jovem, os oficineiros solicitaram que falasse um de cada vez, que continuassem o exercício de reflexão e expressassem suas opiniões. As respostas foram várias e por vezes antagônicas: "Eu me senti mal, ofendida, não entendi"; "Ah, eu não senti nada, o desenho tava ficando feio mesmo".

Nesse momento, um dos oficineiros interveio: "Ela falou que não sentiu nada, talvez porque não estivesse se importando, se dedicando ao desenho, porém na semana passada, nós estávamos nos importando muito com a atividade que trouxemos pra vocês, estávamos nos importando com vocês, estávamos nos importando com o material que foi difícil conseguir, enfim, estávamos envolvidos de coração com tudo aquilo. Logo, se vocês fazem um "x" no nosso trabalho, como foi feito na semana passada, a gente fica mal".

Um silêncio predominou na sala por alguns instantes, até que um garoto falou: "Foi desrespeitoso o que vocês fizeram". Um dos oficineiros prontamente respondeu: "Ouvimos uma qualificação aí, 'desrespeitoso'. Alguém mais qualifica?" Os jovens proferiram uma enxurrada de adjetivos: "Foi uma ação terrorista"; "vandalismo"; "seus "vagabundos", entre outras.

O tom das falas sugeria uma mistura de brincadeira com indignação, não foram pronunciadas essas palavras de forma agressiva. Os oficineiros solicitaram então que o último grupo se pronunciasse, porém seus integrantes não falaram nada. Considerando as informações registradas em diário de campo e as filmagens, é possível afirmar que esse grupo foi o que mais deu importância ao 'x' feito pelos oficineiros, pois os jovens se dedicaram ao desenho: uma folha de maconha com uma bandeira da Jamaica no plano de fundo. A observação das filmagens no momento em que foi feito o 'x' no desenho evidenciava surpresa, raiva, frustração e, por fim, silêncio.

Os oficineiros respeitaram a opção do silêncio e passaram para a próxima etapa da atividade: inverteram a pergunta, a fim de que os jovens fizessem o exercício de se colocar no lugar do outro: o outro que retorna o olhar para os próprios jovens. Pediram para que dissessem o que imaginavam ter sido o 'x' para os oficineiros no encontro anterior.

A primeira a falar foi uma garota: "Eu acho que foi em relação à folha de maconha, primeiro porque fizeram em lugar não autorizado e também porque pegaram o spray pra fazer a folha sem pedir autorização". "Pintaram por cima dos outros desenhos, não é certo isso, ter que fazer tudo de novo", completou outra jovem.

Nesse momento começou uma agitação, muitos jovens falando ao mesmo tempo na tentativa de se defender, outros quietos, cabisbaixos. Os oficineiros pediram um pouco de calma: "Óh pessoal, o objetivo disso aqui não é dizer o que é certo e o que é errado... Planejamos uma atividade que fizesse com que vocês refletissem e tentassem sentir um pouco do que foi o 'x'.... A ideia não é punir, e sim mostrar que existem consequências nas nossas escolhas, então não precisa ficar com a cabeça baixa achando que estão errados ou tentando questionar a gente para provar que estão certos. Queremos ouvir vocês a respeito de seus sentimentos e do que imaginam que nós sentimos. Isso é uma conversa baseada em trocas sinceras e não um tribunal".

O silêncio voltou a tomar conta do grupo. Um garoto tentou desviar o assunto comentando sobre uma vaca que avistava pela janela, mas a tentativa foi em vão, o silêncio prevaleceu novamente e só foi quebrado quando entraram na sala dois garotos que até então não haviam retornado do intervalo.

Os oficineiros dirigiram a palavra a eles para que dissessem o que sentiram com o 'x' em seus desenhos. Era essencial ouvi-los, já que os sprays foram encontrados pelos policiais na mochila de um deles. No momento da "confusão" com os policiais, os oficineiros não conseguiram nem pretenderam identificar quem havia pegado os sprays, mas sabiam que aqueles dois estavam envolvidos.

O primeiro deles se pronunciou: "Me senti constrangido, claro, pô. Tava fazendo meu desenho, daí o cara chega ali e nem avisa, podia falar que ia fazer um 'x' ali porque faz parte do trabalho, não é todo dia que a gente vê uma cena dessa, de não avisar, chegar chegando". "Mas de que maneira poderíamos ter avisado?", perguntou um dos oficineiros. "Sei lá, fala: 'Óh, vou ter que fazer um 'x' aqui no meio do seu desenho'". "Então teríamos que ter pedido autorização pra fazer o 'x' no desenho de vocês?".

Houve uma forte agitação da turma, muitas vozes se pronunciavam concordando que os oficineiros deveriam ter avisado que iriam fazer o 'x' nos desenhos. Após um período de grande agitação e alguns silêncios, um dos oficineiros disse: "Pensamos durante a semana inteira na atividade a propor para vocês, demos cartolina em branco, fomos atrás de tinta, planejamos, saímos de casa mais cedo, modificamos esse encontro, o que deu mais trabalho, aguentamos vocês fazendo barulho, conversando, eu não me desanimei, aumentei o volume da voz, fomos em cada grupo atender às perguntas, disponibilizamos esse espaço, vocês estavam curtindo fazer a pintura, ou seja, uma baita dedicação. Depois de tudo isso, fomos e fizemos um 'x'".

"Foi vingança, né?", um jovem interrompeu o oficineiro que, por sua vez, respondeu: "Não foi um 'x' de vingança. Foi um modo de criar condições para vocês perceberem como se sentem quando acontece alguma frustração em relação a algum objetivo a se cumprir. Eu poderia apenas chegar e falar pra vocês que eu me senti frustrado, pois naquele dia a gente tinha planejado toda a oficina, o trabalho que foi conseguir as tintas, o tempo dos oficineiros. Antes das atividades iniciarem a gente veio aqui, falou com a diretora, que abriu o espaço, conseguimos o material de todos os outros encontros, planejamos, estudamos pra conseguir fazer isso. Aí chega no encontro a galera faz de qualquer jeito, não escuta, faz uma planta de maconha com um spray que a gente não sabia onde estava, sprays vão pra mochila de algumas pessoas e a gente só encontra porque a policia tá dando batida? A gente confia em vocês, dá o spray na mão de vocês na parceria, na confiança, não vamos ficar vigiando e a polícia é que vem nos devolver? E não vocês que vem trocar uma ideia, pedindo o spray emprestado para fazer sei lá o quê, ou falando que queriam fazer uma folha de maconha, se isso pode, não pode, aonde pode. Quais as consequências, se for fora da escola, na rua, por que não pode na escola? Ou então, por que não fazemos um debate sobre maconha na escola?

"Mas cadê a folha de maconha que pintaram no muro?", perguntou um jovem. "Cobrimos com um símbolo qualquer.", esclareceu um dos oficineiros. "Ia ficar legal a folha ali", disse outro jovem. "É verdade, ia ficar melhor mesmo", respondeu outro.

Um dos oficineiros respondeu: "Vocês falaram que ia ficar legal a folha. Sabe qual seria o problema de ter deixado a folha ali? Eu não sou contra nem a favor de fazer a folha. O problema é que vocês fizeram uma folha da maconha e assinaram com o nosso nome embaixo, porque foi a gente que pediu pra escola liberar o muro e a gente que forneceu as tintas, ali a responsabilidade era nossa [...]. Tudo que a gente faz, temos que estar dispostos a arcar com as consequências, se a gente tá ensinando graffiti pra vocês, vocês estão fazendo graffiti sob a nossa responsabilidade. Aqui eu ensino como pegar no spray, como fazer os traços. Agora, o que vocês vão fazer na rua, se quiserem sair daqui e fazer mil folhas de maconha, farão sob a responsabilidade de vocês, podem surgir mil implicações e terão que arcar, até porque fazer aqui dentro da escola, sob a nossa responsabilidade, é bem mais fácil. Mas na rua são vocês que vão ter que segurar caso aconteça alguma coisa, e é bom que vocês tenham argumentos suficientes para responder por essa ação para quem quer que seja".

A conversa continuou, mas consideramos ser necessário interromper a narrativa para problematizar a intervenção realizada e tensionar algumas vozes que se evidenciam no modo de agir dos oficineiros, no modo como responderam aos acontecimentos. É possível observar já de início certo viés romântico que permeava a proposta das oficinas estéticas e que apenas se evidenciou com as análises, possíveis a partir do excedente de visão resultante do movimento exotópico dos pesquisadores em relação ao próprio campo da pesquisa6 6 Sobre exotopia, ver Bakhtin (2003; 2008), Amorim (2006), Machado (2010). . Destacamos para discussão os fragmentos: "estávamos nos importando"; "envolvidos de coração"; "a gente fica mal".

Considerando o significado da palavra "importar" tal como consta no dicionário podemos entendê-lo como: "Mandar vir ou trazer de país estranho, introduzir; Convir, ter importância ou interesse; Trazer alguma coisa de fora de um sistema" (MICHAELIS, 2009MICHAELIS. Dicionário prático da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2009., p.461).

Nos discursos dos oficineiros é possível ouvir ecos desse significado, os quais indicam uma insatisfação com a realidade que se apresenta na medida em que não corresponde ao imaginário do que seria o curso desejado das coisas. Ou seja, o discurso é pautado por algo que "trazem de fora" e que inevitavelmente confronta com o que emerge no contexto das oficinas. Mas o que traziam de fora? A expectativa de que os jovens se comportassem respeitando regras de convivialidade que consideravam partilhadas por todos? As regras de convívio social mais amplas? As regras acordadas no grupo para o desenvolvimento das atividades?

Vejamos o outro significado da palavra "importar", que remete a "interesse". Quando os oficineiros disseram que eles se importavam com os jovens, não perceberam que o contrário também acontecia: havia interesse por parte dos jovens nas oficinas, porém à maneira deles e não como esperavam os oficineiros.

Vemos que

[...] afirmar a vida é também deixá-la diferenciar-se, singularizar-se; é, igualmente, amar as coisas sem fusionar-se ou identificar-se com elas; é afirmar o princípio de nossa própria diferenciação para que venhamos a amar a diferença como exterior a nós (FONSECA, 2006FONSECA, T. M. G; KIRST, P. G.; ANDRÉIA, A. M.; D'ÁVILA, M. F.; MARSILLAC, A. L. M. Pesquisa e acontecimento: o toque no impensado. Psicologia em estudo, Maringá, v.11, n.3, set./dez. 2006., p.659).

Essas diferenças, no entanto, são por vezes ignoradas quando ideais, sejam lugares a que se pretende chegar ou expectativas em relação ao outro, marcadas por padrões específicos (geralmente hegemônicos) de conduta, se colocam como referências para as práticas. Ao que parece, foi isso que aconteceu nas oficinas e o distanciamento necessário para a análise dos acontecimentos possibilitou problematizar. As respostas dos oficineiros aos jovens foram balizadas até então, nessa conversa, por uma visão salvacionista, tão presente em contextos educativos e nos discursos que afirmam a educação como baluarte da transformação social7 7 Considera-se, com Paulo Freire (1979), que as transformações sociais e políticas requerem mudanças na educação, porém estas não são suficientes para as transformações almejadas. .

Na continuidade da conversa com os jovens, a insistência na importância de se considerar as implicações das escolhas tanto para si como para as outras pessoas possibilitou de certo modo sair dessa lógica salvacionista e destacar as questões éticas presentes nas escolhas tanto dos jovens como dos oficineiros. Um dos garotos que havia chegado mais tarde do intervalo levantou a mão e falou: "Fui eu que roubei o spray".

O fato de esse jovem assumir ali, perante o grupo, a autoria de uma ação que desencadeou uma sucessão de acontecimentos indesejados - desde a batida policial até os "xs" nos desenhos que fizeram na oficina seguinte - foi reconhecida e valorada pelos oficineiros. Afinal, não cabia punição, sequer reprimenda: o jovem compreendia ali a necessidade de responder pelas escolhas e suas consequências, compreendia sua própria condição de pessoa inserida em uma complexa trama de relações do qual fazia parte e ativamente participava.

A valoração da confissão do jovem se deu via relato de um dos oficineiros sobre situação semelhante vivenciada por ele há alguns anos, quando ainda frequentava a escola. Ao fazer isso, tensionou as fronteiras e hierarquia entre oficineiros e jovens, infratores e não infratores, afirmando a todos enquanto seres no mundo, responsivos, em um contexto marcado por tensões e lutas das quais não é possível se abster. De quem falava naquele momento o oficineiro? Quem havia roubado aquele spray era aquela pessoa que estava presente ali? Uma penumbra borrou a exatidão, já não eram possíveis respostas pontuais, unívocas. Já não se podia mais definir o protagonista como único. São todos. É qualquer um.

Vemos em Brait (2013)BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v.8, n.2, p.43-65, 2013. uma análise a partir de uma perspectiva dialógica em que a autora apresenta a interlocução entre as ilustrações realizadas pelo austríaco Alfred Kubin e a narrativa O duplo, de Dostoiévski8 8 Dentre as três traduções de O duplo ao português, a última, de Paulo Bezerra, traz ilustrações de Alfred Kubin (BRAIT, 2013). . Imagem e escrita se contaminam, deslizam de uma para outra fazendo com que os limites entre verbal e visual se confundam. As ilustrações não representam o que foi lido pelo austríaco; elas criam, dialogam e, portanto, multiplicam as vozes do texto. Elas não descrevem; ao contrário, pronunciam o que não estava escrito, tecem na própria lacuna que reverbera das palavras de Dostoiévski.

As possíveis vozes que emergem do diálogo entre as obras não silenciam nem se sobrepõem às produções, não competem. Os deslizamentos provocados, que acabam por borrar algumas demarcações ou limites das composições, não resultam em total destituição das marcas, já que a responsabilidade (e o mérito) por cada produção continua sendo de cada autor, mas provocam possíveis extensões, diálogos, continuidades. É possível dizer que não apenas o desenho ilustra o texto, mas é por ele ilustrado, sobretudo a partir daquilo que escapava e, portanto, não era lido até então.

Os processos de criação que propiciam tais deslizamentos, segundo a autora, podem ser analisados a partir das noções de "inacabamento, respondibilidade, exterioridade e até mesmo alteridade, ou ainda, relações dialógicas de um tipo não polêmico, mas de adesão, quase que de osmose" (BRAIT, 2013BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v.8, n.2, p.43-65, 2013., p.52); exprimem vicissitudes da obra, dos personagens.

No caso dos acontecimentos da pesquisa aqui problematizados, as relações de alteridade produzidas a partir das intervenções reverberaram vozes até então inaudíveis. As obras apresentadas por Brait (2013)BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v.8, n.2, p.43-65, 2013., assim como as pessoas envolvidas nos eventos das oficinas, uma vez que são sempre inacabadas, puderam revelar, a partir de olhares outros, possíveis desdobramentos de seus infinitos. Apenas o outro, implicado ética e esteticamente, foi capaz de produzir e articular aquilo que excedia, que escapava, mas que, uma vez problematizado, pôde compor dialetos e, por conseguinte, possíveis elos entre as pessoas. Assim sendo, as intervenções engendradas pelos pesquisadores não pretenderam deflagrar culpados (ainda que questões morais tenham por vezes emergido, tensionando ainda mais as ações), mas apresentar outras maneiras de se relacionar com as escolhas, com as renúncias, com a vida, arranjos estes tecidos no calor dos acontecimentos.

Assim como a articulação entre as ilustrações de Alfred Kubin e O duplo, de Dostoiévski, a qualidade das relações entre as pessoas implicadas nos acontecimentos da pesquisa "não é de simples e submissa legenda, mas ao contrário, é de entranhamento, de resposta ativa ao processo criativo primeiro, à estética da alteridade". (BRAIT, 2013BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v.8, n.2, p.43-65, 2013., p.52).

5 Algumas considerações mais

O que nos dizem os discursos dos jovens e dos oficineiros sobre os acontecimentos em que estiveram intensamente envolvidos? Que possibilidades outras se fundaram tanto para os jovens como para os oficineiros a partir daqueles encontros?

Amorim (2003, p.16)AMORIM, M. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e epistemológica. In: FREITAS, M. T.; JOBIM E SOUZA, S.; KRAMER, S. (Orgs.). Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003, p.11-25. destaca que "só há ética na dimensão do evento, porque é no acontecimento que minha posição singular e única defronta-se com os outros singulares". E os acontecimentos foram, por certo, tensos e intensos. Deixaram marcas em todos que os vivenciaram e exigiram dos pesquisadores um movimento exotópico, ou seja, o distanciamento necessário à problematização que não necessariamente apresenta conclusões, mas dá visibilidade às lacunas, às contradições, ao que poderia vir a ser. Trata-se, a exotopia, de condição para a atividade estética (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: Estética da criação verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 393-410.), para o acabamento que conforma o que é apresentado pelos pesquisadores como resposta ao que foi vivenciado no decorrer da pesquisa e aos muitos outros com os quais se dialogou.

Analisar os discursos dos oficineiros no dia da intervenção permitiu constatar certa entonação moral, característica de práticas pedagógicas que vêm sendo questionadas com intensidade por pesquisadores de variados referenciais teóricos. A intenção de possibilitar outras relações foi atravessada algumas vezes pelo discurso normativo, fazendo assim com que a moral prevalecesse e uma perspectiva ética das relações se mantivesse em plano secundário. Talvez a complexidade da situação (a responsabilidade pelo bom desenvolvimento de atividades com um grande número de jovens), somada ao lugar social assumido frente aos jovens e à instituição de ensino da qual provinham e com a qual se estabeleceu parceria para o desenvolvimento das oficinas, tenham se apresentado como imperativos para a constituição dos discursos proferidos. Talvez.

A questão é que os acontecimentos aqui narrados causaram desconforto aos pesquisadores. As transgressões, para além de interferirem no plano de atividades, tensionaram algumas das diretrizes do projeto ArteUrbe, em especial as relacionadas a seus propósitos e às ações dos oficineiros. Planejamentos e instituição de regras para a garantia em relação ao porvir se mostraram impróprios e caducaram durante o processo, já que alguns jovens tomaram a frente e mudaram os rumos, reinventado o cronograma, os modos de fazer e estar em grupo.

É certo que na pesquisa-intervenção a flexibilidade do cronograma e dos lugares ocupados nas atividades da pesquisa se apresenta, "considerando que objeto, sujeito e conhecimento são efeitos coemergentes do processo de pesquisar" (PASSOS; BARROS, 2012PASSOS, E.; BARROS, R. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2012., p.18). Mas eis que isso foi possível vivenciar. O movimento exotópico em relação aos acontecimentos, construído via retorno insistente às imagens das oficinas tempos depois de sua finalização, aos escritos dos autores eleitos como parceiros para o diálogo com o material da pesquisa, a um e outro novamente, possibilitou compreender que pesquisas e tensionar o lugar de saber é necessário para que a pesquisa corra no rio da vida. E a vida é fluxo, é imprevisto, é queda.

Caíram os sujeitos, caíram os objetos. O ideal de pesquisa que conduzia os encontros até o dia das transgressões, também caiu. Tornou-se foco de análise. Os pesquisadores foram confrontados com o lugar de sujeitos da pesquisa. Não mais sujeitos fixos. Sujeitos em movimento, inacabados, inconclusos.

Os acontecimentos e suas decorrências possibilitaram compreender que "fazer pesquisa lidando com a questão da diversidade convoca um pensamento ético, mas não há ética sem arena e confronto de valores" (AMORIM, 2003AMORIM, M. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e epistemológica. In: FREITAS, M. T.; JOBIM E SOUZA, S.; KRAMER, S. (Orgs.). Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003, p.11-25. , p.25). E as réplicas e tréplicas aqui relatadas deram visibilidade exatamente a essa condição de confronto, de encontro tenso de diferenças que possibilitou a emergência de outras diferenças mais.

Nos acontecimentos fundiram-se cenas de tempos vários. Retornaram. Foram reelaboradas. Ao assumir seus atos perante o grupo, ao responderem por eles, jovens e oficineiros alçaram aqueles encontros a uma condição outra: um espaço de formação ética, estética e política em que se assume a assinatura dos próprios atos considerando a condição alteritária que os conota bem como a seus agentes, pois "nenhum ato é ato de um agente isolado, mas sempre de um sujeito situado com relação a outros sujeitos" (SOBRAL, 2010SOBRAL, A. U. A estética em Bakhtin (literatura, poética e estética). In: PAULA, L.; STAFUZZA G. (org.). Círculo de Bakhtin: teoria inclassificável. Campinas/SP: Mercado das Letras, 2010, v. 1, p.53-88., p.66).

  • 1
    Sobre o projeto ArteUrbe ver Zanella e Brito (2012)ZANELLA, A.V.; BRITO, R. D. V. A.; CARVALHO, R.; ROZENFELD, T. O projeto ArteUrbe tecnologia e produção de subjetividade. Polis e Psique, Porto Alegre, v. 4, p.217-233, 2014., Fonseca et al. (2014)FONSECA, T. M. G; KIRST, P. G.; ANDRÉIA, A. M.; D'ÁVILA, M. F.; MARSILLAC, A. L. M. Pesquisa e acontecimento: o toque no impensado. Psicologia em estudo, Maringá, v.11, n.3, set./dez. 2006. e Zanella et al. (2014)ZANELLA, A.V.; BRITO, R. D. V. A.; CARVALHO, R.; ROZENFELD, T. O projeto ArteUrbe tecnologia e produção de subjetividade. Polis e Psique, Porto Alegre, v. 4, p.217-233, 2014..
  • 2
    Bakhtin (2008, p.47)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. destaca que "as relações dialógicas - fenômeno bem mais amplo que as relações entre as réplicas do diálogo expresso composicionalmente - são um fenômeno quase universal, que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana, em suma, tudo o que tem sentido e importância".
  • 3
    "o ato sempre será um encontro com o outro, encontro baseado em uma responsabilidade específica que a relação com o outro produz: minha posição no espaço e no tempo é única e irrepetível, por isso eu sou a única pessoa capaz de realizar os atos concretos que me correspondem a partir do meu único lugar no mundo, atos que ninguém pode executar em meu lugar" (BUBNOVA, 2011BUBNOVA, T. Voz, sentido e diálogo em Bakhtin. Trad. BARONAS, R. L.; TONELLI, F. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v.6, n.1, p.268-280, 2011., p.272).
  • 4
    Sobre a diferença entre graffiti e pichação, ver ALMEIDA, G.B. Política, subjetividade e arte urbana: o graffiti na cidade. 2013. 140 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). UFSC, Florianópolis. Disponível em: [https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/106968/319164.pdf?sequence=1].
  • 5
    Na prática do graffiti, 'atropelar' significa desenhar por cima de um desenho que já estava no muro, ou seja, desrespeitar aquele desenho e, por conseguinte, o seu autor.
  • 6
    Sobre exotopia, ver Bakhtin (2003BAKHTIN, M. Metodologia das ciências humanas. In: Estética da criação verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 393-410.; 2008)BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski. 4.ed. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008., Amorim (2006)AMORIM, M. Cronotopo e exotopia. In: BRAIT, B. (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006, p.95-113., Machado (2010)MACHADO, I. A questão espaço-temporal em Bakhtin: cronotopia e exotopia. In: PAULA, L.; STAFUZZA G. (org.). Círculo de Bakhtin: teoria inclassificável. Campinas/SP: Mercado das Letras, 2010, p.203-234, v. 1..
  • 7
    Considera-se, com Paulo Freire (1979)FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979., que as transformações sociais e políticas requerem mudanças na educação, porém estas não são suficientes para as transformações almejadas.
  • 8
    Dentre as três traduções de O duplo ao português, a última, de Paulo Bezerra, traz ilustrações de Alfred Kubin (BRAIT, 2013BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso, São Paulo, v.8, n.2, p.43-65, 2013.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2015
  • Aceito
    29 Set 2016
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