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Desenvolvimento de arcabouços de óxido de titânio e Biosilicato® para regeneração óssea

Development of titanium dioxide-Biosilicate® scaffolds for bone regeneration

Resumo

Arcabouços de óxido de titânio (TiO2) com Biosilicato® incorporado foram produzidos e avaliados com relação à porosidade e microestrutura. Arcabouços para regeneração óssea devem apresentar porosidade que favoreça o crescimento de tecidos ósseos através do material. O TiO2 é um material cerâmico altamente biocompatível com boas propriedades mecânicas e osseocondutoras, permitindo a migração do tecido ósseo sobre a interface do material, mas sem estimular a atividade das células osteogênicas que geram o tecido ósseo. Com o intuito de induzir a formação de tecido ósseo o Biosilicato®, um material com elevada bioatividade, foi incorporado à matriz cerâmica de TiO2. Para a obtenção dos macroporos foi utilizado o método de eliminação por queima, no qual partículas orgânicas são empregadas na matriz cerâmica como agentes formadores de poros, que possui a vantagem de adaptar as características dos poros do componente cerâmico final por meio da escolha apropriada do agente formador de poros. Neste trabalho foi feita uma mistura homogênea de TiO2 com serragem de cambará e posteriormente adicionou-se o Biosilicato®. Após a queima as amostras foram avaliadas pelo método de Arquimedes, para a determinação da porosidade aparente, e por microscopia eletrônica de varredura (MEV) para a visualização da morfologia dos grãos e distribuição e tamanho de poros. A etapa de queima garantiu a eliminação completa dos agentes formadores de poros e a completa sinterização do TiO2. O Biosilicato® facilitou a sinterização do TiO2 e a consolidação da matriz cerâmica. Foram obtidos arcabouços com porosidade aparente de 63% e poros com tamanhos maiores que 200 µm. Por meio da análise de MEV, observou-se a distribuição homogênea dos poros e suas interligações. Além disso, foi possível observar a distribuição do Biosilicato® entre as partículas de TiO2, sendo um caminho para o crescimento e regeneração do tecido ósseo.

Palavras-chave:
TiO2; serragem; porosidade; porogênico; biomaterial

Abstract

Titanium dioxide (TiO2)-Biosilicate® scaffolds were produced and evaluated for porosity and microstructure. Scaffolds for bone regeneration must provide adequate porosity to promote bone tissue growth through the material. TiO2 is a highly biocompatible ceramic material with high reliable mechanical and good osteoconductive properties to allow bone tissue migrates on material interface, but without stimulating the activity of osteogenic cells that produce bone tissue. In order to induce bone tissue formation a material with high bioactivity named Biosilicate® was incorporated into the ceramic matrix of TiO2. To obtain macropores, organic particles in the ceramic matrix as pore forming agents were employed, using the sacrificial template method which has the advantage to adapt the final ceramic pores characteristics by appropriate choice of pore former agent. In this work, a homogeneous mixture of TiO2 with sawdust was prepared and later the Biosilicate® was added. After firing, the samples were evaluated by Archimedes method for determining porosity and by scanning electron microscopy (SEM) for imaging grain morphology, and pore size and distribution. The firing stage ensured complete elimination of pore forming agents and complete sintering of TiO2. The Biosilicate® facilitated sintering of TiO2 and consolidation of ceramic matrix. Scaffolds were obtained with 63% apparent porosity and pore size higher than 200 µm., Homogeneous pores distribution and their interconnections were observed by SEM analysis. Moreover, it was possible to observe Biosilicate® distribution among TiO2 particles being a path for bone tissue growth and regeneration.

Keywords:
TiO2; sawdust; porosity; pore former; biomaterial

INTRODUÇÃO

O osso tem a capacidade de se remodelar e regenerar, garantindo a reparação espontânea de pequenas lesões. Entretanto, nos casos em que o defeito é muito grave ou o ambiente local não é o ideal para a adequada autorreparação os enxertos ósseos são muitas vezes necessários para auxiliar a cicatrização. Os transplantes ósseos contêm todos os elementos necessários para estimular a regeneração óssea, mas a escassez de material de enxerto viável, morbidade da área doadora, reabsorção do material de enxerto e possíveis reações imunogênicas associadas aos enxertos são deficiências que limitam a utilização de transplantes autógenos e alógenos na reconstrução de tecidos11 K.L.B. Brown, R.L. Cruess, J. Bone Joint Surg. 64A, 2 (1982) 270-279.. Alternativas que visam promover a capacidade natural de regeneração de tecido ósseo com o auxílio de um arcabouço poroso oferecem uma solução para apoiar o crescimento ósseo em grandes defeitos ósseos. Os arcabouços são componentes chaves para a regeneração óssea. São estruturas porosas que servem como um caminho para a interação das células e formação de uma matriz óssea extracelular que fornece suporte estrutural para a formação de um novo tecido. Nos implantes porosos, o aumento da porosidade diminui a resistência mecânica do material isoladamente, mas a existência de poros com dimensões adequadas pode favorecer o crescimento de tecido através deles, ocorrendo um forte entrelaçamento do tecido com o implante e, por consequência, aumentando a resistência do material in vivo22 E.Y. Kawachi, C.A. Bertran, R.R. Reis, O.L. Alves, Quím. Nova 23, 4 (2000) 518-522.. Apesar do sucesso de alguns implantes densos, a literatura considera que a presença de poros é importante em implantes ósseos. Entretanto, não há um consenso em relação à porosidade total, tamanho de poros ou distribuição de tamanho de poros ideais. Em geral, é bem aceito que os poros devem possuir ao menos 100 µm de diâmetro e uma porosidade total superior a 50%, para garantir a vascularização até a região central do arcabouço33 V. Karageorgiou, D. Kaplan, Biomaterials 26, 27 (2005) 5474-5491..

As cerâmicas são de fundamental importância em aplicações no corpo humano, já que são quase sempre biocompatíveis e garantem que o implante feito a partir delas não provoque efeitos negativos no tecido vivo. O rutilo (TiO2) tem sido estudado como um material promissor de arcabouços para induzir a formação de osso na restauração de grandes defeitos ósseos44 R. Sabetrasekh, H. Tiainen, J.E. Reseland, J. Will, J.E. Ellingson, S.P. Lyngstadaas, H.J. Haugen, Biomed. Mater. 5, 1 (2010) 15003.), (55 H. Haugen, J. Will, A. Kohler, U. Hopfner, J. Aigner, E. Wintermantel, J. Eur. Ceram. Soc. 24, 4 (2004) 661-668.), (66 G. Fostad, B. Hafell, A. Førde, R. Dittmann, R. Sabetrasekh, J. Will, J.E. Ellingsen, S.P. Lyngstadaas, H.J. Haugen, J. Eur. Ceram. Soc. 29, 13 (2009) 2773-2781.), (77 H. Tiainen, S.P. Lyngstadaas, J.E. Ellingsen, H.J. Haugen, J. Mater. Sci.: Mater. Med. 21, 10 (2010) 2783-2792.. O óxido de titânio é utilizado em implante ósseo em função da biocompatibilidade e alta confiabilidade mecânica. Entretanto, ele é considerado quase bioinerte e assim pode não favorecer o crescimento ósseo para o interior do implante poroso, o que pode dificultar sua fixação e levar a uma falha prematura do implante. Este problema pode ser evitado modificando a superfície do implante para torná-lo bioativo, permitindo assim a formação de ligações químicas entre o osso e o material88 L.L. Hench, J. Am. Ceram. Soc. 81, 7 (1998) 1705-1728.. O Biosilicato® é uma vitrocerâmica bioativa que apresenta características de bioatividade próximas aos materiais com a maior bioatividade conhecida, os biovidros, com a vantagem de possuir propriedades mecânicas superiores 99 O. Peitl, E.D. Zanotto, F.C. Serbena, L.L. Hench, Acta Biomater. 8, 1 (2012) 321-332.. Nas cerâmicas bioativas a biocompatibilidade é ótima e ocorre uma conexão direta e funcional do osso com a superfície do implante, o que proporciona uma união química e uma resposta biológica positiva. Entretanto, a adição de poros no Biosilicato® prejudica sua resistência mecânica a ponto de comprometer o manuseio. A combinação deste material com um material, como o TiO2, torna-se então conveniente.

Não há um método de produção em massa de arcabouços de materiais biocompatíveis. Os métodos de fabricação existentes são demorados, caros e geralmente de baixa reprodutibilidade. Para obter arcabouços que possam ter porosidade, distribuição de tamanho de poros e morfologia de poros controlados é possível utilizar a técnica da matriz de sacrifício (adição e eliminação por queima de agentes porogênicos), que é simples e permite o uso de uma elevada gama de materiais orgânicos formadores de poros. Além disso, a resistência mecânica das estruturas porosas obtidas por este método é normalmente mais elevada do que a dos materiais porosos produzidos por outros meios1010 A.R. Studart, U.T. Gonzenbach, E. Tervoort, L.J. Gauckler, J. Am. Ceram. Soc. 89, 6 (2006) 1771-1789.. Assim, este método de conformação é um candidato interessante para a obtenção de arcabouços de TiO2 com macro e microarquitetura definidas. Desta forma, o objetivo principal desta pesquisa foi o desenvolvimento de arcabouços de óxido de titânio com Biosilicato® por meio da técnica de adição e eliminação de agentes porogênicos, de forma a obter uma arquitetura de poros adequada para crescimento ósseo. Os objetivos específicos foram obter corpos de prova porosos de TiO2 com porosidade maior que 50 a 60% e poros com tamanho médio acima de 100 µm, investigar a reprodutibilidade e eficácia do método de obtenção dos arcabouços e impregnar partículas de Biosilicato® na matriz cerâmica de TiO2 para verificar a alteração que este material causa nas características analisadas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para a manufatura dos arcabouços foi utilizado o óxido de titânio da Vetec com 99,5% de pureza. Este material em pó foi utilizado com a mesma granulometria com a qual foi adquirido e para sua caracterização foram realizadas as seguintes análises: difração de raios X para determinação das fases presentes após a sinterização a 1500 ºC do pó compactado, sendo a análise feita no equipamento Siemens D5005 e a identificação de fases realizada com o banco de dados JCPDS; picnometria de gás hélio para determinação da densidade real no equipamento Ultrapycnometer 1000 da Quantachrome; distribuição de tamanho de partículas via sedimentação para determinação do tamanho médio de partículas no equipamento Sedigraph 5000ET da Micromeritics; determinação da área superficial pelo método BET no equipamento Micromeritics ASAP 2020 V3.2H; microscopia eletrônica de varredura (MEV) no equipamento Inspect S50 para observação da morfologia do pó.

A escolha de serragem de madeira como agente formador de poros é interessante do ponto de vista ambiental, já que é um resíduo gerado em grandes quantidades e sem destino específico. A variedade cambará (Qualea sp.), com densidade reportada na literatura de 0,70 g/cm3(1111 W. Green, Angelyn (QualeaSpp), disponível em < Green, Angelyn (QualeaSpp), disponível em www.walkgreenproducts.com >, acesso 18 set. 2014.
www.walkgreenproducts.com...
, foi obtida no comércio de São Carlos, SP. O material foi peneirado e a faixa granulométrica retida entre as peneiras 50 e 30 mesh da série Tyler (aberturas de 297 e 590 μm) foi escolhida, sendo em seguida umedecida com água na proporção 1:1 em massa. A fim de definir a melhor estratégia de remoção da serragem a análise termogravimétrica (ATG) foi realizada. As análises foram realizadas no equipamento de análise térmica (Netzsch STA 409) utilizando cadinhos de platina (amostra e referência), atmosfera inerte de argônio e taxa de aquecimento de 5 ºC/min da temperatura ambiente até aproximadamente 1000 ºC. O Biosilicato® utilizado neste trabalho foi fornecido pelo Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da UFSCar. Além da densidade de 2,79 g/cm3, diversas outras caracterizações foram realizadas neste material em trabalhos anteriores99 O. Peitl, E.D. Zanotto, F.C. Serbena, L.L. Hench, Acta Biomater. 8, 1 (2012) 321-332.), (1212 M.C. Crovace, M.T. Souza, C.R. Chinaglia, O. Peitl, E.D. Zanotto, J. Non-Cryst. Solids 432 (2016) 90-110.. O Biosilicato® disponível encontrava-se na forma de pó e foi moído em almofariz de ágata. Após a moagem foi peneirado a seco em peneira de náilon com abertura de 38 μm.

Para obter corpos cerâmicos de TiO2 com a porosidade desejada, diferentes quantidades de serragem de madeira foram utilizadas. Para auxiliar o processo de conformação e obtenção de poros, carboximetilcelulose úmida (1:1 em massa) foi também adicionada em cada mistura em proporções variadas. Os componentes foram misturados homogeneamente com o auxílio de um béquer e uma espátula. Após a mistura, as composições foram passadas por uma peneira de náilon com abertura de 0,6 mm para garantir que qualquer aglomerado que tivesse se formado fosse desfeito. As misturas foram colocadas em um molde cilíndrico de aço de 15 mm de diâmetro em quantidades suficientes para obter pastilhas com 6 mm de espessura. Em seguida, foi feita a prensagem em prensa pneumática durante 10 s utilizando-se pressão de 70 MPa. A secagem das pastilhas foi feita em temperatura ambiente durante 24 h e, depois deste período, as mesmas foram levadas para queima em duas etapas. No primeiro estágio de queima as pastilhas foram aquecidas a uma taxa de aquecimento de 2 ºC/min até a temperatura necessária para degradação e remoção dos agentes porogênicos, na qual permaneceram por 1 h; no segundo estágio as pastilhas continuaram sendo aquecidas com uma taxa de 5 ºC/min até a temperatura de sinterização mais adequada para o TiO2, de forma a obter uma estrutura porosa e consistente, sendo mantidas nesta temperatura por 1 h; o resfriamento ocorreu numa taxa de 10 ºC/min até a temperatura ambiente. Com base na análise termogravimétrica, foi possível determinar as temperaturas de degradação e remoção dos agentes porogênicos e a temperatura de sinterização das amostras. A Fig. 1 mostra o fluxograma do processo.

Figura 1:
Fluxograma do processo de manufatura dos arcabouços.
Figure 1:
Flowchart of the scaffolds manufacturing process.

Os arcabouços de TiO2 e Biosilicato® foram preparados pela adição de 10% em massa de Biosilicato® em pó (com relação à quantidade de TiO2) na mistura de TiO2 e agentes porogênicos. Em seguida foram manufaturadas pastilhas, da mesma maneira descrita anteriormente. Após a sinterização das pastilhas, foi realizada análise por difração de raios X para determinação das fases presentes.

A porosidade aparente das amostras foi determinada pelo método de densidade por imersão, baseado no princípio de Arquimedes (ASTM C373-88, 1999), utilizando uma balança Mettler Toledo, AB 204, e aparato de suporte de béquer e bandeja. Três amostras de cada tipo foram pesadas, obtendo-se a massa seca de cada uma. Posteriormente as amostras foram imersas em água ou álcool isopropílico por 24 h, para em seguida serem determinadas a massa imersa e a massa úmida. Com estes dados foi possível calcular também a porosidade total dos arcabouços. Os valores obtidos representam a média aritmética de três amostras para cada condição. A técnica de microscopia eletrônica de varredura foi utilizada para observações da microestrutura dos arcabouços, incluindo tamanho, formato e interconectividade dos poros. Além disso, foi possível observar a distribuição do Biosilicato® na matriz de TiO2. Para a observação da superfície de fratura os arcabouços foram embutidos à vácuo em resina epóxi de baixa viscosidade sendo, em seguida, desbastados e polidos com lixas de carbeto de silício na sequência de #400, #600 e #1200 e, por fim, pasta de diamante de 0,5 µm. Os arcabouços também foram observados após a fratura sem embutimento. Tanto no caso da observação da superfície de fratura quanto da fratura em si as amostras foram recobertas com uma fina camada de ouro por sputtering. Foi utilizado o MEV FEI (PhenonTM).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A curva de distribuição de tamanho de partículas do TiO2 foi obtida por sedimentação e é mostrada na Fig. 2. O valor encontrado para o diâmetro médio de partículas foi de 3,65 ± 0,01 µm. A difração de raios X do TiO2 compactado e sinterizado a 1500 ºC revelou o rutilo como única fase cristalina presente no material, como pode ser observado no difratograma mostrado na Fig. 3. A densidade do pó de óxido de titânio foi determinada por picnometria de gás hélio e apresentou como resultado o valor de 4,077 ± 0,003 g/cm3. Já a análise pelo método de BET determinou um valor de área superficial específica de 6,612 m2/g. A morfologia do pó de óxido de titânio foi obtida no microscópio eletrônico de varredura e pode ser vista na Fig. 4. Nas imagens é possível observar que as partículas do pó de TiO2 possuíam morfologia bem uniforme apesar da presença de aglomerados.

Figura 2:
Curva de distribuição de tamanho de partículas do TiO2 utilizado para preparação dos arcabouços.
Figure 2:
Particle size distribution curve of TiO2 used for scaffolds preparation.

Figura 3:
Difratograma de raios X do óxido de titânio mostrando o rutilo como única fase presente.
Figure 3:
X-ray diffraction pattern of titanium dioxide showing rutile as the only phase present.

Figura 4:
Micrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura mostrando distribuição e morfologia das partículas do pó de TiO2.
Figure 4:
SEM micrographs showing particle distribution and morphology of TiO2 powder.

A análise termogravimétrica foi realizada com o objetivo de determinar a melhor temperatura de remoção da serragem de cambará. Os dados obtidos permitiram definir a melhor programação de queima do forno. Os resultados da análise são mostrados na Fig. 5, na qual fica evidente o intervalo de temperatura no qual ocorre a maior perda de massa da serragem. Observa-se que a perda de massa da serragem de cambará inicia quando a temperatura atinge 262 °C e continua até 546 °C, temperatura na qual o material já perdeu 89,2% de sua massa inicial. Em estudo com madeira de pinus1313 J.M. Heikkinen, J.C. Hordijk, W. Jong, H. Spliethoff, J. Anal. Appl. Pyrolysis 1, 2 (2004) 883-900., foi verificado, por meio de curvas de termogravimetria derivada (DTG), que o pico principal da degradação de toda espécie de madeira corresponde a perdas de componentes voláteis da celulose. Levando em conta estes dados, adotou-se 560 °C como a temperatura do primeiro patamar de queima dos arcabouços.

Figura 5:
Curva de análise termogravimétrica da serragem de cambará.
Figure 5:
Thermogravimetric curve of the sawdust.

A fim de contribuir com a conformação dos corpos de prova e aumentar a quantidade de poros formados, CMC foi utilizado como um agente porogênico auxiliar. O CMC original encontrava-se na forma de pó fino que não contribuiria com a formação dos poros grandes desejados. Entretanto, em contato com a água este polímero se expande e aumenta em volume, adquirindo a forma de um gel com consistência mole e pegajosa; foi na forma expandida que este material foi utilizado em pequenas quantidades para auxiliar o processo de conformação dos arcabouços. Para obter porosidades maiores que 50% a 60% em volume a quantidade de agentes porogênicos necessária deveria ultrapassar o valor de 50% a 60% em volume na composição do arcabouço. Além disso, visando obter tamanhos de poros maiores que 200 µm, os agentes porogênicos possuíam tamanhos maiores que este, variando entre 300 e 600 µm. Desta forma, arcabouços de TiO2 foram produzidos a partir da adição de serragem com CMC, ambos úmidos (1:1 em massa), ao TiO2 em pó. A adição de água à serragem mostrou-se importante, pois a água provoca o intumescimento (inchaço) da serragem, aumentando sensivelmente seu volume e melhorando a trabalhabilidade para a conformação. A composição foi prensada e queimada com patamares de temperatura em 560 e 1400 °C. A Tabela I mostra as quantidades de agentes porogênicos utilizados e a porcentagem de poros presentes nas amostras após a queima. Com o intuito de aumentar a porcentagem de poros nos arcabouços, a quantidade de serragem nas amostras foi aumentada de 60% para 70% e, em seguida, 75%. Em contrapartida, a quantidade de CMC precisou ser diminuída, pois quantidades de agentes porogênicos acima das descritas levaram à obtenção de corpos com retração de queima muito elevada, indo na contramão do aumento de porosidade almejado.

Tabela I
Porosidade aparente e porosidade total dos arcabouços preparados a partir de serragem de cambará e CMC.
Table I
Apparent and total porosities of scaffolds prepared using sawdust and CMC.

Conforme a Tabela I mostra, houve um aumento considerável de porosidade entre as amostras preparadas com 60% de serragem e 70% de serragem, variando de 47±1% a 54±1% no caso da porosidade aparente e de 50±1% a 56±1% na porosidade total. Da mesma forma, o aumento na quantidade de poros também foi observado para a amostra preparada com 75% de serragem, atingindo o valor de 58±1% de porosidade aparente e 60±1% de porosidade total. Estes valores obtidos para a última amostra foram bastante satisfatórios, especialmente em comparação com os valores comumente encontrados na literatura, que geralmente descrevem porosidades de 50% em volume ou menos para o método de eliminação por queima1414 J.C.T. Andrade, J.A. Cavilli, E.Y. Kawachi, C.A. Bertran, J. Biomed. Mater. Res. 62, 1 (2002) 30-36.), (1515 V.S. Komlev, S.M. Barinov, J. Mater. Sci.: Mater. Med. 13, 3 (2002) 295-299.), (1616 C. Vitale-Brovarone, E. Verne, M. Bosetti, P. Appendino, M. Cannas, J. Mater. Sci.: Mater. Med. 16, 10 (2005) 909-917.. A pequena diferença observada entre porosidade aparente e porosidade total mostra que os poros se encontravam em sua quase totalidade abertos. Os resultados de porosidade revelaram que os valores obtidos foram menores do que as quantidades em volume de agentes porogênicos adicionadas. Esta diferença se deve ao fato de que os poros deixados após a remoção dos materiais orgânicos passaram por uma redução de volume durante a queima e sinterização do TiO2. Isto porque no processo de sinterização as partículas se unem em um contato mais íntimo reduzindo a porosidade, o tamanho dos poros e levando à retração do corpo cerâmico. Tempo e temperatura de queima contribuem com este fenômeno1717 L.H. Van Vlack, Propriedades dos materiais cerâmicos, Edgard Blücher, S. Paulo (1973)..

A Fig. 6 apresenta as micrografias dos arcabouços obtidos com 75% de serragem de cambará e 15% de CMC. As imagens da amostra embutida em resina epóxi facilitam a visualização do tamanho e interconectividade dos poros enquanto as imagens da fratura auxiliam o entendimento da estrutura tridimensional dos poros e da estrutura da cerâmica em geral. As Figs. 6a e 6b mostram a microestrutura interna das amostras, revelando uma distribuição homogênea de poros, tão bem como o alto grau de interconectividade entre eles. Interconectividade é uma característica decisiva para permitir uma adequada vascularização e penetração celular in vivo33 V. Karageorgiou, D. Kaplan, Biomaterials 26, 27 (2005) 5474-5491.. As Figs. 6c e 6d mostram a superfície de fratura da amostra sem embutimento. Assim como nas imagens da amostra embutida, também é possível observar que os poros, em sua maioria, são abertos e largamente interconectados, com tamanho de poros variando de aproximadamente 30 μm até tamanhos maiores que 200 µm. A presença de pequenos poros observados é devida à evacuação de gases durante a remoção dos agentes orgânicos. Estes poros, que resultam em uma área superficial grande, são cruciais para promoverem a difusão de fluidos e nutrientes por meio de capilaridade1818 I. Ochoa, J.A. Sanz-Herrera, J.M. Garcia-Aznar, M. Doblare, D.M. Yunos, A.R. Boccaccini, J. Biomech. 42 (2009) 257-260.. Nas Figs. 6c e 6d ainda é possível observar as paredes bem sinterizadas entre os poros, que são finas e densas. Finalmente, a textura rugosa que cobre a estrutura dos arcabouços é adequada para favorecer a absorção de metabólitos biológicos tão bem quanto a ligação e proliferação de células progenitoras ósseas1919 D.D. Daligianni, N.D. Katsala, P.G. Koutsoukos, F. Yiannis, Biomater. 22, 1 (2001) 87-96..

Figura 6:
Micrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura dos arcabouços de TiO2 obtidos com 75% de serragem cambará e 15% de CMC: (a, b) amostra embutida em resina epóxi; (c, d) superfície de fratura.
Figure 6:
SEM micrographs of TiO2 scaffolds obtained with 75% sawdust and 15% CMC: (a, b) sample embedded in epoxy resin; (c, d) fracture surface.

As composições preparadas com 60% de serragem e com 75% de serragem úmida foram utilizadas como bases para a preparação das composições do arcabouço com Biosilicato®. Para isso, 10% em massa (em relação à massa de TiO2) de Biosilicato® foram adicionados à mistura e conformada nas mesmas condições de prensagem e queima das amostras anteriores, mostrando-se um método de fabricação inovador, em que uma única etapa de conformação foi suficiente para a manufatura dos arcabouços, com economia de tempo, recursos e facilidade na preparação. As primeiras pastilhas obtidas, queimadas a 1400 °C, apresentaram uma elevada contração e deformação. Assim, a fim de evitar estes defeitos e favorecer a obtenção de poros com o tamanho e na quantidade desejada, a temperatura de queima foi continuamente diminuída para 1300 e 1200 °C. Este processo favoreceu a obtenção de estruturas consistentes e com pequena retração quando a temperatura de queima utilizada foi de 1200 °C. Após a sinterização destas pastilhas a 1200 °C, foi realizada análise por difração de raios X para verificar que após o processamento o Biosilicato® não tenha apresentado transformação de fases, uma vez que a sinterização ocorreu em temperatura superior à de obtenção da vitrocerâmica. No caso de ocorrerem mudança de fases, as propriedades bioativas do material podem ser alteradas. A Fig. 7 apresenta o difratograma de raios X de uma amostra obtida com 75% de serragem, que mostra que as únicas fases encontradas na amostra com Biosilicato® queimada a 1200 °C foram o rutilo, já observado no TiO2 puro sinterizado, e o silicato de sódio e cálcio, fase encontrada por outros autores1212 M.C. Crovace, M.T. Souza, C.R. Chinaglia, O. Peitl, E.D. Zanotto, J. Non-Cryst. Solids 432 (2016) 90-110. na análise do Biosilicato® puro sinterizado a temperaturas mais baixas.

Figura 7:
Difratograma de raios X do arcabouço contendo Biosilicato®, produzido com 75% de serragem, após queima a 1200 °C.
Figure 7:
X-ray diffraction pattern of the TiO2-Biosilicate® scaffold obtained with 75 wt% of sawdust and firing at 1200 °C.

A Fig. 8 mostra o modo como o Biosilicato® foi incorporado à estrutura de TiO2, por meio de imagens obtidas via MEV, sendo que as duas primeiras correspondem à amostra embutida em resina epóxi e as demais à amostra fraturada. Nas Figs. 8a e 8b, o TiO2 é visto com coloração mais clara e o Biosilicato® com coloração acinzentada, mais escura. A microestrutura obtida é uma mistura das duas fases cerâmicas presentes, sendo que o Biosilicato® ficou homogeneamente disperso na estrutura principal de TiO2. Ainda é possível notar que a adição de Biosilicato® não prejudicou a estrutura de poros, mantendo o alto grau de interconectividade observados nos arcabouços de TiO2 e tamanhos de poros maiores que 200 µm. Além disso, as microestruturas apresentaram uma fase vítrea ligando as partículas de TiO2. Esta fase vítrea foi formada após o processo de queima, pelo amolecimento e resfriamento das partículas de Biosilicato®, sendo responsável pela possibilidade de diminuir a temperatura de sinterização do TiO2 de 1400 para 1200 °C. A presença de fase vítrea pode ser observada no trabalho2020 M.C. Crovace, “Obtenção de estruturas porosas altamente bioativas via sinterização do Biosilicato”, Diss. Mestr., Um. Fed. S. Carlos, S. Carlos, SP (2009) 71-72., que apresentou as curvas de calorimetria exploratória diferencial (DSC) de amostras de Biosilicato® puro tratadas termicamente a 1075 °C por 1 h e 1100 °C por 1 h. Ambas as amostras apresentaram uma mudança na curva de DSC no sentido endotérmico na temperatura de 350 °C, atribuída à transição vítrea, confirmando a presença de fase vítrea. À medida que a fase vítrea se forma (rápida ou gradualmente), ela se espalha pela estrutura e por isso uma quantidade tão pequena de Biosilicato® encontra-se dispersa por toda a estrutura de TiO2. Pode-se afirmar que na temperatura de sinterização do arcabouço não houve fusão do Biosilicato® já que uma fase cristalina atribuída a este material foi detectada no difratograma de raios X (Fig. 7).

Figura 8:
Micrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura dos arcabouços de TiO2 com Biosilicato®: (a, b) amostra embutida em resina epóxi; (c, d) superfície de fratura.
Figure 8:
SEM micrographs of TiO2-Biosilicate® scaffolds: (a, b) sample embedded in epoxy resin; (c, d) fracture surface.

As porosidades aparente e total obtidas para os arcabouços de TiO2 com Biosilicato® são mostradas na Tabela II. As porosidades determinadas para estas amostras foram maiores do que as encontradas para as amostras sem Biosilicato®. Enquanto amostras com 60% de serragem apresentaram porosidade de 46±1%, a presença de Biosilicato® aumentou este valor para 52±1%. Da mesma forma, amostras com 75% de serragem tiveram a quantidade de poros aumentada de 58±1% para 63±1%. Este aumento no volume de poros é explicado pela menor temperatura de queima utilizada nas amostras com Biosilicato®, já que a diminuição da porosidade é dependente de tempo e temperatura. A diferença entre porosidade aparente e total foi da mesma forma pequena e revelou que os poros se encontravam em sua quase totalidade abertos e acessíveis.

Tabela II
Porosidade aparente e porosidade total dos arcabouços preparados com Biosilicato®.
Table II
Apparent and total porosities of scaffolds prepared with Biosilicate®.

CONCLUSÕES

A técnica de adição e eliminação de agentes porogênicos foi utilizada com sucesso para a manufatura de arcabouços de TiO2 e Biosilicato®, provando ser uma técnica simples e reprodutível para obtenção de corpos com porosidade satisfatória. O uso inovador da serragem neste tipo de aplicação mostrou-se bastante promissor. Foram obtidas peças com porosidade de 63±1% com estrutura de poros homogeneamente distribuídos pela microestrutura, com tamanhos maiores que 200 μm e altamente interconectados. Estas foram características desejadas para a aplicação em reparo ósseo proposta. A adição de Biosilicato® ao TiO2 para a produção de arcabouços mostrou-se bastante promissora dos pontos de vista de conformação e porosidade. A presença de Biosilicato® no pó de TiO2 permitiu que fossem obtidas peças consistentes utilizando-se temperaturas de queimas mais baixas, que passaram de 1400 para 1200 °C, graças à formação de uma fase vítrea a partir das partículas de Biosilicato®.

AGRADECIMENTOS

Ao LaMaV-UFSCar pelo fornecimento do Biosilicato® e à CAPES e PPG-CEM/UFSCar pelo incentivo à pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2016
  • Revisado
    24 Jun 2016
  • Aceito
    13 Nov 2016
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