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TRADUÇÃO DE NARRATIVAS FICCIONAIS: A OPÇÃO ESTRANGEIRIZADORA DE KATRINA DODSON NA TRADUÇÃO PARA O INGLÊS DE “UM DIA A MENOS”, DE CLARICE LISPECTOR

TRANSLATING FICTIONAL NARRATIVES: KATRINA DODSON’S FOREIGNIZING STRATEGY IN HER TRANSLATION OF “UM DIA A MENOS”, BY CLARICE LISPECTOR

Resumo

Neste artigo, buscamos refletir sobre as implicações de escolhas tradutórias em narrativas literárias curtas. Com este fim, examinamos o tratamento dado à tradução dos nomes próprios assumidos pela protagonista do conto “Um dia a menos”, de Clarice Lispector (1979), que em 2015 ganhou o título “One day less”, na tradução para o inglês de Katrina Dodson (Lispector, 2015). O conto foi publicado na coletânea The Complete Stories (2015; Todos os contos, 2016), sob coordenação do editor Benjamin Moser, tendo sido muito bem recebido pela crítica. Pela tradução dos contos, Dodson recebeu o PEN Translation Prize (2016). Parte-se do pressuposto de que o conto é um universo coeso, no qual a tradução de cada elemento para outro idioma pode representar uma escolha que faz toda a diferença (Galindo, 2015). O projeto tradutório de Moser para os contos de Clarice adota uma orientação estrangeirizadora, que Dodson segue com muita competência. O questionamento sobre a tradução dos nomes foi motivado por nossa análise e tradução desse mesmo conto, publicada no periódico Cadernos de literatura em tradução, em 2003.

Palavras-chave
Tradução de prosa literária; Tradução estrangeirizadora; Clarice Lispector; The Complete Stories

Abstract

In this article, we seek to ponder over the implications of translation choices in short literary narratives. With that aim in mind, we examined the translation strategy adopted by Katrina Dodson (Lispector, 2015) when translating the names assumed by the protagonist of Clarice Lispector’s (1979) short story “Um dia a menos”, or “One day less”, in English. The translated short story was published in the collection The Complete Stories (2015) under the supervision of Benjamin Moser, and it was acclaimed by the critics. For her translation, Dodson received the PEN Translation Prize (2016). Our assumption is that every short story forms a cohesive universe, such that the translation of any of its elements to another language implies a meaningful choice (Galindo, 2015). Moser’s translation project for Clarice’s short stories follows a foreignizing approach, one that Dodson abides by with competence. Our criticism on the translation of the names was motivated by our analysis and translation of the short story in question, published in the journal Cadernos de literatura em tradução in 2003.

Keywords
Translation of literary prose; Foreignizing translation; Clarice Lispector; The Complete Stories

Introdução

A proposta de examinar a tradução dos nomes da protagonista de “Um dia a menos” (publicação póstuma), de Clarice Lispector (1979)Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., na tradução premiada de Katrina Dodson (Lispector, 2015Lispector, Clarice. The Complete Stories. Tradução de Katrina Dodson. New York: New Directions, 2015.) para o inglês, levou-nos a uma série considerável de questionamentos que, esperamos, possam nutrir o debate sobre a tradução de narrativas literárias.

Encontramo-nos em um momento muito propício à discussão da tradução de prosa ficcional, especialmente porque contamos, hoje, com um considerável número de textos de natureza teórica, originados de diferentes contextos linguístico-culturais, que podem contribuir para iluminar a análise de textos traduzidos. Cada vez mais, a prática da tradução literária tem gerado reflexões instigantes sobre as relações entre as línguas, as expressões artísticas e suas culturas e sobre a própria potência e fragilidade da linguagem.

A vasta quantidade de estudos voltados à tradução literária revela uma tendência inegável: mais atenção tem sido dada à tradução de poesia do que à de prosa literária. Ciente desse fato, e motivado por ele, Caetano Galindo (2015)Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122. dedica seu artigo “Tradução e ficção” à tradução de prosa literária, seja ela o romance, a narrativa curta ou o conto. Galindo (2015)Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122. procura estabelecer, no referido texto, algumas peculiaridades da linguagem da prosa ficcional que possam nortear o trabalho do tradutor literário e contribuir para a compreensão do processo desse tipo de tradução. Ao contrário da poesia, que extrai sua força da concisão e da linguagem cifrada, metafórica e enigmática, o pesquisador sustenta que a narrativa literária se vale de uma estrutura que avança páginas e costuma abrigar uma história, que se define mais “[...] como um arco, um movimento, do que como uma trama com desenlace e tudo mais” (Galindo, 2015Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122., p. 105 grifos do autor).

Além da visão de larga escala que a narrativa ficcional requer, Galindo (2015, p. 111)Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122., leitor de Volochinov-Bakhtin, defende que tal narrativa se constitui de diferentes vozes que ecoam uma variedade de registros e discursos linguísticos e “[...] de vieses ético-estético-estilísticos diversos”, motivo pelo qual o tradutor deve conviver com a língua da tradução de modo a aceitar, sem prejulgamentos, sua genialidade, suas imperfeições, sua estranheza.

No presente artigo, recorremos a Galindo (2015)Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122. e a outros pesquisadores da área de Estudos da Tradução, cujas reflexões sobre a prática da tradução de prosa literária nos fornecem subsídios para o exame da tradução realizada por K. Dodson, voltando nossa atenção especialmente para os nomes próprios da personagem central do conto “Um dia a menos”. Vejamos a seguir o contexto em que Dodson realizou sua tradução.

O projeto de retradução da obra de Clarice Lispector

Estudioso da obra de Clarice1 1 Nos referiremos à escritora pelo primeiro nome. , o crítico e tradutor estadunidense Benjamin Moser lançou, em 2009, o livro Why this world, a biography of Clarice Lispector (Clarice, uma biografia, 2009). Em 2011, Moser propôs uma retradução de A hora da estrela (Lispector, 2011Lispector, Clarice. The Hour of the Star. Tradução de Benjamin Moser. New York: New Directions, 2011.) e, em 2015, editou The Complete Stories, uma coletânea com os 85 contos da escritora (re)traduzidos para o inglês, lançada simultaneamente nos EUA, por Barbara Epler, da New Directions, e na Inglaterra, por Alexis Kirschbaum, da Penguin Modern Classics. A tradução dos contos ficou a cargo de Katrina Dodson, então doutoranda em Literatura Comparada pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Por seu trabalho, Dodson recebeu o PEN Translation Prize (2016).

The Complete Stories foi muito bem recebido pela crítica e figurou entre os 100 melhores livros de 2015 na lista do The New York Times (no Brasil, Todos os contos foi lançado pela Rocco em 2016). Pode-se dizer que o editor contou com o apoio dos três tipos de mecenato descritos por Lefevere (1992)Lefevere, André. Translation, rewriting, and the manipulation of literary fame. London/New York: Routledge, 1992.: o mecenato econômico, obtido por meio de duas prestigiosas editoras, o que lhe rendeu remuneração, além de divulgação garantida ao projeto; o mecenato de status selado pelas editoras e reforçado por críticos literários, estudiosos, resenhistas, tradutores e outros agentes de continuidade cultural; e o mecenato ideológico, que veio com o apoio de grupos que entendem que seu trabalho como tradutor/editor é relevante e considerado adequado para representar escritores estrangeiros na contemporaneidade. A escolha de Katrina Dodson contribuiu para a visibilidade do projeto editorial e rendeu à tradutora o prestigiado prêmio de tradução, reforçando ainda mais o mecenato de status.

Todo o projeto foi muito bem orquestrado e a opção pela estratégia estrangeirizadora (Venuti, 1995Venuti, Lawrence. The Translator’s Invisibility. A History of Translation. London/New York: Routledge, 1995. ) encontrou respaldo no ambiente acadêmico e intelectual, onde se priorizam valores como alteridade, respeito à diferença, às minorias, às vozes periféricas. Sobre a atual preferência dos leitores por traduções estrangeirizadoras, isto é, que se aproximem o mais possível da experiência de leitura do texto de partida, o poeta-tradutor Paulo H. Britto (2012)Britto, Paulo Henriques. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. avalia que houve uma mudança no perfil do leitor de ficção:

Se em séculos passados a leitura de obras ficcionais era uma das principais fontes de entretenimento, hoje em dia a televisão preenche essa função de tal modo que não encontra competidores à sua altura. [...]. Assim, a leitura de ficção está cada vez mais restrita a um público diferenciado, com interesses mais estritamente literários. [...] seu gosto pela literatura estará intimamente associado a um interesse pelo conhecimento do mundo, das outras literaturas e culturas; uma tradução domesticadora demais, que apagasse as marcas de alteridade do texto, lhe pareceria inautêntica

(Britto, 2012Britto, Paulo Henriques. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012., p. 25).

Atento a essas tendências, o ambiente comercial, por sua vez, apoia tais iniciativas, visando, entre outros objetivos, à promoção e venda desses produtos culturais.

A respeito do que motivou Benjamin Moser a retraduzir Clarice, a professora e tradutora Lenita Esteves (2016) observa que o editor declarara que novas traduções se faziam necessárias porque as existentes não estavam à altura da linguagem estranha e inesperada de Clarice, pois amenizavam a força de sua escrita singular e corrigiam sua pontuação. Moser teria “[...] se declarado ‘chocado’ com a tradução anterior de A hora da estrela (Esposito, 2015, s. p.), por ser ‘muito ruim’” (Esteves, 2016Esteves, Lenita Maria Rimoli. “Uma discussão sobre a prática da retradução com base no caso das retraduções de obras de Clarice Lispector no exterior”. Trabalhos em Linguística Aplicada, 55(3), p. 651-676, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/010318138647117214021
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, p. 655). Ao longo de seu texto, Esteves (2016)Esteves, Lenita Maria Rimoli. “Uma discussão sobre a prática da retradução com base no caso das retraduções de obras de Clarice Lispector no exterior”. Trabalhos em Linguística Aplicada, 55(3), p. 651-676, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/010318138647117214021
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examina essa asserção e coteja a retradução de Moser (Lispector, 2011Lispector, Clarice. The Hour of the Star. Tradução de Benjamin Moser. New York: New Directions, 2011.) à tradução de Pontiero (Lispector, 1992Lispector, Clarice. The Hour of the Star. Tradução de Giovanni Pontiero. New York: New Directions, 1992.).

Outro argumento citado por Esteves (2016)Esteves, Lenita Maria Rimoli. “Uma discussão sobre a prática da retradução com base no caso das retraduções de obras de Clarice Lispector no exterior”. Trabalhos em Linguística Aplicada, 55(3), p. 651-676, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/010318138647117214021
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para a retradução é que Moser entende que as traduções de Clarice, realizadas por tradutores diferentes, carecem de uma voz unificadora em inglês, uma vez que cada tradutor imprime no texto uma voz pessoal, ao passo que um autor tem sua voz própria, única. Para manter tal unificação, Moser propõe substituir as traduções anteriores, que considera domesticadoras, por uma abordagem estrangeirizadora, nos termos de Venuti (1995)Venuti, Lawrence. The Translator’s Invisibility. A History of Translation. London/New York: Routledge, 1995. , defendendo a busca pela manutenção da estranheza de Clarice no inglês.

A suposição de que as obras de um escritor devam ser representadas por um só tradutor em determinado idioma é, acreditamos, questionável, visto que não só nos parece difícil imaginar que a produção de um escritor apresente um estilo identificável como “sua voz” ao longo de toda sua produção literária, como também fere o pressuposto de que o texto literário é uma produção aberta a múltiplas leituras e, portanto, traduções. Além disso, a voz do tradutor não pode ser a do autor, pois as marcas pessoais do tradutor não podem ser apagadas. Segundo Guerini & Sales (2022, p. 31)Guerini, Andréia & Sales, Antonia de Jesus. “A recepção de The Complete Stories de Clarice Lispector nos Estados Unidos pelos epitextos da imprensa em 2015”. Linguagem & Ensino, Pelotas, 25(1), p. 29-48, 2022. DOI: https://doi.org/10.15210/RLE.V25I1.22236
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, a proposta de Moser de retraduzir Clarice visa a “[...] substituir as práticas domesticadoras das publicações anteriores para uma prática de estrangeirização intencional movida pela necessidade de mostrar a Clarice “real” para seus novos leitores no exterior”.

Essa citação corrobora a percepção de que a subjetividade do trabalho do tradutor, para Moser, parece ter sido relegada em prol da ambição de alcançar a tradução “real” da obra da escritora brasileira. Curiosamente, em entrevista a Flávia Resende, em 2017, Dodson comenta que via semelhança entre Clarice e a escritora italiana Elena Ferrante quanto aos temas e à forma de tratá-los. E acrescenta: “[...] eu li todos os livros de Ferrante enquanto estava traduzindo Todos os contos, então talvez haja traços de Ferrante traduzida por Ann Goldstein na minha versão de Clarice” (Dodson, 2017Dodson, Katrina. “A estranheza da linguagem”. Entrevista a Flávia Stefani Resende. 22/10/2017. Deriva. Disponível em: https://derivaderiva.com/pequena-entrevista-com-katrina-dodson/. Acesso em 24 ago. 2023.
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, s. p). A voz “unificadora” de Clarice em inglês talvez seja uma mescla das vozes de Dodson e de Goldstein, matizada por traços do italiano de Ferrante – e certamente por outras vozes, mais difíceis de rastrear.

A atual tendência à retradução tem sido acompanhada pelo debate teórico, que se intensificou após o que ficou conhecido como “hipótese da retradução”, noção aventada por Antoine Berman (2017)Berman, Antoine. “A retradução como espaço da tradução”. Tradução de Clarissa Prado Marini & Marie-Hélène Catherine Torres. Cadernos de Tradução, 37(2), p. 261-268, 2017. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2017v37n2p261
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. Essa hipótese baseia-se nas duas estratégias discutidas por Lawrence Venuti (1995)Venuti, Lawrence. The Translator’s Invisibility. A History of Translation. London/New York: Routledge, 1995. : a tradução domesticadora – voltada para a língua-cultura de chegada – e a tradução estrangeirizadora, que procura deixar rastros da língua-cultura do texto de partida no texto de chegada, de modo a permitir que o leitor se torne ciente da intervenção do tradutor e do fato de estar lendo uma tradução.

Berman (2017)Berman, Antoine. “A retradução como espaço da tradução”. Tradução de Clarissa Prado Marini & Marie-Hélène Catherine Torres. Cadernos de Tradução, 37(2), p. 261-268, 2017. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2017v37n2p261
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postula a ideia de que as primeiras traduções de uma obra tendem a ser domesticadoras e assimiladoras, a fim de serem mais facilmente acolhidas no novo sistema literário por leitores e editoras. Uma tradução que se aproxime da língua e cultura de partida a ponto de inserir transgressões e desvios sintáticos ou semânticos na língua de chegada pode ser mais difícil de ser aceita, principalmente quando o autor e a língua em que escreve são conhecidos apenas marginalmente na nova cultura; por esse motivo, as primeiras traduções tenderiam a seguir a orientação domesticadora e as retraduções poderiam optar pela estrangeirização.

Tal hipótese tem estimulado pesquisadores a cotejarem primeiras traduções com suas retraduções, como fez Lenita Esteves (2016)Esteves, Lenita Maria Rimoli. “Uma discussão sobre a prática da retradução com base no caso das retraduções de obras de Clarice Lispector no exterior”. Trabalhos em Linguística Aplicada, 55(3), p. 651-676, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/010318138647117214021
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, ao comparar as traduções de A hora da estrela (1977), realizadas primeiro por G. Pontiero, em 1992, e por B. Moser, em 20112 2 Para pesquisas com objetivos semelhantes, recomendamos consultar Widman & Zavaglia (2017), Freitas (2018) e Santos & Branco (2022). . A pesquisadora conclui que a “hipótese da retradução” realmente se verifica nesse caso: o texto de Moser é de fato mais próximo do de Clarice em termos de linguagem, sintaxe e registro, segundo apurou Esteves (2016)Esteves, Lenita Maria Rimoli. “Uma discussão sobre a prática da retradução com base no caso das retraduções de obras de Clarice Lispector no exterior”. Trabalhos em Linguística Aplicada, 55(3), p. 651-676, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/010318138647117214021
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, que concorda com a ideia de que hoje há uma tendência à estrangeirização na retradução de obras literárias. Para ela, cada tradução conta a história de como os leitores e o tradutor – considerando suas condições de trabalho, meios de divulgação e métodos de pesquisa, enfim as contingências de seu tempo e lugar –, estavam preparados para receber um autor estrangeiro (Esteves, 2016Esteves, Lenita Maria Rimoli. “Uma discussão sobre a prática da retradução com base no caso das retraduções de obras de Clarice Lispector no exterior”. Trabalhos em Linguística Aplicada, 55(3), p. 651-676, 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/010318138647117214021
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).

A meta deste artigo não é verificar a hipótese de Berman, mas discutir a estratégia de estrangeirização empregada por Dodson como alicerce do projeto de retradução da prosa ficcional clariceana. Nosso objetivo é contribuir para uma reflexão mais ampla sobre tradução de prosa literária, a partir da análise de um aspecto da tradução do conto “Um dia a menos”, conforme mencionado acima.

“Um dia a menos”

Escrito em 1977, ano da morte de Clarice, “Um dia a menos” foi publicado postumamente em 1979, na coletânea de contos A bela e a fera. Trata-se de uma narrativa curta, de 12 páginas. Quando o conto chegou a nosso conhecimento, propusemos sua tradução para o inglês, como parte de nosso doutorado em Comunicação e Semiótica, na PUC-SP (1993). Essa tradução foi publicada no periódico Cadernos de literatura em tradução (2003), da Universidade de São Paulo.

Como dissemos, em 2015, Moser lança a coletânea The Complete Stories e a tradução de “Um dia a menos”, realizada então por Katrina Dodson, é oficialmente publicada em inglês. Nesse caso, não se trata de uma segunda tradução, visto que a tradução por nós proposta havia circulado apenas em ambiente acadêmico.

Acompanhamos um domingo na vida de uma mulher de 30 anos, personagem central que a narradora nos faz saber que é virgem, vive na mesma casa em que nasceu, no Rio de Janeiro, não tem amigas nem namorado, não trabalha e tem como única companhia a empregada, que acaba de sair de férias para ver o filho. Toda a trama se desenvolve em torno da rotina da protagonista naquele domingo, em que ela não tem absolutamente nada para fazer: “[...] teve preguiça do longo dia que se seguiria: nenhum compromisso, nenhum dever, nem alegrias nem tristezas” (Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 119).

Magistralmente, o conto trabalha temas muito presentes na produção literária clariceana, vinculando-os de forma que aparecem praticamente sobrepostos: a busca da identidade, a solidão, o acaso e a morte, questões atravessadas pelo ponto nevrálgico da obra da escritora – a relação entre linguagem e vida, palavra e coisa, dizer e ser.

A literatura de Clarice aspira a uma linguagem que capte a gênese do pensamento e do sentimento. No livro de crônicas A descoberta do mundo, ela declara que quer “[...] uma sintaxe o mais possível se aproximando e me aproximando do que estou pensando na hora de escrever” (Lispector, 1984Lispector, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., p. 475). Essa busca a leva a procedimentos que se alinham à noção de estranhamento (Chklovski, 1976Chklovski, Victor. “A arte como procedimento”. In: Toledo, Dionísio de Oliveira (Org.). Teoria da Literatura: formalistas russos. 3. ed. Porto Alegre: Globo, 1976. p. 39-56.), ou seja, de desautomatização da percepção. Ela forja novas formas de dizer e rompe o compromisso com a estrutura convencional e previsível da linguagem. Luana de Freitas (2018)Freitas, Luana Ferreira de. “A radicalidade de Clarice Lispector traduzida para o sistema literário anglófono”. Cadernos de Tradução, 38(3), p. 244-258, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v38n3p244
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define esse modo de escrever como a “radicalidade” de Clarice, que, segundo a pesquisadora, constitui um grande desafio para os tradutores. Afinal:

A linguagem de Clarice não é um mero instrumento a serviço do enredo, ela é a protagonista de suas obras. Em Clarice, como nos grandes escritores, a complementariedade entre forma e conteúdo se dá de modo imbricado, o que dificulta o trabalho do tradutor que, em geral, tende a trabalhar com prosa e tradução semântica

(Freitas, 2018Freitas, Luana Ferreira de. “A radicalidade de Clarice Lispector traduzida para o sistema literário anglófono”. Cadernos de Tradução, 38(3), p. 244-258, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v38n3p244
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, p. 247, tradução nossa)3 3 “The language in Clarice is no mere instrument for a plot: it is a protagonist in her writings. In Clarice, as in great writers, the complementarity between form and content is entangled, which hinders the work of the translator who tends, generally, to deal with prose and semantic translation” (Freitas, 2018, p. 247). .

Essa visão da escrita de Clarice é também partilhada por Costa & Freitas (2017, p. 41-42)Costa, Cynthia Beatrice & Freitas, Luana Ferreira de. “A internacionalização de Clarice Lispector: história clariceana em inglês”. Cadernos de Tradução, 37(2) p. 40-54, 2017. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2017v37n2p40
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que destacam o contínuo estranhamento ao qual o leitor está submetido e o uso perturbador da linguagem, que ocupa o primeiro plano das narrativas: “[...] a língua é protagonista em Clarice; sua escrita é perturbadora, entre outras coisas, por chamar a atenção para si mesma, caracterizando uma de suas principais estratégias estilísticas”.

Assim, para falar do acaso, Clarice constrói uma linguagem movida pelo acaso, de tal maneira que os pensamentos da personagem, em “Um dia a menos”, podem ser inseridos em diferentes momentos da narrativa. Tal estratégia desafia a lógica sequencial linear:

Eu desconfio que a morte vem. Morte?

Será que uma vez os tão longos dias terminem?

Assim devaneio calma, quieta. Será que a morte é um blefe? Um truque da vida? É perseguição?

E assim é

(Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 119).

Não há respostas para essas perguntas e a narradora passa a descrever os acontecimentos do dia; o leitor, por sua vez, vê-se convidado a evocá-las em outras passagens do conto, onde possivelmente encontrará elos mais perceptíveis com a narrativa.

O acaso, que se faz presente na construção da narrativa, está em sintonia com o destino da protagonista: “[...] aliás, por mero acaso ela não era muitas coisas. E por mero acaso havia nascido” (Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 120). A constante introspecção da personagem confere um movimento irregular à narrativa.

A repetição – recurso empregado com frequência por Clarice –, tende a desgastar o signo, despojando-o de seu suposto conteúdo: “A repetição me é agradável, e repetição acontecendo no mesmo lugar termina cavando pouco a pouco” (Lispector, 1984Lispector, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984., p. 365). No conto, a repetição insistente do advérbio “depois” sintetiza o vazio da vida da protagonista, criando pequenas rupturas, ecos e silêncios que só fazem adiar o próprio sentido da palavra “depois”.

Contribui para o efeito de estranhamento o uso do discurso indireto livre ao longo da narrativa, numa mescla indistinta entre as vozes do narrador e da personagem. Não se sabe ao certo a quem pertence o discurso.

Porém, é a sintaxe clariceana, em seu anseio por captar a forma do pensamento, o que mais desafia e surpreende o leitor, perturbando o ritmo de sua leitura e abalando seu próprio conhecimento da língua. A súbita interrupção do encadeamento do pensamento da personagem é acompanhada por ruptura análoga na linguagem:

E depois?

[...]

Então, pois então revelou-se subitamente: então pois então é assim mesmo. Augusta lhe contara que havia melhoria depois. Assim mesmo havia já chegado de assim era

(Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 120, grifo nosso).

Tal ruptura com a sintaxe convencional ocorre em vários momentos da narrativa, surpreendendo o leitor ao alertá-lo para algo que é quotidiano, mas costuma passar despercebido: as relações entre os vários elementos que estruturam sua própria língua.

Há, ainda, em “Um dia a menos”, um efeito de estranhamento marcado na linguagem que se faz presente no nome escolhido para a protagonista. Ele aparece pela primeira vez quando a moça decide ir buscar o jornal na porta, antes que o vizinho se apoderasse dele:

Era uma luta constante a de ver quem chegava primeiro ao jornal que, no entanto, tinha claramente impresso seu nome: Margarida Flores. Além do endereço. Sempre que distraidamente via seu nome escrito lembrava-se de seu apelido na escola primária: Margarida Flores de Enterro. Por que alguém não se lembrava de apelidá-la de Margarida Flores do Jardim? É que as coisas simplesmente não eram do seu lado

(Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 120, grifos nossos).

O leitor se depara com um nome incomum, resultado da combinação de um elemento (margarida) e o conjunto ao qual ele pertence (flores), e se admira com a positividade e “alegria” que emana do arranjo. Logo a seguir, porém, o nome é problematizado pela lembrança do apelido dado à protagonista na escola primária, Margarida Flores de Enterro, o oposto do que ela desejava ter para si, Margarida Flores do Jardim.

O apelido que recebera na infância choca, pois associa a flor margarida, símbolo de pureza e ventura, a um ritual fúnebre. O leitor fica sabendo que a personagem encara esse apelido como o mais próximo da realidade que conhece de si: “É que as coisas simplesmente não eram do seu lado”. Afinal, tinha uma ideia depreciativa de si: via-se como “óbvia”, “gorda”, “pálida”, “flácida”, alguém que “por mero acaso havia nascido” (Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 119-120).

No decorrer da narrativa, o questionamento em torno do nome prossegue e, aos poucos, abandona sua função de conferir uma identidade social estável, para adquirir novos sentidos e formas. Assim, nesse dia em que nada a aguarda, a moça imagina que o telefone toca:

– Alô? Sim?

– É Margarida Flores de Jardim?

Diante da voz masculina tão macia, responderia:

– Margarida Flores de Bosques Floridos!

(Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 121).

Percebe-se, nesse trecho, a sutil mudança do nome para Margarida Flores de Jardim, o que pode sugerir um ligeiro aumento em seu grau de impessoalidade. Porém, na sua fantasia romântica, esse nome não mais a representa: brincando com possibilidades, Margarida altera seu nome, expandindo-o e desdobrando-o: se antes era flor entre as flores de um jardim, em terreno cercado, agora se encontra no território amplo e sensual dos Bosques Floridos! É evidente o contraste entre seu dia sem propósito, confinada ao apartamento herdado dos pais, e o anseio por ser outra mulher.

Quando o telefone de fato toca, uma senhora de nome Constança procura uma tal Flávia. Na conversa, Constança pergunta o nome de quem está falando:

– [...] aliás, como é o seu nome?

– Margarida Flores do Jardim.

– Por quê? Há flores no jardim?

– Ah, ah, ah, a senhora tem bom humor! Não, não há flores no jardim mas é que meu nome é florido.

– E isso adianta alguma coisa?

Silêncio.

– Adianta ou não adianta, enfim?

– É que não sei responder porque nunca tinha antes pensado nisso. Só sei responder coisas que já pensei

(Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 126).

A personagem acrescenta Jardim a seu nome, indicando que é esse o modo como deseja identificar-se. No entanto, Constança indaga se há coerência entre nome próprio e realidade, ao que Margarida responde, alegando não ter pensado nisso antes. Mas sabemos por meio do discurso indireto livre que seu nome florido é motivo de grande inquietação para ela, dada a contradição que expressa com a existência insossa e desbotada da personagem.

O marcapasso das horas desse dia oco é a insistente repetição do advérbio “depois”, que adia a resposta à insuportável questão: o que fazer depois que estamos vivos? Como preencher as horas, se sempre há um depois?

“Oito horas. Já podia se deitar. Escovou os dentes durante muito tempo, pensativa. Vestiu uma camisola rasgadinha de algodão meio puído, daqueles gostosos, ainda das feitas pela mãe” (Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 129). Mas não conseguia dormir:

Foi então que pensou nos vidros de pílulas contra a insônia que haviam pertencido à mãe. [...] Isso, pensou Margarida das Flores no Jardim, dormir um bom soninho e acordar rosada. Não tinha nenhuma má intenção. Foi buscar a jarra e um copo [...]. Não notava em si a menor má intenção. Mas ninguém no mundo saberá. E agora, para sempre não se saberá julgar se foi por desequilíbrio ou enfim por um grande equilíbrio: copo após copo engoliu todas as pílulas dos três grandes vidros. No segundo vidro pensou pela primeira vez na vida: “Eu”. E não era um simples ensaio: era na verdade uma estreia. Toda ela enfim estreava

(Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 129, grifo nosso).

O ritmo denso e arrastado da narrativa, marcado por devaneios e pensamentos, subitamente se resolve em uma epifania – recurso tão caro a Clarice – e o nome da personagem se rarefaz como nome próprio e se assume expressão comum de linguagem: substantivos ligados por preposições: margarida das flores no jardim. A aproximação da morte ilumina sua consciência e ela experimenta a totalidade de seu ser: então, pois então, amanhecerá rosada. Morte e vida se unem, fechando-se num círculo e desobrigando-a da jornada da vida: “[...] deixou-se cair de través na cama onde a tinham gerado. Era um dia a menos” (Lispector, 1979Lispector, Clarice. “Um dia a menos”. In: Lispector, Clarice. A bela e a fera. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979, p. 119-130., p. 130).

À pontuação singular, à sintaxe inusitada e transgressora, à silenciosa revelação que as palavras apenas pressentem, soma-se a plasticidade do nome (im)próprio, que acompanha as diferentes concepções da protagonista sobre si e prenuncia seu fim. Assim entretecida, a linguagem materializa um tema que Clarice com frequência problematiza em sua escrita: o paradoxo da cisão entre o ser e a palavra – entre a existência e a expressão linguística dessa existência. Só a morte (o silêncio) permite à personagem superar essa fratura.

A tradução estrangeirizadora de Dodson

Katrina Dodson assumiu a retradução de todos os contos de Clarice, inclusive de “Um dia a menos”. A tradução de The Complete Stories segue o princípio da estratégia estrangeirizadora, visando a deixar transparecer no texto traduzido o máximo do estilo de Clarice, sem buscar suavizar, explicitar ou simplificar a linguagem inovadora da escritora, objetivo que, de fato, segundo a crítica especializada, a tradução alcançou.

Entretanto, a imprensa estadunidense em geral não parece ter notado o trabalho cuidadoso da tradução. A essa conclusão chegam Guerini & Sales (2022)Guerini, Andréia & Sales, Antonia de Jesus. “A recepção de The Complete Stories de Clarice Lispector nos Estados Unidos pelos epitextos da imprensa em 2015”. Linguagem & Ensino, Pelotas, 25(1), p. 29-48, 2022. DOI: https://doi.org/10.15210/RLE.V25I1.22236
https://doi.org/10.15210/RLE.V25I1.22236...
, que analisam resenhas a respeito e observam que os resenhistas praticamente ignoram a estratégia de tradução empregada; seu foco recai “[...] nas características estilísticas de Clarice e não na tradução” (Guerini & Sales, 2022Guerini, Andréia & Sales, Antonia de Jesus. “A recepção de The Complete Stories de Clarice Lispector nos Estados Unidos pelos epitextos da imprensa em 2015”. Linguagem & Ensino, Pelotas, 25(1), p. 29-48, 2022. DOI: https://doi.org/10.15210/RLE.V25I1.22236
https://doi.org/10.15210/RLE.V25I1.22236...
, p. 46). Segundo as pesquisadoras, a atitude de não valorizar a tradução já é conhecida no cenário estadunidense. Dentre os pouquíssimos resenhistas que atentaram para a tradução, encontra-se Larry Rohter (2015Rohter, Larry. “Review: Clarice Lispector’s ‘The Complete Stories’ Sees Life with Existential Dread”. 11/08/2015. The New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2015/08/12/books/review-clarice-lispectors-the-complete-stories-sees-life-with-existential-dread.html. Acesso em 24 ago. 2023.
https://www.nytimes.com/2015/08/12/books...
, s. p., tradução nossa)4 4 “Lispector’s peculiar grammar, syntax, punctuation, and diction” (Rohter, 2015, s. p.). , do The New York Times, que elogia a tradução e destaca o posfácio de Dodson, no qual a tradutora “[...] comenta a gramática peculiar, a sintaxe, a pontuação e a dicção de Lispector”.

Visando a buscar informações sobre a tradução de Dodson, deparamo-nos com um artigo, publicado no Cultura e Tradução (2020), que compara as estratégias de tradução adotadas em “Um dia a menos”, justamente quanto ao tratamento dado aos nomes próprios, a partir da análise Leila Darin (2003) e Katrina Dodson (Lispector, 2015Lispector, Clarice. The Complete Stories. Tradução de Katrina Dodson. New York: New Directions, 2015.). As autoras, Aurielle Santos & Sinara Branco (2020)Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, da Universidade Federal de Campina Grande, baseiam-se no conceito de item cultural-específico de Franco Aixelá (2013), que inclui os nomes próprios, e nas noções de estrangeirização e domesticação de Venuti (1995)Venuti, Lawrence. The Translator’s Invisibility. A History of Translation. London/New York: Routledge, 1995. . Analisando as traduções dos nomes do conto, concluíram que “[...] os resultados apontam para uma direção domesticadora na tradução de Leila Darin e uma tendência estrangeirizadora na tradução de Katrina Dodson” (Santos & Branco, 2020Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 190).

Primeiramente, desejamos reforçar a afirmação que as pesquisadoras fazem a respeito da tradução de prosa ficcional. Recorrendo a Williams & Chesterman, Santos & Branco (2020)Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
levantam uma questão com a qual não só concordamos, mas que serve de premissa e motivação para nosso ensaio, qual seja, o fato de que a análise da tradução de prosa literária é difícil de empreender e deve ser realizada com muito critério:

[...] como é impossível analisar um romance, ou até mesmo um conto, em sua totalidade, é importante selecionar um aspecto a ser estudado. O que poderia ser a perspectiva narrativa do autor/tradutor, a tradução de diálogos, o tratamento de itens culturais-específicos ou a tradução do humor

(William & Chesterman, 2002 apud Santos & Branco, 2020Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 194-195).

Dentre outros aspectos, as autoras analisam a tradução dos nomes próprios e, em relação ao nome Margarida Flores, observam que as tradutoras seguem procedimentos diferentes, sendo que Dodson mantém “Margarida Flores” em seu texto e Darin traduz o nome como “Daisy Flowers”.

Para as pesquisadoras, a estratégia de Dodson:

[...] provavelmente produzirá no leitor um efeito de estranhamento; a menos que ele pare a leitura e faça uma pesquisa, as variantes de sentido de “Margarida Flores” que comentamos, não serão recuperadas. Tais variantes poderão ser mais facilmente acessadas na leitura da tradução de Darin, que traz o termo para o corpo da cultura de chegada, já que ela traduz de modo a não alterar as imagens construídas pela autora

(Santos & Branco, 2020Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 198).

Quanto às variações do nome Margarida Flores, observam que as duas tradutoras coerentemente mantêm suas estratégias:

DARIN Daisy FlowersDaisy Funeral FlowersDaisy Garden FlowersDaisy Flowers of Flowery ForestsDaisy of the Flowers in the Garden DODSON Margarida FloresMargarida Flores de EnterroMargarida Flores de JardimMargarida Flores Dos Bosques FloridosMargarida das Flores no Jardim

Como se vê, Dodson garante a presença do estrangeiro no texto. No entanto, opta por prover a tradução dos nomes que personagem cria para si em notas de rodapé, o que, para Santos & Branco (2020, p. 198), significa que a tradutora está ciente de que os nomes “[...] estão diretamente ligados à identidade da protagonista e ao desenrolar da história”.

Nas notas, leem-se as seguintes traduções:

Daisy Funeral Flowers

Daisy Garden Flowers

Daisy Flowers of Flowering Woods

Daisy of the Flowers in the Garden

No caso do procedimento utilizado por Darin, as autoras consideram que a tradução dos nomes da personagem confere um direcionamento interpretativo ao conto, marcando a subjetividade do processo de tradução; tal procedimento implica que “[...] a marca cultural do termo original é apagada” (Santos & Branco, 2020Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 202). Contudo, comentam que a tradução não altera as imagens construídas pela autora.

Para Santos & Branco (2020)Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, a inserção dos nomes em português no conto em inglês dá visibilidade a Dodson e favorece a percepção, por parte do leitor/a, de “um outro cultural”, além de evidenciar que se trata de uma tradução. O uso de notas de rodapé é visto como um recurso que, embora possa:

Quebrar o ritmo de leitura, já que o leitor pode escolher parar para consultar a nota de rodapé, é um procedimento que marca a presença de um outro cultural e que oferece uma direção para a interpretação do que está por trás dos nomes das Margaridas

(Santos & Branco, 2020Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 199).

Com foco na reflexão sobre a tradução de narrativas literárias curtas, passamos a examinar algumas questões que nos instigam relativamente ao procedimento adotado por Dodson para os nomes da protagonista.

Margarida Flores, Daisy Flowers: peças de um todo orgânico

Assim como William & Chesterman (2002) recomendam selecionar um aspecto para ser investigado, como mencionamos anteriormente neste artigo, o tradutor e pesquisador Caetano Galindo (2015)Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122., em seu ensaio “Tradução e Ficção”, enfatiza a escolha de aspectos específicos para a análise da tradução de narrativas.

Para pensar a tradução de prosa literária, Galindo (2015)Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122. serve-se das ideias do crítico literário James Wood, que, em Como a ficção funciona (2008), discute a importância de uma única palavra – embarrassingly – para a criação do discurso indireto livre no romance What Maisie Knew (1897), de Henry James, e, portanto, para o todo da narrativa. Conforme ressalta o pesquisador, Wood argumenta que essa palavra torna difusa a posse do discurso, fazendo confundir as vozes do narrador e da personagem. Tal ponderação leva Galindo (2015, p. 116)Galindo, Caetano Waldrigues. “Tradução e Ficção”. In: Amorim, Lauro Maia; Rodrigues, Cristina Carneiro; Stupiello, Erika Nogueira (Orgs.). Tradução & perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2015. p. 99-122. a afirmar: “[...] aqui o efeito pende por um fio de cabelo”. Ou seja, o tradutor de prosa literária deve estar atento a todas as peças da engrenagem, para que sejam devidamente encaixadas a fim de reproduzir, no outro idioma, os elementos que se encontram intimamente entrelaçados na formação do objeto estético em vias de tradução.

Também Alzira Allegro, em “Do conto e sua tradução”, reforça o peso de cada palavra:

Nada no conto – palavra ou pontuação – é aleatório. Seu autor é/está tão atento à linguagem que utiliza quanto o poeta. Cada palavra tem peso de ouro. Um conto é magnitude encerrada em uma miniatura, prestes a explodir em significados nas mãos do leitor perspicaz e sensível

(Allegro, 2009Allegro, Alzira. “Do conto e sua tradução: percalços do gênero”. Tradução e Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores, 18, p. 159-176, 2009., p. 161).

Compactuamos com essa visão de literatura e de tradução literária.

Dodson foi coerente ao seguir a proposta do editor. Cabe-nos refletir se é produtivo acatar uma estratégia como diretriz a ser seguida em relação a todos os elementos que compõem uma narrativa – em nosso caso, especificamente aos nomes da protagonista.

O debate gerado pelos conceitos de estrangeirização e domesticação (Venuti, 1995Venuti, Lawrence. The Translator’s Invisibility. A History of Translation. London/New York: Routledge, 1995. ) tem sido fértil, impactando a maneira como são avaliados tradutores e traduções. A denúncia da invisibilidade do tradutor no texto, decorrente de procedimentos domesticadores, e a possibilidade de optar por traduções que preservem a estrangeiridade e estranheza do texto de partida têm ajudado a esclarecer questões ligadas a poder e a políticas linguísticas e culturais. Partindo igualmente das ideias de Schleiermacher (2007)Schleiermacher, Friedrich. Sobre os diferentes métodos de traduzir. Tradução de Celso Braida. Princípios, 14(21), p. 233-265, 2007. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/500/432. Acesso em 4 ago. 2023.
https://periodicos.ufrn.br/principios/ar...
, Antoine Berman (2013)Berman, Antoine. A tradução e a Letra ou o Albergue do Longínquo. Tradução de Marie-Hélène C. Torres, Mauri Furlan & Andreia Guerini. 2. ed. Florianópolis: PGET/UFSC, 2013. defende a “tradução da letra”, i.e., aquela que visa a acolher o corpo material do estrangeiro, em detrimento da tradução:

[...] que traz tudo à sua própria cultura, às suas normas e valores, e considera o que se encontra fora dela — o Estrangeiro — como negativo ou, no máximo, bom para ser anexado, adaptado, para aumentar a riqueza desta cultura”

(Berman, 2013Berman, Antoine. A tradução e a Letra ou o Albergue do Longínquo. Tradução de Marie-Hélène C. Torres, Mauri Furlan & Andreia Guerini. 2. ed. Florianópolis: PGET/UFSC, 2013., p. 39).

Preservar e respeitar o estrangeiro é um dos compromissos da tradução estrangeirizadora e nos parece acertada a opção de Moser para a tradução de Clarice. Entretanto, conforme ponderam teóricos dos Estudos da Tradução, como Maria Tymoczko (2014)Tymoczko, Maria. “Translation and Political Engagement: Activism, Social Change and the Role of Translation in Geopolitical Shifts.” The Translator, 6(1), p. 23-47, 2014. DOI: https://doi.org/10.1080/13556509.2000.10799054
https://doi.org/10.1080/13556509.2000.10...
e Mona Baker (2010)Baker, Mona. “Reframing Conflict in Translation”. In: Baker, Mona (Ed.) Critical Readings in Translation Studies. London/New York: Routledge, 2010. p. 113-129., a adoção de uma estratégia para textos inteiros não é desejável ou aconselhável. Essa questão é tratada com muita pertinência pelo pesquisador norueguês Kjetil Myskja (2013)Myskja, Kjetil. “Foreignisation and resistance: Lawrence Venuti and his critics”. Nordic Journal of English Studies, 12(2), p. 1-23, 2013. DOI: 10.35360/njes.283
https://doi.org/10.35360/njes.283...
, que expõe a posição das duas teóricas:

Entretanto, o argumento de Tymoczko de que é problemático considerar a oposição domesticação/estrangeirização como um padrão universal de avaliação é forte: torna-se ainda mais difícil quando tentamos caracterizar traduções de textos inteiros como sendo totalmente domesticantes ou estrangeirizantes

(Myskja, 2013Myskja, Kjetil. “Foreignisation and resistance: Lawrence Venuti and his critics”. Nordic Journal of English Studies, 12(2), p. 1-23, 2013. DOI: 10.35360/njes.283
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, p. 8, tradução nossa)5 5 “However, Tymoczko’s point that it is problematic to see the domestication/foreignisation opposition as a universal standard of evaluation is a strong one: it becomes more difficult when we try to characterize translations of whole texts as being domesticating or foreignising overall” (Myskja, 2013, p. 8). .

De acordo com Myskja (2013)Myskja, Kjetil. “Foreignisation and resistance: Lawrence Venuti and his critics”. Nordic Journal of English Studies, 12(2), p. 1-23, 2013. DOI: 10.35360/njes.283
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, Mona Baker corrobora essa visão e julga que eleger uma só estratégia reduz a gama de procedimentos à qual o tradutor pode recorrer. Dando prosseguimento à discussão, Myskja (2013)Myskja, Kjetil. “Foreignisation and resistance: Lawrence Venuti and his critics”. Nordic Journal of English Studies, 12(2), p. 1-23, 2013. DOI: 10.35360/njes.283
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resume o ponto de vista de Baker, que:

[...] vê esta dicotomia como simples demais para descrever o que ocorre de fato nas traduções. Ela a vê como problemática para descrever a abordagem adotada em um texto traduzido, uma vez que nos força a classificar uma rica variedade de atitudes possíveis do tradutor em relação ao texto como um todo, como domesticação ou estrangeirização

(Myskja, 2013Myskja, Kjetil. “Foreignisation and resistance: Lawrence Venuti and his critics”. Nordic Journal of English Studies, 12(2), p. 1-23, 2013. DOI: 10.35360/njes.283
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, p. 11, tradução nossa)6 6 “[...] sees this dichotomy as too simple to describe the reality of what happens in translations. It is problematic as a description of the overall character of a translated text, since it forces one, as she sees it, to classify a rich variety of possible translator attitudes to the text as a whole as either domestication or foreignization” (Myskja, 2013, p. 11). .

Embora Venuti (1995)Venuti, Lawrence. The Translator’s Invisibility. A History of Translation. London/New York: Routledge, 1995. não pregue a dicotomia entre os procedimentos, a controvérsia permanece especialmente quanto à suposta correlação entre domesticação e fluência e estrangeirização e resistência. Essas considerações são importantes e serão retomadas mais adiante.

A respeito da tradução de Dodson, indagamos: será que a manutenção dos nomes da protagonista em língua portuguesa, no corpo do conto, se justifica como ato de reconhecimento do Outro, como uma estratégia que promove a literatura brasileira? Se a pergunta levar em conta o contexto em que a tradução se insere, avaliamos que não.

Em primeiro lugar, o que dá visibilidade à literatura brasileira é o volume de 704 páginas que o leitor de língua inglesa tem em mãos, que traz um Prefácio de Benjamin Moser sobre a vida e escrita de Clarice e um Posfácio da tradutora, no qual Dodson apresenta e comenta sua opção pela tradução estrangeirizadora. O projeto foi amplamente divulgado e é difícil imaginar que o leitor estrangeiro que se interessou pela coletânea não esteja ciente de que se trata da obra de uma escritora brasileira. Além disso, todos os contos são traduzidos dentro do mesmo princípio norteador e o leitor, aos poucos, se familiariza com a linguagem estranha e inusual de Clarice. Linguagem que rompe com as normas da língua inglesa, ao procurar reproduzir o estranhamento criado na língua portuguesa por Clarice.

Se considerarmos que os nomes da personagem refletem diferentes modos de identificação frente à realidade, ou frente ao anseio por outra realidade, não podemos tratá-los como símbolos arbitrários ou convencionais, mas como símbolos que mantêm com o referente (a protagonista) um vínculo “motivado”. Por isso, a não tradução desses nomes compromete os efeitos de sentido evocados e obscurece uma marca vital da escrita clariceana, a saber, a problematização da relação entre ser e dizer.

A teorização de Ricardo Piglia (2017)Piglia, Ricardo. “Teses sobre o conto”. In: Piglia, Ricardo. (Org.). Formas breves. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 89-94. a respeito da construção de narrativas curtas, em “Teses sobre o conto” (2017), contribui para nossa argumentação. Piglia (2017)Piglia, Ricardo. “Teses sobre o conto”. In: Piglia, Ricardo. (Org.). Formas breves. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 89-94. defende a ideia de que todo conto se compõe de duas histórias: uma visível e uma secreta. O que é supérfluo na história 1 é fundamental na história 2:

Primeira tese: um conto conta duas histórias. A arte do contista consiste em saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Um relato visível esconde um relato secreto, narrado de um modo elíptico e fragmentário

(Piglia, 2017Piglia, Ricardo. “Teses sobre o conto”. In: Piglia, Ricardo. (Org.). Formas breves. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 89-94., p. 90).

Assim, narrar se baseia em pistas que encerram segredos e – acrescentamos – elas devem estar acessíveis para o leitor da tradução.

Em “Um dia a menos”, sinais velados da segunda história se infiltram no relato do domingo de M. Flores: a vaga promessa do “depois”, os pensamentos sobre a vida e a morte, a forte presença da ausência da mãe e a grande herança que recebe dela: três vidros de comprimidos. Margarida refaz os passos e caminha sobre as pegadas da mãe. O leitor acompanha a história 2, através do subentendido, das alusões, dos devaneios e fragmentos de lembranças que se insinuam no relato 1. Nesse contexto, as mudanças pelas quais passa o nome da personagem, aparentemente triviais, traduzem seus diferentes estados anímicos, rumo à decisão fatal.

Para permitir que o leitor tivesse acesso aos nomes de Margarida, Dodson optou por notas de rodapé, recurso que nos parece atenuar o impacto sugerido no texto de partida. Quando “Margarida Flores” aparece pela primeira vez, não há tradução em nota de rodapé para o leitor do inglês, que, portanto, não se surpreende com o nome um tanto inusitado. Para que entenda os outros nomes, ele será desviado da narrativa. Assim deslocados e isolados, os nomes perdem força e deixam de ser parte integrante do tecido narrativo. Ficam desvitalizados.

A perda provocada pelo adiamento do sentido dos nomes implica na alteração do que Paulo Henriques Britto (2012, p. 50)Britto, Paulo Henriques. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. definiu como “efeito de literariedade”: um “[...] efeito estético, portanto – de tal modo análogo ao produzido pelo original que o leitor da tradução possa afirmar, sem mentir, que leu o original”.

Entendemos o efeito estético do qual fala Britto (2012)Britto, Paulo Henriques. A tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. não como uma propriedade estável do texto, mas como produto da intenção criadora do autor, em diálogo com seu suposto leitor implícito. Editada e publicada a obra, o leitor empírico interage com ela atribuindo-lhe sentido, no limite de seu conhecimento das regras e convenções consolidadas pelas práticas literárias, textuais, sociais e institucionais. A reflexão de Derrida (2014)Derrida, Jacques. Essa estranha instituição chamada literatura: uma entrevista com Jacques Derrida. Tradução de Marileide Dias Esqueda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. a esse respeito nos orienta:

A literariedade não é uma essência natural, uma propriedade intrínseca do texto. É o correlato de uma relação intencional com o texto, relação esta que integra em si, como um componente ou uma camada intencional, a consciência mais ou menos implícita de regras convencionais ou institucionais – sociais, em todo caso

(Derrida, 2014Derrida, Jacques. Essa estranha instituição chamada literatura: uma entrevista com Jacques Derrida. Tradução de Marileide Dias Esqueda. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014., p. 64).

Discordamos da decisão de manter os nomes em português porque entendemos que têm uma função na estrutura do conto, no qual nada é gratuito: os elementos se articulam em camadas intercomunicantes, às vezes difíceis de identificar, mas sempre impactantes para a construção dos sentidos.

A manutenção de um efeito de literariedade se coaduna com o conceito de recriação do poeta-tradutor Haroldo de Campos (2013, p. 5)Campos, Haroldo de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: Tápia, Marcelo & Nóbrega, Thelma (Orgs.). Transcriação. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 1-18.: “[...] então para nós, a tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma, porém recíproca”. Para Campos (2013)Campos, Haroldo de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: Tápia, Marcelo & Nóbrega, Thelma (Orgs.). Transcriação. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 1-18., a tradução literária é leitura crítica e aprofundada, seguida da produção criativa de um texto marcado pela diferença da nova língua e de seu coautor.

A questão que levantamos é que a recriação, que traz as marcas da subjetividade do tradutor e trabalha na forma-sentido do texto de partida, não pode ser classificada como procedimento domesticador. Recriar é reconstruir a informação estética, é entender a literatura como invenção, jogo, rapto, transgressão. A recriação não está a serviço da domesticação ou estrangeirização. Uma vez que as Margaridas estão intimamente atreladas ao significado que exala da narrativa, mantê-las em português no conto em inglês é renunciar a um recurso criativo potente que o texto de Clarice oferece ao leitor; acreditamos o texto de chegada deve procurar acompanhar os traços inovadores do texto literário de partida.

Quando Santos & Branco (2020)Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
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concluem que Darin segue a estratégia domesticadora e Dodson a estrangeirizadora, afirmam que isso implica “[...] respectivamente, no apagamento e evidenciação dos aspectos estéticos e culturais do texto” (Santos & Branco, 2020Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “E depois, Margarida Flores? Uma análise das estratégias de tradução de Nomes próprios no conto ’Um dia a menos’, de Clarice Lispector”. Cultura e Tradução, 6(1), p. 190-204, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ct/issue/view/2483. Acesso em 2 fev. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
, p. 190). Não concordamos com a correlação entre tendência domesticadora e apagamento dos aspectos estéticos do texto.

Por que a tradução/recriação em língua inglesa do artifício engendrado por Clarice significaria apagamento dos aspectos estéticos do conto? Por que seria domesticadora? Ao contrário, é uma forma de fazer “[...] justiça à linguagem inesperada e estranha de Lispector”, preocupação que norteia Moser (Lispector 2011Lispector, Clarice. The Hour of the Star. Tradução de Benjamin Moser. New York: New Directions, 2011., s. p.) em seu projeto de retradução. O editor parece ter isso muito claro quando insiste na não correção da pontuação ou das frases estranhas: “é um impulso compreensível, mas faz à autora um desfavor: se retirarmos o que é estranho em Clarice, deixa de ser Clarice” (Moser, 2011Moser, Benjamin. “Brazil’s Clarice Lispector gets a second chance in English”. 02/12/2011. Publishing Perspectives. Disponível em: https://publishingperspectives.com/2011/12/brazil-claire-lispector-second-chance-in-english/. Acesso em 24 ago. 2023.
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, s. p., tradução nossa)7 7 “It’s an understandable impulse, but it does her a disservice: if you take out the weirdness of Clarice, you take out Clarice” (Moser, 2011, s. p.). .

Ademais, a tradução dos nomes próprios no interior do conto visa a manter a estranheza em inglês. Afinal, “Daisy Flowers” soa tão ou mais incomum do que “Margarida Flores”. Essa sensação será acentuada à medida em que os nomes forem sofrendo outras variações. O leitor do conto recriado, assim como o leitor do português, é perturbado pelo movimento dos nomes da protagonista, que sinalizam a história 2 pulsando dentro da história 1, para citarmos Piglia (2017)Piglia, Ricardo. “Teses sobre o conto”. In: Piglia, Ricardo. (Org.). Formas breves. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. p. 89-94.. Resgata-se o estranho dentro da língua estrangeira.

Uma vez que críticos, professores, pesquisadores e leitores concordam que as frases retorcidas, ou distorcidas, fazem parte do que se conhece como escrita clariceana, os tradutores devem cuidar para traduzir as singularidades que identificam. Como Moser declarou, não se pode traduzir Clarice sem respeitar o que é inusitado em sua literatura. E não há fluência na prosa de Clarice, há estranhamento. Afinal, como dizem muitos, a própria escritora era “estranha”. Em 2016, Noemi Jaffe (2016, s. p.)Jaffe, Noemi. “Clarice Lispector e o efeito do estranhamento”. 30/08/2016. Café Filosófico. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WV7vq5g_DQM. Acesso em 26 jan. 2023.
https://www.youtube.com/watch?v=WV7vq5g_...
, no programa Café Filosófico, da TV Cultura, inicia sua palestra dizendo que Clarice era estranha, “torcia a percepção do real”8 8 Nesse programa, Noemi Jaffe (2016, s. p.) conta que pediram a Clarice: “[...] por que você não escreve uma história normal, com começo, meio e fim?” Ela respondeu: “Está bem, vou tentar. Era uma vez um pássaro. Meu Deus”. .

Considerações finais

Procurando contribuir para a reflexão sobre a tradução de prosa ficcional, examinamos a tradução dos nomes de “Um dia a menos”. Partimos do pressuposto do valor de cada um dos componentes da narrativa para o texto e analisamos a tradução estrangeirizadora de Dodson, acrescentando à discussão o conceito de tradução como crítica e recriação, de Haroldo de Campos (2013)Campos, Haroldo de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: Tápia, Marcelo & Nóbrega, Thelma (Orgs.). Transcriação. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 1-18.. Esse conceito oferece outro parâmetro para a análise de traduções de prosa literária e permite reconsiderações a respeito das estratégias tradutórias de Venuti (1995)Venuti, Lawrence. The Translator’s Invisibility. A History of Translation. London/New York: Routledge, 1995. como critério norteador do trabalho tradutório.

Dodson inscreve a tradução dos nomes da protagonista à margem do conto e, dessa forma, fica garantido seu compromisso com o procedimento estrangeirizador: dá-se maior visibilidade à tradutora e ao ato de traduzir. Entretanto, paradoxalmente, tal procedimento abre um espaço que deixa entrever o limite da coerência de sua opção, pois, a nosso ver, enfraquece o brilho de um daqueles fragmentos coloridos que se combinam para criar os efeitos da caleidoscópica trama.

Em um artigo de 2022 – cuja leitura recomendamos – Santos & Branco (2022)Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “Itens Clariceanos-específicos em The Complete Stories: uma análise das estratégias de tradução de expressões criadas pela autora”. Ilha do Desterro, 75(1), p. 111-129, 2022. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8026.2022.e82427
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aprofundam sua discussão sobre a tradução de itens culturais-específicos nos contos de Clarice traduzidos por Dodson. As autoras se baseiam nos dois grupos principais que Franco Aixelá (2013)Franco Aixelá, Javier. Itens Culturais-Específicos em Tradução. Tradução de Mayara Matsu Marinho & Roseni Silva. In-Traduções, 5(8), p. 185‐218, 2013. categoriza segundo o grau de manipulação intercultural, quais sejam, a conservação e a substituição. A partir da análise dos contos, elas concluem que em The Complete Stories, em alguns casos, observa-se:

Uma combinação de duas estratégias: a tradução linguística/literal e a criação autônoma. Tais estratégias combinadas unem o caráter conservativo e substitutivo da tradução, o que aponta mais uma vez para a dinamicidade da atividade tradutória, que é escorregadia e, muitas vezes, não se conforma às polarizações (Santos & Branco, 2022Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “Itens Clariceanos-específicos em The Complete Stories: uma análise das estratégias de tradução de expressões criadas pela autora”. Ilha do Desterro, 75(1), p. 111-129, 2022. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8026.2022.e82427
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, p. 123, grifo das autoras).

Essa colocação corrobora a visão de que, ainda que se procure seguir uma determinada orientação, a tradução literária requer soluções maleáveis e imprevistas que atendam, antes de tudo, às demandas criativas de cada texto.

A discussão que propusemos expõe a complexidade das decisões que a tradução da narrativa ficcional implica, a variedade de respostas que o tradutor/a pode oferecer e as numerosas críticas que elas podem gerar. Procuramos mostrar que as diretrizes teórico-práticas que guiam o ato de traduzir literatura são mais produtivas quando encaradas como diretivas que orientam o processo, de modo a acolher decisões que contemplem a natureza figurativa, aberta e criadora da linguagem literária. As traduções prolongam a vida do dito texto original, renovando-o ao trazer-lhe a diferença e ao colocá-lo em diálogo com o presente. Sempre, e mais uma vez, Walter Benjamin.

  • 1
    Nos referiremos à escritora pelo primeiro nome.
  • 2
    Para pesquisas com objetivos semelhantes, recomendamos consultar Widman & Zavaglia (2017)Widman, Julieta & Zavaglia, Adriana. “Domesticação e estrangeirização em duas traduções para o inglês de A paixão segundo G. H., de Clarice Lispector”. Cadernos de Tradução, 37(1), p. 90-118, 2017. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2017v37n1p90
    https://doi.org/10.5007/2175-7968.2017v3...
    , Freitas (2018)Freitas, Luana Ferreira de. “A radicalidade de Clarice Lispector traduzida para o sistema literário anglófono”. Cadernos de Tradução, 38(3), p. 244-258, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v38n3p244
    https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v3...
    e Santos & Branco (2022)Santos, Aurielle Gomes dos & Branco, Sinara Oliveira de. “Itens Clariceanos-específicos em The Complete Stories: uma análise das estratégias de tradução de expressões criadas pela autora”. Ilha do Desterro, 75(1), p. 111-129, 2022. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8026.2022.e82427
    https://doi.org/10.5007/2175-8026.2022.e...
    .
  • 3
    “The language in Clarice is no mere instrument for a plot: it is a protagonist in her writings. In Clarice, as in great writers, the complementarity between form and content is entangled, which hinders the work of the translator who tends, generally, to deal with prose and semantic translation” (Freitas, 2018Freitas, Luana Ferreira de. “A radicalidade de Clarice Lispector traduzida para o sistema literário anglófono”. Cadernos de Tradução, 38(3), p. 244-258, 2018. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v38n3p244
    https://doi.org/10.5007/2175-7968.2018v3...
    , p. 247).
  • 4
    “Lispector’s peculiar grammar, syntax, punctuation, and diction” (Rohter, 2015Rohter, Larry. “Review: Clarice Lispector’s ‘The Complete Stories’ Sees Life with Existential Dread”. 11/08/2015. The New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2015/08/12/books/review-clarice-lispectors-the-complete-stories-sees-life-with-existential-dread.html. Acesso em 24 ago. 2023.
    https://www.nytimes.com/2015/08/12/books...
    , s. p.).
  • 5
    “However, Tymoczko’s point that it is problematic to see the domestication/foreignisation opposition as a universal standard of evaluation is a strong one: it becomes more difficult when we try to characterize translations of whole texts as being domesticating or foreignising overall” (Myskja, 2013Myskja, Kjetil. “Foreignisation and resistance: Lawrence Venuti and his critics”. Nordic Journal of English Studies, 12(2), p. 1-23, 2013. DOI: 10.35360/njes.283
    https://doi.org/10.35360/njes.283...
    , p. 8).
  • 6
    “[...] sees this dichotomy as too simple to describe the reality of what happens in translations. It is problematic as a description of the overall character of a translated text, since it forces one, as she sees it, to classify a rich variety of possible translator attitudes to the text as a whole as either domestication or foreignization” (Myskja, 2013Myskja, Kjetil. “Foreignisation and resistance: Lawrence Venuti and his critics”. Nordic Journal of English Studies, 12(2), p. 1-23, 2013. DOI: 10.35360/njes.283
    https://doi.org/10.35360/njes.283...
    , p. 11).
  • 7
    “It’s an understandable impulse, but it does her a disservice: if you take out the weirdness of Clarice, you take out Clarice” (Moser, 2011Moser, Benjamin. “Brazil’s Clarice Lispector gets a second chance in English”. 02/12/2011. Publishing Perspectives. Disponível em: https://publishingperspectives.com/2011/12/brazil-claire-lispector-second-chance-in-english/. Acesso em 24 ago. 2023.
    https://publishingperspectives.com/2011/...
    , s. p.).
  • 8
    Nesse programa, Noemi Jaffe (2016, s. p.)Jaffe, Noemi. “Clarice Lispector e o efeito do estranhamento”. 30/08/2016. Café Filosófico. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WV7vq5g_DQM. Acesso em 26 jan. 2023.
    https://www.youtube.com/watch?v=WV7vq5g_...
    conta que pediram a Clarice: “[...] por que você não escreve uma história normal, com começo, meio e fim?” Ela respondeu: “Está bem, vou tentar. Era uma vez um pássaro. Meu Deus”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2023
  • Aceito
    30 Jun 2023
  • Publicado
    Set 2023
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