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Percepção social sobre atividade assistida por animais em hospitais

Resumo

A visita de animais de companhia em hospitais vem se tornando cada vez mais frequente, e os benefícios biopsicossociais dessa prática têm sido atestados empírica e cientificamente. Contudo, é preciso refletir sobre certas limitações que podem gerar vulnerabilidades. O presente estudo objetivou caracterizar, por meio de pesquisa exploratória, qualiquantitativa, a percepção social sobre a atividade assistida com animais. Respondentes da sociedade (n=116), voluntários (n=15), equipe terapêutica (n=16) e pacientes participantes de intervenções desse tipo (n=16) se mostraram receptivos à presença de animais, enaltecendo os benefícios (especialmente os emocionais) da prática e ofuscando as limitações relativas à biossegurança e ao bem-estar animal. Os resultados corresponderam à expectativa inicial, de que as vulnerabilidades da atividade assistida por animais podem ser mitigadas com o apoio da bioética, dada sua natureza dialogante, multidisciplinar, deliberativa e consultiva, visando a ponderação dos custos, benefícios e alternativas para o bem-estar de todos os atores envolvidos.

Análise de vulnerabilidade; Animais; Comitês de cuidado animal; Ética institucional; Humanização da assistência

Abstract

Pet visits to hospitals have become increasingly more frequent, and although its biopsychosocial benefits have been empirically and scientifically ascertained, this activity has risk-related limitations that should be properly addressed. This exploratory, quantitative and qualitative study sought to characterize the social representation of animal-assisted activity. Respondents selected from society in general (N=116), volunteers (N=15), staff members (N=16), and patients (N=16) who participate in animal interventions were receptive to the presence of animals, praising the benefits – especially the emotional – of the activity, and disregarding its limitations, mainly related to biosafety and animal well-being. Results show that the risks involved in the activity can be mitigated by the dialogical, multidisciplinary, deliberative and consultative nature of a bioethical approach aimed at assessing the costs, benefits and alternatives to ensure the well-being of all the actors involved.

Vulnerability analysis; Animals; Animal care committees; Ethics, institutional; Humanization of assistance

Resumen

La visita de mascotas en hospitales se ha vuelto cada vez más frecuente, y los beneficios biopsicosociales de esta práctica han sido demostrados empírica y científicamente. Sin embargo, es necesario reflexionar sobre ciertas limitaciones que pueden generar vulnerabilidades. El presente estudio tiene como objetivo caracterizar, por medio de una investigación exploratoria, cualicuantitativa, la percepción social de la actividad asistida por animales. Encuestados de la sociedad (n=116), voluntarios (n=15), equipo terapéutico (n=16) y pacientes participantes en intervenciones de este tipo (n=16) se mostraron receptivos a la presencia de animales, enalteciendo los beneficios (especialmente los emocionales) de la práctica y eclipsando las limitaciones relativas a la bioseguridad y al bienestar animal. Los resultados correspondieron a la expectativa inicial de que las vulnerabilidades de la actividad asistida por animales pueden ser mitigadas con el apoyo de la bioética, dada su naturaleza dialógica, multidisciplinaria, deliberativa y consultiva, buscando considerar los costos, beneficios y alternativas para el bienestar de todos los actores implicados.

Análisis de vulnerabilidad; Animales; Comités de cuidado animal; Ética institucional; Humanización de la asistencia

A simbiótica inter-relação entre humanos e a natureza, fixada pela evolução, condiciona o bem-estar físico, mental, social e espiritual das pessoas, como atesta a hipótese da biofilia11. Wilson EO. Biophilia. Cambridge: Harvard University Press; 2011. , 22. Kellert SR, Wilson EO. The biophilia hypothesis. Washington: Island Press; 1995. . O modo como seres humanos veem os animais envolve uma complexa representação social e biológica que institui inúmeros modelos de relação, com valores e projeções distintas sobre esses seres vivos, na produção, nos serviços, no entretenimento e na companhia33. Fischer ML, Librelato RF, Cordeiro AL, Adami ER. A percepção da dor como parâmetro de status moral em animais não humanos. Conex Ciênc [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];11(2):31-41. DOI: 10.24862/cco.v11i2.440 . Embora a sociedade esteja discutindo limites éticos e excessos cometidos, os animais de companhia estão ganhando cada vez mais espaço na vida de seus tutores, conquistando o status de membros da família44. Fischer ML, Meireles JL, Esturião HF. A proteção dos animais no Brasil e em Portugal, sob uma perspectiva da Bioética. RJLB [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];5(1):1581-614. Disponível: https://bit.ly/2W3wOin
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.

As intervenções assistidas por animais (IAA) têm efetividade legitimada em reabilitação física, mental e social55. Gonçalves JO, Gomes FG. Animais que curam: a terapia assistida por animais. Rev Uningá [Internet]. 2017 [acesso 21 jan 2021];29(1):204-10. Disponível: https://bit.ly/3z8EIFs
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, 66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 . O reconhecimento formal de animais como instrumento terapêutico se consolidou em 1961, por meio da organização americana Delta Society, atualmente conhecida como Pet Partners77. Pet Partners. Pet partners therapy dogs & other therapy animals [Internet]. 2017 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3xS6JRi
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. Assim, programas de IAA, como a terapia assistida por animais (TAA) e a educação assistida por animais (EAA), foram mundialmente incorporados aos tratamentos de saúde e ao ambiente escolar.

Embora diferentes espécies possam ser usadas a depender da intervenção, quando se visa a reabilitação física, há preferência por cães88. Mandrá PP, Moretti TCF, Avezum LA, Kuroishi RCS. Terapia assistida por animais: revisão sistemática da literatura. CoDAS [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];31(3):1-13. DOI: 10.1590/2317-1782/20182018243 . Concomitantemente à IAA, a atividade assistida por animais (AAA) tem se destacado em lares de idosos, escolas e hospitais. A AAA contempla ações diversificadas e informais, e seu objetivo é aproximar animais e pessoas, sem normas rígidas, supervisão ou vínculos com programas oficiais, visando prioritariamente o entretenimento e a melhora da qualidade de vida99. Dotti J. Terapias e animais: atividade assistida por animais. São Paulo: PC Editorial; 2007. , 1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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.

A AAA, portanto, fundamenta-se na emoção e no entretenimento66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , 1111. Ferreira AP, Gomes JB. Levantamento histórico da terapia assistida por animais. Rev Multidiscip Pey Këyo Cient [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];28(1):71-92. Disponível: https://bit.ly/3ivi5nL
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, e seu uso em contextos terapêuticos pode trazer benefícios psicológicos (redução de estresse e ansiedade), fisiológicos (diminuição da pressão arterial e frequência cardíaca) e sociais (socialização e aprendizado)1111. Ferreira AP, Gomes JB. Levantamento histórico da terapia assistida por animais. Rev Multidiscip Pey Këyo Cient [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];28(1):71-92. Disponível: https://bit.ly/3ivi5nL
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. Os animais provavelmente também se beneficiam, com possível aumento de hormônios ligados ao bem-estar, como endorfina, oxitocina, prolactina e ácido fenilacético, e diminuição de hormônios como o cortisol1212. Bert F, Gualano MR, Camussi E, Pieve G, Voglino G, Siliquini R. Animal assisted intervention: a systematic review of benefits and risks. Eur J Integr Med [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];8(5):695-706. DOI: 10.1016/j.eujim.2016.05.005 .

Os animais envolvidos na AAA geralmente são cuidados e disponibilizados por voluntários. No entanto, embora essa atitude humanitária seja louvável, o procedimento não está livre de limitações que geram vulnerabilidades para pessoas, animais e instituições66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , 1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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, 1313. Murthy R, Bearman G, Brown S, Bryant K, Chinn R, Hewlett A et al. Animals in healthcare facilities: recommendations to minimize potential risks. Infect Control Hosp Epidemiol [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];36(5):495-516. DOI: 10.1017/ice.2015.15
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. Fischer, Zanatta e Adami1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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analisaram essa questão sob a perspectiva da bioética, mostrando consequências de ações destituídas de integridade, responsabilidade e cuidado, e ressaltando a importância de protocolos em ambientes como hospitais. Assim, é necessário reconhecer, por exemplo, que pacientes podem apresentar imunodeficiências, alergias, fobias e restrições, não gostar de animais ou simplesmente não estar dispostos a participar de um momento de descontração66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , 1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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, 1212. Bert F, Gualano MR, Camussi E, Pieve G, Voglino G, Siliquini R. Animal assisted intervention: a systematic review of benefits and risks. Eur J Integr Med [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];8(5):695-706. DOI: 10.1016/j.eujim.2016.05.005 . Do mesmo modo, é preciso garantir o bem-estar dos animais66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , 1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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, 1414. Iannuzzi D, Rowan A. Ethical issues in animal-assisted therapy programs. Anthrozoos [Internet]. 1991 [acesso 21 jan 2021];4(3):154-63. DOI: 10.2752/089279391787057116 .

No Brasil, não há legislação específica para AAA, e o Projeto de Lei (PL) 5.093/2016, proposto pela senadora Mara Gabrilli, foi arquivado1515. Brasil. Projeto de Lei nº 6.674/2016, de 2016. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que “dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências”, para determinar que a pessoa com deficiência em idade escolar, notadamente na primeira infância, tenha prioridade no acesso a órteses, próteses e tecnologias assistivas. Câmara dos Deputados [Internet]. Brasília; 2016 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3eEt0KN
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. Ele previa a regulamentação da TAA, da EAA e da AAA, mas foi criticado por abranger também a normatização de animais para terapia, cães-guias e animais de serviço. Atualmente, está em fase final de aprovação o PL 9.787/20181616. Brasil. Projeto de Lei nº 9.787-A, de 2018. Dispõe sobre a admissão de animais domésticos em unidades hospitalares do Sistema Único de Saúde – SUS. Câmara dos Deputados [Internet]. Brasília; 2018 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3irH0Zr
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, de autoria do deputado federal Vicentinho, que autoriza e normatiza a visita de animais de estimação em hospitais. O estado do Paraná já dispõe da Lei 18.918/20161717. Paraná. Lei nº 18.918, de 7 de dezembro de 2016. Dispõe sobre a permissão da visitação de animais domésticos e de estimação em hospitais privados, públicos contratados, conveniados e cadastrados no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial do Estado do Paraná [Internet]. Curitiba, nº 9.838, 8 dez 2016 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3BmRP80
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, que autoriza o ingresso de animais domésticos e de estimação em hospitais. Essa lei, embora proíba a entrada em áreas específicas e exija autorização do médico, laudo veterinário, higienização e guia, delega a normatização a cada estabelecimento.

A implementação de programas de AAA em instituições brasileiras88. Mandrá PP, Moretti TCF, Avezum LA, Kuroishi RCS. Terapia assistida por animais: revisão sistemática da literatura. CoDAS [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];31(3):1-13. DOI: 10.1590/2317-1782/20182018243 , com apoio legal para entrada de animais de companhia em hospitais1717. Paraná. Lei nº 18.918, de 7 de dezembro de 2016. Dispõe sobre a permissão da visitação de animais domésticos e de estimação em hospitais privados, públicos contratados, conveniados e cadastrados no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial do Estado do Paraná [Internet]. Curitiba, nº 9.838, 8 dez 2016 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3BmRP80
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, não é suficiente para garantir que diferentes atores, como funcionários1818. Moody WJ, King R, O’Rourke S. Attitudes of paediatric medical ward staff to a dog visitation programme. J Clin Nurs [Internet]. 2002 [acesso 21 jan 2021];11(4):537-44. DOI: 10.1046/j.1365-2702.2002.00618.x

19. Bibbo J. Staff members’ perceptions of an animal-assisted activity. Oncol Nurs Forum [Internet]. 2013 [acesso 20 jul 2021];40(4):E320-6. DOI: 10.1188/13.ONF.E320-E326
- 2020. Abrahamson K, Cai Y, Richards E, Cline K, O’Haire ME. Perceptions of a hospital-based animal assisted intervention program: an exploratory study. Complement Ther Clin Pract [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];25:150-4. DOI: 10.1016/j.ctcp.2016.10.003 , enfermeiros2121. Eaglin VH. Attitudes and perceptions of nurses-in-training and psychiatry and pediatric residents towards animal-assisted interventions. Hawaii Med J [Internet]. 2008 [acesso 21 jan 2021];67(2):45. Disponível: https://bit.ly/3zmS0yl
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22. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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- 2323. Stefanini MC, Bigalli E, Tani F. Study of the acceptance and perceived efficacy of animal assisted therapy (AAT) for parents and nurses in the psychiatry unit of Meyer Children’s Hospital in Florence-Italy. J Community Med Health Educ [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];6(3):448. DOI: 10.4172/2161-0711.1000448
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e pacientes2222. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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, 2323. Stefanini MC, Bigalli E, Tani F. Study of the acceptance and perceived efficacy of animal assisted therapy (AAT) for parents and nurses in the psychiatry unit of Meyer Children’s Hospital in Florence-Italy. J Community Med Health Educ [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];6(3):448. DOI: 10.4172/2161-0711.1000448
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, sejam igualmente beneficiados. Logo, para uma análise bioética da questão, é necessário conhecer a percepção social sobre a AAA.

O presente estudo tem como objetivo analisar, sob a perspectiva da bioética, a percepção sobre a AAA da sociedade em geral, de voluntários que disponibilizam seus animais, da equipe terapêutica e de pacientes. Para tanto, foram testadas as seguintes hipóteses: H1) a representação da AAA é condicionada ao papel de cada ator; H2) mesmo diante do crescimento da AAA, seus propósitos ainda são pouco divulgados; H3) as boas intenções da AAA contribuem para que os benefícios sejam exaltados em detrimento das limitações; H4) as limitações são pouco reconhecidas, principalmente aquelas relativas ao bem-estar animal; e H5) o uso do animal de estimação é uma alternativa para minimizar as vulnerabilidades relativas ao voluntariado.

Método

Trata-se de pesquisa qualiquantitativa, baseada na representação da sociedade e de atores participantes da AAA no ambiente hospitalar. Na categoria “sociedade”, a análise dos dados foi quantitativa. O convite para responder um questionário on-line se deu por meio de ampla divulgação em pelo menos 30 perfis pessoais e 50 grupos de diferentes segmentos sociais e acadêmicos disponíveis nas redes Facebook, Instagram e WhatsApp. O objetivo era formar uma amostra heterogênea, e para participar bastava ser maior de 18 anos. O questionário ficou disponível de 20 de outubro 2017 a 7 de agosto de 2018, período que foi necessário para atingir a amostra mínima de 114 participantes (confiança de 80% e erro de 6% para uma população de 200 milhões de habitantes).

O instrumento, elaborado especialmente para esta pesquisa, continha cinco questões de caracterização dos participantes (gênero, formação, idade e contato com animais fora e dentro do ambiente hospitalar); 18 questões de pontuar (0-10), referentes à concordância quanto a benefícios, limitações e visita de animais em caso de internação; e opinião a respeito de uma situação-problema baseada em uma história de conflito de interesses (Anexo).

A análise qualitativa teve como objeto entrevistas realizadas com participantes de AAA intermediada pela organização não governamental Cão Amigo em um hospital público de Curitiba. Trata-se, portanto, de amostra restrita, que englobou equipe voluntária (pessoas que disponibilizavam seus animais para as intervenções), equipe terapêutica e pacientes.

O instrumento destinado à equipe voluntariada foi composto por três questões sobre o respondente (gênero, idade e área de formação); seis sobre o trabalho voluntário (motivação, atuação em hospitais, tempo, frequência, animal, como identificou potencial do animal); quatro sobre a atuação na AAA (comportamento do animal antes e após as visitas e fatores que influenciam a performance); e quatro sobre AAA (benefícios, limitações, situações constrangedoras e necessidade de melhorias).

O instrumento voltado à equipe terapêutica continha duas questões de caracterização (formação e tempo de atuação no hospital); oito de avaliação da AAA (finalidade, percepção de melhora do paciente e na equipe, inconvenientes, rotina, protocolos, substituição pelo pet , frequência e duração); e 12 questões de pontuar (0-10) relativas à concordância com benefícios e limitações da AAA.

O instrumento destinado aos pacientes consistia numa entrevista semiestruturada, com 12 questões referentes à opinião dos entrevistados sobre visitas, finalidade da AAA, melhora em si mesmo e na equipe, inconvenientes, quebra da rotina, riscos, protocolos, periodicidade e substituição por pets . As entrevistas foram gravadas.

Para análise quantitativa dos dados de frequência, utilizou-se o teste não paramétrico qui-quadrado. Para os dados de média relativos à percepção da sociedade quanto a benefícios e limitações da AAA, utilizou-se o teste paramétrico Anova (H), com a posteriori de Tukey. Em ambos os casos se considerou como hipótese nula a homogeneidade da amostra, com confiança de 95% e erro de 5%. A resposta aberta da “sociedade” à situação-problema e as respostas dos pacientes foram categorizadas conforme a técnica de análise de conteúdo de Bardin2424. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. , e os resultados foram representados por meio de estatística descritiva.

Resultados

Percepção da sociedade sobre atividade assistida por animais

A percepção da AAA pela sociedade foi caracterizada a partir de 116 respondentes com idade média de 30,4±10,6 anos (116; 18-71), predominantemente do sexo feminino (83%*), com ensino superior completo ou em andamento (86%*) e formação externa à área biológica (69,3%*), totalizando 93 profissões diferentes. A maioria tutelava animais de companhia (73%*), principalmente cães (60%*) – gatos: 4%; cães e gatos: 22%; cães, gatos e outros: 14%). Apenas 39,2%* dos respondentes já tinham sido hospitalizados por um período maior do que um mês. O conhecimento de programas que utilizam animais em hospitais foi relatado por 24,2%*, que disseram ter obtido informações pela internet (36,2%*), pela televisão (32,3%*), por relatos de conhecidos (12,5%) e no ambiente educacional (16%).

Os respondentes concordaram com todas as afirmações relativas aos benefícios da AAA. Com relação às limitações, predominou o fato de que nem todas as pessoas desejam ou podem interagir com animais. A maioria concordou com a visita de seus animais ou de voluntários em caso de internação ( Figura 1 ).

Figura 1
Pontuação média dos respondentes na assertivas que indicavam os benefícios e limitações da atividade assistida por animais e concordância com a visita de animais em caso de hospitalização

Na situação-problema (Anexo), 29,2% dos respondentes consideraram o desfecho correto, ressaltando a iniciativa da voluntária como louvável (18%) e opinando que: ela deveria insistir na ação (36%); o animal não estava em um bom dia (18%); o animal estava sobrecarregado e era preciso proporcionar mais bem-estar para retomar a interação (18%); o animal estava cansado devido à idade, e o melhor seria usar animais jovens (10%); caso houvesse mais intercorrências, seria preciso suspender a atividade (18%). Por outro lado, a maioria (70,8%*) classificou o desfecho como errado, alertando que os benefícios se limitavam aos pacientes e opinando que: houve abuso e exploração do animal, que estava cansado, estressado e desinteressado (64%); houve negligência em não se considerar a idade, a sociabilidade e o treinamento do animal (13%); era necessário mais cautela com os limites e o interesse do animal, oferecendo mais repouso (20%); deve-se usar animal de abrigo (2%).

Percepção de voluntários sobre atividade assistida por animais

A percepção do voluntariado sobre AAA foi colhida em 15 entrevistas com voluntários com idade média de 42,5±12 anos (15; 26-64), 80% mulheres, de oito profissões diferentes (33,3% psicólogos, 13,3% médicos-veterinários, e os demais, 56,4%, de ofícios vinculados à área administrativa ou às ciências exatas). Os principais motivos para a decisão de se voluntariar foram: desejo de ajudar o próximo e paixão pelo voluntariado (54%); amor aos animais (27%); e desenvolvimento pessoal (19%).

A escolha por atuar no ambiente hospitalar se deu principalmente pela praticidade (28%), pelas pessoas vulneráveis com demanda por distração (28%), pela saúde (12%) e pela afetividade e acolhimento (20%). Os animais participantes foram cães (66,7%), cães e gatos (26,7%) e somente gatos (6,7%). O tempo médio de atuação no voluntariado foi de 55,4±51 meses (15; 1-156). As visitas ocorriam semanalmente (46,7%), mensalmente (26,7%), quinzenalmente (20%) ou de duas a três vezes na semana (6,7%), com duração média de 80±26 minutos (16; 60-120).

Oito tutores identificaram o potencial de seus pets para atuar como coterapeutas devido ao comportamento dócil e ao autocontrole em situações de estresse. Outros sete perceberam que seus pets gostavam de interagir com pessoas ou mostravam necessidade de interação. Os tutores identificaram como comportamentos prévios às visitas a animação (68,2%), a ansiedade (27,3%) e a calma (4,5%); depois, cansaço e fadiga (67%), satisfação (22,2%) e tranquilidade (11,1%). Esses comportamentos não foram identificados em nenhuma outra situação da rotina do animal por três dos entrevistados. Os demais entrevistados descreveram essas reações como similares às demonstradas em passeios ou recebimento de visitas.

Os voluntários consideraram como comportamentos anormais durante a intervenção: recusa a entrar no quarto (20%), deslocamento em sentido oposto (20%), impaciência e agitação (20%), medo (13,3%), tentativas de evacuar (13,3%), vocalizações (6,7%) e tentativas de mordiscar (6,7%). Contudo, cinco voluntários disseram que não perceberam esses comportamentos, ou não mencionaram essas atitudes caso tenham ocorrido, enquanto outros 10 afirmaram que, caso identificassem tais comportamentos, afastariam o animal para se acalmar e, se o problema persistisse, encerrariam a visita.

Para os voluntários, os pacientes influenciam o comportamento dos animais, que parecem preferir crianças, mulheres e idosos. Como benefícios para o paciente, os voluntários elencam: felicidade (47%), melhora global (19%), boas recordações (15,5%), relaxamento (12,5%), melhora na autoestima (3%) e aceitação (3%). Para os animais: satisfação (61%), interação (28%) e calma (11%). Para a instituição: melhora do ambiente (69%) e rápida recuperação (31,3%). Para os voluntários: felicidade (64,3%), plenitude (28,6%) e nenhum benefício (7,1%). As limitações identificadas nos pacientes foram: rejeição (72%) e estranhamento (28%). Nos animais: manipulação (66,6%) e exaustão (33,3%). Na instituição: restrições (77,8%), desconhecimento (11,1%) e falta de local adequado (11,1%). Nenhuma limitação relativa aos próprios voluntários foi identificada.

Todos os respondentes afirmaram que a iniciativa traz benefícios para os pacientes, que se sentem mais leves e felizes, visto que, muitas vezes, os animais são as únicas visitas. Segundo três entrevistados, as visitas são eficientes e não precisam de melhorias. Os demais, porém, acreditam que é preciso aumentar a frequência das visitas (28,6%), cumprir normas (14,3%), preparar colaboradores para acompanhamento (14,3%), envolver psicólogos (14,3%) e dispor de espaço exclusivo (14,3%).

Percepção da equipe terapêutica sobre atividade assistida por animais

A percepção da equipe terapêutica foi colhida em entrevistas com 12 enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuam em hospitais em média há 274±114 meses (12; 1-240). A opinião dos participantes foi positiva, destacando a alegria e a melhora do ambiente. Apenas um dos profissionais alertou para o risco de contaminação. Três entrevistados disseram desconhecer o motivo das visitas, dois citaram a humanização e o bem-estar, e três a distração. Melhoras nos pacientes, relativas principalmente ao humor, foram identificadas por 11 entrevistados, e todos afirmaram que a AAA melhora o trabalho da equipe. Nenhum entrevistado percebeu inconvenientes ou interferência na rotina do hospital. Apenas três disseram conhecer protocolos, destacando o treinamento dos cães, a limpeza das patas e a duração da visita (uma hora). A existência de protocolos oficiais tornaria a intervenção mais eficiente para sete dos entrevistados, e a periodicidade foi considerada importante por todos. Apenas três entrevistados opinaram quanto à duração da visita (15, 30 e 90 minutos), e todos concordaram que a visita do animal do paciente seria melhor do que a de voluntários. A identificação com assertivas sobre benefícios revelaram maior atribuição de benefício aos pacientes. Quanto a limitações, não houve diferenças ( Figura 2 ).

Figura 2
Pontuação média de concordância pela equipe terapêutica quanto aos benefícios e limitações da atividade assistida por animais

Percepção dos pacientes sobre atividade assistida por animais

A percepção dos pacientes sobre AAA foi colhida em 16 entrevistas realizadas logo após as visitas. A amostra foi formada predominantemente por mulheres (68,7%) adultas (81,2%). Em sua maioria, os pacientes foram receptivos às visitas, apenas dois se recusaram a participar da pesquisa.

Os entrevistados consideraram as intervenções boas (56,3%) e muito boas (43,7%), identificando benefícios pessoais (64,7%), para os outros participantes (29,4%) e para os animais (5,9%). A opinião dos pacientes sobre a intervenção apontou principalmente para satisfação pessoal (36%), momentos de distração (28%), calma (12%), estímulo à afetividade (8%), lembranças dos próprios animais (4%) e melhora do ambiente (8%). Apenas um paciente pontuou a necessidade de cuidado com os animais. Sete entrevistados não souberam dizer qual era o motivo da ação, enquanto quatro afirmaram que as visitas visavam proporcionar momentos de alegria, quebrar a rotina, promover bem-estar e troca de energia, e proporcionar experiências diferentes.

Apenas um entrevistado não relatou percepção de melhora após a AAA. Os demais (70%) relataram que as visitas despertaram bons sentimentos, relacionados principalmente a aspectos emocionais – felicidade (39,1%), bem-estar (13%), entusiasmo (13%) e autoestima (4,2%) – e espirituais (20%). Apenas um paciente apontou benefícios sociais e físicos. Três pacientes não observaram benefícios relacionados aos funcionários e, entre aqueles que identificaram tais benefícios, predominou o caráter emocional (66,7%).

Situações inconvenientes foram identificadas por apenas quatro pacientes, que mencionaram pessoas que têm medo dos animais. Os entrevistados consideraram que os gatos não são ideais e identificaram cansaço em alguns animais. Nenhum paciente acredita que a AAA atrapalhe a rotina do hospital ou represente risco.

Os pacientes não conseguiram identificar a aplicação de protocolos, mas 16 apontaram a necessidade de procedimentos padronizados, considerando que hospitais são ambientes controlados. Apenas um paciente alertou para possíveis riscos à saúde do animal. Dez entrevistados sugeriram que as visitas fossem mais frequentes, enquanto um pontuou que a ação não deveria seguir uma rotina, alegando que o fator surpresa a torna mais empolgante. Para três pacientes, a AAA deveria ser rápida, para não atrapalhar a rotina do hospital nem prejudicar aqueles que não aprovam a presença de animais, mas, para outros três, visitas mais longas trariam maior bem-estar.

A substituição de animal do voluntário por animal de estimação do paciente foi considerada indiferente por cinco entrevistados. Por outro lado, dez entrevistados afirmaram que seria melhor receber a visita do próprio pet , alegando que estavam com saudades, que os animais seriam capazes de reconhecer seus sentimentos, e que o encontro despertaria emoções positivas tanto no tutor como no próprio animal.

Discussão

Os dados do presente estudo permitiram caracterizar a percepção social da AAA. O grupo correspondente à sociedade, apesar de heterogêneo, mostrou-se pertencente ao nicho acadêmico. No entanto, a pouca vivência desse grupo em situações de hospitalização foi suficiente para contrapor sua percepção à de grupos que experimentaram a AAA.

Independentemente do conhecimento e da atuação na AAA, observaram-se respostas coincidentes quanto ao escasso conhecimento sobre esse tipo de intervenção e quanto ao posicionamento positivo, com enaltecimento dos benefícios em detrimento das limitações. A expectativa de diferenças de representação (H1) foi parcialmente confirmada, uma vez que a emotividade se destacou inclusive entre a equipe terapêutica, prevalecendo sobre o posicionamento técnico, com ínfima identificação de limitações pelos pacientes, invisibilizadas diante dos benefícios imediatos.

Resultados semelhantes foram obtidos por Eaglin2121. Eaglin VH. Attitudes and perceptions of nurses-in-training and psychiatry and pediatric residents towards animal-assisted interventions. Hawaii Med J [Internet]. 2008 [acesso 21 jan 2021];67(2):45. Disponível: https://bit.ly/3zmS0yl
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em entrevistas com enfermeiros de um hospital pediátrico no Havaí; por Moody, King e O’Rourke1818. Moody WJ, King R, O’Rourke S. Attitudes of paediatric medical ward staff to a dog visitation programme. J Clin Nurs [Internet]. 2002 [acesso 21 jan 2021];11(4):537-44. DOI: 10.1046/j.1365-2702.2002.00618.x , com funcionários de hospital pediátrico na Austrália; por Bibbo1919. Bibbo J. Staff members’ perceptions of an animal-assisted activity. Oncol Nurs Forum [Internet]. 2013 [acesso 20 jul 2021];40(4):E320-6. DOI: 10.1188/13.ONF.E320-E326 , com funcionários de um hospital oncológico na Califórnia; por Stefanini, Bigalli e Tani2323. Stefanini MC, Bigalli E, Tani F. Study of the acceptance and perceived efficacy of animal assisted therapy (AAT) for parents and nurses in the psychiatry unit of Meyer Children’s Hospital in Florence-Italy. J Community Med Health Educ [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];6(3):448. DOI: 10.4172/2161-0711.1000448
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, com pais e funcionários de hospital pediátrico psiquiátrico na Itália; e por Moreira e colaboradores2222. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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, com enfermeiros e pacientes de hospital oncológico pediátrico no Nordeste do Brasil. Para Bibbo1919. Bibbo J. Staff members’ perceptions of an animal-assisted activity. Oncol Nurs Forum [Internet]. 2013 [acesso 20 jul 2021];40(4):E320-6. DOI: 10.1188/13.ONF.E320-E326 , a aceitação da AAA e a predisposição à interação com animais estão ligadas a concepções positivas prévias que podem tornar imperceptível o estresse ou o trabalho extra.

O desconhecimento dos propósitos da AAA é um potencial gerador de vulnerabilidades para animais, pacientes, voluntariado e instituições. É preciso, portanto, refletir sobre os argumentos e valores de cada ator envolvido, a fim de lograr soluções exequíveis, boas para todos e balizadas em interesses comuns1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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. Para Moody, King e O’Rourke1818. Moody WJ, King R, O’Rourke S. Attitudes of paediatric medical ward staff to a dog visitation programme. J Clin Nurs [Internet]. 2002 [acesso 21 jan 2021];11(4):537-44. DOI: 10.1046/j.1365-2702.2002.00618.x , por exemplo, o planejamento junto a funcionários, antes da implementação, é fundamental para o sucesso da intervenção.

Os participantes confirmaram a hipótese de que a percepção sobre a AAA é positiva (H3). Essa visão positiva está associada principalmente à boa intenção dos voluntários. No entanto, os poucos que se arriscaram a opinar sobre os motivos dessa ação, a relacionaram ao entretenimento.

Para Moreira e colaboradores 2222. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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, a falta de conhecimento, tanto da equipe médica quanto dos pacientes, dificulta a implementação eficaz da AAA. Enfermeiros entrevistados por Eaglin2121. Eaglin VH. Attitudes and perceptions of nurses-in-training and psychiatry and pediatric residents towards animal-assisted interventions. Hawaii Med J [Internet]. 2008 [acesso 21 jan 2021];67(2):45. Disponível: https://bit.ly/3zmS0yl
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e Moreira e colaboradores2222. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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se queixaram da incompreensão dos objetivos terapêuticos e da falta de treinamento para interagir com os animais, diagnosticar riscos clínicos e restrições, e planejar medidas mitigadoras.

A sociedade toma conhecimento dessa nova proposta terapêutica principalmente por meio da mídia, fato observado também por Moody, King e O’Rourke 1818. Moody WJ, King R, O’Rourke S. Attitudes of paediatric medical ward staff to a dog visitation programme. J Clin Nurs [Internet]. 2002 [acesso 21 jan 2021];11(4):537-44. DOI: 10.1046/j.1365-2702.2002.00618.x na Austrália. Esse padrão foi predominante mesmo em participantes oriundos de cursos da área da saúde, que não relataram ter tomado conhecimento dessa prática no ambiente educacional.

Moreira e colaboradores2222. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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frisam que a equipe de enfermagem precisa estar ciente da AAA, sugerindo que esse conteúdo seja abordado na formação acadêmica. Conhecer a AAA na formação é importante, visto que notícias veiculadas pela mídia costumam destacar componentes emocionais, geralmente tendenciosos, que podem comprometer a compreensão da questão com a profundidade necessária para desenvolver uma visão crítica1818. Moody WJ, King R, O’Rourke S. Attitudes of paediatric medical ward staff to a dog visitation programme. J Clin Nurs [Internet]. 2002 [acesso 21 jan 2021];11(4):537-44. DOI: 10.1046/j.1365-2702.2002.00618.x . Isso também tem sido atestado em outras situações com alto potencial de vulnerabilidade, como na questão dos animais de interesse médico2525. Fischer ML, Caires LB, Colley E. Análise das informações veiculadas nas mídias digitais sobre o Caramujo Gigante Africano Achatina fulica. Rev Bras Pesqui Educ Ciênc [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];15(1):149-72. Disponível: https://bit.ly/3xUCVU7
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, da medicamentação2626. Palodeto MFT, Fischer ML. A representação da medicamentação sob a perspectiva da bioética. Saúde Soc [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];27(1):252-67. DOI: 10.1590/S0104-12902018170831 e da crise hídrica2727. Fischer ML, Rosaneli CF, Cunha TR, Sganzerla A, Molinari RB, Amori RC. Comunicações sobre a crise hídrica: a Internet como ferramenta de sensibilização ética. Sustentabilidade Debate [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];9(1):158-71. DOI: 10.18472/SustDeb.v9n1.2018.25756 .

O posicionamento da sociedade e da equipe terapêutica diante dos benefícios previamente listados indicou adesão à AAA e concepção de que ela é benéfica para pacientes de todas as idades, para a equipe de trabalho e até mesmo para os animais. Os pacientes identificaram principalmente benefícios emocionais, e confirmaram a melhora na própria saúde, corroborando percepção da equipe terapêutica. A imediata melhora do humor e do ambiente percebida pelos entrevistados confirma os benefícios reconhecidos pela ciência66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , contrariando críticas sobre a tendenciosidade, subjetividade e vazio teórico de pesquisas que atestam a efetividade da AAA66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , 1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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.

A percepção de melhora do ambiente, inclusive dos cuidados em saúde, corrobora a transposição dos benefícios para pacientes apontada por Schmitz e colaboradores2828. Schmitz A, Beermann M, MacKenzie CR, Fetz K, Schulz-Quach C. Animal-assisted therapy at a University Centre for Palliative Medicine: a qualitative content analysis of patient records. BMC Palliat Care [Internet]. 2017 [acesso 21 jan 2021];16(1). Disponível: https://bit.ly/3xOxOVw
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, promovendo uma experiência positiva para a equipe terapêutica e familiares. Segundo Velde, Cipriani e Fischer2929. Velde BP, Cipriani J, Fisher G. Resident and therapist views of animal-assisted therapy: implications for occupational therapy practice. Aust Occup Ther J [Internet]. 2005 [acesso 21 jan 2021];52(1):43-50. DOI: 10.1111/j.1440-1630.2004.00442.x , embora os benefícios sejam indiretos, a AAA é uma preparação para receber a terapia. Abrahamson e colaboradores2020. Abrahamson K, Cai Y, Richards E, Cline K, O’Haire ME. Perceptions of a hospital-based animal assisted intervention program: an exploratory study. Complement Ther Clin Pract [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];25:150-4. DOI: 10.1016/j.ctcp.2016.10.003 , por sua vez, constatam que o decréscimo de estresse nos funcionários tem recebido pouca atenção empírica. Contudo, no que se refere à identificação de benefícios para os animais e seus tutores, apenas voluntários se manifestaram, o que sugere a atribuição de um valor instrumental à AAA.

As limitações, além de terem recebido pouca atenção, foram associadas a possíveis impedimentos para as pessoas, sem percepção de problemas relativos aos animais ou à biossegurança, o que confirma a hipótese H4. A percepção de limitações e riscos pode ser mascarada pela boa intenção da prática, aliada à atmosfera de desconcentração, como atestam Iannuzzi e Rowan1414. Iannuzzi D, Rowan A. Ethical issues in animal-assisted therapy programs. Anthrozoos [Internet]. 1991 [acesso 21 jan 2021];4(3):154-63. DOI: 10.2752/089279391787057116 e Zanatta e colaboradores66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 . Assim, embora seja positiva, a adesão imediata à AAA pode dificultar a identificação de vulnerabilidades, ignorando, por exemplo, que há pessoas com restrições de saúde ou que simplesmente não se sentem à vontade na presença de animais1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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.

Eaglin2121. Eaglin VH. Attitudes and perceptions of nurses-in-training and psychiatry and pediatric residents towards animal-assisted interventions. Hawaii Med J [Internet]. 2008 [acesso 21 jan 2021];67(2):45. Disponível: https://bit.ly/3zmS0yl
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apontou ainda que os entrevistados em sua pesquisa consideraram diferenças culturais e individuais. Essa vulnerabilidade, embora extremamente relevante, não é exclusiva do ambiente hospitalar. Vaccari e Almeida3030. Vaccari AMH, Almeida FA. A importância da visita de animais de estimação na recuperação de crianças hospitalizadas. Einstein [Internet]. 2007 [acesso 21 jan 2021];5(2):111-6. Disponível: https://bit.ly/36LynUn
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relataram que pais receosos e apreensivos não permitiram a interação de crianças com animais por desconhecerem a finalidade das intervenções. No entanto, como apontam Cunha e colaboradores3131. Cunha A, Costa LPD, Peranzoni VC, Rodrigues MCG, Silva CN, Kellermann M. A eficácia biopsicossocial das terapias assistidas por animais: cinoterapia e equoterapia. Di@logus (Cruz Alta) [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];7(2):51-62. Disponível: https://bit.ly/3hTFhxc
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, privar pacientes de receber a visita de animais também pode gerar sentimento de rejeição, e uma alternativa seria a existência de locais específicos para essas intervenções.

As características inerentes ao ambiente hospitalar, com relação tanto à rotina de cuidados quanto à necessidade de biossegurança, não foram associadas a potenciais limitações da AAA, nem mesmo pela equipe terapêutica, como observou Bibbo em estudo na Califórnia, Estados Unidos 1919. Bibbo J. Staff members’ perceptions of an animal-assisted activity. Oncol Nurs Forum [Internet]. 2013 [acesso 20 jul 2021];40(4):E320-6. DOI: 10.1188/13.ONF.E320-E326 . Moody, King e O’Rourke1818. Moody WJ, King R, O’Rourke S. Attitudes of paediatric medical ward staff to a dog visitation programme. J Clin Nurs [Internet]. 2002 [acesso 21 jan 2021];11(4):537-44. DOI: 10.1046/j.1365-2702.2002.00618.x , por outro lado, alertam que médicos e enfermeiros têm percepções mais realistas sobre o aumento da carga de trabalho e a interrupção da rotina do que outros atores da equipe médica, principalmente os que almejam resultados de suas intervenções terapêuticas específicas.

Os voluntários tendem a perceber as instituições como limitadoras, queixando-se de restrições, do desconhecimento e da falta de ambiente adequado. A sugestão de um local específico é frequentemente pontuada. Para Zanatta e colaboradores66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , esses locais seriam ambientes biofílicos, onde animais estariam livres para interações sem imposições, e os pacientes inaptos poderiam observar os animais através de anteparos.

As limitações associadas à biossegurança foram pouco mencionadas, o que corrobora resultados do estudo de Zanatta e colaboradores 66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 . O risco para as pessoas geralmente está associado à transmissão de zoonoses, mas, como observaram Ferreira e Gomes1111. Ferreira AP, Gomes JB. Levantamento histórico da terapia assistida por animais. Rev Multidiscip Pey Këyo Cient [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];28(1):71-92. Disponível: https://bit.ly/3ivi5nL
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, o risco de transmissão de patógenos entre pacientes e animais se agrava apenas quando padrões de higiene são ignorados. Todavia, ainda não há estudos que atestem indubitavelmente a segurança da AAA para pacientes e animais, assim como ainda há poucas pesquisas sobre o tema embasadas na bioética de cuidado. Dessa forma, a cautela deve ser priorizada, a fim de minimizar possíveis intercorrências1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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, 1313. Murthy R, Bearman G, Brown S, Bryant K, Chinn R, Hewlett A et al. Animals in healthcare facilities: recommendations to minimize potential risks. Infect Control Hosp Epidemiol [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];36(5):495-516. DOI: 10.1017/ice.2015.15
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Limitações associadas aos animais foram mencionadas apenas pelo voluntariado, que indicou excesso de manipulação e exaustão. Essa representação da AAA também ocorre em outras situações, como no auxílio educacional a crianças com necessidades especiais. Nesse sentido, Fischer, Zanatta e Adami1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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apontam para um viés antropocêntrico/utilitarista que amplifica limitações e benefícios relativos às pessoas, em detrimento dos animais. Assim, para Iannuzzi e Rowan1414. Iannuzzi D, Rowan A. Ethical issues in animal-assisted therapy programs. Anthrozoos [Internet]. 1991 [acesso 21 jan 2021];4(3):154-63. DOI: 10.2752/089279391787057116 , deve haver diretrizes que liberem práticas como a AAA do antropocentrismo, e o objetivo da intervenção não pode ser apenas o paciente. Moreira e colaboradores2222. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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, na mesma perspectiva, alertam que é preciso superar a visão do animal como ferramenta.

Mesmo diante da óbvia conexão com seus pets , é interessante que poucos atores tenham observado exaustão no animal, ansiedade pela exposição a diferentes estímulos, imprevisibilidade e incompatibilidade física ou psicológica66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 . Como destacam Fischer, Zanatta e Adami 1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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, animais coterapeutas já estão sendo diagnosticados com síndrome de burnout , e a recomendação é que as visitas durem no máximo 30 minutos e ocorram até três vezes por semana (os participantes da presente pesquisa, vale lembrar, relataram visitas de uma hora).

Embora a seleção de animais para AAA seja feita de modo assistemático, com base apenas na sociabilidade e na baixa reatividade, sem exigência de treinamento3232. Cavalli CM, Carballo F, Dzik MV, Underwood S, Bentosela M. Are animal-assisted activity dogs different from pet dogs? A comparison of their sociocognitive abilities. J Vet Behav [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];23:76-81. DOI: 10.1016/j.jveb.2017.12.001 , Murthy e colaboradores1313. Murthy R, Bearman G, Brown S, Bryant K, Chinn R, Hewlett A et al. Animals in healthcare facilities: recommendations to minimize potential risks. Infect Control Hosp Epidemiol [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];36(5):495-516. DOI: 10.1017/ice.2015.15
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defendem que esses animais deveriam ser treinados, certificados e reavaliados, o que só seria possível, segundo os autores, com cães. Nesse sentido, Cavalli e colaboradores3232. Cavalli CM, Carballo F, Dzik MV, Underwood S, Bentosela M. Are animal-assisted activity dogs different from pet dogs? A comparison of their sociocognitive abilities. J Vet Behav [Internet]. 2018 [acesso 21 jan 2021];23:76-81. DOI: 10.1016/j.jveb.2017.12.001 compararam o comportamento de pets e cães participantes de AAA sem treinamento oficial, verificando que os cães terapeutas buscam mais o olhar de desconhecidos, persistem mais na comunicação e são menos impulsivos. Os autores acreditam que essas importantes características se devem a experiências e aprendizados e deveriam fazer parte da seleção e treinamento.

Sobre o bem-estar animal, Iannuzzi e Rowan1414. Iannuzzi D, Rowan A. Ethical issues in animal-assisted therapy programs. Anthrozoos [Internet]. 1991 [acesso 21 jan 2021];4(3):154-63. DOI: 10.2752/089279391787057116 argumentam que, se não for possível mensurar o ganho real da atividade para o animal, deve-se aplicar o benefício da dúvida e considerar que tal uso é inapropriado e configura exploração. Fischer, Zanatta e Adami1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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analisaram a alternativa de uso de robôs sociais, cuja eficácia tem sido avaliada e comprovada cientificamente, principalmente em crianças, que conseguem transpor sentimentos e personalidades a objetos inanimados.

Limitações associadas ao voluntariado não foram identificadas pelos participantes da pesquisa. Em geral, os voluntários são vistos como pessoas munidas de bons propósitos que gostam de animais. O voluntariado participante da pesquisa mostrou-se um grupo heterogêneo, com pessoas de diferentes profissões e pouco conhecimento técnico sobre o comportamento animal e humano, mas que veem o trabalho no hospital como oportunidade de contribuir para melhorar a rotina de pessoas vulneráveis.

Fischer, Zanatta e Adami1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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alertam que o voluntariado no contexto da AAA deve ser mais discutido, uma vez que o amadorismo numa atividade que envolve pessoas vulneráveis pode potencializar conflitos, mesmo considerando o caráter mais recreativo da AAA em comparação com a IAA. Para Murthy e colaboradores1313. Murthy R, Bearman G, Brown S, Bryant K, Chinn R, Hewlett A et al. Animals in healthcare facilities: recommendations to minimize potential risks. Infect Control Hosp Epidemiol [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];36(5):495-516. DOI: 10.1017/ice.2015.15
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, as características da AAA não deveriam eximir o manipulador de ter formalmente certificada sua capacitação técnica, ética e legal.

Entre os problemas do amadorismo, pode-se destacar a falta de treinamento dos condutores para reconhecer quando devem interromper as intervenções. Outro ponto de atenção é o fato de o suposto potencial do animal ser identificado pelos próprios voluntários. Tal identificação parte da percepção pessoal e tende a interpretar o comportamento do animal antes e depois das visitas como análogo ao comportamento percebido em momentos de descontração, como se o animal estivesse se divertindo. Ressalta-se, nesse sentido, que os voluntários foram hábeis em listar diferentes comportamentos considerados anormais, mas resistiram a associá-los com baixos graus de bem-estar animal ou a apresentar estratégias mitigadoras.

Segundo a Pet Partners77. Pet Partners. Pet partners therapy dogs & other therapy animals [Internet]. 2017 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3xS6JRi
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, o comportamento dos tutores, em detalhes como o tom de voz, influencia o comportamento do animal, e um bom relacionamento permite prever como o animal responderá a determinadas situações e estímulos, resultando em respostas precisas diante de situações indesejáveis77. Pet Partners. Pet partners therapy dogs & other therapy animals [Internet]. 2017 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3xS6JRi
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. Prokop e Randler3434. Prokop P, Randler C. Biological predispositions and individual differences in human attitudes toward animals. In: Alves RRN, Albuquerque UP, editores. Ethnozoology: animals in our lives [Internet]. Cambridge: Academic Press; 2018 [acesso 21 jan 2021]. p. 447-66. DOI: 10.1016/B978-0-12-809913-1.00023-5 , porém, condicionam esse padrão desejável a conhecimentos básicos sobre etologia, zoonose e adestramento.

O treinamento para interação com pacientes também não pode ser negligenciado, uma vez que o “condutor” deve estar apto a contornar situações embaraçosas e aproximar o animal das pessoas muitas vezes sem diálogo prévio, que é essencial para prevenir a ansiedade e a apreensão do paciente. Bibbo1919. Bibbo J. Staff members’ perceptions of an animal-assisted activity. Oncol Nurs Forum [Internet]. 2013 [acesso 20 jul 2021];40(4):E320-6. DOI: 10.1188/13.ONF.E320-E326 usa o termo “condutor” para se referir ao treinador ou tutor, cujo papel na intervenção é significativo, mas geralmente esquecido. A autora ressalta que o condutor, que apresenta, interpreta e gerencia o animal, é estranho aos demais atores, e o cão, portanto, é o catalisador social que facilita a comunicação.

Alguns voluntários entrevistados pontuaram a necessidade de acompanhamento por um psicólogo. Bibbo1919. Bibbo J. Staff members’ perceptions of an animal-assisted activity. Oncol Nurs Forum [Internet]. 2013 [acesso 20 jul 2021];40(4):E320-6. DOI: 10.1188/13.ONF.E320-E326 também toca nesse ponto ao sugerir a realização de mais estudos que avaliem a influência do condutor nos benefícios percebidos pelo paciente.

Diante de todos esses fatores, conclui-se que o trabalho voluntário, independentemente de sua importância e valor, deve ser amplamente discutido1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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. É preciso almejar o equilíbrio entre os componentes profissionais, por meio de uma comunicação eficiente, e capacitar todos os envolvidos na AAA. Se, por um lado, o voluntariado diminui os custos com qualificação e manutenção da equipe, por outro, o amadorismo fragiliza a adoção de protocolos validados e traz preocupações com o bem-estar animal, visto que não há regulamentação e fiscalização 1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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.

A substituição das visitas de animais do voluntariado por animais de estimação dos próprios pacientes foi considerada por Fischer, Zanatta e Adami1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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e Zanatta e colaboradores66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 . Na presente pesquisa, tal substituição foi bem aceita pela sociedade, pela equipe terapêutica e pelos pacientes, confirmando a hipótese H5. Embora considerem que a visita dos animais de estimação tenha benefícios e vantagens, como maior vínculo e menor risco de acidentes, Murthy e colaboradores1313. Murthy R, Bearman G, Brown S, Bryant K, Chinn R, Hewlett A et al. Animals in healthcare facilities: recommendations to minimize potential risks. Infect Control Hosp Epidemiol [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];36(5):495-516. DOI: 10.1017/ice.2015.15
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também apontam limitações como falta de treinamento. Assim, além de orientar que as visitas se restrinjam a cães e ocorram apenas em locais apropriados, os autores listam pelo menos 20 recomendações específicas.

Zanatta e colaboradores66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , no contexto de cuidados paliativos, consideram que, enquanto o contato com animais de voluntários estimula a socialização, o contato com o próprio animal de estimação leva à introspecção e à ressignificação da doença e da morte. Os autores justificam ainda que a permissão de visita de pets se apoia em dados atuais que atestam a inserção cada vez maior dos animais como membros da família. Liberar essas visitas, portanto, seria uma ação de humanização do ambiente hospitalar. A já citada lei do estado do Paraná1717. Paraná. Lei nº 18.918, de 7 de dezembro de 2016. Dispõe sobre a permissão da visitação de animais domésticos e de estimação em hospitais privados, públicos contratados, conveniados e cadastrados no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial do Estado do Paraná [Internet]. Curitiba, nº 9.838, 8 dez 2016 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3BmRP80
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e o PL 9.787/20181616. Brasil. Projeto de Lei nº 9.787-A, de 2018. Dispõe sobre a admissão de animais domésticos em unidades hospitalares do Sistema Único de Saúde – SUS. Câmara dos Deputados [Internet]. Brasília; 2018 [acesso 21 jan 2021]. Disponível: https://bit.ly/3irH0Zr
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vão nessa direção, autorizando a entrada de pets como cães, gatos, pássaros, coelhos, chinchilas, tartarugas e hamsters , ainda que condicionada à autorização médica, normatizando o transporte e acompanhamento por pessoa acostumada a manejar o animal de estimação.

Perspectiva bioética: deliberação, monitoramento e protocolos

O resultado mais importante desta pesquisa, que fundamenta a importância da bioética para a AAA, foi atestado no instrumento aplicado à “sociedade”. A concordância com benefícios e limitações previamente listados da prática mostrou-se incoerente com o posicionamento em relação à situação-problema (Anexo).

No relato da situação, o respondente pode visualizar o contexto de benefícios e limitações, o que aumenta a chance de um posicionamento crítico. Esse resultado aponta a necessidade de métodos efetivos de comunicação quando se almeja o protagonismo do cidadão. Prokop e Randler3434. Prokop P, Randler C. Biological predispositions and individual differences in human attitudes toward animals. In: Alves RRN, Albuquerque UP, editores. Ethnozoology: animals in our lives [Internet]. Cambridge: Academic Press; 2018 [acesso 21 jan 2021]. p. 447-66. DOI: 10.1016/B978-0-12-809913-1.00023-5 alegam que os argumentos e valores da sociedade, somados às evidências científicas, balizam atitudes responsáveis e boas para todos, pautadas em paradigmas éticos e sociais que culminam na elaboração de legislações e políticas públicas. Logo, é evidente a necessidade de discutir a AAA com foco em seus reais benefícios e limitações, habilitando a sociedade para a tomada de decisão consciente3535. Fischer ML, Tamioso PR. Bioética ambiental: concepção de estudantes universitários sobre o uso de animais para consumo, trabalho, entretenimento e companhia. Ciênc Educ [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];22(1):163-82. Disponível: https://bit.ly/3xTmJTf
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. Segundo Jennings, Mitchell e Hannah3636. Jennings PL, Mitchell MS, Hannah ST. The moral self: a review and integration of the literature. J Organ Behav [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];36(supl 1):104-68. DOI: 10.1002/job.1919 , esse processo, denominado “autorregulação moral”, consiste na capacidade de refletir sobre as condutas com comprometimento subjetivo, engajando-se no controle e governança da conduta dos pares.

Murthy e colaboradores1313. Murthy R, Bearman G, Brown S, Bryant K, Chinn R, Hewlett A et al. Animals in healthcare facilities: recommendations to minimize potential risks. Infect Control Hosp Epidemiol [Internet]. 2015 [acesso 21 jan 2021];36(5):495-516. DOI: 10.1017/ice.2015.15
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reuniram centenas de recomendações para intervenções com animais, destacando que, embora a natureza da AAA seja descontraída, é necessário cumprir regras que visam minimizar riscos. Para os autores, que registram mais de 120 recomendações que englobam desde condições físicas e mentais do animal até a interação com o ambiente e o paciente, toda a equipe deve ser capacitada e conhecer as políticas relativas à prática. O condutor, ademais, deve ser certificado.

A bioética, como instância deliberativa, reforça a simetria na garantia do bem-estar e segurança de todos os atores por meio de normatizações e protocolos1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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, 3737. Silveira IR, Santos NC, Linhares DR. Protocolo do programa de assistência auxiliada por animais no hospital universitário. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [acesso 21 jan 2021];45(1):283-8. DOI: 10.1590/S0080-62342011000100040 . O presente estudo observou regras de conduta baseadas em informações generalistas. Os entrevistados, no entanto, acreditam que protocolos tornariam a prática mais eficiente. Eles mencionam principalmente o cuidado quanto à periodicidade das visitas e a diminuição de riscos de acidentes ou inconvenientes, o que corrobora Fischer, Zanatta e Adami1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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.

Dentre esses aspectos, a frequência e a periodicidade foram os mais divergentes: uma parte dos entrevistados opinou que a visita deveria ser rápida, para não atrapalhar a rotina nem prejudicar aqueles que desaprovam a prática; outros, porém, alegaram que, quanto mais demorada a visita, maior a satisfação. Alguns enfermeiros entrevistados por Abrahamson e colaboradores2020. Abrahamson K, Cai Y, Richards E, Cline K, O’Haire ME. Perceptions of a hospital-based animal assisted intervention program: an exploratory study. Complement Ther Clin Pract [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];25:150-4. DOI: 10.1016/j.ctcp.2016.10.003 opinaram que os benefícios para os pacientes só não são maiores devido à curta duração das visitas. Cunha e Zanoni3838. Cunha JSF, Zanoni E. Ensaios de uma cosmovisão teleológica para elaboração de uma legislação específica da TAA (terapia assistida por animais). RJLB [Internet]. 2017 [acesso 21 jan 2021];3(6):1287-319. Disponível: https://bit.ly/3rl5LL3
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, por sua vez, ressaltam a necessidade de mais estudos e recomendações, bem como de pronunciamentos de órgãos regulatórios, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e deliberativos, como a Organização Mundial da Saúde, a fim de que se avalie efetivamente a viabilidade da AAA.

Normatizar e acompanhar a AAA são atribuições dos comitês de ética hospitalar, de pesquisa com humanos e de uso de animais, os quais trabalham com outras instâncias deliberativas de hospitais. Porém, no presente estudo, a inexistência de um comitê de bioética hospitalar não foi apontada como limitação pela equipe terapêutica e, na literatura consultada, apenas Moreira e colaboradores2222. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC et al. Terapia assistida com cães em pediatria oncológica: percepção de pais e enfermeiros. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];69(6):1122. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0243
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alertam para a necessidade de autorização por um comitê de infecção hospitalar. Provavelmente, a maioria das intervenções não são assistidas por esses comitês, uma vez que a AAA não é considerada atividade de pesquisa. Tal prática, contudo, não está isenta de vulnerabilidades. Por fim, no caso do comitê de uso de animais, o monitoramento de atividades de extensão é uma de suas atribuições legais3939. Brasil. Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Normativas do Concea para produção, manutenção ou utilização de animais em atividades de ensino ou pesquisa científica: lei, decreto, portarias, resoluções normativas e orientações técnicas. 3ª ed. Brasília: Concea; 2015. .

É necessário que a AAA, independentemente de ser caracterizada pela benevolência e a descontração, seja intermediada pela bioética, como campo mediador de um debate plural e global, capaz de ponderar custos, benefícios e alternativas. Os problemas complexos da AAA demandam intervenções conjuntas, que minimizem efeitos negativos por meio de perspectivas de cuidado que consideram o bem-estar de todos1010. Fischer ML, Zanatta AA, Adami ER. Um olhar da bioética para a zooterapia. Rev Latinoam Bioet [Internet]. 2016 [acesso 21 jan 2021];16(1):174-97. Disponível: https://bit.ly/3hT02Jc
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. Só assim se pode alcançar o propósito de desenvolver ações humanizadas nos hospitais66. Zanatta AA, Santos-Junior RJ, Perini CC, Fischer ML. Biofilia: produção de vida ativa em cuidados paliativos. Saúde Debate [Internet]. 2019 [acesso 21 jan 2021];43(122):949-65. DOI: 10.1590/0103-1104201912223 , 22. Kellert SR, Wilson EO. The biophilia hypothesis. Washington: Island Press; 1995. . Pois a AAA bem-sucedida, como aponta Bibbo1919. Bibbo J. Staff members’ perceptions of an animal-assisted activity. Oncol Nurs Forum [Internet]. 2013 [acesso 20 jul 2021];40(4):E320-6. DOI: 10.1188/13.ONF.E320-E326 , além de se projetar no ambiente e envolver os funcionários, deve ser sistematicamente avaliada e reajustada.

Considerações finais

O recorte do presente estudo permitiu uma análise bioética da AAA por meio da percepção social sobre esse tipo de intervenção. Os resultados confirmaram parcialmente a hipótese 1, de que a representação da AAA é condicionada ao papel de cada ator, e plenamente a hipótese 2, de que, embora a AAA venha se tornando uma prática comum nos hospitais, ainda há limitações na divulgação de seus propósitos. As hipóteses 3 e 4 também foram confirmadas, atestando a legitimação da AAA apoiada na benevolência da prática e nos benefícios ao paciente, relativos principalmente ao humor e à descontração. Observa-se, no entanto, que as limitações da AAA não têm sido percebidas, sobretudo aquelas atreladas à ausência de normatização e monitoramento, que podem potencializar conflitos entre interesses dos animais, dos pacientes, dos voluntários, da equipe terapêutica e da instituição, gerando vulnerabilidades e podendo até descaracterizar os objetivos da ação.

Os participantes demostraram adesão e apoio à presença de seus próprios animais, confirmando a hipótese 5, de que a visita do animal de estimação do paciente é uma alternativa para minimizar vulnerabilidades da AAA, principalmente aquelas relacionadas ao bem-estar animal. Esses resultados refletem o que já é realidade em hospitais de diversos países e reforçam a necessidade de discutir amplamente parâmetros éticos e técnicos da AAA, inclusive durante a formação acadêmica.

A perspectiva da bioética, multidisciplinar, dialogante e sensível às vulnerabilidades, é propícia à elaboração de normatizações e orientações para as IAA, a EAA e a AAA. Tal perspectiva, levada ao espaço deliberativo dos comitês de ética hospitalar, de pesquisa com humanos e de uso de animais, pode ajudar a identificar riscos, a pensar atitudes mitigadoras e a adaptar as intervenções à realidade de cada hospital. A associação desses comitês com a academia é uma ponte importante para promover a sinergia entre conhecimento técnico-científico e demandas sociais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Revisado
    16 Maio 2021
  • Aceito
    17 Maio 2021
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