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A medicina tradicional ribeirinha em vozes femininas

Traditional riverine medicine in female voices

Resumo

Este artigo analisa biografias de três mulheres ribeirinhas que têm como base investigativa os seus papéis sociais no cuidar através da medicina tradicional. Seus ‘relatos de vida’ transparecem as suas próprias percepções na construção e reconstrução de suas práticas de cura no enfrentamento de doenças, sempre levando em consideração as interações construídas com o meio e com tradições religiosas – dentre as quais se destacam a pajelança, o catolicismo e o pentecostalismo. As ilhas belenenses do Murutucum e do Combu são os ambientes antropogênicos nos quais as especialistas residem e atuam, ecossistemas de deságue hidrográfico de diversos rios paraenses e uma pequena parte do rio Amazonas no oceano Atlântico. As tipologias de curas tradicionais presentes nas ilhas foram analisadas a partir das narrativas destas três especialistas, num período de quase dois anos, com incursões, entrevistas e diversos tipos de observações in situ. Ao final, pode-se perceber que o quadro social e ambiental, bem como as diferentes expressões religiosas manifestas influenciam diretamente no diagnóstico e no tratamento terapêutico proposto por essas mulheres – que, apesar de habitarem o mesmo ecossistema e integrarem um grupo social comum, possuem saberes distintos, contudo, complementares.

Palavras-chave
Biografias; Religiosidade; Estuário amazônico

Abstract

This article analyzes the biographies of three riverine women whose research is based on their social roles in providing care through traditional medicine. Their “life stories” show their own perceptions of how they construct and reconstruct their healing practices to address illnesses, always involving interactions with the environment and with religious traditions (most notably pajelança, Catholicism and Pentecostalism). The islands of Murutucum and Combu in Belém are the anthropogenic environments in which these specialists reside and work, watershed ecosystems for several rivers in Pará and a small portion of the Amazon River that drain into the Atlantic Ocean. The traditional cures present on these islands were analyzed from the narratives of these three specialists over a period of almost two years, with incursions, interviews and various types of in situ observations. The social and environmental framework and different religious expressions are seen to directly influence the diagnosis and therapeutic treatment proposed by these women, who have different yet complementary knowledge despite inhabiting the same ecosystem and being part of the same social group.

Keywords
Biographies; Religiousness; Amazon estuary

INTRODUÇÃO

As relações que os seres humanos mantêm entre si e com o seu ambiente são continuamente importantes para a formação, manutenção e atualização de seus sistemas de conhecimentos e crenças. As populações tradicionais são detentoras de um saber singular, local, que diz respeito aos aspectos que norteiam essas interações no seu cotidiano. Dando destaque ao tema com o qual essa pesquisa se ocupou, pode-se citar a flora regional que é aplicada para a dieta coletiva e para a cura de enfermidades – tudo isso, intermediado, memorizado e correlacionado por meio de rituais e simbologias específicas. Por isso, pode-se afirmar que as escolhas individuais e coletivas, combinadas com os fatores ecológicos e segundo um sistema de memória e significação de mundo, são responsáveis por definir as estratégias ou interpretações culturais de um determinado grupo (Le Breton, 2013Le Breton, D. (2013). Antropologia da dor. UNIFESP.) – algo que pode ser identificado como dimensão fundamental para qualquer ação social, inclusive, a de cura.

Dessa forma, o universo de curas, a prevenção de doenças e a proteção contra males diversos resultam das interações do ser humano com outras culturas e seus respectivos ambientes, assim como, com amplo destaque, com a biodiversidade do território que habita. Por isso, tanto para uma antropologia da saúde quanto da religião, é importante entender a atuação dos saberes e das ações de cura no dia a dia das comunidades e, em passos iguais, o seu significado como parte da autoidentidade da cultura local.

Plantas, animais, ritos, normas, imaginários, rezas e orações são exemplos de elementos socioambientais articulados em cosmovisões (dinâmicas) que fecundam as práticas cotidianas do cuidar. Dentro de um determinado grupo social, algumas pessoas, aqui denominadas especialistas (Maués, 1990Maués, R. H. (1990). A ilha encantada: medicina e xamanismo numa comunidade de pescadores. Editora universitária da UFPA.; Ferreira Jr. et al., 2018Ferreira Jr., W., Santoro, F., & Albuquerque, U. (2018). Nossa história evolutiva: plantas medicinais e a origem e evolução da medicina. NUPEEA.) ou terapeutas (Fleischer, 2018Fleischer, S. (2018). Descontrolada: uma etnografia dos problemas de pressão. Edufscar.), ganham protagonismo por memorizar, compreender e executar ritos para o enfrentamento de males que, por sua vez, são identificados por sintomas e classificados em ideias próprias de doenças segundo um sistema local de saúde. Nesses contextos, podem-se identificar diversos papéis sociais aplicados ao bem-estar local, tais como os de curandeirismo, benzimento, partejo, remedieiro etc. Esses papéis sociais são reconhecidos em pessoas com vocações específicas de cuidado e que, ao mesmo tempo, são referências de saberes indispensáveis para a atenção com a saúde. Suas atuações acontecem por meio de rituais, sabedorias, rezas e remédios, que, inclusive, revelam a importância tanto do universo biológico quanto do sagrado e simbólico nas comunidades tradicionais (Barreto, 2019Barreto, A. M. (2019). Território de águas na Amazônia: ribeirinhos e o direito à propriedade coletiva da terra. Juruá.).

Nas ínsulas belenenses, mais especificamente nas ilhas de Combu e Murutucum, situadas nas várzeas periurbanas da cidade de Belém, Pará, três mulheres são reconhecidas por seus êxitos no campo da saúde. Elas destacam-se por suas habilidades bioculturais de ritos e símbolos, em ambientes de biodiversidade, no restabelecimento da saúde. Do ponto de vista do gênero, o campo do cuidar observado possui forte protagonismo feminino (Callegaro & López, 2017Callegaro, I. C., & López, X. A. A. (2017). Culturas alimentares, biodiversidade e segurança alimentar no território de identidade. Paco., p. 197). As mulheres, nessas comunidades, têm memórias/reminiscências (Chartier, 2017Chartier, R. (2017). A história ou a leitura do tempo. Autêntica.), habilidades (Ferreira Jr. et al., 2018Ferreira Jr., W., Santoro, F., & Albuquerque, U. (2018). Nossa história evolutiva: plantas medicinais e a origem e evolução da medicina. NUPEEA.; Maués, 1990Maués, R. H. (1990). A ilha encantada: medicina e xamanismo numa comunidade de pescadores. Editora universitária da UFPA.) e práticas criativas/bricolagens (Lévi-Strauss, 2008Lévi-Strauss, C. (2008). O pensamento selvagem. Papirus.; Paes Loureiro, 2015Paes Loureiro, J. J. (2015). Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Valer.) para o exercício da cura em ao menos três tipos de ciclos sociais: familiares, comunitários e regionais. Porém, é importante salientar que há exercícios de homens na função de especialista, mais especificamente como rezadores, benzedores ou pais-de-santo (Pacheco, 2013Pacheco, A. S. (2013). Religiosidade afroindígena e natureza na Amazônia. Horizonte, 11(30), 476-508. https://doi.org/10.5752/P.2175-5841.2013v11n30p476
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).

As atividades dessas especialistas carregam traços essencialmente marcados por uma religiosidade, que, de certa forma, preenche de significados os seus saberes e, assim, estabelece uma intensa humanização a tudo em que esteja envolto no ato do curar (Tambiah, 2018Tambiah, S. J. (2018). Cultura, pensamento e ação social: uma perspectiva antropológica. Vozes., p. 64). Suas vidas caminham com o dom de formular medicamentos caseiros, envolvendo-os em rezas, orações, crenças etc., sempre em missões dedicadas ao cuidar do outro – tal como já era verificado por , ) e ) em Vigia, no estado do Pará, e por ), na ilha de Parintins, no estado do Amazonas.

Nesse sentido, tomando o pensamento de Souza (2015, p. 349)Souza, C. S. (2015). Entre relatos de vida, fotografias e cartografias: uma etnografia em diferentes proximidades. In S. Manica (Org.), Vidas & grafias: narrativas antropológicas entre biografia e etnografia (pp. 346-376). Lamparina. e Paes Loureiro (2015)Paes Loureiro, J. J. (2015). Cultura amazônica: uma poética do imaginário. Valer., a memória e a criação de cada uma dessas mulheres indicam lugares e referências terapêuticas--religiosas semelhantes, mas é importante destacar que cada uma dessas mulheres articula uma perspectiva de cuidado bastante singular. Em outras palavras e trazendo essa reflexão para este estudo, essas senhoras possuem constructos diferentes e personalizados de perceber, pensar e formular os acontecimentos, os diagnósticos de enfermidades e os seus respectivos tratamentos.

Dessa maneira, escrever sobre as vidas dessas mulheres é, de certa forma, entender a singularidade de seus ritos, além de identificar as mudanças ocorridas na ilha e seus respectivos modos de existir hibridamente entre a terra e a água, pelo olhar individualizado de cada uma. Verdadeiros arquivos vivos, suas biografias contam a história do lugar, suas modificações socioeconômicas, culturais, mitos, entre outros, além de um apanhado de acontecimentos ligados às crenças que marcaram o viver dessas pessoas e a construção de seus respectivos saberes.

Diante do exposto, o presente trabalho teve como objetivo analisar as tipologias de curas tradicionais presentes nas ilhas, a partir dos eventos narrados e vividos por três terapeutas locais. As questões norteadoras desta pesquisa foram: qual o papel social dos especialistas locais? Como se deu o aprendizado das estratégias terapêuticas? Qual o papel das plantas e da religião na cura? Qual o impacto da relação das especialistas locais com a religião praticada e as demais no ato da cura?

METODOLOGIA

ÁREA DE ESTUDO

Próximas à capital paraense, banhadas pelos rios caudalosos da Amazônia, situam-se muitas ilhas, dentre elas Combu e Murutucum. Separadas pelo furo da Paciência, as duas ilhas estão situadas, respectivamente, nas coordenadas 01º 29’ 20” S; 48º 25’ 54” W e 01° 29’ 22,2” S; 48° 25’ 38,9” W (Figura 1). O conjunto formado por essas duas ilhas é margeado, ao norte, pelas águas do Guamá. Ao sul, o furo do Benedito margeia as ilhas, com nome inspirado no santo bastante devotado no Pará. O furo do Bijogó está ao leste da ilha do Murutucum, enquanto, por sua vez, o oeste da ilha do Combu revela toda a pujança da baía do Guajará (IDEFLOR-Bio, 2018Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (IDEFLOR-Bio). (2018, março 1). Área de proteção ambiental da Ilha do Combu. https://ideflorbio.pa.gov.br/
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; Lima et al., 2010Lima, N. G., Farias, M. S., Nascimento, N. S., Miranda, R. S., & Andrade, E. S. (2010, nov. 21-24). A informação ambiental na ilha do Murutucu, Belém-PA, 2009-2010: um estudo de caso da relação urbana e rural. I Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental, São Paulo.). O Combu corresponde a uma Área de Proteção Ambiental (APA), pela Lei Estadual n. 6.083, de 13 de novembro de 1997Lei Estadual n. 6.083. (1997, nov. 13). Dispõe sobre a criação da Área de Proteção Ambiental da Ilha do Combu no Município de Belém. Diário Oficial do Estado do Pará. https://www.semas.pa.gov.br/legislacao/normas/view/395
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. O local contém quase 16.000 km2, onde habitam 230 famílias. Já a ilha do Murutucum apresenta, aproximadamente, 8,661 km2, cuja população é de cerca de 140 famílias.

Figura 1
Carta-imagem das ilhas do Combu e do Murutucum (Belém, Pará). Mapa: Laboratório de Análise Ambiental e RepresentaçãoCartográfica (LARC), do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA), da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Na extensão da ilha do Combu, em meio a intensos abraços fluviais que interseccionam a foz do rio Guamá e a baía do Guajará, além dos fluxos de maré, dois igarapés penetram como punhais na paisagem, cujos cursos d’água adentram a extensão de terra e se esvaem nela. São cursos d’água margeados por intensas áreas verdes, considerando, inclusive, as matas ciliares – que, por sinal, já mostram desgastes por causa de ocupações imobiliárias ecologicamente descuidadas. As águas em fluxos e contrafluxos de marés se estendem e se contorcem em forma de ondas que estão prontas para colidir e engolir os caminhos fluviais. Nas marés altas, as águas abrem caminhos; nas marés baixas, elas dificultam o trânsito. Pelas vias fluviais, correm, no ir e vir, diversas embarcações, como rabetas, lanchas, canoas, barcos-escola, barcos turísticos, iates, jet skis etc. (Figura 2), carregando consigo insumos, turistas e histórias que fazem parte do viver dinâmico na ilha.

Figura 2
Os trapiches, embarcações e parede florestal ao fundo, na ilha do Combu.

São espaços que acolhem duas comunidades, que levam os nomes dos seus respectivos igarapés: Piriquitaquara e Combu. O primeiro localiza-se ao centro do furo da Paciência. Ali, encontra-se um caminho, uma passagem ainda de terra batida, que interliga comunidades, famílias, pessoas e diversos ambientes da ilha. Nele, é possível ver, num primeiro olhar, armadilhas para capturar camarão, os matapis. Seguindo a vereda, já se avista um centro comunitário que agrega uma escola pública, um galpão associativo, uma igreja católica, duas pequenas igrejas pentecostais, algumas casas de madeiras e outras que já são de alvenaria.

Já no segundo igarapé, que dá nome à ilha, situado na face voltada ao continente e banhado pelo rio Guamá, a comunidade do Combu vive em meio a extensores urbanos mais acentuados, isto é, aqueles modos de vida que se estendem à ilha nos quais seus autores(as) expandem localmente vivências urbanas. Numerosos bares e restaurantes se aglomeram progressivamente em suas margens, ao tempo em que se amplia o trânsito de embarcações – algo que é destacadamente mais intenso nos fins de semana.

Nesse perímetro, é possível encontrar duas igrejas, uma católica e outra pentecostal, bem como uma Unidade Básica de Saúde (UBS), que atende, além da ilha do Combu, cinco outras ilhas, a saber, Satélite, Murutucum, Ilha Grande, Maracujá e Papagaio.

Esse cenário socioambiental com extensores urbanos reverbera em graus diferentes por toda a ilha e suas coletividades, tanto nas comunidades de Boa Esperança, cabeceira do Combu, que é emoldurada pela foz do rio Guamá, quanto pelo do furo do Benedito, na ilha do Murutucum – em parte voltada à região do Acará. Nelas, pode-se observar um cenário social semelhante ao encontrado no igarapé do Piriquitaquara, com modos de vida mais tradicionais em ocupação pelos avançados modos de vida urbanos e, do ponto de vista religioso, com a predominância de igrejas evangélicas.

A economia local é baseada na pesca de espécies como filhote (Brachyplatystoma filamentosum), pescada-amarela (Cynoscion acoupa) e camarão (Macrobrachium amazonicum); no extrativismo vegetal, com o açaí (Euterpe oleracea Mart.), o cacau (Theobroma cacao L.), o cupuaçu [Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum.] e óleo de andiroba (Carapa guianensis Aubl.) (Lima et al., 2010Lima, N. G., Farias, M. S., Nascimento, N. S., Miranda, R. S., & Andrade, E. S. (2010, nov. 21-24). A informação ambiental na ilha do Murutucu, Belém-PA, 2009-2010: um estudo de caso da relação urbana e rural. I Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental, São Paulo.; IDEFLOR-Bio, 2018Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (IDEFLOR-Bio). (2018, março 1). Área de proteção ambiental da Ilha do Combu. https://ideflorbio.pa.gov.br/
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); e, no turismo, pelo crescente número de bares, restaurantes e pousadas que se instalam avançadamente nas margens da ilha.

Para compor o presente estudo e seguindo o pressuposto de identificar e selecionar pessoas que são referências no cuidar do outro, levando-se em consideração também sua disponibilidade, foram selecionadas duas especialistas da ilha do Combu, a senhora Catarina e a senhora Mariquinha, respectivas moradoras das comunidades do igarapé do Combu e Boa Esperança, e uma da ilha do Murutucum, a senhora Eliana, moradora da comunidade do furo do Benedito.

SELEÇÃO DAS COLABORADORAS

O ponto embrionário da pesquisa, que se deu com diálogos iniciais entre os moradores das comunidades locais, ocorreu para tentar saber quem são e onde moram as especialistas locais. Para isso, inicialmente, circulou-se a ilha para conversar com algumas pessoas de áreas diferentes e para, em um passo seguinte, ter-se o primeiro olhar sobre a geografia e a realidade social local.

Devido ao interesse investigativo num grupo muito específico dentro das comunidades, a amostragem adotada é do tipo não probabilística. Assim, a participação das especialistas neste trabalho ocorreu por meio do método bola de neve (Bailey, 1982Bailey, K. D. (1982). Methods of social research. The Free Press.), em que foram solicitadas indicações de pessoas que eram reconhecidas pela íntima relação com os elementos bioculturais e com a religião.

Os habitantes das ilhas foram, aos poucos, se inteirando do tema da pesquisa e, ao serem abordados, iam nos direcionando às especialistas de cura, no enfrentamento de doenças ou perturbações – no caso, mal-estar temporário – dos moradores. Eles informaram os nomes delas, onde moravam e os êxitos que elas alcançavam, sempre com histórias que envolviam um espaço botânico e religioso. As agentes comunitárias de saúde (ACS) das ilhas também contribuíram com vários nomes de terapeutas locais, sendo consenso a lembrança de três especialistas que aceitaram participar deste estudo. O método permitiu o encontro com as mulheres Dona Catarina, Dona Mariquinha e Dona Eliana, que demonstraram disponibilidade em colaborar, sendo que elas apresentam histórias de vida marcadas por grande conhecimento na formulação de medicamentos caseiros.

PROCEDIMENTOS ÉTICOS

No convívio com a comunidade, foi informado o objetivo deste estudo para a melhor compreensão e envolvimento das pessoas e anuência das especialistas. Em seguida, foi apresentado, lido e assinado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, com base na Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012Resolução n. 466. (2012, dez. 12). Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
, do Ministério da Saúde no Brasil, junto às especialistas que aceitaram participar, de forma voluntária, do estudo intitulado “Natureza, cura e práticas religiosas: um estudo sobre a medicina popular na ilha do Combu, Belém, Pará”. O projeto foi enviado e aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa, por meio da Plataforma Brasil, parecer: 3438871.

APANHADO E ANÁLISE DOS DADOS

Entre os anos de 2018 e 2019, foram constituídas visitas regulares às ilhas, com o objetivo de estreitar laços e ter o reconhecimento melhor do ambiente. Nesse sentido, instituem-se as primeiras entrevistas e indicações de especialistas, bem como a observação não participante (Albuquerque et al., 2010Albuquerque, U. P., Lucena, R. F. P., & Cunha, L. V. F. C. (2010). Métodos e técnicas na pesquisa etnobiológica e etnoecológica. NUPPEA.).

Para auxiliar na documentação das experiências em campo, as informações foram organizadas com o uso do caderno e diário de campo, gravações de áudio e vídeo e produções de imagens em campo. Além disso, foram realizadas entrevistas de duas formas: 1) não dirigidas, sem roteiro prévio, possuindo uma conotação informal, o que permitiu às entrevistadas expressar narrativas de forma espontânea; 2) dirigidas, seguindo um roteiro pré-estabelecido (Marconi & Presotto, 2017Marconi, M. A., & Presotto, Z. M. N. (2017). Antropologia: uma introdução. Atlas., p. 15), a partir do qual se priorizaram diálogos que factualmente foram conduzidos pelas especialistas, dando protagonismo ao seu interesse de fala em torno das práticas que gravitam na cura (religião, histórias, plantas, ambiente).

As transcrições das entrevistas e conversas foram analisadas seguindo as etapas estabelecidas à análise de conteúdo de Bardin (2010)Bardin, L. (2010). Análise de conteúdo (4. ed.). Edições 70., que são: 1º) pré-análise; 2º) exploração do material; 3º) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A estrutura da redação biográfica seguiu os pressupostos do historiador e sociólogo Dosse (2015, p. 123)Dosse, F. (2015). O desafio biográfico: escrever uma vida (2. ed.). Edusp., em que o desafio de escrever a existência de uma pessoa não se ocupa apenas em retraçar a vida, mas também em recontar a maneira de viver do biografado. Diante disso, a redação inicia-se revelando a identidade dessas mulheres, seus papéis sociais do passado e do presente, condicionando o material para dar maior importância ao cerne do trabalho, as vivências religiosas individuais e coletivas da região e suas associações com as plantas em práticas de cura.

À vista disso e com base nas narrativas colhidas, a construção seguirá o modelo de relato biográfico proposto por Dosse (2015, p. 249): “Longe de contar uma vida, o relato biográfico mostra uma interação que ocorre por intermédio de uma vida”. Isto é, mostra as relações que essas mulheres estabeleceram e estabelecem com outros agentes, humanos ou não humanos, deuses e santos. Para tal, foram empregadas metodologias que versam pela identificação do campo e das especialistas, com diálogos e depuração do material obtido seguindo preceitos científicos das ciências sociais e da etnobotânica.

Os escritos biográficos iniciam-se com Dona Catarina, católica, situada em uma região marcada pelo crescente fluxo de embarcações, de pessoas e do turismo. Em seguida, embarca-se na vida de encantarias de Dona Mariquinha, uma senhora que transitou por várias crenças e, hoje, mesmo não se reconhecendo evangélica, frequenta uma igreja pentecostal situada em sua comunidade. Por fim, aprofundaremos sobre a vida de Dona Eliana, advinda de uma tradição familiar pentecostal e de cura pelo uso de garrafadas. A tríade de terapeutas vivenciou boa parte de suas vidas nos ambientes insulares e, além dos saberes locais, carrega consigo a memória do lugar, suas lendas e suas histórias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

AS ESPECIALISTAS

Com idas rotineiras ao Combu e ao Murutucum, em visitas exploratórias e conversas agendadas, o saber dessas mulheres foi se revelando, aflorando de acordo com o tipo de trabalho que cada uma desempenhou ou desempenha nas dimensões do cuidado. São as vozes femininas que integram um grupo diversificado de especialistas no uso religioso de plantas. Essas mulheres, ao longo de suas vidas, curaram pessoas com terapias envoltas na fé religiosa e nos remédios naturais.

Na geografia do igarapé do Combu, em seu ponto d’água mais raso, onde o caminho torna-se mais serpenteado e no qual se evidenciam margens mais estreitas, é onde residem Dona Catarina (78 anos, nascida no Combu) (Figura 3) e seu esposo, Luiz (76 anos, nascido em Cametá). O casal reside há bastante tempo na ilha, bem antes da chegada dos empreendimentos turísticos/comerciais. Sua morada possui três cômodos e fica suspensa em relação ao chão para evitar o tempo em que “a água cresce na terra”, como definido por Dona Catarina (comunicação pessoal, jun. 2018), ao lembrar dos meses iniciais do ano, quando o nível das águas tende a subir e a cobrir boa parte da ilha. A renda familiar vem da pesca de camarão e do auxílio do programa governamental Bolsa-Família. Juntos, Dona Catarina e seu companheiro criaram três filhas e sete netos, que, até hoje, vivem próximos de sua residência. Constituíram um núcleo familiar que é cada vez mais raro no local, em decorrência das mudanças sociais ocorridas nessas comunidades – a exemplo da chegada de novos moradores e empreendimentos, que deslocaram boa parte da comunidade que habitava o igarapé.

Figura 3
Dona Catarina – uma vida no cuidar de criança.

De fala mansa, Dona Catarina (comunicação pessoal, jun. 2018) conversa como quem deságua sabedoria e simpatia em cada prosa. Suas memórias e seus saberes confundem-se com a história da ínsula. Católica fervorosa, essa senhora costuma ir à capela de sua comunidade, localizada no igarapé do Combu. “Sempre tinha missa no final de semana, às vezes até durante a semana. A nossa capelinha era cheia de criança”. Ao falar sobre as crianças, sua fala carrega grande saudosismo, inclusive, suas práticas do cuidado que aparecem em sua fala são voltadas a essa faixa etária. A especialista é uma terapeuta de referência no cuidar de crianças. O maior destaque de suas práticas de cura acontece no caso de ‘quebranto’ – no caso, Dona Catarina (comunicação pessoal, jun. 2018) explica se tratar de uma enfermidade causada por admiração obsessiva dirigida a uma criança:

. . . a pessoa pode até não querer fazer mal, mas se ela ficar elogiando e olhando muito pra criança não demora muito a criança já tá meio mole, pálida e com dor de barriga. Aí tem que benzer logo pra tirar o quebranto.

M. Coelho (2009)Coelho, M. (2009). O feitiço: na literatura, na arte, na vida. Paka-tatu., em sua pesquisa sobre as várias facetas do feitiço, define o quebranto como um mau olhado mais fraco, nem sempre intencional e que atinge principalmente as crianças. O quebranto pode ser curado com rezas e benzeduras. O adoecimento pela enfermidade ‘quebranto’ leva à falta de apetite, à sensação de náuseas e a choros constantes. Para tratar desses males, Dona Catarina (comunicação pessoal, jun. 2018) se utiliza da benzeção, geralmente feita com um pequeno ramo de arruda (Ruta graveolens L.) e de catinga-de-mulata (Aeollanthus suaveolens Mart. ex Spreng), que “são plantas que expulsam coisas ruins”, e os associa com rezas entoadas, como um pai-nosso.

Outro caso de enfermidade bastante lembrado pela especialista é o sarampo, doença que já foi uma das mais comuns e trágicas no igarapé. Dona Catarina (comunicação pessoal, out. 2018) recorda que “já morreu muita criança nesse igarapé”. A mortalidade infantil causada por esse mal sanitário foi atenuada por meio das campanhas públicas de vacinação.

Estes dois cortes de saúde comunitária são bastante importantes para o nosso estudo. Isso porque se tem a ponderação dos tratamentos e males mais tradicionais e a irrupção dos males e tratamentos biomédicos – sempre conforme a compreensão local. Inclusive, pode-se destacar que o maior acesso à saúde pública biomédica mudou a rotina das especialistas. Para a própria Dona Catarina (comunicação pessoal, ago. 2019), “hoje em dia, eu sou dificilmente procurada”. Com razão, Dona Catarina afirma que a população mais antiga foi deslocando a busca pelo apoio à saúde da especialista para a medicina científica.

As mudanças de concepção nos cuidados tradicionais mudam à medida que os restaurantes e novos moradores vão se instalando no local. Pouco a pouco, há um aumento daqueles que moram no Combu e que dão preferência aos medicamentos alopáticos oferecidos pela UBS – o que acontece por conta da praticidade de uso, influindo diretamente na nova geração, que está mais habituada aos medicamentos do posto e, portanto, não possui mais o contato com o ambiente mais tradicional associado aos saberes, como aos da Dona Catarina. Tudo isso corrobora o pensamento da própria Dona Catarina (comunicação pessoal, ago. 2019), que afirma: “a geração de agora só quer médico. Troca os tempos. Só me procuram quando o remédio do posto não serve e só quando isso acontece que eles correm para os medicamentos caseiros”.

Com a baixa procura, aliada às debilidades físicas, Dona Catarina foi deixando de ter, mutatis mutandis, plantas medicamentosas no seu quintal. Seu terreno ainda preserva certa diversidade vegetal, em contraste com o que pode ser observado no de seus vizinhos – posto que eles procuram ter um terreno mais ‘limpo’, ou seja, sem muitas plantas. Esse ato é praticado principalmente pelos novos moradores oriundos da região urbana de Belém. Recentemente, ela recebeu de uma de suas filhas uma muda de amor-crescido (Portulaca pilosa L.), que, segundo Dona Catarina (comunicação pessoal, ago. 2019), é “um grande remédio para o estômago”, e, por isso, foi plantada no seu quintal, sob carinhos constantes. Com as folhas dessa planta, Dona Catarina prepara chás que tratam desconfortos estomacais e, ao mesmo tempo, põe em prática e revive suas antigas atividades com plantas medicinais.

Dona Catarina se autodenomina rezadeira e benzedeira. Segundo ela mesma, isso se justifica porque ela utiliza rezas e orações nas suas práticas de cura. Segundo Trindade (2013)Trindade, D. C. (2013). As benzedeiras de parintins: práticas, rezas e simpatias. EDUA., benzedeira é a pessoa que consegue curar e proteger por meio de rezas, geralmente acompanhadas por um punhado de plantas específicas. Na visão de Trindade (2013)Trindade, D. C. (2013). As benzedeiras de parintins: práticas, rezas e simpatias. EDUA., o corpo é espaço do símbolo terapêutico, quando se dá o entrelace entre dois elementos simbólicos: o corpo da mulher que benze e o corpo do doente que recebe a benzeção. Nas palavras de Dona Catarina (comunicação pessoal, jan. 2019), “o corpo das pessoas ganham benzeção quando estão mal ou quando querem proteção”.

Desde muito jovem, Dona Catarina aprendeu o ofício da benzeção e do preparo de remédios caseiros com sua mãe, nascida em uma cidade do interior do Ceará, onde foi uma referência no cuidar das pessoas, sempre com práticas cheias de expressões de rezas e plantas. Quando se mudou para a cidade de Belém, a mãe de Dona Catarina incorporou em seus saberes e crenças elementos da cultura e do ambiente local. Dona Catarina recorda que sua mãe gostava muito da ilha por ela ter mais opções de plantas e remédios, em comparação à região na qual ela cresceu e aprendeu as práticas medicinais. Recorda ainda Dona Catarina que as plantas como amor-crescido (Portulaca pilosa L.), catinga-de-mulata (Aeollanthus suaveolens Mart. ex Spreng), arruda (Ruta graveolens L.) e outras foram incorporadas no leque de opção terapêutica. Além dos saberes bioculturais, foi também por influência materna que Dona Catarina se tornou católica. Ainda em nosso tempo, ela frequenta as missas e, com devoção, respeita as doutrinas e as santidades dessa religião. Segundo Dona Catarina (comunicação pessoal, jun. 2018), “nasci e me criei nessa religião, e vou morrer nela”.

Ao cultuar os santos, Dona Catarina acredita no interceder dessas divindades nas mais variadas causas, como proteção, doença, emprego, melhora do rendimento escolar de um neto etc. Cada santo possui sua expertise, e a especialista as conhece como ninguém, direcionando suas orações aos santos que podem auxiliar em seus anseios. Cita, com frequência, Nossa Senhora de Nazaré – padroeira de Belém –, São Benedito – um santo muito popular na microrregião bragantina – e Santo Antônio, uma tríade que a especialista julga como os mais poderosos e os que ela sempre guarda em orações. Os santos simbolizam algo muito maior que as imagens, agrupadas, na forma física, em um canto de sua sala. São entes, confidentes, amigos leais que transpõem a devoção, possuem laços afetivos. Maués (1999)Maués, R. H. (1999). Uma outra “invenção” da Amazônia: religiões, histórias, identidades. Cejup. destacou que o catolicismo realizado na Amazônia é uma religião marcada pela oralidade e culto aos santos e, dentro dessas narrativas, há uma forma de cultuá-los, como as ladainhas, uma maneira de oração que pode ocorrer como canto, sendo direcionado individualmente a cada santo. Dona Catarina contou que o rito se inicia com a oração do pai-nosso, prosseguindo com a da ave-maria, mas ressalta que o ato só pode acontecer se tiver um acompanhamento devido, se tratar-se de uma prática de comunhão que agrega a participação dos devotos.

No Combu, na comunidade Boa Esperança – na interseção dos rios Guamá e Acará e a baía do Guajará, uma senhora conhecida como Dona Mariquinha, ou simplesmente a ‘Vovó’ (Figura 4), de 81 anos, é a moradora mais antiga de sua comunidade. Apesar de residir sozinha, sua casa é o centro de acolhimento e aconselhamento às novas gerações, principalmente àqueles que possuem laços familiares. A família dessa senhora é numerosa, envolve 13 filhos(as), 48 netos(as), 50 bisnetos(as) e quatro tataranetos(as), que, em grande parte, moram próximo à sua residência.

Figura 4
. Dona Mariquinha – uma curandeira sem pajelança.

Nascida no Combu, mais precisamente nas cabeceiras da ilha, sua infância foi marcada por perdas e superações. Morava com sua mãe e sua avó até os quatro anos de idade, quando perdeu ambas em um curto intervalo de tempo. A figura do pai foi ausente em sua vida desde o seu nascimento e, por esses motivos, passou a ser criada pela família do tio, a qual lhe gerou outros traumas, principalmente de maus tratos praticados pela esposa de seu tio: “ela era ruim comigo, me batia muito”, relata Dona Mariquinha (comunicação pessoal, ago. 2018).

A religião entrou na vida de Dona Mariquinha como forma de fugir dos agravos familiares. Participou de algumas experiências religiosas, como a pajelança, o catolicismo e o pentecostalismo. Mariquinha não sente que pertence a uma igreja, apesar de frequentar e ajudar na organização de eventos em uma congregação pentecostal. “Grande parte de seu conhecimento sobre as plantas advém de su curiosidade, intuição e experimentação, além da vivência na pajelança” (Santos, 2020Santos, L. S. (2020). Natureza, cura e práticas religiosas: um estudo sobre a medicina tradicional nas ilhas do Combu e do Murutucum, Belém, Pará [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Pará]., p. 76). Iniciada aos 12 anos, seu aprendizado rendeu-lhe experiências em rituais de cura. Dona Mariquinha (comunicação pessoal, jan. 2018) autoafirma-se herdeira dos ensinamentos da pajelança, em que aprendeu rezas, mitos, curandeirismo e partos; reconhece sua vocação e gosta de experimentar novos tratamentos terapêuticos. O reconhecimento local dessa senhora é fruto do tempo dedicado a melhorar a vida de muita gente, independentemente da pessoa, se parente ou não, conhecido ou não, Mariquinha não mede esforços para ajudar. Esse fato pode ser observado em uma de suas falas:

. . . quando o mar está agitado e chovendo forte, eu rezo para que Deus guarde e proteja as vidas de quem está nos barcos e que o vento leve as nuvens carregadas para onde não tiver ninguém, não demora muito e o tempo melhora

(Dona Mariquinha, comunicação pessoal, jan. 2018).

Aqui, a especialista revela não só a preocupação com as pessoas, mas a sua forte ligação com Deus.

Dona Mariquinha identifica-se como ex-bezendeira, remedieira, curandeira, parteira e puxadeira. A autoidentificação de remedieira deve-se à sua atividade na formulação de remédios caseiros, sendo muito procurada por esse dom. A definição de curandeira é atribuída a agentes especiais, com autoridade sobre certas dimensões e forças da natureza que atuam na comunidade onde reside (Cueto & Palmer, 2016Cueto, M., & Palmer, S. (2016). Medicina e saúde pública na América Latina: uma história. FIOCRUZ., p. 24). Já a parteira é a especialista que expressa habilidade na função do partejo e possui papel social de destaque no campo da saúde reprodutiva (Silva et al., 2020Silva, S. C., Dias-Scopel, R., & Schweickardt, J. (2020). Gestação e parto em uma comunidade rural amazônica: reflexões sobre o papel da parteira tradicional. Interface: Comunicação Saúde, Educação, 24, 1-16. https://doi.org/10.1590/interface.190030
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). O ato de partejar é recordado com bastante carinho e responsabilidade pela especialista, uma vocação:

Eu nunca deixei a mulher de ninguém doente, porque pra nascer e pra morrer tem hora. Depois se perguntam por que a mulher morreu se às vezes até o próprio médico não descobre do que ela morreu, mas ela está dilatada por dentro. Eu devolvia a mulher sarada

(Dona Mariquinha, comunicação pessoal, jun. 2018).

A puxadeira, por sua vez, tem o dom de estalar, puxar e massagear. Essa é uma explicação sucinta da prática da puxação, que serve “para tratar e prevenir as desordens do sistema neuro-músculo-esquelético. Apesar de ser complicado definir a técnica, na prática, resume-se em ações vigorosas” (Demetrio, 2016Demetrio, A. M. V. (2016). “A cura: pelas mãos ou pela fé?”. Técnica e a fé nas manifestações culturais na zona rural de Manaus-AM. Cronos, 17(1), 136-150., p. 144).

Quando ressuscita o estado saudável, dá segurança e acalento aos que procuram por ela, desesperançosos e desenganados. Assegura o restabelecimento do corpo saudável, desde que suas orientações sejam seguidas, como o descanso, o uso dos remédios e a alimentação. Nas suas falas, existem diversos entes. Deus, Jesus, santos católicos, Espírito Santo e seres encantados, agentes que auxiliam nas práticas de cura. “Sua forma de contar histórias e narrar fatos difere e muito da ‘coerência’ exigida pelo raciocínio lógico formal, do pensamento ocidental. Numa polifonia própria” (Santos, 2020Santos, L. S., Moraes Junior, M. R., & Lucas, F. C. A. (2020). Plantas e religiosidades na região insular de Belém, Pará. Revista Etnologia, 18(3), 3-23., p. 44). A terapeuta local possui um sistema de lógica próprio que especifica e se traduz em terapias, e, desse modo, surgem narrativas novas que se revelam com o decorrer das vivências; dizer e desdizer, crer e não crer se intercalam no seu falar. Tais variações expressam um arranjo circunstancial, como na simbologia e eficácia de orações aos santos católicos e às práticas que remontam à pajelança.

Os diversos êxitos marcam e legitimam o papel social da especialista, bem como seus remédios caseiros e sua fé. Em casos de aparente urgência, que podem levar à morte, ela a Deus intercede, dizendo: “Senhor, unge esse remédio” (Dona Mariquinha, comunicação pessoal, jan. 2018). Da mesma forma que ocorre na benzeção, cria-se o vínculo espiritual, em que Dona Mariquinha produz e receita o remédio, potencializado por sua religiosidade, ou seja, por sua relação com o divino, com o religioso. Embora o seu inegável conhecimento em vegetais, somado ao elemento religião, seja “imprescindível, esse elo legitima e traz segurança e confiança para a especialista e para o enfermo, o remédio sacraliza-se pela fé” (Santos, 2020Santos, L. S. (2020). Natureza, cura e práticas religiosas: um estudo sobre a medicina tradicional nas ilhas do Combu e do Murutucum, Belém, Pará [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Pará]., p. 48). O componente ‘fé’ ganha cada vez mais força, na medida em que as visitas são realizadas e nos tornamos menos ‘estranhos’.

Mariquinha (comunicação pessoal, jan. 2018) possui fascínio pelo universo religioso e carrega consigo traços marcantes das religiões pelas quais teve contato, mesmo que breve. Considera-se “uma curandeira sem pajelança”, embora suas práticas terapêuticas ancorem-se nos ensinamentos dos antigos pajés da ilha. No catolicismo, aprendeu os cânticos da ladainha e passou a respeitar as festas e imagens de santos. Atualmente, frequenta a igreja pentecostal Casa de Oração, da Assembleia de Deus, localizada em sua comunidade, mas não se reconhece como evangélica. Quando questionada sobre o motivo de não se sentir pentecostal, esboça um leve sorriso e fala que crente não fuma.

O hábito de fumar veio da vivência na pajelança e faz parte de seu cotidiano. Aos fins da tarde, ela descansa no batente da porta da casa, em meio às plantas e ao rio, e ali ela faz leitura de passagens da bíblia, fumando seu cachimbo (Figura 5). Essas peculiaridades simbolizam traços do que é a religião na Amazônia, movimentos adaptáveis, que se alinham e desalinham, incorporam e perdem significado em meio às dinâmicas socioantropológicas do tempo e do ambiente.

Figura 5
O cachimbo de Dona Mariquinha, uma herança da pajelança.

Na ilha do Murutucum, na parte banhada pelo furo do Benedito, em frente à região do Acará, reside uma especialista famosa pelo poder de suas garrafadas. Dona Eliana (Figura 6), 45 anos, é casada com Seu Natanael; moram em uma casa avarandada, de seis cômodos, abraçada por mata de açaizais. O casal tem, como fonte de renda, o transporte de madeira em balsas, uma atividade de Seu Natanael, além da extração vegetal do açaí, o seguro-defeso e a venda das garrafadas de Dona Eliana.

Figura 6
Dona Eliana – as garrafadas evangélicas.

Nascida no Combu, Dona Eliana morou certo tempo na região do Acará antes de chegar à ilha do Murutucum. Nunca se separou desse ambiente insular e, nesse terreno da várzea, constituiu família, religiosidade e desenvolveu o saber e a prática de fazer remédios. Desde pequena, frequenta igrejas evangélicas com seus pais e nunca vivenciou outra religião. Inclusive, foi por meio de sua mãe que aprendeu grande parte das técnicas que emprega, dentre garrafadas, puxações e orações, que não podem ser reveladas. Assim como a ilha que guarda seus segredos, Dona Eliana é reticente ao tratar das receitas e de sua atuação como especialista do cuidado, uma postura compreensível a julgar de tratarmos de uma tradição familiar; a fala tímida ganha força e detalhes à medida que a convivência cresce, relatos detalhados de cura surgem de forma natural e desabrocham as caudalosas experiências de saúde confrontadas pela jovem senhora.

No Murutucum, Eliana é a grande referência no ato de cuidar, uma especialista evangélica que possui vasto conhecimento na formulação de garrafadas, o que colabora para sua autodenominação de garrafeira. No caso, é a pessoa que consegue obter a cura pela produção de um remédio que envolve diversos materiais, com o predomínio botânico e orações. Segundo Camargo (2014, p. 178)Camargo, M. T. L. A. (2014). As plantas medicinais e o sagrado: a etnofarmacobotânica em uma revisão historiográfica da medicina popular no Brasil. Ícone., esse é o tipo de especialista que formula produtos compostos por recursos vegetais, animais e minerais, indicados para vários fins, envasados em garrafas de volumes variados, à disposição de usuários em mercados e feiras livres, assim como em ambientes onde ocorrem curas, cujos usos apresentam forte conotação religiosa.

Segundo Seu Natanael (comunicação pessoal, jun. 2018), a esposa atende uma média de cinco pessoas por dia, “chega a fazer fila na frente de casa, de gente esperando atendimento”. A casa da especialista, assim como ocorre com Dona Mariquinha e Dona Catarina, equivale a um consultório que acolhe os enfermos, os desenganados e os desiludidos. Dona Eliana também atende de duas formas quem tem dificuldades em se deslocar até ela. A primeira é orando em objetos das pessoas, como roupas: “existem situações que eu peço pra alguém trazer uma roupa para que possa orar em cima”. A segunda é indo até a pessoa necessitada. Era bastante comum, quando não a encontrávamos em sua casa, sermos informados pelos vizinhos que ela partira para orar nas pessoas. De Belém ao Acará, a especialista exerce sua missão, revelando a abrangência do seu papel social.

A legitimação de suas práticas perpassa pelos êxitos alcançados no enfrentamento de doenças e pelo seu papel ativo nos cultos de sua igreja, a Assembleia de Deus. Em sua congregação, é respeitada e interpretada como alguém que foi escolhido para a missão de curar pessoas de doenças e resolver imponderáveis do cotidiano, como alcançar um emprego e até maior sorte no amor. Busca cuidar das pessoas sem distinção de religião, trata de católicos, evangélicos e até dos ‘desguiados’ (pessoas que ela considera sem religião).

A especialista é um instrumento de sua crença, já que é impossível pensar as curas de Dona Eliana sem suas orações, sem suas palavras de conforto e embasadas em passagens bíblicas. Cura e protege com o poder da palavra. Além disso, quando o enfermo se encontra com uma doença ou sintoma incompreendidos por ela e pela biomedicina, a resposta é revelada ao abrir a bíblia: “tem vezes que a pessoa nem sabe o que tem, até o próprio médico não sabe o que ela tem. Eu abro a bíblia e está lá a resposta, a doença é revelada na palavra” (Dona Eliana, comunicação pessoal, jun. 2018). Deus se comunica com a especialista pela bíblia e pela cura, é ele que revela a enfermidade e ajuda a combatê-la pelas mãos de Dona Eliana: “Às vezes, eu vejo que o remédio não está fazendo efeito, então eu oro, e Deus me dá a resposta pela cura”. O elo que Eliana retrata é uma ligação direta com Deus, a onipresença se transmuta nos caminhos para identificar e tratar uma situação na qual a especialista se depara.

No decorrer de sua trajetória, passou por algumas igrejas evangélicas, tradicionais e recém-chegadas às ilhas, em que houve aceitação por umas e recusa por outras. O uso de ervas medicinais pode ser incompreendido e visto como algo fora das doutrinas pregadas por determinadas congregações, podendo ser interpretado como uma atuação de espíritos malignos; mas, ao mesmo tempo, em outras igrejas, essa atuação de cura pode estar relacionada como algo benéfico e divino. Atualmente, acompanha os cultos da igreja Assembleia de Deus na comunidade onde reside, e nela perpetua sua tradição pentecostal. Nascida em berço evangélico, orgulha-se por estar atrelada e nunca ter vivenciado diretamente outra religião. O fato de a Assembleia de Deus ter se instalado no Pará há mais de 100 anos e ter se estabelecido tão bem na região fecundou uma tradição pentecostal em vários núcleos urbanos e rurais de Belém. Salienta-se que:

O movimento pentecostal com maior expressão, expansividade nacional e grandeza institucional (denominacional) é o da Assembleia de Deus – que nasceu no Pará em 1911 e que, durante os seus mais de cem anos de existência, expandiu-se por todos os lugares do Brasil

(Santos, 2020Santos, L. S., Moraes Junior, M. R., & Lucas, F. C. A. (2020). Plantas e religiosidades na região insular de Belém, Pará. Revista Etnologia, 18(3), 3-23., p. 40).

Além de seu laço sólido com a religião, Dona Eliana enxerga na garrafada um elemento crucial na recuperação do enfermo, a qual pode ser formulada de duas formas: existe a ‘garrafada do homem’, composta por vinho, ovos de pata e canela (Cinnamomum zeylanicum Nees), cujo propósito é dar mais vigor ao homem; a outra garrafada é mais geral, cura de tudo, sua composição é mais complexa e elaborada com mais ingredientes – vinho, açúcar, canela, mel de abelha, noz-moscada (Myristica fragrans Houtt.), puxuri [Licaria puchury-major (Mart.) Kosterm.], queijo ralado, unha-de-gato [Uncaria tomentosa (Willd. ex Roem. & Schult.) DC.] e verônica (Dalbergia monetaria L.f.). Todos os produtos são preparados ao embalo de orações, não reveladas, como uma forma de legitimar e dar maior segurança à ação divina.

A garrafada ajudou a notabilizar a terapeuta como referência na região, além de contribuir na renda familiar. O produto (garrafada) varia de preço, conforme o valor do açaí, “quando acaba o açaí, acaba o dinheiro”, relata Dona Eliana (comunicação pessoal, mar. 2019), mostrando a dependência socioeconômica dessa região em função da safra do açaí, espécie típica da paisagem (Figura 7). Furlaneto et al. (2020)Furlaneto, F. P. B., Soares, A. A. V. L., & Furlaneto, L. B. (2020). Parâmetros tecnológicos, comerciais e nutracêuticos do açaí (Euterpe oleracea). Revista Internacional de Ciências, 10(1), 91-107. https://doi.org/10.12957/ric.2020.46945
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demonstraram que a produção dessa espécie no estuário amazônico concentra-se no verão, entre julho e dezembro (representa 70 a 80% da produção do açaí), sendo de duas a três vezes superior à da safra de inverno. No tempo da safra, o fruto alcança o valor mais baixo, contudo, tem a maior comercialização e circulação de dinheiro. Nesse período, a garrafada de Dona Eliana é comercializada a R$ 30,00; por outro lado, na entressafra, com o açaí escasso e de valor elevado, o poder de compra diminui e a garrafada é vendida entre R$ 20,00 e R$ 25,00.

Figura 7
A paisagem com o predomínio de uma floresta de açaizeiros.

Além das garrafadas e das orações, Dona Eliana agrega outras técnicas que consolidam o seu know-how na região; são métodos que chegaram por meio das antenas parabólicas, como a ventosa e a água ungida. A ventosa é uma arte curativa que foi aprimorada pela medicina tradicional chinesa, a qual prima pelo equilíbrio da circulação sanguínea e energética (N. Coelho et al., 2019Coelho, N. L., Sousa, J. T., & Watanabe, L. A. R. (2019). A utilização da medicina tradicional chinesa na redução do estresse. Scire Salutis, 9(1), 20-29. https://doi.org/10.6008/CBPC2236-9600.2019.001.0003
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, p. 21). Para aplicá-la, Dona Eliana utiliza uma vela e copos de vidro, contando que vem conseguindo êxito no tratamento das pessoas acometidas de dores musculares e de problemas de circulação. A água ungida é outra estratégia: a especialista a define como uma alternativa para uma eventual ausência dos produtos que compõem a garrafada, podendo também tratar os mesmos males e alcançar os objetivos que suas garrafadas. Por vezes, Dona Eliana unge a água pela televisão, em programas da emissora Rede Internacional de Televisão (RIT), que apresenta conteúdos da programação da Igreja Internacional da Graça de Deus (Soares & Cândido, 2015Soares, A., & Cândido, D. (2015). Igrejas eletrônicas, os neopentecostais e a pregação da fé nos tempos do espetáculo religioso. Cadernos de Graduação: Ciências Humanas e Sociais, 2(3), 145-155., p. 151). Dona Eliana costuma colocar um copo ou uma garrafa com água na frente de sua televisão e ora, impondo as mãos sobre o objeto com o líquido, seguindo as instruções do pastor. Quando faz o procedimento, conta que muitas pessoas a procuram, e nem sempre para tratar alguma doença particular, mas desejam a água como um amuleto, uma proteção, e costumam passa-la na pele ou jogá-la em suas casas.

Dona Eliana está em plena atividade na ilha do Murutucum, dedicando-se ao retardo da morte, em amenizar o sofrimento físico, espiritual e social. Engenhosa, aprende estratégias para cuidar das situações que lhe são apresentadas e, assim como aprendeu com sua mãe, repassa esses ritos às filhas, que os incorporam e os ressignificam dentro de um pentecostalismo aos modos ribeirinhos.

APRENDER, CRIAR, CONSTRUIR, RECONSTRUIR E TRANSMITIR

A vivência dessas senhoras no ambiente de várzea é marcada pela interação com a religião, com o ambiente e as pessoas que, direta ou indiretamente, arquitetaram a base de apoio dos seus conhecimentos. A interpretação sobre a dinâmica dos saberes de um determinado grupo social deve considerar formas de transmissão do conhecimento: I) transmissão horizontal – ocorre entre indivíduos de geração semelhante e não necessita ser no ciclo familiar; II) vertical – entre pessoas da família, mas de distintas gerações; III) oblíquas – por meio de interações entre indivíduos de gerações divergentes e sem grau de parentesco. As formas descritas de aprendizado não se anulam, podendo coexistir dentro da vivência dessas especialistas (Ferreira Jr. et al., 2018).

A partir deste estudo, verificou-se que Dona Catarina e Dona Eliana percorreram trajetórias de aprendizagem construídas principalmente de forma vertical, oriundas da mãe, e, da mesma maneira, isso vem sendo repassado às progênitas, perpetuando uma herança familiar.

Em relação a Dona Mariquinha, “grande parte de sua sabedoria foi conquistada por seu perfil autodidata e outra parte por observação, intuição, confiança – como se já soubesse o que fazer quando é chamada – e transmissão” (Santos, 2020Santos, L. S. (2020). Natureza, cura e práticas religiosas: um estudo sobre a medicina tradicional nas ilhas do Combu e do Murutucum, Belém, Pará [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Pará]., p. 46). Não se recorda de ter parentes com esse grau de sabedoria e aprendeu com pessoas não aparentadas e mais velhas, no caso, de forma oblíqua e horizontal, em grande parte em suas vivências na pajelança, onde há forte presença, mesmo que indiretamente, de aspecto da pajelança ressignificada e sobreposto no pentecostalismo das ilhas.

Os sistemas de crenças pelos quais essas senhoras transitaram influenciaram as suas técnicas de cura e o modo de perceber o mundo, como os mitos, as doenças e os tratamentos. São vários os elementos que ganharam significação em suas religiões. Para as especialistas, não existe a cura sem a fé, fator determinante para atingir algo que desejam, como o restabelecimento do estado normal; o crer no divino simboliza segurança no tratamento.

Atualmente, Dona Mariquinha e Dona Catarina queixam-se de que as mulheres de hoje em dia não se interessam pelo ofício e as que fazem não são experientes. Esse ator, o experiente, foi observado por , p. 183) como a pessoa que não obteve estudos específicos da função de maneira convencional, pelo conhecimento da medicina ocidental, mas que guarda grande conhecimento êmico. Dona Mariquinha alertou para o desinteresse e a apatia da nova geração, e que, em decorrência disso, evita repassar seus saberes, concentrando consigo uma redoma de práticas e experiências vivenciadas na ínsula. Situação análoga pode ser encontrada no povo indígena Arara Karo, em Rondônia, onde existe a recusa dos mais velhos em repassar seus conhecimentos às novas gerações, que desacreditam, em parte, na ciência indígena (). Dona Mariquinha percebe que o jovem de hoje é egoísta, não possui um olhar comunitário, tão essencial à medicina tradicional. Tal conduta ameaça a conservação da memória individual e coletiva, visto que as convergências ao ‘progresso’ e à ‘modernização’ avançam ao meio campesino, instituindo um desequilíbrio no grupo social entre “o indivíduo que lembra e outro que esquece, ou faz questão de esquecer e de desconhecer” (, p. 237). Dona Eliana, sob outra perspectiva, diz que só pode ensinar esses conhecimentos para suas filhas e deixa bem claro que, para aprender, tem que ser convertida na sua religião; o saber que advém de sua família precisa ficar na família e seguir as doutrinas de sua fé.

AMEAÇAS E TENSÕES NA DINÂMICA DE CURA DENTRO DA RELIGIÃO

A proximidade com a cidade de Belém trouxe outra realidade; com ela, novos modos tradicionais de vida ganharam a companhia de outros atores que interferem na maneira ribeirinha de olhar o mundo. A ‘onda’ turística que abraça o Combu e proximidades, como o Murutucum, trouxe alterações socioeconômica e ambiental nas ilhas, provocando mudanças gradativas nos hábitos das comunidades ribeirinhas. Formas de trabalho, escassez de alimento, perda de biodiversidade, movimentos religiosos mais assentados, a ideia urbana de prosperidade, diminuição da territorialidade, dentre outros, são extensores urbanos que provocaram efeitos sociais diversos em âmbitos econômicos, religiosos, culturais etc., metamorfoseados, seguindo a ótica contemporânea das ilhas (Mauss, 2008Mauss, M. (2008). Ensaio sobre a dádiva. Edições 70.).

A cultura, consequentemente, ganha novos contornos, especialmente na forma de interpretar a doença, a causa, o diagnóstico, o tratamento e a cura por parte da comunidade. Nesse ponto, o apego recai à ação de congregações pentecostais e à sua relação com as terapeutas locais. Primeiro, é importante salientar que o movimento pentecostal assentado nas ilhas não é uniforme e possui uma tipologia de interpretações dessas estruturas de saberes. Por vezes, especialistas que praticam a doutrina relatam que alguns membros dessa religião não aceitam suas práticas e acabam invisibilizando e denegrindo o papel social dessas mulheres, as quais, em contrapartida, são aceitas por organizações mais antigas, mais alinhadas à cultura ribeirinha e a suas simbologias.

As várias igrejas pentecostais também impactam a dinâmica das congregações católicas, diluindo a presença delas. Dona Catarina (comunicação pessoal, jan. 2019), por exemplo, lembra com saudosismo as festas católicas que ocorriam no igarapé: “aquilo era uma diversão pra mim, tinha festa de quase todos os santos e missas todos os domingos”, que, aos poucos, foram se diluindo com a entrada de moradores mais afeitos à cultura urbana, assim como com a expansão do pentecostalismo na região. Ocorre que ela perdeu transitoriedade com a aproximação de moradores mais alinhados à cultura urbana, ou seja, tendem a demarcar e impedir o trânsito por seu terreno, além de deslocar a população tradicional para outras áreas, e a introdução de um novo movimento religioso acaba dividindo os fiéis ou, como ela fala: “agora, metade é crente”. Para Mariz (1997, p. 48)Mariz, C. L. (1997). O demônio e os pentecostais. In P. Birman, R. Novaes & S. Crespo (Orgs.), O mal à brasileira (pp. 45-61). EDUERJ., o “fenômeno de evangelização pode ter sido impulsionado pelo fascínio das pessoas em procurar algo que as proteja dos males e de magias anteriores”. Dona Catarina, nessa conjectura, se mostra solitária com sua religião, dentro de um tempo contemporâneo, que a isola das outras dinâmicas que ancoram no igarapé.

Com relação à Dona Mariquinha, o seu papel identitário como especialista local se tornou, ao longo do tempo, mesmo com grande arcabouço de saber botânico-religioso, mais delicado. A entrada da igreja Casa de Oração da Assembleia de Deus em sua comunidade atraiu muitos seguidores e frequentadores, dentre eles, Dona Mariquinha e os filhos. Estes orientam a matriarca a largar algumas práticas, como os banhos e a benzeção, e a adquirir novos costumes de vida, como abandonar as bebidas alcoólicas e o fumo. Alegra-se em participar da igreja; os cantos e a energia do lugar a fazem se encantar pelo lugar, mas, mesmo assim, ainda não se sente ‘crente’.

A especialista vê na pajelança um caminho para combater doenças e imponderáveis da vida, sempre entoando a narrativa que “o que cura é a fé” (Dona Mariquinha, comunicação pessoal, jun. 2018). Independentemente de sua vivência na igreja pentecostal, o seu trabalho no tratar de pessoas não se restringe apenas na crença em Deus, mas no elo que também envolve os remédios naturais das plantas e são misturados, eventualmente, “com parte de animais, como a banha do jabuti e o chifre de boi, declarados como elementos essenciais no misticismo dos rituais que ela elabora” (Santos, 2020Santos, L. S., Moraes Junior, M. R., & Lucas, F. C. A. (2020). Plantas e religiosidades na região insular de Belém, Pará. Revista Etnologia, 18(3), 3-23., p. 57).

Independentemente do seu vasto êxito na cura e por ser uma referência no cuidar, todo o know-how alicerçado em sua trajetória de vida não a impediu de sofrer preconceitos dentro de sua comunidade. ‘Macumbeira’ é um termo que utilizam para denegrir a sua presença e ainda revela o fato de ser perseguida pela incompreensão de outrem. Manter-se neutra, sem pertencimento a uma religião, não deixa de ser uma estratégia para minimizar conflitos. A esse respeito, puxa de sua memória um episódio referente à procissão de São Benedito – uma procissão que percorre pelas águas que banham o Combu. Na ocasião, a maioria dos evangélicos da comunidade se direcionava ao santo com gritos depreciativos a ele. Incomodada, essa senhora pediu que o santo não se chateasse e solicitou o perdão de Deus: “pois só Deus pode perdoar” (Dona Mariquinha, comunicação pessoal, jun. 2018). Contudo, como a dualidade do discurso é uma característica de Dona Mariquinha, sincronicamente à defesa ao respeito ao santo e à sua festa, também ressaltou: “não acredito em peças de barro ou de pau, sou seguidora de um Deus vivo” e “esse negócio de santo é ilusão” (Dona Mariquinha, comunicação pessoal, jun. 2018).

Há um tipo de transmutação evidenciada no perfil de Dona Mariquinha, que, a cada narrativa, acredita e desacredita em santos, seres encantados e orações mágicas. O fato é que ela é fascinada pelo mistério, pelo enigmático e pelo religioso (Santos, 2020Santos, L. S. (2020). Natureza, cura e práticas religiosas: um estudo sobre a medicina tradicional nas ilhas do Combu e do Murutucum, Belém, Pará [Dissertação de mestrado, Universidade do Estado do Pará]., p. 58). O perfil reticente no falar pode ter relação com as tensões com parte dos membros da igreja evangélica, inclusive com grau de parentesco.

Com relação à Dona Eliana, o seu vínculo com o movimento pentecostal vem desde muito cedo, como fora abordado em seu tópico. Sua família, incluindo tios, primos, filhos e seus oito irmãos, é adepta, em grande parte, da fé evangélica. Atualmente, seus parentes dividem-se entre três igrejas pentecostais localizadas na ilha do Murutucum, ela, por sua vez, frequenta a igreja Assembleia de Deus de sua comunidade. Essa tradição, contudo, não inibiu as tensões dentro do movimento.

Apesar da grande procura por seu trabalho, algumas igrejas repudiam sua presença. A repulsa afastou-a de determinadas congregações, como a Deus é Amor, onde informou ter ouvido dos membros dessa congregação que a cura só pode ser atingida dentro da igreja. Outro ressentimento faz-se com relação a uma Assembleia de Deus, que, inclusive, está localizada no terreno de seu pai, onde os membros não concordam com suas práticas.

Para entender melhor esse efeito tensionado que ocorre com as três terapeutas, Shiva (2003)Shiva, V. (2003). Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. Gaya. ajuda a refletir sobre as estratégias da institucionalização de uma política de negação ao saber local, o que acarreta o que a autora define como uma monocultura da mente. Primeiro, tenta-se desvalidar o saber local, ao não o considerar como propriamente um saber, ou negar, tornar invisível a existência das práticas tradicionais; segundo, dá-se pelo desaparecimento das alternativas, apagando ou destruindo a realidade que elas tentam representar, ou seja, quebra-se o contato com as especialistas e também com as plantas, que perdem seu caráter medicinal; terceiro, deprecia-se a importância do ente vegetal, deslocando determinadas espécies à categoria de ‘erva-daninha’, ocorrendo, por consequência, seu desaparecimento do ambiente.

Plantas que eram cruciais nas práticas de cura de Dona Mariquinha e de Dona Catarina sumiram da ilha. Entretanto, Martins et al. (2005)Martins, A. G., Rosário, D. L., Barros, M. N., & Jardim, M. A. G. (2005). Levantamento etnobotânico de plantas medicinais, alimentares e tóxicas da ilha do Combu, município de Belém, estado do Pará, Brasil. Revista Brasileira de Farmácia, 86(1), 21-30. realizaram levantamento das plantas medicinais, alimentares e tóxicas presentes no Combu, em que a arruda (Ruta graveolens L.) e a catinga-de-mulata (Aeollanthus suaveolens Mart. ex Spreng) se apresentaram como os entes botânicos mais relevantes. Dona Mariquinha (comunicação pessoal, mar. 2019) conta que “as mulheres agora arrancam essas plantas, dizem que fede”, referindo-se a moradoras de sua comunidade. O fato é que essas são plantas habitualmente empregadas na benzeção, exorcismo e proteção contra seres malignos; no entanto, com exceção da benzeção, essas também são práticas predominantes em ritos das recém-chegadas igrejas pentecostais nas ilhas. “O exorcismo é uma prática marcante do pentecostalismo e simboliza uma ‘batalha espiritual’ entre o bem (Deus) e o mal (Diabo), onde se objetiva a libertação da possessão de uma pessoa por seres malignos” (Correa, 2019Correa, M. A. O. S. (2019). Deus e o diabo: parceiros na linguagem (neo)pentecostal? Revista Reflexão, 44, e184364., p. 319). Nesse ambiente, para além de uma biomedicina, há disputa, coexistência e entrelaçamento de tratamentos: de um lado, terapias que carregam forte intimidade botânica e religiosa; do outro, ações que negam entes locais, como plantas e mitos, e focam no elemento religioso. Ocorre que o enraizamento de curas que excluem práticas tradicionais da ilha causa, inegavelmente, um desequilíbrio no domínio cultural das especialistas e em suas expressões culturais.

CONCLUSÃO

Este artigo cooperativo com mulheres especialistas em curas da ilha do Combu e do Murutucum tornou-se uma espécie de caleidoscópio de narrativas, as quais, mesmo sendo de imensa envergadura, são apenas uma gota no oceano das vivências dessas mulheres. Um enfoque foi privilegiado em meio a tantos encontros dialógicos: as percepções de mundo e suas implicações para com o cuidado tradicional da saúde comunitária. O que se caracteriza como tradicional é a concepção ontológica animista de mundo, a partir da qual se pode entender que a vida e a saúde dos humanos são partes integrantes de uma natura naturans, ou seja, de uma natureza vívida, intensamente plural e continuamente autocriativa – muito além de uma concepção antropocêntrica de bem-estar. Dessa maneira, as mulheres especialistas no cuidado da saúde tradicional são pessoas de profunda memória, intensa capacidade criativa de rituais e medicamentos, largas e plurais concepções de sagrado, e de sabedoria virtuosa sobre as mais diversas questões quanto a dúvidas e inseguranças que podem surgir no dia a dia.

As três protagonistas carregam consigo mais do que um saber individual, posto que seus conhecimentos são coletivos e ancestrais. Contudo e ao mesmo tempo, são saberes ressignificados ao contexto de cada especialista. Por assim dizer, elas têm intensas ações de agenciamento da cura, ou seja, elas trocam experiências com outras especialistas e outras expressões religiosas. Quando necessário, são capazes de criar e de institucionalizar novos ritos e medicamentos sempre quando são demandadas frente a novos desafios sanitários. Estas práticas de autonomia curandeira também podem acontecer quando há escassez de algo vegetal, animal ou ritual tradicionalmente utilizado em suas práticas. A responsabilidade de fazer o ‘cuidado do outro’ desperta nessas especialistas uma dinâmica inventiva: elas podem romper com as ações tradicionais ou as estruturas sociais, estabelecendo, assim, novos valores de sagrado e de bens bioculturais do cuidado, visando à cura.

As especialistas são mulheres que têm profundas memórias e efervescentes imaginários culturais em suas ações (narrações, ritos, saberes, devoções, bens simbólicos e bioculturais, lógica de criações etc.). Uma dimensão está intimamente ligada à outra no dia a dia, nas experiências sociais de vida. Pode-se até mesmo considerar que o binômio memória e imaginário cultural carrega elementos regentes de ações e modelos de agregações sociais. Logo, as memórias e os imaginários abscônditos nas práticas sociais das especialistas podem ser considerados bens de suas respectivas comunidades e patrimônios humanos. Isso porque elas são como institutos coletivos de saberes e práticas que, por si mesmas, regem a dinâmica cultural de suas casas e de seus próximos. Elas são continuidades e criações de saberes dinâmicos do cuidado para o bem-estar coletivo. Para isso, essas especialistas também utilizam técnicas não uniformes e nem sempre consensuais de curas. Além do mais, elas percorreram caminhos difusos, ou seja, de diferentes interações que, no final das contas, convergem na ajuda ao próximo, de sua comunidade ou de outras. Mesmo que as três estejam num mesmo ambiente insular de várzea, todas têm aspectos antropogênicos de curas que lhes são específicos, singulares a si mesmas e às suas comunidades.

A arte de curar é uma vocação, na ética do seu exercício, e um dom, na imersão de sua prática. A arte do cuidar do outro (cura, diálogo, reza, parto, oração, puxação, criação e/ou doação de ervas etc.) é uma missão entrelaçada intimamente com aspectos (con)sagrados e de fé. As próprias especialistas indicam que o sentimento mínimo de quem faz o cuidado e de quem o recebe é a fé. A fé consubstancia as dimensões do saber de cura/cuidado, do rito, das técnicas da especialista, dos elementos bioculturais de cura, do reconhecimento coletivo da eficácia no cuidado do outro conduzido pela especialista e dos entes envolvidos, que excedem o conceito ocidental de realidade. A cura é uma sinfonia em que os grandes compositores do bem e do mal conduzem o cotidiano orquestral da natureza. As especialistas de cura são as regentes que dialogam com o paciente, os males, os saberes orquestrais e os ditos composicionais das grandes forças. A condução sinfônica da cura aponta para um cuidado que excede um entendimento humano singular, comum. A música é polifônica e os elementos da cura são unidades instrumentais. As sinfonias da cura são uma grande execução artístico-curandeira: o ato regido pelas especialistas de cura é uma objetivação de dimensões flutuantes, uma integração de grandes saberes e técnicas. Cada problema é uma singularidade que deve ser tratada por intermédio das tradições de cura, dos entes divinos (sob diversos aspectos de gênero), da fé, da técnica de cura, dos elementos bioculturais e da singularidade daquela ou daquele que é cuidado. Cada pessoa leva às especialistas dúvidas, carências, questões, problemas de saúde, necessidade de parto etc. E, para as especialistas, cada pessoa merece o cuidado polifônico e cósmico que sua demanda intimamente requer. Os momentos dedicados a esses cuidados não podem ser banalizados, pois são instantes consagrados de interlocução entre mundos e entes humanos e não humanos.

A construção do conhecimento de cada uma dessas mulheres é resultado de diferentes experiências religiosas que elas atravessaram como agenciadoras de curas simbólicas. Elas nunca opuseram o encantamento da magia às preces cristãs (católicas e evangélicas). Cada uma estabelece continuamente uma multiforme comunicação entre sagrados – posto que o mundo em que elas vivem nunca estabelecera distinções radicais entre as diversas confissões e as crenças ancestrais. A percepção da especialista sobre o binômio no tratamento acontece entre interações intensamente vividas e por meio de profundas concepções religiosas e sociais. Todas as ações de cuidado são atualíssimas; são interlocutoras entre os ditos das tradições e os desafios da contemporaneidade. Podemos concluir, então, que as especialistas em curas buscam dar cuidados e sentidos à vida. Por isso, são mais que artistas da cura, pois exercem lideranças ‘culturais’ em suas comunidades.

AGRADECIMENTOS

À Catarina, à Mariquinha e à Eliana, artesãs de uma arte curativa e exemplos de bondade e respeito ao próximo. Aos habitantes das ilhas do Combu e do Murutucum. Ao Herbário Marlene Freitas da Silva da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UEPA. Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).

  • Santos, L. S., Santos, R. S., Moraes Junior, M. R., Lucas, F. C. A., Custódio, C., Passos, L. S., & Nascimento, E. (2023). A medicina tradicional ribeirinha em vozes femininas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 18(1), e20210068. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0068

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Editado por

Responsabilidade editorial: Claudia Leonor López Garcés

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2021
  • Aceito
    06 Set 2022
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