Morte e morrer na formação médica brasileira: revisão integrativa

Resumo

A fim de descrever como a morte e o morrer são abordados na graduação médica no Brasil e suas repercussões para estudantes, realizou-se revisão integrativa de publicações ocorridas entre 2008 e 2019, resultando na seleção de 36 artigos. Identificaram-se dificuldades na abordagem do tema relacionadas ao modelo biomédico de formação, à organização dos currículos e à formação dos professores. Estas afetam os estudantes, trazendo sofrimento psíquico e prejudicando o processo de formação. Poucos currículos abordam aspectos psicossociais relacionados à morte e ao morrer, sendo frequentemente abordados com carga horária insuficiente, métodos inadequados ou como atividades extracurriculares. Propostas de solução apontam a necessidade de investimentos em cuidados paliativos na graduação. Conclui-se que essas temáticas precisam ser mais bem contempladas nas Diretrizes Curriculares Nacionais de cursos de medicina, de modo a garantir uma formação mais humanitária, pautada em princípios éticos, e que prepare estudantes e profissionais para lidar com situações de terminalidade.

Educação médica; Morte; Saúde mental

Abstract

To describe how death and dying are approached in the medical undergraduate programs in Brazil and their repercussions for students, an integrative review of publications from 2008 to 2019 was carried out, resulting in a selection of 36 articles. The difficulties in approaching the theme related to the biomedical model of training, the organization of the curriculum, and the training of teacher were identified. Those affect students, causing psychic suffering and hindering the training process. Few curriculums approach psychosocial aspects related to death and dying, which are often approached for insufficient credit hours, inadequate methods, or as extracurricular activities. Solution proposals point to the necessity of investments in palliative care in the undergraduate programs. In conclusion, these themes need to be more thoroughly included in the National Curricular Directives of medicine programs, to foster a more humanitarian training, based on ethical principles, and which prepares students and professionals to deal with end-of-life situations

Education, medical; Death; Mental health

Resumen

Este texto describe cómo la graduación en Medicina en Brasil aborda la muerte y el morir y sus repercusiones al alumnado; para ello, se realizó una revisión integradora de 36 artículos publicados entre 2008 y 2019. Se identificaron las dificultades en el enfoque del tema relacionadas con el modelo biomédico de formación, la organización curricular y la formación docente. Esas dificultades generan sufrimiento psíquico a los estudiantes y perjudican su formación. Pocos currículos abordan los aspectos psicosociales en este tema y, muchas veces, lo hacen con inadecuados métodos, desde una insuficiente carga horaria o desde actividades extracurriculares. Para solucionarlo, es necesario plantear los cuidados paliativos en la graduación. Esta temática debe abordarse mejor en las Directrices Curriculares Nacionales de la carrera de medicina para garantizar una formación más humanitaria, basada en principios éticos y que prepara a los estudiantes y profesionales para enfrentar situaciones de final de la vida.

Educación médica; Muerte; Salud mental

Diferentes aspectos culturais influenciam o modo como as pessoas lidam com perdas, construindo possibilidades particulares para enfrentar um momento difícil como a morte ¹ , ² . Essas significações atribuídas à morte variaram em diferentes momentos históricos ² - ⁴ e, apesar de ser um processo biológico inevitável ² , ³ , a morte é comumente temida ¹ e associada ao sofrimento ³ , ⁵ . Essa visão sobre a morte influencia a maneira como a medicina lida com a vida e com questões ligadas à terminalidade, envolvendo, muitas vezes, a ocorrência de distanásia, situação em que se prolonga a vida de pacientes em situação terminal, representando a manutenção de um processo doloroso ³ - ⁵ .

Nesse sentido, a tecnologia acaba por ajudar a prolongar a existência dos doentes, mas não os ajuda a vivenciar o processo de morrer de maneira qualificada e digna ⁶ . Esse contexto reforça a importância de falar sobre a morte e as formas de lidar com ela, temas que devem ser mais amplamente debatidos na formação e nas práticas em saúde.

Considerando especificamente a formação médica, a literatura discute que os médicos ainda são formados para abordar a doença e a morte em seus aspectos técnicos a fim de combatê-las, estando despreparados para lidar com a pessoa que está doente ou morrendo ² , ⁶ . Com isso, o processo de formação médica tende a imprimir uma visão impessoal e puramente biológica da questão da morte ⁴ , ⁶ , o que resulta em profissionais de saúde que, ao evitar o contato com a morte do outro, distanciam-se das emoções em relação à própria morte ² .

Assim, um dos grandes desafios para a formação em saúde atual é extrapolar o ensino dos cuidados exclusivamente técnicos ⁶ para, então, abranger a complexidade das situações de sofrimento, adoecimento e terminalidade. Esse é um desafio especial para o cenário brasileiro de formação médica, que recebeu grande influência do modelo flexneriano, pautado em uma formação centrada na prática hospitalar e na doença ⁷ , e não na pessoa e em outros contextos sociais envolvidos nos processos de saúde-adoecimento.

Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e o movimento da Reforma Sanitária, a década de 1980 intensificou as discussões acerca do limite do modelo de formação em saúde centrado em princípios biomédicos. Tais discussões levaram à incorporação de ideais previstos no Relatório Dawson ⁸ , que propunha o uso regular de serviços da atenção primária para o ensino em saúde, o foco na pessoa e nos grupos e atenção às questões sociais envolvidas nos processos de saúde e adoecimento ⁹ .

Refletindo essas recomendações técnicas e as transformações da assistência em saúde em curso na sociedade brasileira, várias mudanças relacionadas aos marcos legais das práticas e da formação médica desenvolveram-se no país. Se, por um lado, o Código de Ética Médica reafirmou os compromissos da medicina com a vida e a saúde, reforçou também o compromisso médico com o respeito à autonomia dos pacientes e da garantia de assistência em situações irreversíveis e terminais ¹⁰ .

Do conjunto de discussões sobre a formação em saúde em andamento no país, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de graduação em medicina preconizam uma formação reflexiva, empática e que valorize o contexto psicossocial de cada pessoa ¹¹ . No entanto, o espaço destinado a questões relacionadas a aspectos psicossociais do adoecer, da morte e dos cuidados paliativos permanece pequeno e, apesar de se estimular a reflexão, encontra-se ainda restrito a entendê-los como parte do ciclo fisiológico ¹¹ , ¹² .

Além disso, destaca-se que a falta de apoio institucional para que estudantes lidem com suas angústias diante de situações de morte é apontada como fator que poderia influenciar, posteriormente, sua capacidade profissional relacionada a essas questões ¹³ . No tocante ao processo de formação médica, vale destacar, ainda, que o Código de Ética do Estudante de Medicina explicita que o estudante deve buscar, em sua instituição de formação, iniciativas de apoio psicossocial para dar suporte às situações que impliquem sofrimento psíquico, evidenciando, também, a corresponsabilidade do estudante na construção de uma estrutura curricular voltada a uma formação crítica e humanística ¹⁴ .

Considerando a complexidade da abordagem da terminalidade e sua relevância para a prática médica, este estudo buscou descrever, a partir da análise de artigos relativos à formação médica brasileira, a maneira como temáticas relacionadas à morte e ao morrer vêm sendo tratadas na graduação em medicina e as repercussões dessas abordagens para os estudantes.

Método

Este estudo caracteriza-se como revisão integrativa de literatura por meio de pesquisa bibliográfica, com perspectiva qualitativa e caráter descritivo ¹⁵ . Esse método foi escolhido por ser amplo e possibilitar a combinação de dados da literatura, incluindo estudos qualitativos e quantitativos.

Foram selecionados artigos das seguintes bases de dados: LILACS, PubMed, SciELO e Medline. Os descritores, ou palavras-chave, em inglês ou português, foram escolhidos com base em consulta ao Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e pesquisas-teste prévias. São eles: “ students, medical and death ”; “ students, medical and stress, psychological ”; “ students, medical and attitude to death ”; “ students, medical and anatomy ”; “estudantes de medicina and morte”; “estudantes de medicina and atitude frente à morte”; “estudantes de medicina and estresse psicológico”; “educação médica and morte”; “ education, medical and death ”; “educação médica and tanatologia”; “ education, medical and thanatology ”; “ students, medical and thanatology ”; “estudantes de medicina and tanatologia”. Os títulos e resumos dos artigos selecionados foram lidos por mais de um pesquisador para avaliar a pertinência do estudo quanto a sua elegibilidade em relação aos critérios de inclusão e exclusão.

Foram incluídos artigos originais em português e em inglês publicados entre 2008 e 2019, excluindo-se os estudos que: a) não incluíam em seu público-alvo estudantes de medicina brasileiros; b) não abordaram a graduação em medicina; c) abordaram o tema da morte e do morrer apenas considerando seus aspectos biológicos e legais; d) não eram originais; e) eram duplicados. Após esse processo, foram selecionados os artigos que compuseram a estrutura de análise desta pesquisa. Utilizou-se um formulário de extração de dados, elaborado de acordo com os objetivos fixados e o desenho da pesquisa, de modo a assegurar que a totalidade das informações relevantes fosse adequadamente registrada, minimizando erros ¹⁵ .

Os artigos selecionados foram organizados em quadro ( Quadro 1 ), considerando as seguintes variáveis: autoria, periódico publicado, ano de publicação, característica amostral, faixa etária e período de curso dos estudantes participantes e desenho do estudo. Os artigos que atenderam aos critérios de elegibilidade foram distribuídos em duplas de pesquisadores para leitura e análise inicial e, posteriormente, o grupo de pesquisadores desenvolveu em conjunto o processo de categorização dos conteúdos a partir do referencial teórico da análise temática ou categorial ¹⁶ .

Quadro 1
Artigos segundo autoria, periódico e ano de publicação, características do estudo e metodologia

Autores	Periódico e ano de publicação	Característica amostral/local de realização da pesquisa (estado)/período do curso/faixa etária	Método
Sadala e Silva 18	Interface (Botucatu) , 2008	24 estudantes de medicina, São Paulo Estudantes do 5º e 6º ano do curso que haviam vivenciado 2 ou 3 episódios envolvendo cuidar de pacientes em fase terminal Faixa etária entre 21 e 27 anos	Qualitativo, de natureza descritiva
Quintana e colaboradores 19	Revista Brasileira de Educação Médica , 2008	11 estudantes de medicina, Rio Grande do Sul Estudantes do 1º ao 5º período do curso Faixa etária entre 18 e 27 anos	Qualitativo, etnográfico
Brito e colaboradores 20	Revista Paraense de Medicina , 2008	240 estudantes de medicina, Pará Estudantes do 1º ao 4º ano do curso Faixa etária entre 17 e 33 anos	Quantitativo, estudo transversal
Falcão e Mendonça 21	Revista Brasileira de Educação Médica , 2009	48 médicos docentes do curso de medicina, Rio de Janeiro Faixa etária não especificada	Qualitativo, de natureza reflexiva
Marta e colaboradores 22	Revista Brasileira de Educação Médica , 2009	120 residentes e 100 estudantes de medicina, São Paulo Estudantes do 3º ano de medicina e residentes Faixa etária não especificada	Quantitativo, estudo transversal
Mascia e colaboradores 23	Revista Brasileira de Educação Médica , 2009	82 estudantes de medicina, São Paulo 41 do 6º ano e 41 do 2º ano do curso Faixa etária não especificada	Quantitativo, estudo transversal
Bifulco e Iochida 24	Revista Brasileira de Educação Médica , 2009	15 profissionais da saúde, sendo 3 médicos, São Paulo Faixa etária média de 35,7 anos, com idade entre 22 e 80 anos	Qualitativo, descritivo-exploratório
Silva e Ayres 25	Revista Brasileira de Educação Médica , 2010	15 estudantes de medicina e 4 residentes, Rio Grande do Norte Pelo menos 1 estudante para cada período do curso e 2 para cada ano da residência (R1 e R2) Faixa etária não especificada	Qualitativo, de natureza reflexiva
Combinato e Queiroz 26	Ciência & Saúde Coletiva , 2011	6 médicos e 7 enfermeiros, São Paulo Faixa etária de 24 a 48 anos	Qualitativo, exploratório
Andrade e colaboradores 27	Revista Brasileira de Educação Médica , 2011	120 estudantes de medicina, Distrito Federal 25% dos estudantes de cada série (1º ao 6º ano) do curso Faixa etária entre 18 e 31 anos	Quantitativo-qualitativo, estudo transversal descritivo
Pinheiro e colaboradores 28	Revista Brasileira de Educação Médica , 2011	180 estudantes de medicina, São Paulo 4º ao 6º ano do curso Faixa etária não especificada	Quantitativo, estudo transversal
Azeredo, Rocha e Carvalho 29	Revista Brasileira de Educação Médica , 2011	5 estudantes de medicina, Rio Grande do Sul Estudantes do 9º ao 12º período do curso Faixa etária não especificada	Qualitativo, exploratório descritivo
Pinheiro, Benedetto e Blasco 30	Revista Brasileira de Medicina , 2011	Amostra não especificada, São Paulo Estudantes e residentes de medicina Estudantes do 6º ano de medicina e residentes Faixa etária não especificada	Qualitativo, observação participante
Borges e Mendes 31	Revista Brasileira de Enfermagem , 2012	1 nutricionista, 2 enfermeiras e 2 médicos, Distrito Federal Faixa etária entre 26 e 32 anos	Qualitativo, exploratório descritivo
Santos, Menezes e Gradvohl 32	Ciência & Saúde Coletiva , 2013	6 estudantes de medicina, 10 de enfermagem e 6 de psicologia, São Paulo Períodos do curso não especificados Faixa etária não especificada	Qualitativo, exploratório descritivo
Figueiredo e Stano 33	Revista Brasileira de Educação Médica , 2013	Amostra não especificada, Minas Gerais Estudantes do 2º ano do curso Faixa etária acima de 16 anos	Qualitativo, de natureza reflexiva
Almeida e Falcão 34	Revista Brasileira de Educação Médica , 2013	27 médicos, Rio de Janeiro Faixa etária não especificada	Qualitativo, de natureza reflexiva
Poletto, Santin e Bettinelli 35	Revista Brasileira de Educação Médica , 2013.	11 médicos que atendiam a pacientes idosos, Rio Grande do Sul Faixa etária entre 39 e 63 anos	Qualitativo, exploratório
Bertoldi, Folberg e Manfroi 36	Revista Brasileira de Educação Médica , 2013	Estudantes de medicina, Rio Grande do Sul Amostra não especificada Faixa etária não especificada	Qualitativo, estudo de caso
Fonseca e Geovanini 37	Revista Brasileira de Educação Médica , 2013	7 estudantes de medicina, 1 aluno de doutorado em geriatria e 1 que não se identificou, Rio de Janeiro Períodos de curso não especificados Faixa etária média de 27 anos	Qualitativo, exploratório
Silva, Leão e Pereira 38	Revista Bioética , 2013	76 estudantes de medicina, Pernambuco Estudantes do 3º período do curso Faixa etária não especificada	Qualitativo, de natureza reflexiva
Andrade e colaboradores 39	Revista Brasileira de Educação Médica , 2014	40 estudantes de medicina, Ceará Estudantes do 2º ao 6º ano do curso Faixa etária média de 21,5 anos em um grupo e 21 anos em outro	Quantitativo-qualitativo, longitudinal, descritivo
Duarte, Almeida e Popim 40	Interface (Botucatu) , 2015	26 estudantes de medicina, São Paulo Estudantes do 4º e 6º períodos do curso Faixa etária não especificada	Qualitativo, descritivo
Costa, Poles e Silva 41	Interface (Botucatu) , 2016	10 estudantes, sendo 5 de medicina e 5 de enfermagem, Minas Gerais Estudantes do 3º ao 9º período de medicina Faixa etária entre 21 e 30 anos	Qualitativo, exploratório descritivo
Silva e colaboradores 42	Revista Brasileira de Educação Médica , 2016	25 estudantes de medicina, 83 médicos docentes da graduação em medicina e 64 residentes de medicina, Rio Grande do Norte Estudantes do 12º período do curso e médicos Faixa etária não especificada	Quantitativo, transversal
Alves e colaboradores 43	Revista da Associação Médica Brasileira , 2017	69 estudantes de medicina, Sergipe Estudantes do 9º ao 12º período do curso Faixa etária média de 25,1 anos	Quantitativo, transversal
Freitas e colaboradores 12	Revista Bioética , 2017	23 estudantes de medicina, Bahia Períodos do curso não especificados Faixa etária não especificada	Qualitativo, descritivo
Tamada e colaboradores 44	Revista de Medicina , 2017	9 médicos, São Paulo Faixa etária entre 32 e 58 anos	Qualitativo, descritivo transversal
Storarri e colaboradores 45	BMJ Supportive e Palliative Care , 2017	293 estudantes de medicina e 43 residentes, São Paulo Estudantes do 1º ao 6º ano de medicina e residentes Faixa etária não especificada	Quantitativo, descritivo
Santos, Lins e Menezes 46	Revista Bioética , 2018	47 estudantes de medicina, Bahia Estudantes do 1º ano de medicina Faixa etária não especificada	Qualitativo, descritivo
Correia e colaboradores 47	Revista Brasileira de Educação Médica , 2018	134 estudantes de medicina, Alagoas Estudantes do 9º ao 12º período de medicina Faixa etária entre 22 e 37 anos	Quantitativo, descritivo transversal
Malta, Rodrigues e Priolli 48	Revista Brasileira de Educação Médica , 2018	240 estudantes de medicina, São Paulo Períodos do curso não especificados Faixa etária acima de 19 anos	Quantitativo, coorte
Pereira, Rangel e Giffoni 49	Revista Brasileira de Educação Médica , 2019	81 estudantes de medicina, Goiás Estudantes do 6º ano de medicina Faixa etária acima de 18 anos	Quantitativo-qualitativo, descritivo avaliativo
Marques e colaboradores 50	Revista Brasileira de Educação Médica , 2019	66 estudantes de medicina, Acre Estudantes do 8º e do 11º períodos de medicina Faixa etária média de 26,76 anos	Quantitativo-qualitativo, descritivo avaliativo
Santos e Pintarelli 51	Revista Brasileira de Educação Médica , 2019	805 estudantes de medicina e 93 residentes, Paraná Estudantes de todos os períodos de medicina Faixa etária de 18 a 22 anos entre os estudantes e de 23 a 27 anos entre os residentes	Quantitativo, observacional
Meireles e colaboradores 52	Revista Bioética , 2019	51 estudantes de medicina e 42 médicos, Minas Gerais Estudantes do 2º, do 3º e do 4º períodos de medicina Faixa etária igual ou superior a 18 anos	Quantitativo, transversal descritivo

A adoção de um referencial qualitativo para análise dos dados justifica-se pela possibilidade de inclusão e abordagem de temas complexos e relevantes para discussão, e não somente considerando sua frequência de aparecimento. Ressalta-se a importância de abordagens qualitativas em pesquisas em saúde, uma vez que permitem maior compreensão de temáticas de difícil abordagem, cuja complexidade dificulta a apreensão por metodologias exclusivamente quantitativas ¹⁷ . Desse processo emergiram as seguintes categorias, apresentadas e discutidas a seguir: 1) a morte e o morrer na formação médica e seus impactos psicossociais; 2) abordagem da morte e do morrer na organização curricular; 3) propostas de solução sugeridas diante dos problemas de abordagem do tema.

Resultados

Com base na pesquisa bibliográfica realizada, foram encontrados 31.404 estudos, dos quais 36 foram selecionados após análise por meio da leitura de títulos, resumos e artigos integralmente ( Figura 1 ). De acordo com as informações apresentadas no Quadro 1 , pode-se perceber, em síntese, que, entre os artigos selecionados, 21 eram qualitativos, 11 eram quantitativos e quatro apresentavam método quantitativo-qualitativo. Esses estudos envolveram, em conjunto, 2.823 estudantes de medicina de diferentes períodos do curso, 548 médicos – dentre os quais 320 eram residentes – e outras categorias profissionais que não foram objeto desta revisão.

Figura 1
Fluxograma de inclusão e exclusão dos estudos

Os estudos foram realizados em todas as regiões do território nacional, sendo 18 no Sudeste, quatro no Sul, três no Centro-Oeste, oito no Nordeste e dois no Norte. Com relação às unidades da federação, 12 estudos foram realizados em São Paulo, três no Rio de Janeiro, três em Minas Gerais, três no Rio Grande do Sul, um no Paraná, um em Goiás, um no Ceará, um em Pernambuco, dois no Rio Grande do Norte, um em Sergipe, dois na Bahia, um em Alagoas, um no Pará, um no Acre e dois no Distrito Federal. Além disso, o Quadro 2 apresenta uma síntese dos principais resultados e recomendações dos artigos.

Quadro 2
Síntese dos principais resultados e recomendações dos artigos selecionados

Autores	Principais resultados	Principais recomendações
Sadala e Silva 18	Ansiedade para lidar com pacientes terminais e dificuldade para lidar com os próprios sentimentos; impotência, depressão e ansiedade diante da morte; formação deficiente e despreparo para lidar com a terminalidade; distanciamento do paciente	Necessidade de ampliar a abordagem de aspectos relacionados à terminalidade na formação médica, tais como competências interpessoais, ética e deontologia médica
Quintana e colaboradores 19	Angústia diante da terminalidade, dor e sofrimento perante os modelos e práticas de formação	Criação de espaços de discussão sobre o tema e compartilhamento de experiências
Brito e colaboradores 20	Ansiedade diante da morte; distanciamento do paciente e desumanização profissional; organização curricular deficiente; preocupações com a própria saúde	Estimular o desenvolvimento de habilidades interpessoais nos estudantes; buscar maior humanização na formação médica, para lidar melhor com adoecimento e morte
Falcão e Mendonça SB 21	Sofrimento e despreparo dos médicos, estudantes e pacientes diante da morte; ausência de suporte emocional durante a graduação; organização curricular deficiente; predomínio da perspectiva biomédica	Criação de espaços de discussão do tema e compartilhamento de experiências
Marta e colaboradores 22	Desenvolvimento de síndrome de burnout ; distanciamento e indiferença em relação ao paciente; organização curricular deficiente; percepção de que houve preparo teórico, prático e individual para lidar com a morte e o morrer na graduação	Abordagem teórico-prática da terminalidade, instituição de cursos sobre tanatologia
Mascia e colaboradores 23	Sofrimento psíquico diante da terminalidade; diferença da percepção e da reação entre os estudantes de períodos distintos diante da morte	Inserção de cursos de tanatologia ao longo da formação; discussões de casos clínicos; criação de espaços de discussão; apoio psicopedagógico
Bifulco e Iochida 24	Sofrimento psíquico, frustração e sentimento de perda; formação com foco no modelo biomédico; percepção de ausência da temática da morte na formação	Necessidade da abordagem da morte e do morrer ao longo do curso de graduação, especialmente a formação em cuidados paliativos; estimular o desenvolvimento de habilidades de empatia e acolhimento
Silva e Ayres 25	Vulnerabilidades e despreparo para lidar com situações de terminalidade; abordagem deficiente do tema; falta de contato com a morte ao longo do curso; privação do contato com pacientes nos primeiros anos da graduação	Incorporação de conteúdos específicos e métodos ativos e diversificados para abordar o sofrimento e a terminalidade; importância em vivenciar a terminalidade ao longo do curso; desenvolvimento de aspectos psicossociais e do processo de comunicação; oferta institucional de apoio psicopedagógico
Combinato e Queiroz 26	Despreparo para lidar com situações de terminalidade; formação voltada ao modelo biomédico e cientificista; manifestação de sentimentos negativos relacionados à terminalidade	Necessidade de mudar a perspectiva de formação, com foco mais específico em questões da terminalidade; necessidade de desenvolvimento de habilidades de empatia, acolhimento e diálogo
Andrade e colaboradores 27	Reconhecimento do desenvolvimento de atitudes positivas e amadurecimento diante das questões relacionadas à morte; melhor compreensão do processo de adoecimento e terminalidade	Importância do desenvolvimento de habilidades de empatia, acolhimento e diálogo; necessidade de envolvimento no cuidado quando a cura não for possível; importância do uso de metodologias ativas
Pinheiro e colaboradores 28	Abordagem deficiente da terminalidade e desconhecimento dos conceitos bioéticos relacionados aos tipos morais de morte (eutanásia, distanásia e ortotanásia)	Necessidade de desenvolvimento teórico e prático em terminalidade e em conceitos de bioética
Azeredo, Rocha e Carvalho 29	Sofrimento psíquico e impotência; pouca abordagem sobre o tema; sentimento de despreparo e distanciamento do paciente	Importância de experiências relacionadas à terminalidade ao longo do curso; desenvolvimento teórico e prático em terminalidade; desenvolvimento de aspectos psicossociais ligados a adoecimento e terminalidade; necessidade de apoio psicopedagógico oferecido pela instituição de ensino
Pinheiro, Benedetto e Blasco 30	Despreparo para lidar com situações de terminalidade ao longo do curso; morte vista como falha médica; metodologias ativas melhoraram comunicação e exteriorização de sentimentos	Investir na formação em cuidados paliativos; importância de experiências práticas no processo formativo; desenvolvimento teórico e prático em terminalidade nas diversas disciplinas curriculares
Borges e Mendes 31	Distanciamento do paciente; abordagem curricular com enfoque deficiente sobre aspectos relacionados à terminalidade	Necessidade de desenvolvimento de habilidades interpessoais de empatia, acolhimento e diálogo; importância de envolvimento no processo de cuidado em situações de terminalidade
Santos, Menezes e Gradvohl 32	Despreparo para lidar com a morte; sofrimento psíquico; abordagem deficiente pelo currículo obrigatório; desconhecimento sobre o termo ortotanásia	Formação que desenvolva aspectos psicossociais e de comunicação sobre a morte
Figueiredo e Stano 33	Importância do uso de metodologias ativas de ensino e disciplinas curriculares que abordam a morte; importância das disciplinas de tanatologia e cuidados paliativos	Incentivar o desenvolvimento de habilidades interpessoais, por meio de disciplinas com metodologias ativas
Almeida e Falcão 34	Limites da atuação médica diante da morte no contexto de UTI; despreparo na formação médica para lidar com situações de terminalidade; reconhecimento da necessidade de suporte psicológico	Sugerido curso sobre tanatologia; importância de o estudante presenciar momentos de terminalidade ao longo da graduação; criação de espaços de discussão
Poletto, Santin e Bettinelli 35	Necessidade de maiores discussões e reflexões sobre a abordagem da morte e do morrer na formação acadêmica; morte e morrer não são contemplados nos projetos pedagógicos; preocupação com pacientes e familiares	Sugerido curso sobre tanatologia; criação de espaços de compartilhamento de emoções e conhecimentos
Bertoldi, Folberg e Manfroi 36	Contato com a morte e sofrimento dos pacientes gera medo; desestímulo à busca de conhecimento e dificuldade de perceber a si mesmo e aos outros	Não apresenta recomendações
Fonseca e Geovanini 37	Morte como indicativo de fracasso médico; despreparo dos estudantes para lidar com a terminalidade; abordagem da morte e do morrer considerada deficiente no currículo; alguns estudantes sentem-se preparados para lidar com a morte	Sugerida inserção do tema cuidados paliativos no curso de medicina; desenvolvimento de competências para relações interpessoais e de comunicação com os pacientes; apoio pedagógico
Silva, Leão e Pereira 38	Importância da aplicação de metodologia de ensino de bioética no curso de medicina; percepção de primazia da visão curativa da medicina; organização curricular deficiente sobre aspectos relacionados à terminalidade	Implementação de disciplinas voltadas à terminalidade e novas metodologias de ensino
Andrade e colaboradores 39	Formação que pouco aborda a morte e o morrer; angústia dos estudantes pelo contato terminal e com cadáveres nas aulas de anatomia; sofrimento psíquico relacionado ao contato com a morte (ansiedade, depressão, insônia)	Ampliar abordagem da terminalidade ao longo do curso com a criação de espaços de discussão; necessidade de oferta de apoio psicopedagógico
Duarte, Almeida e Popim 40	Morte vista como falha médica; sofrimento psíquico entre os estudantes perante a morte (sentimento de fracasso, impotência e angústia); sentimento de despreparo, apesar do contato progressivo com o tema da terminalidade na graduação (carga horária insuficiente, caráter pontual de abordagem)	Sugerida inserção do tema cuidados paliativos de maneira integral ao longo da graduação; salientada a importância do contato presencial do estudante com situações de terminalidade
Costa, Poles e Silva 41	Morte vista como falha médica; desenvolvimento de mecanismos de defesa (distanciamento do paciente); despreparo na formação; abordagem deficiente pelo currículo obrigatório	Estimulação do ensino teórico-prático de cuidados paliativos e incentivo a pesquisas que visem ao aprimoramento dessa formação
Silva e colaboradores 42	Abordagem deficiente sobre o tema da terminalidade e sobre o preenchimento da declaração de óbito	Abordagem que permita adequado preenchimento da declaração de óbito
Alves e colaboradores 43	Sofrimento psíquico diante da terminalidade; sensação de falha, dificuldades de comunicação com paciente e com seus familiares	Criação de espaços de discussão sobre o tema
Freitas e colaboradores 12	Organização curricular deficiente para lidar com a terminalidade; despreparo dos estudantes para lidar com a morte; mudanças na percepção da morte; novo paradigma proposto pelos cuidados paliativos	Inserção de disciplinas obrigatórias sobre tanatologia no currículo médico
Tamada e colaboradores 44	Despreparo para lidar com a morte; insuficiência da abordagem do tema no currículo	Adoção de estratégias e metodologias ativas para abordagem dos temas relacionados à terminalidade (cinema, psicodrama, role-playing e workshops )
Storarri e colaboradores 45	Despreparo para lidar com situações de terminalidade; ausência de abordagem da comunicação de notícias difíceis	Inserção do tema cuidados paliativos na graduação; desenvolvimento de atividades teórico-práticas em terminalidade
Santos, Lins e Menezes 46	Compreensão da morte como fenômeno natural e social; aspectos éticos e psicológicos sobre a morte devem ser considerados na prática médica; morte tida como inimiga na prática médica, mas também representa alívio; necessidade de superação do modelo biomédico e de ampliação da abordagem da terminalidade na graduação	Necessidade de desenvolver habilidades interpessoais de empatia, acolhimento e diálogo
Correia e colaboradores 47	Morte vista como fracasso médico; sentimento de frustração para lidar com o tema; angústia pelo contato com paciente terminal; insuficiência em relação à abordagem; ausência de abordagem da comunicação de notícias difíceis	Inclusão de cursos sobre tanatologia como disciplina curricular
Malta, Rodrigues e Priolli 48	Despreparo para lidar com situações de terminalidade; dificuldades de comunicação dos estudantes com o paciente e com seus familiares; vantagens na aquisição de conhecimentos para estudantes que mantiveram contato com o tema ao longo da graduação	Desenvolver habilidades interpessoais de empatia, acolhimento e diálogo e práticas terapêuticas para o controle da dor; oferecer aos pacientes um cuidado mais humanizado
Pereira, Rangel e Giffoni 49	Sentimento de ansiedade e ameaça à própria vida; abordagem deficiente pelo currículo sobre cuidados paliativos, ortotanásia, distanásia e eutanásia; despreparo para lidar com situações de terminalidade	Inserção de disciplinas optativas e projetos de extensão sobre o tema; investir na formação em cuidados paliativos; oferecer aos pacientes um cuidado mais humanizado
Marques e colaboradores 50	Graduação médica biologicista; interferência de experiências passadas e fatores pessoais na percepção da morte e do morrer	Importância de presenciar momentos de terminalidade ao longo de toda a graduação; criação de espaços de discussão sobre o tema
Santos e Pintarelli 51	Sentimento de frustração, ansiedade e impotência diante da terminalidade; insuficiência da abordagem na graduação e contato com o tema restritos aos últimos anos do curso	Ampliar a abordagem do tema ao longo do curso
Meireles e colaboradores 52	Despreparo para lidar com situações de terminalidade; formação deficiente; distanciamento do paciente	Inserção de cursos sobre tanatologia; desenvolvimento de atividades teórico-práticas em terminalidade

Morte e morrer

Formação médica e seus impactos psicossociais

Os principais aspectos discutidos pelos artigos selecionados no que tange aos impactos psicossociais da morte e do morrer na formação médica foram aqueles ligados a seus elementos biotecnicistas; a questão do sofrimento e do despreparo diante de situações de terminalidade; as dificuldades vivenciadas pelos estudantes; e a influência de crenças e experiências pessoais.

Do total de 36 artigos, 13 apresentaram críticas acerca de perspectivas da graduação médica voltadas a referências preponderantemente biomédicas organicistas e que priorizavam o tradicional paradigma científico-biológico ¹² , ²¹ , ²² , ²⁴ , ²⁶ , ³¹ , ³³ , ³⁷ , ³⁸ , ⁴⁰ , ⁴⁴ , ⁴⁶ , ⁵⁰ . A precariedade ou inexistência da abordagem da morte e do morrer na graduação médica resultou em um conjunto de problemas que foram identificados e discutidos nos estudos. Quatro artigos apontaram o despreparo dos estudantes para lidar com pacientes sem possibilidade de cura e com situações que envolviam o processo de morte ¹² , ³³ , ⁴⁴ , ⁵² , outros quatro identificaram que a morte era vista como algo negativo, indicando fracasso médico, com consequente angústia ³¹ , ³⁷ , ⁴⁷ , ⁵⁰ , e os últimos cinco discutiram que a suposição da capacidade de intervenções sobre a morte levava à busca pela cura, tentativa de manutenção da vida e recuperação da saúde a todo custo ¹² , ²⁴ , ³⁴ , ³⁵ , ³⁸ .

Com relação à maneira como se lida com a morte de paciente, os estudos identificaram várias expressões de sofrimento psíquico manifestadas pelos estudantes, como sentimento de frustração ²⁴ , ²⁹ , ⁴⁷ , ⁵¹ , impotência ¹⁸ , ²⁶ , ²⁹ , ³⁷ , ⁵¹ , fracasso ²⁶ , ⁴⁰ , perda ²⁴ e sensação de falha ⁴³ . Doze estudos discutiram que as diversas expressões do sofrimento psíquico abordadas tinham relação com o despreparo para lidar com situações de terminalidade ao longo do curso ²⁵ , ²⁶ , ³⁰ , ³² , ³⁴ , ³⁷ , ⁴⁰ , ⁴¹ , ⁴³ , ⁴⁵ , ⁴⁸ , ⁵² , por falta de suporte emocional ao estudante ²¹ , ²⁵ , ³⁷ , ⁴⁵ , ⁵² ou por causa do modelo de formação médica com enfoque prioritário na cura. Alguns estudos discutiram, ainda, que, em função desse despreparo, a morte era vista como falha médica ²⁶ , ³⁰ , ⁴⁰ , ⁴¹ .

A falta de contato com a morte e o morrer ao longo da graduação fez que os estudantes se sentissem desconfortáveis para atuar em contextos nos quais esses eventos eram predominantes ³⁰ , ⁴³ , estando associada, também, a dificuldades de comunicação dos estudantes com o paciente e seus familiares ⁴³ , ⁴⁸ .

Vinte e seis estudos identificaram um conjunto de impactos psicossociais e mecanismos de defesa entre os estudantes de medicina, decorrentes de uma formação que pouco abordava as questões da morte e do morrer ¹⁸ - ²⁶ , ²⁹ - ³² , ³⁴ , ³⁶ , ³⁷ , ³⁹ - ⁴¹ , ⁴³ , ⁴⁵ , ⁴⁷ - ⁴⁹ , ⁵¹ , ⁵² . Três estudos identificaram a angústia provocada pelo contato com o paciente terminal ⁴⁰ , ⁴¹ , ⁴⁷ e com cadáveres nas aulas de anatomia ¹⁹ , ³⁹ . Além disso, foram apontadas outras formas de sofrimento psíquico, como ansiedade ¹⁸ , ²⁰ , ⁴⁷ , ⁴⁸ , ⁵¹ , depressão ¹⁸ , ²³ , ³² , ³⁹ , insônia ³⁹ e síndrome de burnout ²² , ²³ , decorrentes do contato do estudante com a morte. Alguns estudos discutiram, ainda, que, diante da morte de paciente, também se deparava com a questão da própria finitude ²⁰ , ²¹ , ⁴⁷ , ⁴⁹ , o que poderia gerar ansiedade ⁴⁷ e sentimento de ameaça à própria vida ²⁰ .

Alguns trabalhos identificaram que os estudantes de medicina desenvolveram mecanismos de defesa para lidar com a morte de seus pacientes ¹⁸ , ²² , ²⁹ , ³¹ , ³⁶ , ⁴¹ , ⁴³ , ⁵² e com cadáveres nas aulas de anatomia ²² . Esses mecanismos consistiam, principalmente, em distanciamento do paciente ¹⁸ , ²⁰ , ²² , ²⁹ , ³¹ , ⁴¹ , ⁵² , distanciamento da condição humana ²⁹ , uso de humor em forma de piadas com o cadáver ¹⁹ , desumanização profissional ²⁰ , ³⁶ , isolamento do profissional ao lidar com a morte ²⁹ e indiferença em relação ao paciente ²² .

Os artigos analisados discutiram um conjunto de influências relacionadas às experiências pessoais e familiares e às crenças dos estudantes como fatores que interferiam no modo como percebiam a morte e o morrer e que poderiam impactar a prática profissional ¹⁸ , ²² , ²³ , ²⁶ , ²⁸ , ³¹ , ⁴⁰ , ⁴¹ , ⁵⁰ - ⁵² . Cinco estudos identificaram a influência das crenças religiosas ¹⁸ , ²⁶ , ²⁸ , ³¹ , ⁵⁰ , três dos quais discutiram que essas crenças possibilitavam melhor aceitação da morte e constituíam um meio de minimizar o sentimento de culpa, fracasso e impotência diante da morte ¹⁸ , ²⁶ , ³¹ .

Organização curricular

Abordagem da morte e do morrer

Entre os artigos analisados, foi possível identificar aspectos diretamente relacionados à abordagem da morte e do morrer na organização dos currículos de graduação em medicina. Em conjunto, esses estudos discutiram os seguintes fatores: modalidades de abordagem dessa temática; carga horária, métodos e materiais didáticos; problemas, desafios e limites encontrados.

Vinte e quatro estudos identificaram diferentes modalidades de abordagem da morte e do morrer ao longo da formação ¹² , ¹⁸ , ²⁰ , ²² , ²⁵ , ²⁸ , ³⁰ - ³³ , ³⁷ , ³⁸ , ⁴⁰ - ⁵¹ . Foram identificados cursos de pequena duração em ética médica ²⁸ , cursos em cuidados paliativos ⁴⁸ , projetos de extensão ⁴¹ , disciplinas optativas ⁴¹ , disciplinas eletivas ¹² , ⁴⁸ , disciplina curricular ³³ , ⁴⁸ , ambulatório didático de cuidados paliativos ³⁰ e componente curricular de ética e bioética ⁴⁶ . Além desses, um artigo verificou que o contato diário e progressivo com o tema ocorria em várias disciplinas ao longo da graduação, mesmo que o estudante não se desse conta disso ⁴⁰ . Outros estudos constataram que, entre os acadêmicos pesquisados, grande parte não tinha contato com a morte e o morrer ao longo da graduação, sendo o tema restrito aos últimos anos do curso ²⁵ , ⁵¹ .

Doze estudos constataram, com base em relatos de médicos e estudantes, que os temas relacionados a terminalidade eram tratados com abordagem deficiente pelo currículo obrigatório da graduação ¹² , ²² , ²⁵ , ²⁸ , ³⁰ - ³² , ⁴¹ - ⁴³ , ⁴⁷ , ⁴⁹ , sendo estes: cuidados paliativos ³⁰ , ⁴¹ , ⁴⁷ ; conhecimento sobre os termos ortotanásia ²² , ²⁸ , ³² , ⁴⁹ , distanásia e eutanásia ²² , ²⁸ , ⁴⁹ ; acompanhamento do processo de morte e morrer ³¹ ; tanatologia ⁴³ ; desenvolvimento de habilidades de comunicação ³⁰ ; e preenchimento da declaração de óbito ⁴² .

A percepção dos estudantes sobre a insuficiência em relação à abordagem da morte e do morrer no currículo médico foi identificada em 18 estudos ¹⁸ , ²¹ , ²² , ²⁷ , ²⁹ , incluindo estudantes que participaram de aulas de cuidados paliativos ⁴¹ , ⁴⁷ , ⁴⁹ , atividades extracurriculares sobre o tema ⁴⁰ , ⁴¹ e estágios ³¹ .

Além desses artigos, outros três mencionaram que, segundo os estudantes, mediante a ausência de abordagem da comunicação de notícias difíceis durante o curso, os estudantes acabam por apresentar dificuldade e insegurança para fazê-lo ¹⁸ , ⁴⁵ , ⁴⁷ . Um estudo apontou que, dada a ausência de abordagem de cuidados paliativos em disciplinas curriculares, restava aos estudantes recorrer a projetos de extensão e a disciplinas optativas e eletivas para obtenção de conhecimento sobre o tema ⁴¹ . Além disso, outros artigos discutiram que até mesmo os próprios docentes não apresentavam conhecimentos suficientes sobre o tema ¹² , ⁴² , ⁴⁷ .

Dos artigos analisados, identificou-se um conjunto de discussões mais especificamente voltadas à organização curricular dos cursos de medicina que dificultavam ou pouco favoreciam a abordagem da morte e do morrer na formação dos estudantes ¹² , ¹⁸ , ²⁰ , ²² , ²⁵ , ²⁸ , ³⁰ - ³³ , ³⁷ , ³⁸ , ⁴⁰ - ⁴⁸ , ⁵⁰ , ⁵¹ . Alguns artigos apontaram que os acadêmicos eram privados do contato com o ser humano nas situações de aprendizado envolvendo cuidados em saúde nos dois ou três primeiros anos de graduação ²⁵ , ³³ , ⁴⁵ , sendo geralmente restritos ao contato com o cadáver no laboratório de anatomia nos períodos iniciais ³³ , quando ocorre o início do contato com a morte ²² , ⁴⁰ .

Alguns estudos discutiram as limitações relacionadas à maneira como a morte e o morrer vêm sendo abordados ao longo do currículo da formação médica. Dois artigos apontam que aspectos emocionais e perturbações provenientes do contato do estudante com o tema ou com essa realidade eram abordados pelos currículos de um ponto de vista eminentemente científico, sem nenhuma aproximação com o campo das emoções ³¹ , ⁴⁷ . Dois estudos identificaram que os estudantes percebiam uma orientação explícita de seus professores para distanciar-se dos pacientes ²⁹ , ³⁰ .

A relevância que os estudantes atribuíram à abordagem da morte e do morrer no currículo foi discutida em alguns artigos, que evidenciaram a percepção da importância dessa temática na modalidade de disciplinas da graduação ¹² , ⁴⁷ e as vantagens na aquisição de conhecimentos para estudantes que mantiveram contato com o tema ao longo da graduação ⁴¹ , ⁴⁵ , ⁴⁸ . Pelo fato de esse tema ser pouco abordado no decorrer da graduação, os estudantes perceberam-se despreparados para lidar com a morte e o processo de morrer de um paciente ¹⁸ , ²¹ , ²⁷ , ²⁹ , ³² , ⁴⁰ , ⁴⁴ , ⁴⁷ , ⁴⁹ - ⁵² . Em sentido oposto, três estudos identificaram que os estudantes se sentiam preparados para lidar com a morte de um paciente ²² , ³⁷ , ⁴⁹ .

Um conjunto de artigos discutiu a carga horária destinada à abordagem da temática da morte e do morrer na organização curricular, com especial destaque à insuficiência desta ao abordar o tema ou ao fato de o assunto ser tratado em uma única aula ou uma única disciplina no currículo, sem que sejam observadas as necessidades de aprendizado ¹² , ³³ , ⁴⁰ .

Onze artigos apresentaram discussões acerca das metodologias empregadas para abordagem da temática ¹² , ¹⁸ , ²⁴ , ²⁶ , ³⁰ , ³¹ , ³³ , ³⁸ , ⁴¹ , ⁴⁶ , ⁴⁸ , e apenas três abordaram materiais didáticos ³³ , ⁴⁰ , ⁴⁶ . Esses estudos consideraram relatos de estudantes ¹² , ¹⁸ , ⁴⁰ , ⁴⁶ , ⁴⁸ e de médicos ²⁶ , ³¹ , além de analisar os resultados da implementação de disciplinas e/ou novos métodos de ensino ¹² , ³⁰ , ³³ , ³⁸ , ⁴¹ , ⁴⁶ , ⁴⁸ .

No que diz respeito aos métodos empregados para abordar a temática, as pesquisas analisadas identificaram disciplinas que fizeram uso de aulas expositivas e teóricas ¹² , ⁴⁶ e que utilizaram métodos ativos de ensino ²⁶ , ³⁰ , ³³ , ³⁸ , além do aprendizado por meio da prática em projetos de extensão ⁴¹ . Dos quatro artigos que mencionam o uso de métodos ativos para abordagem do tema, três apontaram que estas fomentaram o desenvolvimento de habilidades pessoais dos acadêmicos, como melhoria na comunicação e exteriorização de sentimentos ²⁶ , ³⁰ , ³⁸ .

Propostas para abordagem do tema

Identificaram-se, nos estudos, propostas de solução para os problemas relativos à abordagem da morte e do morrer ao longo da graduação. Tais sugestões foram divididas em dois grupos: 1) aquelas que se desenvolvem em torno da discussão e da sugestão de referenciais teóricos e conceituais e metodologias ¹² , ²² - ²⁵ , ²⁹ , ³⁰ , ³² , ³⁵ , ³⁷ , ³⁹ - ⁴⁵ , ⁴⁷ , ⁴⁹ , ⁵⁰ , ⁵² ; e 2) aquelas oriundas da percepção dos estudantes e médicos que participaram das pesquisas ²⁵ , ³¹ , ³⁴ , ³⁵ , ³⁷ , ⁴¹ , ⁴⁵ , ⁴⁶ , ⁴⁹ .

Alguns estudos destacaram a necessidade de abordar a morte e o morrer ao longo do curso ²³ , ²⁴ , ²⁹ , ³⁵ , ³⁷ , ³⁹ , ⁴³ , ⁴⁷ , ⁵⁰ , ⁵² , de desenvolver habilidades interpessoais de empatia, acolhimento e diálogo ²⁰ , ²⁴ , ²⁶ , ³¹ - ³³ , ⁴¹ , ⁴⁶ , ⁴⁸ e práticas terapêuticas como controle da dor ⁴¹ , ⁴⁸ . Outros artigos sugeriram a necessidade de abordar conteúdos de humanidades ¹⁸ . Outros estudos, ainda, sugeriram cursos sobre tanatologia ¹² , ²² , ²³ , ³⁴ , ³⁵ , ⁴⁷ , ⁵² , dentre os quais dois propuseram a inserção desse tema como disciplina curricular ¹² , ⁴⁷ .

Dois artigos identificaram a importância de disciplinas optativas e projetos de extensão para obter maior domínio sobre a temática ⁴¹ , ⁴⁹ , e outros dois argumentaram que a morte não deveria ser abordada apenas no contexto biológico, mas também sob o aspecto humano da perda e no formato interdisciplinar ³⁷ , ⁴⁰ .

Especificamente sobre a formação em cuidados paliativos, oito estudos apontam que esse campo de conhecimento representava importante proposta de solução sobre a abordagem das questões de terminalidade na formação médica ¹² , ²² , ³⁰ , ⁴⁰ , ⁴¹ , ⁴⁵ , ⁴⁷ , ⁴⁹ , alguns especificam a necessidade de mais tempo e maior aprofundamento nessa formação ¹² , ⁴¹ e outro destaca que esse tema deveria ser apresentado integralmente ao longo da graduação ⁴⁰ . Dois estudos identificaram os relatos dos estudantes sobre a importância da inserção de uma disciplina ⁴⁵ , ⁴⁹ ou de um tópico que envolvesse cuidados paliativos na graduação ⁴⁵ .

Quanto aos métodos empregados, um artigo sugeriu incorporação de discussões de casos clínicos e criação de grupos de apoio para familiares e profissionais ²³ , e outros sugeriram estratégias que retirassem a impessoalidade do tema, como cinema, psicodrama, role-playing e workshops ²⁵ , ⁴⁴ . Sete estudos identificaram a importância de os estudantes presenciarem momentos de terminalidade ao longo de toda a graduação ²⁵ , ²⁹ , ³⁰ , ³⁴ , ⁴⁰ , ⁵⁰ , ⁵² , para que pudessem absorver a postura, os ideais e a maneira do profissional em cada situação ²⁵ , ⁴⁰ . Por fim, dez artigos apontaram a importância do desenvolvimento teórico e prático em terminalidade nas diversas disciplinas curriculares ²² , ²⁵ , ²⁸ - ³⁰ , ³⁴ , ⁴¹ , ⁴⁵ , ⁴⁹ , ⁵² .

Quanto às diferentes maneiras de lidar com a morte e o morrer, alguns artigos discutiram a importância de os estudantes compreenderem melhor o processo de adoecimento e terminalidade ²⁶ , ²⁹ , ³⁷ , ⁴⁶ . Seis estudos discutiram a importância de os estudantes ofertarem a seus pacientes um cuidado mais humanizado ²⁶ , ³¹ , ⁴⁵ , ⁴⁶ , ⁴⁸ , ⁴⁹ . Dois artigos argumentaram que os futuros profissionais deveriam ser capazes de oferecer ao paciente uma morte com qualidade, em um atendimento humanizado ²⁴ , ³² , e três estudos afirmaram que o profissional deveria saber cuidar e acolher quando a cura não pudesse se efetivar e a morte fosse uma realidade ²⁷ , ³¹ , ³³ . Alguns estudos discutiram que a formação deveria compreender o desenvolvimento de competências para relações interpessoais e de comunicação com os pacientes e familiares, além de proporcionar aos estudantes domínio psicológico, sociológico, espiritual e cultural sobre a morte ²² , ²⁵ , ³² , ³⁷ , ⁴¹ .

Dez dos artigos estudados sugeriram a criação de espaços de discussão ¹⁹ , ²¹ , ²³ , ²⁵ , ²⁹ , ³⁴ , ³⁵ , ³⁹ , ⁴³ , ⁵⁰ para que se compartilhassem emoções decorrentes do processo de formação, como meio de reduzir as consequências de lidar com o adoecimento todos os dias, e alguns mencionaram, ainda, que esses espaços de compartilhamento poderiam, também, gerar aquisição de conhecimento sobre o tema ¹⁹ , ²¹ , ²⁹ , ³⁵ , ⁵⁰ . Outros estudos argumentaram que seria fundamental que a Universidade exercesse papel ativo na oferta de apoio psicopedagógico aos futuros médicos ²³ , ²⁵ , ²⁹ , ³⁹ , reconhecendo elementos estressores, avaliando conteúdos que reduzissem os impactos de outras disciplinas ²⁹ , ³⁹ e aprimorando as transições entre períodos ²⁹ , ³⁹ .

Discussão

Os resultados desta revisão evidenciaram o modo como vêm se delineando, na literatura nacional, discussões que buscam analisar dificuldades e desafios existentes na formação médica para abordar a morte e o morrer, bem como o conjunto de mudanças necessárias para que se possa avançar no sentido de uma formação mais voltada à complexidade dos elementos que compõem o cuidado médico. A morte é uma questão de difícil abordagem, já que remete a diferentes perspectivas para lidar com limitações em torno da finitude humana. Essas dificuldades estão presentes no contexto da formação médica e envolvem discentes, docentes e estruturas de ensino que, diante do encontro com a morte, experimentam a quebra da idealização do profissional médico como “ser tanatolítico”, onipotente e capaz de retardar a ameaça da morte ¹³ .

Os desafios de lidar com situações relacionadas à morte podem tornar-se mais difíceis e geradores de sofrimento e adoecimento entre estudantes, na medida em que estes não podem contar com o apoio das estruturas de formação e dos docentes. Nesse sentido, a falta de acolhimento das necessidades pessoais dos estudantes e a falta de apoio emocional diante da morte e do morrer podem gerar desamparo, solidão e desespero ⁶ , ¹³ , ⁵³ , ⁵⁴ .

Ademais, as dificuldades dos docentes e das estruturas de formação em lidar com a morte e o morrer podem levar os estudantes a acreditar que aspectos emocionais relacionados à morte e ao processo de terminalidade poderiam prejudicar o raciocínio e as habilidades profissionais na tomada de decisões relacionadas à condução dos casos ⁶ . Assim, o desenvolvimento de mecanismos de defesa pode ser observado desde as primeiras aulas de anatomia, nas quais, para lidar com a angústia diante desse tipo de contato com o cadáver e com a morte, pode ocorrer dissociação entre a peça anatômica e a vida humana, produzindo uma postura de frieza ⁴ - ⁶ .

Apesar de ser um aspecto relevante no processo de formação profissional, constituindo um processo reflexivo e complexo, com amplas consequências na formação e na prática profissional, o número de disciplinas que se dedicam ao tema da morte e do morrer vem sendo apontado na literatura como pequeno, podendo gerar despreparo, frustração e adoecimento para lidar com situações cotidianas que envolvam a morte ⁶ .

O fracasso de um processo de formação mais crítico, reflexivo e transversal pode resultar na formação de médicos que buscam exclusivamente salvar vidas e encontram dificuldades em lidar com a morte do paciente, uma vez que passam a questionar seus limites e competências profissionais diante da morte ⁵ , dificuldades que se relacionam com frustrações, sofrimento e adoecimento ² , ¹³ .

Além disso, do ponto de vista da formação do estudante e das práticas profissionais, a organização de algumas instituições de saúde também promove uma separação entre aspectos afetivos e prática médica como estratégia para evitar sofrimento diante de situações de terminalidade ⁴ , ⁶ , como se o envolvimento afetivo pudesse prejudicar o raciocínio e as habilidade de agir perante a necessidade de uma decisão ⁶ .

Quanto à organização curricular, são escassas as disciplinas curriculares que abordam a morte de maneira não defensiva e biológica e podem servir como referências para que estudantes não se vejam na situação de terem de aprender sozinhos o manejo de situações relacionadas à terminalidade ou que precisem buscar esse aspecto da formação em programas extracurriculares ⁶ .

Ademais, considerando a necessidade de uma formação médica que se afaste de um modelo de formação tecnicista ⁶ , é fundamental compreender e ampliar os avanços contidos em propostas de ensino que incorporem o foco no indivíduo, o desenvolvimento da integralidade da assistência e o trabalho interdisciplinar como meio de ampliar o cuidado ao paciente ⁶ , ⁵⁵ .

As DCN do curso de graduação em medicina de 2001 apresentavam a abordagem da morte ao longo da graduação como mera compreensão de um processo fisiológico, deixando de lado seu aspecto biopsicossocial ⁵⁶ . Apesar de as DCN de 2014 trazerem avanços na abordagem dos processos de saúde e adoecimento, envolvendo multidisciplinaridade, fatores históricos e socioculturais, além de aspectos biológicos, quando comparadas às DCN de 2001 ⁵⁷ , não apresentaram avanços significativos quanto ao modo como a morte e o morrer devem ser tratados ao longo da graduação ¹¹ . Assim, observa-se que as próprias DCN, responsáveis por nortear a formação médica, negligenciam a abordagem da temática na formação em medicina.

Considerações finais

Lidar com a finitude é um desafio que cotidianamente se apresenta para indivíduos e coletividades ao longo da história, e falar sobre morte obriga a sociedade a pensar, também, na maneira como a vida se desenvolve. Nesse sentido, refletir sobre como lidar com a morte é, também, pensar nos sentidos que são construídos para lidar com a vida, com os processos de saúde-adoecimento e com o sofrimento. E, principalmente, pensar que, se é possível e necessário discutir qualidade para a vida, também é possível e necessário discutir qualidade no processo de morrer.

As dificuldades de lidar com um tema tabu estão presentes em diferentes contextos formativos e são partilhadas por diferentes atores que deles participam, em torno de uma pergunta que precisa ser mais bem examinada: como se preparar para lidar com o fim da vida? Por mais que esta seja uma pergunta complexa e envolva diversas respostas, não se propor a respondê-la é permanecer em um terreno de sofrimento, mesmo acreditando que o objetivo seja afastar-se dele.

Nesse sentido, propor um cenário ampliado de debates acerca do tema inclui discutir a necessidade de fortalecer as DCN dos cursos de medicina nesse aspecto, incluindo, de fato, discussões sobre terminalidade na formação médica, fortalecendo compromissos éticos da assistência em situações de terminalidade, ampliando a capacitação de futuros profissionais para lidar com a complexidade do cuidado em saúde e, por fim, resguardando a inserção de disciplinas curriculares voltadas a essas discussões e de métodos que ampliem as perspectivas de apoio psicológico para estudantes.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Ago 2022
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2022

Histórico

• Recebido
  25 Jun 2021
• Revisado
  2 Maio 2022
• Aceito
  9 Maio 2022