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Trabalho e educação: que indicam os anúncios classificados?

Work and education: what do the classified ads indicate?

Travail et éducation: les petites annonces, que démontrent-elles?

Resumos

O presente artigo tem como objetivo identificar as ocupações que constituem objeto de anúncios classificados de oferta de trabalho e emprego, as suas relações com a distribuição da população ocupada e os requisitos expressamente exigidos, de natureza educacional e outros. Foram examinadas diversas perspectivas teóricas sobre as relações entre o trabalho e educação, salientando- se as funções dessa última. Foram examinados os anúncios publicados pelo jornal de maior circulação no Distrito Federal, durante uma semana. Dentre os resultados, destaca-se a importância secundária da educação formal, implícita em outros requisitos exigidos. O sexo feminino e a experiência prévia são exigências muito freqüentes, sugerindo as mulheres e os jovens como grupos vulneráveis. A procura parece direcionar-se mais a pessoas treinadas que treináveis.

educação; ocupação; trabalho; juventude; sociologia da educação


The present paper has as objective to identify the occupations that constitute object of classified ads of work and job offers, their relations to with the distribution of employed population and the educational and other requirements expressly demanded. Several theoretical perspectives were examined about the relations between work and education, being emphasized the functions of the latter. The ads examined were published by the largest circulation newspaper of the Federal District, during one week. Among the results, the secondary importance of the formal education stands out, implicit in other requirements demanded. The feminine sex and previous experience are very frequent demands, suggesting women and youths as vulnerable groups. The search seems to address more trainable than trained people.

education; occupation; work; youth; sociology of the education


L'objectif de cet article est d'identifier les activités qui font l'objet des petites annonces concernant les offres de travail temporaire et d'emplois, la relation qui existe entre elles et la distribution de la population embauchée ainsi que les exigences clairement énoncées, de natureéducationnelle ou autres. Plusieurs perspectives théoriques concernant les relations entre le travail et la formation ont été examinées, mettant plus particulièrement en évidence le rôle de cette dernière. Nous avons étudié les annonces publiées pendant une semaine dans le journal de plus grande circulation du District Fédéral. Les résultats révèlent entre autres l'importance secondaire de l'éducation formelle par rapport à d'autres exigences. Être femme et avoir une expérience de travail antérieure sont des exigences très fréquentes, ce qui laisse entendre que les femmes et les jeunes sont des groupes vulnérables. Les demandes semblent s'adresser surtout à des personnes formées qu'à des personnes à former.

éducation; activités; travail; jeunesse; sociologie de l'éducation


Trabalho e educação: que indicam os anúncios classificados?1 1 Agradecemos a colaboração de Luciano Almeida Ferreira, professor da Universidade Federal do Tocantins. Mestrando em educação na Universidade Católica de Brasília.

Work and education: what do the classified ads indicate?

Travail et éducation: les petites annonces, que démontrent-elles?

Candido Alberto GomesI; Hudson Eloy BragaII; Weder Matias VieiraIII

IProfessor titular, fundador da Universidade Católica de Brasília, coordenador do Observatório de Violências nas Escolas – Brasil (UNESCO-UCB). SQS 303-E-601. Cep: 70376-050. Brasília - DF - Brasil. clgomes@terra.com.br

IIMestrando em Educação e Especialista em Administração Escolar pela Universidade Católica de Brasília. Professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal. hudsonbraga@gmail.com

IIIMestrando em Educação da Universidade Católica de Brasília. Professor lotado da Secretaria Estadual de Goiás e Coordenador Administrativo da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. weder.vieira@capes.gov.br

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo identificar as ocupações que constituem objeto de anúncios classificados de oferta de trabalho e emprego, as suas relações com a distribuição da população ocupada e os requisitos expressamente exigidos, de natureza educacional e outros. Foram examinadas diversas perspectivas teóricas sobre as relações entre o trabalho e educação, salientando- se as funções dessa última. Foram examinados os anúncios publicados pelo jornal de maior circulação no Distrito Federal, durante uma semana. Dentre os resultados, destaca-se a importância secundária da educação formal, implícita em outros requisitos exigidos. O sexo feminino e a experiência prévia são exigências muito freqüentes, sugerindo as mulheres e os jovens como grupos vulneráveis. A procura parece direcionar-se mais a pessoas treinadas que treináveis.

Palavras-chave: educação, ocupação, trabalho, juventude, sociologia da educação.

ABSTRACT

The present paper has as objective to identify the occupations that constitute object of classified ads of work and job offers, their relations to with the distribution of employed population and the educational and other requirements expressly demanded. Several theoretical perspectives were examined about the relations between work and education, being emphasized the functions of the latter. The ads examined were published by the largest circulation newspaper of the Federal District, during one week. Among the results, the secondary importance of the formal education stands out, implicit in other requirements demanded. The feminine sex and previous experience are very frequent demands, suggesting women and youths as vulnerable groups. The search seems to address more trainable than trained people.

Keywords: education, occupation, work, youth, sociology of the education.

RÉSUMÉ

L'objectif de cet article est d'identifier les activités qui font l'objet des petites annonces concernant les offres de travail temporaire et d'emplois, la relation qui existe entre elles et la distribution de la population embauchée ainsi que les exigences clairement énoncées, de natureéducationnelle ou autres. Plusieurs perspectives théoriques concernant les relations entre le travail et la formation ont été examinées, mettant plus particulièrement en évidence le rôle de cette dernière. Nous avons étudié les annonces publiées pendant une semaine dans le journal de plus grande circulation du District Fédéral. Les résultats révèlent entre autres l'importance secondaire de l'éducation formelle par rapport à d'autres exigences. Être femme et avoir une expérience de travail antérieure sont des exigences très fréquentes, ce qui laisse entendre que les femmes et les jeunes sont des groupes vulnérables. Les demandes semblent s'adresser surtout à des personnes formées qu'à des personnes à former.

Mots-clés: éducation, activités, travail, jeunesse, sociologie de l'éducation.

Os jornais, diariamente, trazem uma ponta visível da oferta de trabalho e emprego, bem como das exigências para os seus candidatos. Que ocupações são solicitadas? Que esboço da estrutura ocupacional se pode divisar? Que exigências são feitas pelos anunciantes? Qual a importância da educação? No século XXI, é possível encontrar indícios de que a escolaridade e outros indicadores de mérito tendem a ocupar lugar de destaque, conforme várias perspectivas teóricas? Ou as características atribuídas continuam a ser valorizadas? Qual o lugar do gênero?

Essas indagações inspiraram o presente artigo, de caráter documental e de natureza exploratória, que examinou os anúncios classificados do jornal de maior circulação no Distrito Federal. Três objetivos nortearam a coleta e a análise dos dados: Que ocupações estão mais presentes nos anúncios e como se distribuem por níveis? Qual a relação entre o perfil da população economicamente ativa e os anúncios de emprego e trabalho? Quais as exigências apresentadas e o que elas sugerem à luz dos principais enfoques teóricos?

OCUPAÇÃO E ESCOLARIDADE SEGUNDO AS TEORIAS

Longo é o debate sobre as relações entre a educação, as ocupações e, ainda, a renda. Segundo a visão clássica do funcionalismo e da teoria do capital humano, o desenvolvimento econômico depende cada vez mais da educação, que passou a oferecer retornos maiores que o capital físico. A crescente relevância da educação é basicamente resultante da expansão e complexidade cada vez maiores do conhecimento e de mudanças da natureza do trabalho causadas pela industrialização, particularmente nos campos da tecnologia, da automação e do desenvolvimento da empresa de larga escala. De um lado, tem havido uma solicitação cada vez maior de habilidades profissionais. De outro, o número de trabalhadores de quem se requerem mais habilidades tem aumentado. Desse modo, as exigências educacionais no mundo do trabalho se têm elevado. Afora isso, a realização ou o desempenho torna-se progressivamente mais relevante que a atribuição de status na estratificação social. Isso significa que a industrialização constrói sociedades abertas e democráticas, onde a educação é um meio efetivo de seleção e mobilidade social, baseado no mérito. Com isso, os status atribuídos pelas origens sociais, sexo, etnia etc. declinam e emergem os status conquistados pelo mérito, isto é, basicamente pela educação e pela experiência (Davis; Moore, 1945; Clark, 1962; Kerr et al., 1960).

Esta apresentação sintética não deve obscurecer a cautela de autores como Clark (1962), para quem a elevação das exigências educacionais dos empregos não é gerada só pela complexidade do conhecimento. Em virtude de vantagens evidentes, algumas ocupações buscam o nível superior. De qualquer modo, a teoria técnico-funcional da educação apresenta três proposições básicas (Collins, 1971):

  • A mudança tecnológica exige progressivamente mais habilidades para o trabalho. Como resultado, aumenta a proporção de ocupações que requerem mais alto nível de habilidades e se eleva o nível de exigência de habilidades pelos empregos em geral.

  • As crescentes exigências de habilidades levam à maior demanda de educação por parte dos empregadores. Em conseqüência, a escolarização se torna mais longa e matricula-se um maior número de pessoas.

  • As exigências mais elevadas de educação levam à predominância da realização sobre a atribuição e à construção de sociedades meritocráticas.

Entretanto, se a educação representa capacidades humanas, outras perspectivas teóricas apontam para outros sentidos. As desigualdades sociais não constituem resultado do papel dos indivíduos e, sim, do poder. A posição social depende do acesso de indivíduos e grupos a recursos estratégicos, como o capital e outros. Em vez de oportunidades abertas, existe uma estrutura predeterminada de mobilidade, com classificações institucionais que constroem trilhos relativamente rígidos. Como exemplos, podem ser citadas as teorias neo-marxistas da correspondência e a abordagem neo-weberiana.

Segundo uma visão hoje parcialmente reformulada, sobretudo no que tange à sua rigidez anterior, Bowles e Gintis (1977) defenderam originalmente a tese da correspondência entre as relações sociais de produção e as relações sociais de educação. Como resultado, a educação, nos Estados Unidos, reproduz as desigualdades econômicas. A economia corporativa capitalista é favorável à hierarquia e à alienação. A divisão do trabalho na empresa é autocrática. Em correspondência, a escolarização é um processo de produzir pessoas passivas. Os traços de personalidade necessários ao trabalho, como modos adequados de auto-representação, dependência e diligência, são produzidos pelas escolas. No entanto, como a força de trabalho é estratificada, a escola realiza a socialização por meio de padrões diferenciados, de acordo com as origens sociais dos estudantes e os lugares que eles ocuparão no sistema produtivo. Ademais, as escolas convencem os alunos de que a seleção no mundo do trabalho é baseada no mérito, assim inculcando-lhes ideologia.

Por sua vez, o enfoque neo-weberiano considera que as pessoas buscam riqueza, prestígio e poder. Como esses são escassos, tornam-se fontes de conflito. Os indivíduos e grupos levam à arena diversas espécies de recursos, como propriedades, ferramentas, contatos sociais importantes para a carreira e qualificações profissionais (Collins, 1975). As principais proposições da teoria técnico-funcional da educação foram, com efeito, refutadas por Collins (1971). Esse autor observou que o nível de escolaridade da força de trabalho se tem elevado além do que seria exigido pelos empregos, gerando o fenômeno da "super-educação". Além disso, fatores não econômicos, como a demanda social de educação, explicam variações das matrículas entre países no mesmo nível de desenvolvimento econômico. Essa é uma das razões por que as correlações de educação e nível de desenvolvimento econômico não implicam necessariamente relações causais, ou seja, educação não "causa" obrigatoriamente desenvolvimento econômico. Outro ponto importante é que os empregados com mais alta escolaridade não são os que têm mais alta produtividade.

Nesse quadro, os requisitos das ocupações não são fixos, mas determinados pela barganha entre as pessoas que ocupam as posições e que tentam controlá-las. Em conseqüência, fatores como gênero, classe e etnia continuam a ser importantes para o sucesso. A educação funciona como uma base para a unidade de classes, grupos de status e partidos, isto é, uma espécie de pseudo-etnia (Collins, 1975, 1979). O sentido da educação vem a ser, então, o de fornecer credenciais, que servem como meios de seleção cultural. Eis porque a expansão educacional não tem provocado mobilidade social crescente. As credenciais se tornam uma espécie de moeda para a obtenção de empregos, sofrendo os efeitos da "inflação" quando o número de posições prestigiosas permanece constante: como numa espiral, quanto mais a escolaridade se torna acessível, mais se elevam as exigências educacionais para as ocupações e mais se busca educação (Dore, 1976; Duru-Bellat, 2006).

A ênfase nas organizações como arenas de luta pela aquisição de posições e bens encontra correspondência na perspectiva do mercado de trabalho segmentado. Doeringer e Piore (1975), em trabalho pioneiro, distinguiram o mercado primário, que, ao contrário do secundário, tende a proporcionar salários altos, boas condições de trabalho, estabilidade no emprego e oportunidades de avanço na carreira, isto é, existe um mercado interno de trabalho. O mercado secundário é o locus de jovens, mulheres e migrantes e solicita menos habilidades e escolaridade. Assim, o papel da educação formal difere por segmento do mercado de trabalho e pouco ela pode fazer no sentido de mudar os trabalhadores de um segmento para outro, em virtude da defasagem estrutural e comportamental entre ambos. A educação tem, pois, duplo papel: tanto aloca as pessoas em ocupações, como em firmas e ramos de atividade econômica mais ou menos promissores.

Outra alternativa à teoria do capital humano é a teoria da fila, segundo a qual, em vez de pessoas procurando empregos, há empregos aguardando pessoas adequadas (Thurow, 1978). A função da educação é conferir certificados de "treinabilidade", enquanto os indivíduos se colocam numa fila, com suas credenciais e características, como sexo, idade e experiência prévia. Os empregadores ordenam essa fila, de tal modo que os candidatos com menores custos de treinamento sejam chamados primeiro. Dessa forma, a educação pode ter certo impacto, mas a renda individual é determinada pela posição do indivíduo na fila e pela distribuição de empregos na economia.

Em suma, conforme as teorias clássicas, variam os significados e o papel da educação, como sintetiza o Quadro 1.


SOCIEDADE SEM EMPREGOS?

Abrem-se novas vias de debate com a criação de uma sociedade em rede, com as novas tecnologias da informação e comunicação e outras mudanças. Ao contrário do que previam as teorias clássicas, as sociedades e economias contemporâneas não têm aumentado progressivamente as exigências ocupacionais; ao contrário, têm reduzido os postos de trabalho e os requisitos para uma parte das ocupações, a fim de elevar a produtividade.

Com efeito, segundo Castells (2003), o mundo atual vive um processo de transição histórico-sistêmica, o que tem acarretado mudanças substanciais na estrutura ocupacional, embora a marca característica desse tempo seja a variação de modelos de mercado de trabalho e emprego, em contraste com o que foi prognosticado. A "tese" de uma previsibilidade histórica do mundo pós-guerra fria parece tratar-se de uma falácia, frente a tantas incertezas que se avistam. É possível constatar que, apesar da "aldeia global" em que se tornou o planeta, das revoluções tecnológicas em curso e de todos os seus impactos na estrutura socioeconômica dos países e mercados, cada vez mais inter-relacionados, há direções contraditórias de mudança, muitas inseguranças e incertezas (Kliksberg, 2001). Isso poderia significar que, conforme Bridges (1995), o emprego, tal como conhecíamos há décadas atrás, estaria com seus dias contados, fadado a desaparecer, não fazendo parte da economia do amanhã e que se terá de reaprender a trabalhar, pois "novas" formas de trabalho e ocupações surgiram e continuarão a surgir, em um constante devir. É possível afirmar a existência de uma crise, que Frigotto (1998) identifica como uma síndrome do desemprego estrutural, uma vez que, em seu entendimento, os postos de trabalho são destruídos ou precarizados, o que contribui para o surgimento de novas categorias de trabalho. Conforme destacado por Rifkin (2004), Castells (2003), Reich (1994) e outros, existe uma nova estrutura ocupacional, decorrente das transformações pelas quais a sociedade atual tem passado. Enquanto para Rifkin (2004) o grande desafio se encontra num mundo sem empregos, para Castells (2003) e outros o obstáculo se situa na deterioração de parte ponderável dos empregos e na fragilização das relações trabalhistas. Coincidindo em parte com essas visões, Gaggi e Narduzzi (2006) apontam para o desaparecimento das classes médias, ante o bulldozer da globalização, geradora de sociedades de produção em massa a baixos custos. Enquanto isso, estabelecer-se-ia uma bipolaridade entre os que exercem ocupações sofisticadas, de alta remuneração, e os que exercem ocupações simplificadas, de baixa recompensa. Com base nessa realidade, Reich (1994) distinguiu a existência de três novas categorias de trabalho, concentradas na prestação de serviços e não mais na produção industrial: serviços rotineiros de produção, serviços pessoais e serviços simbólicos analíticos.

Assim como Reich (1994) frisa a importância do setor de serviços para o mundo do trabalho, Castells (2003) afirma ser esse setor o líder no crescimento de emprego, sendo para ele o grande responsável por absorver o excedente da indústria em declínio. Da mesma forma, Antunes (2004) vê o setor de serviços em franca expansão, incorporando os alijados do mundo produtivo.

O DESEMPREGO JUVENIL

É conhecido que, na América Latina, os jovens têm alcançado mais escolaridade, porém menos trabalho. Segundo dados da CEPAL, no grupo etário de 15 a 19 anos, a população que completou o ensino primário aumentou de 60,5% para 66,7%, entre 1990 e 2002; no grupo etário de 20 a 24 anos, elevou-se de 25,8% para 34,8% os que concluíram o ensino secundário e, no grupo de 25 a 29 anos, os percentuais cresceram de 4,4% para 6,5%. Contudo, a população de 15 a 19 anos, no mesmo período, aumentou a sua presença nos setores de baixa produtividade, de 63,3% para 69,1%, ao passo que o grupo de 20 a 24 anos de idade passou de 46,8% para 49,4%. No início desta década, o desemprego juvenil no continente era o dobro da taxa de desemprego dos adultos, isto é, de 15,7% e 6,7%, com o hiato tendendo a aumentar.

Aproximando as lentes na direção do Brasil e do Distrito Federal, apesar do incremento da escolarização e da escolaridade (mais 13,6% e 12,6% da média de anos de estudo em 2001-2006, respectivamente no Brasil e no Distrito Federal), 36,7% da faixa de 16 a 24 anos de idade, alvos da pesquisa do DIEESE, estavam desempregados nas seis Regiões Metropolitanas. O Distrito Federal tinha a terceira pior colocação, com 39,2%, em face, inclusive, do elevado fluxo migratório, constituído em grande parte por jovens. Verifica-se, ainda, pelos dados da PNAD 2006, que, no Brasil, 50,9% dos jovens (15-24 anos) trabalhavam e, no Distrito Federal, o percentual era de 44,4. Preocupantemente, no País, 19,9% não estudavam nem trabalhavam, enquanto no Distrito Federal, esse percentual era de 17,6%. De todos os grupos, esse era o de menor média de anos de estudo, inferior ao ensino fundamental completo (Waiselfisz, 2008).

Dessa forma, o desemprego juvenil se revela um problema internacional, nacional e regional. Ao passo que muitas sociedades asseguravam um rito de passagem bem demarcado e relativamente curto entre infância e idade adulta, a transição hoje continua dolorosa, porém se espraia por um período maior de tensões e angústia. A entrada dos jovens no trabalho tende a se fazer por ocupações pouco promissoras, daí resultando intensa rotatividade, o que contribui também para o aumento das taxas de desemprego. Ao mesmo tempo em que se prolonga a adolescência, cria-se um novo vestíbulo: o do jovem adulto que, não tendo emprego ou trabalho relativamente estável, não consegue alcançar a adultez plena, com a sua respectiva autonomia (Gomes, 1990).

Embora a presente pesquisa seja altamente limitada quanto à investigação dests problema, cabe enfatizar, sob a perspectiva teórica, que, para os funcionalistas, a primeira ocupação é o principal preditor da carreira e da mobilidade social (Blau; Duncan, 1967). O início da carreira depende mais da educação que das origens sociais e, em seguida, as mudanças passam a depender mais do status da primeira ocupação e da experiência profissional. Já as teorias da correspondência e a perspectiva neo-weberiana, já citadas, consideram, em primeiro plano, as origens sociais, inclusive étnicas, que determinam o nível de escolaridade com que o jovem ingressa no trabalho e, afinal, a experiência adquirida. Desse modo, o nível de mobilidade tende a ser baixo.

No Brasil, Pastore e Silva (2000) constataram que a educação é o mais importante determinante das trajetórias sociais futuras, embora num quadro de clara reprodução educacional: quanto mais baixa a escolaridade dos pais, menos elevada a escolaridade média do filho e mais precoce a entrada na primeira ocupação. Todavia a mobilidade na carreira, ou seja, a mobilidade intrageracional, é menor que a mobilidade intergeracional. Em outras palavras, o padrão básico de mobilidade é dado pelos fluxos entre gerações e não ao longo da vida. Conclusões como essa sugerem que, quanto mais baixo o nível ocupacional de entrada, menor a probabilidade de ascensão ocupacional e social até o fim da vida ativa. Em outras palavras, a porta de ingresso tem um papel estratégico na democratização de oportunidades sociais e ocupacionais.

O TRABALHO NO DISTRITO FEDERAL

Aproximando-se do foco deste trabalho, cabe observar a situação do Distrito Federal, que, entretanto, não apresenta dados publicados sobre a primeira ocupação, o que seria de grande utilidade. Como os anúncios em tela correspondem a apenas uma parte da procura, é relevante descrever primeiro o panorama. A população economicamente ativa do Distrito Federal passou a contabilizar, no mês de setembro de 2006, 1.256,2 mil pessoas, das quais 1.028,8 mil estavam empregadas e 227,4 mil estavam à procura de ocupação (Tabela 1). A taxa de desemprego, por sua vez, passou de 18,5% em agosto para 18,1% da população economicamente ativa em setembro. Conforme a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Distrito Federal _ PED/DF, para o mesmo mês, houve aumento do contingente de ocupados e redução do número de desempregados, com a resultante queda na taxa de desemprego.

De acordo com a Secretaria de Trabalho do Distrito Federal, a retomada da atividade econômica, no mês em questão, possibilitou o incremento de 16,5 mil oportunidades de trabalho, as quais viabilizaram o ingresso de 14,7 mil pessoas no mercado de trabalho e, ainda, a redução do contingente de desempregados em 1,8 mil, sendo que, em relação às oportunidades, pouco mais de 1,7 mil estavam presentes nos anúncios classificados objeto desta pesquisa.

Ainda de acordo com a Secretaria de Trabalho do Distrito Federal e com a Companhia de Desenvolvimento e Planejamento do Distrito Federal _ CODEPLAN, o resultado do mercado de trabalho brasiliense acompanhou a tendência nacional. O aumento do contingente ocupacional no mês foi resultado de movimentos positivos nos setores de serviços (+11,5 mil), administração pública (+4,5 mil), construção civil (+1,7 mil) e na rubrica outros (+3,6 mil). Essa última abrange os trabalhadores do setor agropecuário, de embaixadas, consulados e representações políticas. O crescimento do emprego no mês favoreceu a ambos os sexos, mas foi maior o número de mulheres que o de homens que conseguiram ocupação. Das vagas geradas, 12,2 mil foram preenchidas por mulheres e apenas 4,3 mil por homens.

A População Economicamente Ativa (PEA) apresentou variação positiva (1,2%), passando a ser estimada em 1.256,2 mil pessoas em setembro de 2006. A taxa global de participação apresentou pequeno decréscimo, passando para 65,2% no mês em análise, conforme a Tabela 1. Em comparação com setembro de 2005, a PEA cresceu 4,3%, o que representou o ingresso de 51,8 mil pessoas na força de trabalho do Distrito Federal.

Em setembro de 2006, o nível de ocupação cresceu 1,6%. Esse desempenho se deveu ao crescimento ocupacional dos setores da construção civil (4,5%), da administração pública (2,5%) e dos serviços (1,9%), que, conjuntamente, superaram o decréscimo nos setores da indústria de transformação (7,4%) e do comércio (1,3%). O comportamento do setor de serviços deveu-se ao incremento nos ramos de serviços especializados (3,4%), transporte e armazenagem (3,3%), alimentação (2,2%), educação (1,4%), saúde (2,9%) e auxiliares (1,0%). Esse comportamento superou a queda apresentada nos ramos de serviços creditícios e financeiros (10,9%), oficinas mecânicas (1,6%), reparação, limpeza e vigilância (1,7%).

Em relação a setembro de 2005, o nível ocupacional cresceu 4,6%, indicando a criação de 45,4 mil postos de trabalho. Foi registrado crescimento no setor da construção civil (9,2%), dos serviços (6,7%) e na administração pública (2,6%). Houve queda na indústria de transformação (11,2%) e no comércio (5,4%).

Quanto às pessoas ocupadas, o Distrito Federal tinha, no mês e ano da coleta de dados da presente pesquisa, 56,55% no setor de serviços, 19,43% na administração pública, 14,42% no comércio, 7,62% na indústria e 1,98% na agropecuária. Em relação ao mesmo mês do ano anterior, os serviços e a administração pública tendiam ao aumento, enquanto a indústria e o comércio sofreram redução na percentagem sobre o total (PED-DF - Pesquisa de Emprego e Desemprego no Distrito Federal).

Considerando esse panorama da Unidade Federativa e tendo a cautela de observar que os anúncios classificados em jornais representam apenas uma parte da oferta de emprego e trabalho, convém destacar, na metodologia explicitada abaixo, os procedimentos e as implicações para a análise dos dados.

METODOLOGIA

Os dados desta pesquisa foram coletados a partir dos anúncios classificados de oferta de emprego e trabalho publicados pelo jornal Correio Braziliense, do Distrito Federal. Foram tabuladas as ocupações, bem como as exigências ou pré-requisitos de acesso explicitados. A coleta se realizou de 18 de setembro de 2006 a 24 de setembro de 2006, de segunda-feira a domingo. Esse período coincidiu com a semana de referência da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2005 e foi escolhido em face de a demanda de trabalho não ser afetada por variações sazonais significativas, como a contratação de pessoal temporário para as festas de final de ano, nem pela retração característica dos meses de férias. O Correio Braziliense foi selecionado por ser o jornal de maior circulação no Distrito Federal e por veicular o maior número de anúncios classificados.

Todavia, há de se considerar algumas limitações que conduzem, assim, a eventuais desdobramentos da pesquisa:

  • A demanda de emprego e trabalho somente em parte se manifesta por meio de anúncios classificados, existindo indicações de várias fontes, entre elas a veiculação de anúncios através da internet, a indicação pessoal, a oferta de vagas por meio de cartazes etc. Isso, por sua vez, denota a necessidade de ampliação e aprofundamento de futuras pesquisas que englobem, assim, anúncios eletrônicos em sítios especializados e outras formas.

  • A tabulação computou cada anúncio publicado, havendo a possibilidade de a mesma oportunidade ter sido apresentada mais de uma vez na semana pesquisada.

  • O jornal adverte os anunciantes contra a inclusão de requisitos que possam ser considerados discriminatórios. Assim, alguns dos anúncios podem não explicitar certos requisitos, como gênero, cor, aparência e outros, ocultando-os de propósito e dissimulando preferências ou rejeições a determinadas características dos candidatos.

  • Os anúncios apresentam dificuldades para se verificar a vinculação ao setor econômico e ao setor do mercado de trabalho (formal e informal).

  • Por fim, embora sejam claros, os resultados só se aplicam ao período estudado e ao Distrito Federal, uma unidade federativa atípica, especialmente pela presença da administração pública da União, pela reduzida área rural e pelas limitações à industrialização.

Assim, esta pesquisa não se propõe a testar as teorias clássicas, mas obter indícios sobre a sua contribuição explicativa para a realidade.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Ao todo, foi coletado e analisado um total de 1.744 anúncios classificados de emprego e trabalho, sendo esse total subdividido em 802 (45,99%) anúncios para o nível básico, 695 (39,85%) anúncios para o nível médio e 247 (14,16%) anúncios para o nível superior. Embora o jornal não declare os critérios para essa classificação, no primeiro caso se incluem geralmente trabalhadores urbanos não qualificados, que exercem ocupações manuais. No segundo nível, encontram-se predominantemente trabalhadores não manuais e profissionais de nível baixo, classificados no estrato ocupacional médio-médio (Pastore; Silva, 2000). No nível mais alto, predominam ocupações não manuais que, em grande parte, só podem ser exercidas com escolaridade superior, situadas nos estratos ocupacionais médio-superior e superior.

A pirâmide formada por esses números assinala a predominância da oferta de emprego e trabalho para serviços de baixa qualificação. Embora a estrutura ocupacional brasileira historicamente tenha base alargada e topo reduzido (casa-grande e senzala, sobrados e mocambos...), os estratos médios diminuíram a declividade social entre os dois pólos a partir da urbanização e da industrialização. A julgar, porém, pelos autores resenhados, as perspectivas para a diminuição da base podem não ser promissoras, pela expansão de trabalhos menos qualificados, isto é, sem um aumento constante dos mais qualificados.

Percebe-se, nos dados, uma clara predominância do setor de serviços nas ocupações ofertadas, tanto para o nível básico quanto para o nível médio e o superior. Tal tendência é confirmada por meio dos dados relativos à PEA do Distrito Federal, os quais demonstraram crescimento da oferta de empregos no setor de serviços para o período no qual a pesquisa foi realizada.

Em termos de qualificação, percebe-se que, do total de 1744 anúncios pesquisados, 802 (45,99%) solicitaram trabalhadores com baixas exigências de qualificação, anúncios esses classificados pelo jornal Correio Braziliense como de nível básico e, por sua vez, em grande parte identificados por Reich (1994) como serviços pessoais, relacionados ao exercício de tarefas simples e repetitivas, geralmente atribuídas a pessoas de fácil trato.

Tomando em conta as categorias de trabalho identificadas por Reich (1994), existe uma relação entre serviços rotineiros de produção e anúncios de nível médio e entre os serviços simbólicos analíticos e anúncios de nível superior. Já os serviços pessoais se encontram entre anúncios de nível básico, anúncios de nível médio e anúncios de nível superior, embora com a predominância de anúncios de nível básico (Quadro 2).


Conforme já foi destacado, o crescimento de emprego para o período abrangeu ambos os sexos, embora tenha sido expressivamente maior a proporção de mulheres que conseguiram ocupação, o que parece explicar-se em parte por meio dos anúncios pesquisados:

  • Das 802 vagas de nível básico, um total de 274 (34,16%) exigiu expressamente sexo feminino, sem prejuízo de as mulheres preencherem outras vagas.

  • Das 695 vagas de nível médio, um total de 198 (28,49%) exigiu sexo feminino, observada a possibilidade acima.

  • Das 247 vagas de nível superior, um total de 10 (4,05%) exigiu sexo feminino para sua ocupação, também com a possibilidade citada.

Com isso, nota-se ainda uma clara predominância da oferta de vagas de menor qualificação especificamente para mulheres. O seu status ocupacional, assim, parece predominantemente atribuído por fatores inatos, com a escolaridade sendo posta em caráter secundário.

Ao analisarmos os anúncios de emprego e trabalho com ocupações ofertadas para o nível básico, nota-se coincidência com as conclusões de Reich (1994) e Castells (2003), no sentido da clara predominância da oferta de serviços de baixa qualificação, os quais foram identificados por Reich (1994) como a categoria dos serviços pessoais. Fazendo-se uma classificação relativamente precária, 1,50% dos anúncios se referiam ao setor comercial, 15,34% ao setor industrial, com predominância da construção civil, panificação e confeitaria e confecção de roupas, 79,67% aos serviços, com ampla maioria dos serviços domésticos, e 3,49% foram indefinidos.

Quanto aos critérios, eles favoreceram, sobretudo, as mulheres. Ao todo as exigências de sexo alcançaram 39,02% e se situaram em primeiro lugar, antes mesmo da experiência prévia, requisito que dificulta o ingresso no trabalho, onerando, sobretudo, os jovens. Essa concentração de solicitações de trabalhadoras sugere a existência de "guetos cor de rosa", em especial nos serviços domésticos e de beleza. Sabe-se que as mulheres são sujeitas, no Brasil e na América Latina, a menores salários que os homens, embora tenham alcançado escolaridade crescente (CEPAL, 2005). Fica claro que a escolaridade foi desconsiderada, exceto se subentendida no item curriculum vitae (Tabela 2), incidente sobre as outras ocupações. O nada consta criminal e o não uso de fumo só apareceram nesse nível. A maior incidência de solicitação de referências ocorreu para as domésticas.

Passando às ocupações de nível médio, notam-se mudanças nos tipos de vagas ofertadas, mas a predominância continua sendo nitidamente da oferta de serviços (Tabela 3). Há, porém, exigências de mais alto grau de qualificação do que nos anúncios do nível básico e também de uma crescente capacidade para o empreendedorismo. Bridges (1995) destacou a abertura do negócio próprio e o crescimento da informalidade como marcas identificadoras do trabalho numa sociedade sem empregos, de forma que, conforme destacado por Gentili (1998), caberia ao próprio indivíduo a definição de suas ações pessoais, o que acaba conduzindo ao crescimento da informalidade em detrimento de outras formas de trabalho.

Os dados levantados nos anúncios de nível médio corroboram esses autores, uma vez que duas das três ocupações mais freqüentes foram as de autônomo e revendedor. O comércio e os serviços foram majoritariamente representados. O maior número de anúncios se concentrou na categoria de vendedor, atividade que pode ser exercida por conta própria. Ao contrário dos anúncios de nível básico, para o nível médio foram feitas maiores exigências de qualificação, tais como escolaridade, conhecimentos específicos de informática e curriculum vitae. Porém a experiência prévia teve o primeiro lugar, com quase a metade do total, o que constitui um obstáculo ao ingresso e à ascensão no trabalho. É provável que, elevando-se o nível de qualificação, a demanda por trabalhadores experientes tenha o sentido de reduzir os custos de treinamento. Ao contrário das visões teóricas antes resenhadas, a escolaridade por si só teve papel pouco destacado como elemento seletivo: em primeiro lugar, veio a experiência prévia, seguida do curriculum vitae (que indica o nível de escolaridade), do sexo (também predominantemente feminino), da Carteira Nacional de Habilitação (que exige grau de escolaridade); habilidades de informática (implicitamente também sugerindo escolaridade); veículo próprio e, em oitavo lugar, a escolaridade de nível médio. Assim, a escolaridade parece constituir um filtro secundário nos dados aqui analisados. Haveria uma tendência menor ao "credencialismo", enquanto os contratantes vão direto às necessidades do trabalho?

Relacionando ocupações e exigências, verifica-se que a experiência foi mais requerida para vendedores, secretárias, motoboys e operadores de telemarketing. O curriculum vitae foi mais exigido para vendedores, recepcionistas e secretárias, sugerindo ênfase na formação e na carreira. O estabelecimento prévio do sexo foi maior para os motoboys (masculino) e secretárias e revendedores (feminino). Os conhecimentos de informática indicam a introdução de novas tecnologias nos escritórios, sendo mais freqüentes para telefonistas, recepcionistas e secretárias. O veículo próprio foi mais exigido para vendedores, e o registro de classe para corretores de imóveis. Por fim, a escolaridade foi mais solicitada para telefonistas, recepcionistas e vendedores.

Quanto aos anúncios de nível superior, predominaram o setor de serviços e as ocupações dos chamados serviços simbólicos analíticos, segundo categorização efetuada por Reich (1994), embora parte das ocupações não requeresse escolaridade de nível superior (Tabela 4). Desse modo, o destaque na oferta de vagas ficou para dentistas, analistas de sistemas, médicos, programadores e estagiários de nível superior. No caso das vagas oferecidas para dentistas, constatou-se grande número de ofertas para a divisão de serviços em um mesmo consultório, de modo a reduzir despesas pessoais de ambos os profissionais. Portanto, uma parte expressiva dos anúncios não ofereceu empregos, mas trabalho por conta própria ou associação em microempresas. O empreendedorismo, preconizado por Bridges (1995) e Ricca (2004), perdeu força nesse nível, mas ainda assim continua a exercer função de destaque. No tocante às exigências, reduziu-se a de sexo, que, do primeiro lugar para o nível básico, caiu para o sexto lugar no nível superior. Nesse nível, aumentaram as exigências de curriculum vitae (primeiro lugar) e de escolaridade, que passou ao terceiro lugar (considerando-se a especialização em saúde e os cursos de graduação e pós-graduação). Todavia a experiência prévia alcançou o segundo lugar, enquanto o conhecimento de informática se manteve no quinto lugar. Nesse nível, cresceram as exigências de qualificação e diminuiu o peso aparente das características atribuídas, como o sexo, em face dos níveis anteriores.

Cruzando ocupações e requisitos, o curriculum vitae foi exigido para quase todos os programadores e todos os analistas de sistemas. A experiência também foi amplamente exigida dos farmacêuticos, engenheiros civis, enfermeiros e programadores. A necessidade expressa de escolaridade apareceu mais no caso dos dentistas, estagiários e médicos.

Dentre os vários aspectos relevantes, os dados evidenciam as dificuldades para acesso ao primeiro emprego e também para ascensão ocupacional, pois, certamente como medidas para aumentar a eficiência e reduzir os custos de treinamento (estes maiores quanto mais altas as qualificações ocupacionais), a experiência profissional é largamente exigida, muito mais que a escolaridade. Trata-se certamente de um fator que contribui para o aumento do desemprego juvenil. Apesar de o quesito experiência ter aparecido com maior expressividade para os anúncios de nível médio, chegando a 41,15%, atinge índice expressivo também para o nível básico e o superior, perfazendo 35,54% e 27,13%, respectivamente.

CONCLUSÕES: EDUCAÇÃO PARA QUÊ?

Os dados desta pesquisa dão indícios de que os anúncios classificados tiveram super-representação do setor de serviços e do comércio, quando comparados com a distribuição da população economicamente ativa do Distrito Federal. A administração pública e a categoria residual (outros) foram sub-representadas. A proporção do setor industrial se reduziu à medida que se elevou o nível ocupacional, o contrário acontecendo com o comércio e os serviços, isto é, o chamado setor terciário tendeu a anunciar mais as suas ofertas de emprego e trabalho, inclusive participando majoritariamente de todos os escalões. Portanto, os anúncios proporcionam um espelho um pouco distorcido do trabalho no Distrito Federal, com maior representação do setor terciário e, neste, dos serviços de toda ordem, desde os pessoais até os de analistas simbólicos.

Ainda assim, considerando os três níveis, obteve-se uma pirâmide com base alargada, onde quase metade dos anúncios apareceu no último estrato e quase 15% no topo. Embora os dados não proporcionem uma visão longitudinal, e sim, transversal, as atividades econômicas ainda requerem mais pessoal na base. Mesmo com os seus indicadores, o Distrito Federal não apresenta uma ampliação notável das ocupações de mais alto nível e que requerem mais escolaridade. Não se trata de uma sociedade pós-industrial, porém a complexidade crescente, prevista pelas teorias, ainda envolve escalões seletos de empregos e trabalhos, sem uma demanda galopante por educação e qualificações.

Quanto ao papel da educação, ele foi mais reduzido do ponto de vista explícito do que as teorias resenhadas sugerem. As exigências expressas de nível de escolaridade não se colocaram entre os primeiros lugares, mesmo nos anúncios de nível superior. Assim, ela não se patenteou como um filtro de elevada importância e de valor prático para os empregadores, a exemplo de uma credencial ou pseudo-etnia ou um certificado de "treinabilidade", como sugerem várias perspectivas teóricas. Aparentemente, pois, a educação não foi um indicador por excelência de características como qualificações, nível sociocultural etc.

Seria lícito, então, concluir que a educação não tem valor dominante? Em princípio, sim. Haveria relativo descrédito da escola, face a seus modestos níveis de qualidade, mesmo como símbolo da capacidade de o candidato ser treinado na empresa? Para responder a essa indagação, seria preciso pesquisar o processo seletivo e as intenções dos anunciantes. Contudo, não se pode descartar a relevância da educação, visto que outros critérios foram manifestos nos anúncios, como o curriculum vitae, os conhecimentos de informática, a posse de Carteira Nacional de Habilitação e registro no órgão de classe. Parece que a educação se oculta implicitamente sob a capa de outras demandas dos anunciantes. Quando se somam curriculum e experiência profissional prévia, chega-se a um terço dos anúncios do nível básico e cerca de dois terços dos de nível médio e superior. Ficou nítido que as exigências de qualificação subiram com o escalão ocupacional, mas, como a educação em si parece embutida ou implícita em diversas exigências, os seus efeitos podem ser mais indiretos que diretos. A exigência do curriculum vitae sugere a idéia de carreira e, talvez, de um mercado interno na empresa, ou, possivelmente o mercado primário de trabalho, porém é preciso muita prudência.

Quanto à experiência prévia, que dificulta a renovação do mercado de trabalho e o ingresso dos jovens, ela foi um destaque nos três níveis, alcançando o seu valor mais baixo no básico (quase um terço) e o mais elevado no médio (perto de metade). Associada ao curriculum, sugere que os anunciantes tinham interesse predominante em pessoas treinadas, em vez de treináveis. A ênfase na trajetória anterior inclina-se para a procura do trabalhador pronto, ao passo que o interesse em educação e habilidades básicas tende para a busca do trabalhador treinável.

Nesse sentido, cabe lembrar uma pesquisa sobre jovens empregados no setor terciário do Distrito Federal (Gomes, 1989). Os resultados indicaram que parte das empresas preferia admitir pessoas com educação geral, aprendendo a ocupação em serviço ou em cursos patrocinados pela própria firma, de modo a se socializarem nela. Outras davam preferência a candidatos já treinados, para reduzir os custos. Como se tratou de investigação naturalística, não coube apurar a proporção de organizações que escolhiam uma ou outra alternativa. De qualquer modo, foram muito freqüentes as críticas à educação geral por empregados e empregadores.

Outro aspecto importante foi a procura específica por mulheres, em especial no nível básico (em parte pelos serviços domésticos), decrescendo até o nível superior. Ao contrário das expectativas do funcionalismo, o sexo foi importante em muitos casos, sugerindo status atribuídos. A ele devem-se acrescentar mais exigências atribuídas, como idade, etnia e outras que permanecem na sombra, já que o jornal em tela proíbe a sua menção. Com isso, não se pode afiançar em que medida o mérito é critério predominante de seleção. A procura por mulheres pode ser explicada pelo fato de elas ganharem salários mais baixos, participarem do mercado de trabalho secundário e tenderem a ser mais minuciosas e, supostamente, mais ajustáveis a posições subordinadas. Trata-se da sombra da divisão sexual de trabalho, que continua a se projetar na história social do Brasil desde a colonização.

Em suma, os dados sugerem que:

  • Os anúncios compuseram uma estrutura piramidal, com a base razoavelmente larga. Com isso, as mudanças tecnológicas e econômicas não parecem multiplicar as ocupações de alto nível, reduzindo as demais, nem aumentar aceleradamente as exigências de educação. Por outro lado, isso pode significar um modesto nível de desenvolvimento econômico-social.

  • A educação constituiu requisito explícito de se cundária importância. Ao contrário das expectativas das teorias, não apareceu como um filtro por excelência para o emprego e o trabalho. Entretanto, sua relevância aparece implicitamente em outros critérios, que, sem ela, não seria possível preencher.

  • A ênfase na experiência prévia e no curriculum parece expressar a procura mais por trabalhadores treinados do que treináveis, para poupar custos, contrariando teorias. Em princípio, a escola pode ser a base, ainda que se valorize mais o que se aprende fora dela.

  • Os grupos aparentemente mais vulneráveis foram os das mulheres e dos jovens. As mulheres parecem preferidas para determinadas ocupações, indício de que o sexo é fator relevante na seleção. Seus salários, tendencialmente mais baixos que os dos homens, além de certas características, podem ser grandes incentivos à sua procura.

  • Os jovens, numa Unidade Federativa que tinha 24,37% de jovens de 15 a 24 anos (PNAD, 2005), enfrentam o obstáculo da experiência prévia para o acesso e a mobilidade ocupacional. Merecem abordagem especial das políticas públicas, não só fazendo novas pesquisas, mas utilizando e relembrando as que já foram realizadas.

  • Last but not least, cabe atualizar a roda dos clássicos, em vez de reinventá-la. Os custos humanos e econômicos são demasiado altos.

(Recebido para publicação em maio de 2007)

(Aceito em janeiro de 2008)

Candido Alberto Gomes

Professor titular fundador da Universidade Católica de Brasília, catedrático de Juventude, Educação e Sociedade e coordenador do Observatório de Violências nas Escolas Brasil (UNESCO-UCB). É autor de mais de 150 trabalhos publicados em nove idiomas, inclusive A educação em novas perspectivas sociológicas (4.ed. São Paulo: EPU, 2005). Ex-assessor legislativo concursado do Senado Federal e da Assembléia Nacional Constituinte.

Hudson Eloy Braga

Mestrando em Educação e Especialista em Administração Escolar pela Universidade Católica de Brasília. É Professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, em cursos de formação profissional junto ao Centro de Educação Profissional Ceilândia e da Escola Técnica de Brasília. Foi Assistente de Direção e Diretor do CEP Ceilândia, e atua na Escola Técnica de Brasília como responsável pelo acompanhamento do Plano de Ação e do convênio com o MEC/PROEP.

Weder Matias Vieira

Mestrando em educação (aluno especial) na Universidade Católica de Brasília, pedagogo e especialista em Informática Educacional Universidade Federal de Lavras. É Professor lotado na Secretaria Estadual de Goiás e Coordenador Administrativo da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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    Agradecemos a colaboração de Luciano Almeida Ferreira, professor da Universidade Federal do Tocantins. Mestrando em educação na Universidade Católica de Brasília.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      Jan 2008
    • Recebido
      Maio 2007
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