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PARATEXTOS E TRADUÇÃO: O MODUS OPERANDI DE EUGÉNIO DE ANDRADE

PARATEXTS AND TRANSLATION: EUGÉNIO DE ANDRADE’S MODUS OPERANDI

Resumo

A atividade tradutória de Eugénio de Andrade constitui uma parte conspícua, porém pouco estudada, da sua produção. O poeta não deixou estudos sistemáticos a esse propósito, mas acompanhou os seus trabalhos com reflexões breves e assistemáticas. No presente estudo, analisaremos vários paratextos (Genette, 1987Genette, Gérard. Introduction à l’architexte. Paris: Éditions du Seuil, 1979.; Batchelor, 2018) com o objetivo de individuar o método tradutório do poeta e esclarecer a sua relação com esta atividade. Veremos como a prática tradutória comporta para o autor a análise comparativa das versões em várias línguas e o estudo filológico dos textos, delineando-se, assim, um método que apresenta elementos comuns com algumas das mais modernas teorias sobre a tradução (Buffoni, 2004; Meschonnic, 1999, 2006). A análise permitirá, ainda, mostrar que Eugénio de Andrade encara o texto como “texto em movimento”.

Palavras-chave
paratextos; tradução; método tradutório; Eugénio de Andrade; poesia

Abstract

Eugénio de Andrade’s translation activity represents a conspicuous but less studied part out of all his production. At this regard, the poet has not left us systematic studies, just short and asystematic reflections which accompany his works. In this paper we will analyse various paratexts (Genette, 1987Genette, Gérard. Introduction à l’architexte. Paris: Éditions du Seuil, 1979.; Batchelor, 2018) in order to identify the poet’s translation method and clarify his relationship with this kind of activity. We will find out how, for the poet, the translation practice implies the comparative analysis of the versions in different languages, and the philological study of the texts: thus, a method that presents characteristic similarities with some of the most modern theories about translation (Buffoni; Meschonnic) will be outlined. The analysis will also let us demonstrate that Eugénio de Andrade approaches the text as a “text in motion”.

Keywords
paratexts; translation; translation method; Eugénio de Andrade; poetry

A atividade tradutória de Eugénio de Andrade foi bastante vária e deu os seus primeiros ‘frutos’ editoriais em 1946, com a publicação de um florilégio da poesia de Federico García Lorca, autor particularmente importante na sua formação (García Lorca, 1946García Lorca, Federico. Antologia Poética. Seleção e tradução de Eugénio de Andrade, com um poema de Miguel Torga e um estudo de Andrée Crabbé Rocha. Coimbra: Coimbra Editora, 1946.)1 1 Lembramos que, até 1946, o poeta tinha publicado três coletâneas. As obras foram em seguida rejeitadas e a antologia de García Lorca passou a ocupar o lugar de sua obra de estreia, mesmo antes de As Mãos e os Frutos (1948). . Com a dupla natureza inerente a uma antologia de textos traduzidos, este livro inaugurou dois percursos que Eugénio de Andrade seguirá longamente, ao lado do principal de poeta: a atividade de tradutor e a de antologista. Ambas se revelaram frutuosas, quer pela qualidade, quer pelo número de trabalhos que originaram, e constituem uma contínua reflexão – uma reflexão ‘na prática’ – sobre a literatura e a tradução. De García Lorca, o poeta publicou ainda, na versão portuguesa, a obra teatral Amor de Dom Perlimplim com Belisa em Seu Jardim em 1961; em 1968, Trinta e Seis Poemas e uma Aleluia Erótica, que reúne as duas obras anteriores; dez anos mais tarde, Dez poemas de García Lorca; finalmente, em 1980, mais uma obra teatral, Pequeno Retábulo de D. Cristóvão. O corpus das traduções por ele realizadas, contudo, vai além da obra do poeta andaluz, incluindo as Cartas portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado (1969) traduzidas do francês, os poemas e fragmentos da poetisa grega Safo (1974)Safo. Poemas e Fragmentos de Safo. Tradução de Eugénio de Andrade. Porto: Limiar, 1974., Doze poemas de Yannis RitsosRitsos, Yannis. Doze poemas de Yannis Ritsos traduzidos por Eugénio de Andrade. Porto: Inova, 1979. (1979) e uma antologia de poemas de vários autores do século XX com título Trocar de Rosa (1980). A este conjunto é oportuno acrescentar o poema “À sombra de Victor HugoHugo, Victor. La légende des siècles. La fin de Satan. Dieu. Texte établi et annoté par Jacques Truchet. Paris: Bibliothèque de la Pléiade, Gallimard, 1950.” que fecha a coletânea Pequeno Formato, de 1997Andrade, Eugénio de. Pequeno Formato. Com retrato de Alfredo Luz e desenho de José Rodrigues. Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 1997., e constitui a tradução de um verso do escritor francês, extraído de La fin de Satan.

Esta atividade tradutória não foi, contudo, acompanhada por uma reflexão explícita e sistemática sobre a tradução, uma vez que Eugénio de Andrade deixou escassos depoimentos teóricos a tal propósito. As investigações relativas à prática tradutória do poeta devem, portanto, considerar um conjunto mais amplo de elementos: esta estrada foi já percorrida por Charlotte Frei no que concerne à tradução eugeniana das Cartas portuguesas, numa proposta metodológica que reflete o próprio método tradutório do poeta:

O projecto de tradução, na nossa análise, contempla o horizonte plural no qual se inserem a concepção tradutiva individual do poeta, a sua praxis tradutiva anterior, os horizontes das traduções portuguesas anteriores e da crítica literária internacional acerca desta polémica obra. Estudamos, a seguir, no plano da aplicação do projecto tradutivo aspectos significativos também em comparação crítica com as traduções dos predecessores. Referimo-nos particularmente a elementos paratextuais e textuais da obra, como o título, o aviso e a ordem das cartas.

(Frei, 2002Frei, Charlotte. Tradução e recepção literárias: o projecto do tradutor. Braga: CEHUM, 2002., p. 105).

Com o objetivo de se identificar e descrever o modus operandi de Eugénio de Andrade, podem-se, portanto, inferir mais informações a partir de elementos textuais (a seleção dos textos a traduzir, a disposição deles no interior das obras, etc.) e paratextuais. Nas duas últimas décadas têm surgido vários estudos relativos aos paratextos no âmbito da tradução, com o objetivo de responder às inúmeras questões que este tipo de reflexão tem levantado, como, entre muitas outras, a possibilidade de se considerar uma tradução como um paratexto do original ou, pelo contrário, como um texto independente por sua vez acompanhado por paratextos; ou, ainda, esclarecer qual o papel dos paratextos na apresentação, na receção e no estudo de um texto traduzido. Ponto de partida de qualquer reflexão a esse propósito é a produção de Gérard Genette: nomeadamente Seuils, de 1987, inteiramente dedicado ao estudo dos paratextos, mas também célebres obras anteriores, tais como Introduction à l’architexte, de 1979, e Palimpsestes, de 1982. Nas palavras de Sonia Netto Salomão, de facto,

[…] desde o exaustivo estudo de Gérard Genette, não é mais possível ignorar o valor dos elementos que contextualizam uma obra e com ela dialogam. No caso da tradução, os prefácios, posfácios, notas e glossários são elementos estruturalmente importantes e fazem parte da produção do texto traduzido. Na maioria dos casos considerados, informam sobre o método utilizado pelo tradutor na sua versão e indicam a situação editorial do autor no contexto cultural para o qual foi transplantado.

(Netto Salomão, 2019aNetto Salomão, Sonia. “As versões italianas d’O crime do Padre Amaro: por uma crítica da tradução”. Rivista di Studi Portoghesi e Brasiliani, XXI, p. 59-67, 2019a. DOI: https://doi.org/10.19272/201902701006
https://doi.org/10.19272/201902701006...
, p. 62)2 2 Cfr. também Netto Salomão (2014, p. 21-34). .

O ensaio de Genette de 1987 aborda a questão sobretudo no âmbito da tradição literária francesa e estimula outros especialistas a aprofundar o tema, na época escassamente tratado, tendo, assim, engendrado uma grande quantidade de estudos colocáveis no seio de disciplinas diferentes. Já em Palimpsestes, o autor tinha enumerado “cinco modalidades de relações transtextuais” (Netto Salomão, 2019bNetto Salomão, Sonia. Machado de Assis e o cânone ocidental: itinerários de leitura. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2019b., p. 75), focando a atenção nos paratextos e assim definindo-os:

Le second type est constitué par la relation, généralement moins explicite et plus distante, que, dans l’ensemble formé par une œuvre littéraire, le texte proprement dit entretient avec ce que l’on ne peut guère nommer que son paratexte: titre, sous-titre, intertitres ; préfaces, postfaces, avertissements, avant-propos, etc. ; notes marginales, infrapaginales, terminales ; épigraphes ; illustrations ; prière d’insérer, bande, jaquette, et bien d’autres types de signaux accessoires, autographes ou allographes, qui procurent au texte un entourage (variable) et parfois un commentaire, officiel ou officieux, dont le lecteur le plus puriste et le moins porté à l’érudition externe ne peut pas toujours disposer aussi facilement qu’il le voudrait et le prétend.

(Genette, 1982Genette, Gérard. Palimpsestes, la littérature au second degré. Paris: Éditions du Seuil, 1982., p. 10).

Em Seuils, ele aborda de forma indireta a questão da tradução através de inúmeros exemplos, muitas vezes tratando do paratexto relativo às obras traduzidas, isto é, atribuindo às traduções o estatuto de texto, como no atual paradigma dos estudos da tradução; na conclusão da obra, porém, Genette trata de forma explícita o tema, inserindo a tradução na enumeração de três práticas (juntamente com a ilustração e a publication en feuilleton) “dont la pertinence paratextuelle me paraît indéniable” (Genette, 1987Genette, Gérard. Seuils. Paris: Éditions du Seuil, 1987., p. 414), afirmando até que, nos casos de autotradução, ela funciona como comentário ao texto original. Esta incongruência será sublinhada por Kathryn Batchelor no seu ensaio Translation and Paratexts, no qual a autora realiza uma análise pontual de Seuils à luz dos estudos da tradução e oferece ao leitor conspícuas informações sobre as reflexões desenvolvidas até ao momento da sua publicação no âmbito da relação entre paratexto e tradução (Batchelor, 2018Batchelor, Kathryn. Translation and Paratexts. Nova York: Routledge, 2018., p. 25-45). Batchelor propõe também uma definição de paratexto, elaborada inclusive a partir da análise deste conceito no âmbito dos textos digitais e audiovisuais: “A paratext is a consciously crafted threshold for a text which has the potential to influence the way(s) in which the text is received” (Batchelor, 2018Batchelor, Kathryn. Translation and Paratexts. Nova York: Routledge, 2018., p. 142). Os paratextos que apresentaremos, de facto, influenciaram a receção da obra pelos leitores contemporâneos ou ainda, como é o caso dos epitextos, nomeadamente das trocas epistolares, acabam por ter esta função a uma grande distância temporal, quando interrogados pelos pesquisadores. A esse propósito, recuperando as reflexões de Gérard Genette, Charlotte Frei fala de “paratextualidade de uma obra literária como uma ‘zona’, não só de transição, mas também de transacção, isto é, que não só apresenta o texto, mas actua, igualmente, sobre o leitor e a sua leitura” (Frei, 2002Frei, Charlotte. Tradução e recepção literárias: o projecto do tradutor. Braga: CEHUM, 2002., p. 136).

Os paratextos das obras traduzidas constituem, para Eugénio de Andrade, o lugar de reflexão sobre a tradução por excelência, sendo acervos de informações relativas à sua relação com a tradução e ao método por ele utilizado na prática tradutória. Entre eles, no presente trabalho consideraremos os prefácios de algumas das obras traduzidas, as entrevistas, nomeadamente as contidas em Rosto Precário, de 1979, e a correspondência com Jorge de Sena, publicada em 2016. Segundo Gérard Genette, as entrevistas fazem parte do épitexte médiatisé e podem ser consideradas como substitutas dos prefácios. Tendo como alvo o público, elas influenciam a receção da obra até mesmo antes da leitura (Genette, 1982Genette, Gérard. Palimpsestes, la littérature au second degré. Paris: Éditions du Seuil, 1982., p. 330-333). Por outro lado, o épitexte privé, ou seja, as trocas epistolares, geralmente não se dirige ao público, sendo raras as correspondências publicadas e, quando isto acontece, como no nosso caso, a publicação tem lugar muito depois da troca (Genette, 1987Genette, Gérard. Seuils. Paris: Éditions du Seuil, 1987., p. 342-353). Nos prefácios e nas entrevistas, o poeta oferece algumas (lacónicas, porém muito significativas) definições de ‘tradução’: é o caso, por exemplo, da célebre afirmação de que traduzir é “trocar de rosa” (“a arte de traduzir cabe toda nas três palavras que descobri num verso de Neruda: trocar de rosa”, AA.VV., 1995, p. 15)3 3 O verso pertence ao poema Himno y regreso, o segundo da secção do Canto General com título Canto General de Chile, que Pablo Neruda escreveu em 1939, assim que regressou para o Chile depois do exílio. A sua versão portuguesa encontra-se na coletânea em questão. , expressão que ele utilizará como título da sua coletânea de traduções e, em francês, como título de uma antologia de versões dos seus poemas em várias línguas, Changer de Rose, de 1980. Além disso, ele identifica os poemas traduzidos com “exercícios de aproximação” (AA. VV., 1995AA. VV. Trocar de Rosa. Seleção e tradução de Eugénio de Andrade. 5. ed. Porto: Inova, 1995., p. 15): esta eficaz expressão defende, por um lado, a ideia de tradução como tensão para o original, na consciência de que nunca haverá uma versão capaz de refletir todos os matizes do texto poético (aliás, a tradução é uma “transfusão de sangue perdida”, Andrade, 2013Andrade, Eugénio de. Os Afluentes do Silêncio [1968]. Porto: Assírio & Alvim, 2013., p. 75); por outro, ela evidencia uma visão artesanal do ato tradutório que se inscreve na conceção eugeniana da poesia em geral, analisada deste ponto de vista por Maria João Reynaud, entre outros críticos (Reynaud, 1994Reynaud, Maria João. “A poesia de Eugénio de Andrade: esboço de uma leitura”. Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, 11, p. 365-367, 1994.). A relação do poeta com a tradução – que constitui uma maneira de se apossar do poema, segundo quanto afirma em relação aos poemas e aos fragmentos de Safo (Andrade, 2015Andrade, Eugénio de. Rosto Precário [1979]. Porto: Assírio & Alvim, 2015., p. 60) –, fundamenta-se no exercício, na prática: primeiro, na subtil arte da leitura do texto poético, que prevê, inclusive, a comparação das traduções de um poema para uma compreensão do texto mais profunda, quando desconhece a língua de partida; em segundo lugar, na prática da sua ‘recriação’ em português. A tradução tem êxito quando o resultado for um poema: “Aliás, não sou tradutor por ofício. Traduzo apenas por gosto. Na tradução de um poema, parece-me fundamental que o resultado seja outro poema. Só a partir daí se pode falar em tradução” (Andrade, 2015Andrade, Eugénio de. Rosto Precário [1979]. Porto: Assírio & Alvim, 2015., p. 61).

De entre os paratextos à nossa disposição, particularmente rica de referências à tradução é a troca epistolar entre Eugénio de Andrade e Jorge de Sena. Publicada em 2016, nela encontram-se cartas em que os poetas comentam versões próprias ou alheias, oferecendo, assim, ao leitor a possibilidade de assistir a um diálogo sobre a prática da tradução entre dois dos maiores poetas portugueses do século XX. As numerosas traduções realizadas por Jorge de Sena ensejam frequentemente o debate: na correspondência é possível ler as cartas em que os dois discutem, por exemplo, acerca da célebre coletânea de versões de Sena, que o próprio Eugénio de Andrade propõe chamar de Poesia de 26 Séculos, título aceite pelo amigo, e que será publicada em dois volumes, respetivamente em 1971 (I – De Arquíloco a Calderón) e 1972 (II – De Bashô a Nietzsche), pela Inova do Porto. Eugénio de Andrade lê e comenta as traduções, sendo também o intermediário entre o tradutor, que na altura vivia nos Estados Unidos, e a editora. Leiamos um trecho:

Meu querido Jorge:

Fiz já duas ou três leituras das tuas traduções – a que comecei a chamar, não sei se o título te agrada, Poesia de vinte e seis séculos – a última dela comparada com os originais, nas línguas que conheço e, nalguns casos, com originais e versões francesas ou italianas ou espanholas. […] E algumas dessas traduções são absolutamente espantosas pela fidelidade dupla de visão e expressão. E pela primeira vez vão aparecer no nosso país traduções limpas de eufemismos ou «atenuadas», como os tradutores costumam dizer em nota. E essa não é das menores virtudes das tuas traduções.

(Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 230).

Além de recorrer à categoria de ‘fidelidade’ para comentar a tradução do amigo (sublinhando a afinidade poética entre o tradutor e o autor), nessas linhas Eugénio de Andrade sugere-nos uma tendência dos tradutores contemporâneos para intervir de forma contundente sobre o texto, através de estratégias tradutórias que limam determinados elementos do original. A carta é datada, de facto, de 28 de junho de 1969, anos antes do fim da ditadura: a tradução de obras estrangeiras em Portugal deve ter sido afetada pela censura e pela autocensura da mesma maneira que as obras originais4 4 A pesquisa neste campo encontra-se ainda numa fase incipiente, apesar do seu potencial interesse nos âmbitos da história da literatura e da língua portuguesa, e dos estudos de cultura: entre as obras existentes, assinalamos as atas do V Colóquio de Estudos de Tradução em Portugal organizado em 2008 pela Universidade Católica Portuguesa, Traduzir em Portugal Durante o Estado Novo; além de outros trabalhos da mesma autora, Seruya (2009, 2018). , como o próprio Jorge de Sena denuncia a propósito de um artigo que continha algumas suas traduções de Petrónio (Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 360-361). O elemento mais interessante do excerto, todavia, é a referência para a metodologia comparativa na qual Eugénio de Andrade assenta aquela que atualmente chamaríamos de ‘crítica da tradução’. A sua vontade de compreender as escolhas dos tradutores (visando, em última análise, uma compreensão profunda do texto), leva-o à comparação do texto de chegada com o de partida e com versões em outras línguas. Mais um exemplo desta praxis emerge dos comentários feitos em carta de pouco sucessiva à anterior (25 de novembro de 1969) a uma tradução do poeta de Alexandria, Konstantinos Kavafis (1863-1933)5 5 Eugénio de Andrade enumera amiúde o poeta alexandrino entre os seus favoritos. São várias as razões desta paixão: uma tendência a aproximar a poesia da prosa, a celebração do corpo (“[…] a Eugénio de Andrade com frequência se tem chamado ‘poeta do corpo’ […] o que primeiro se apostou em dignificar tal dimensão do homem, num país em que por essa altura nomes como Cavafy ou Cernuda eram totalmente desconhecidos”, Nava, 1987, p. 19-20) e da juventude (“Kavafis também... // ...amava a juventude, eu sei. E não por acaso. Kavafis é o poeta admirável da nostalgia desse sol a prumo sobre corpos sem sombras”, Andrade, 2015, p. 62). A ele dedica o poema “Quarto de Kavafis na rua Lepsius”, de Homenagens e Outros Epitáfios (Andrade, 1990, p. 393), em seguida expungido. A dedicatória, contudo, permanece graças a “Kavafis, nos anos distantes de 1903” (Andrade, 2017, p. 256) da mesma coletânea. , realizada por Jorge de Sena. Eugénio de Andrade compara a versão do amigo com a tradução italiana:

Voltemos ao Cavafy.

No poema 66 – «Para Amónio» – o verso final

«Um alexandrino diz de outro alexandrino»

eu gostaria mais de

«Um alexandrino fala de outro alexandrino».

Pontani traduz:

«Che d’un alessandrino scrive un alessandrino».

No poema 153 – «Dias de 1908» no 14.º verso é deliberadamente que traduzes: «Raramente uma nota, menos raro menos»?

Pontani traduz:

Quanto ai prestite, poco da sciolare:

un talvero, più spesso mezzo; e da qualuno

si reduceva a prendere uno scelino, e basta.

(Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 260-261)6 6 O segundo trecho apresenta vários erros. Segue o texto italiano correto: «Quanto ai prestiti, poco da scialare: / un tallero, più spesso mezzo; e da qualcuno / si riduceva a prendere uno scellino, e basta» (Kavafis, 1961, p. 470-3). Filippo Maria Pontani (1913-1983) foi um filólogo clássico e um dos maiores tradutores italianos do grego antigo e moderno. .

Eugénio de Andrade mostra, assim, refletir atentamente sobre a tradução e, ainda a propósito da obra kavafiana, revela a importância que atribui ao trabalho dos tradutores.

Comparei mesmo alguns poemas com a tradução de Pontani. Como imaginava, a tua tradução é incomparável, particularmente, os poemas breves, os mais difíceis de traduzir, pelo risco que alguns correm de se transformarem numa quase banalidade madrigalesca, o que acontecia com as traduções francesas, a que não escapam mesmo as traduções mais belas. É um prodígio o que consegues. E se podes afirmar, apoiado em Goethe, que não há grande poema que não possa ser traduzido, seria indispensável juntar que tudo vai do tradutor. Ora o Cavafy teve sorte de te encontrar no caminho.

(Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 211)7 7 Sena tinha já publicado no Comércio do Porto algumas traduções de poemas de Kavafis. Nesta carta, datada de 21 de maio de 1969, Eugénio de Andrade conta ter comparado as velhas traduções com as novas para se dar conta das variantes. .

Em outras ocasiões, emerge a preocupação do poeta com a inserção do texto traduzido naquele que o teórico israelita Itamar Even-Zohar define polissistema literário da língua de chegada (Even-Zohar, 1978Even-Zohar, Itamar. “The Position of Translated Literature within the Literary Polysystem”. In: Hrushovski, Benjamin & Even-Zohar, Itamar (Org.). Papers on Poetics and Semiotics 8. Tel Aviv: University Publishing Projects, 1978. p. 21-27., p. 21-27). É assim que ele se expressa, em carta de 23 de julho de 1969, a propósito das traduções de Emily Dickinson realizadas por Jorge de Sena:

E agora as tuas traduções da Dickinson. Eu conhecia há já uns bons 10 ou 12 anos as traduções do Bosquet, editadas pela Seghers. […] Há toda uma série de poemas que, graças a ti, ficaram a ser modelarmente portugueses, pela perfeição com que passaram à nossa língua. Traduzir é isso, não é verdade?

(Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 238)8 8 Sublinhado no texto. .

Uma tradução que vise um tal êxito deve pressupor o conhecimento sólido da obra original: o método comparativo que até agora vimos em atuação relativamente à ‘crítica da tradução’ constitui, quando é o caso, um estudo de base para ele próprio empreender novas traduções. Este conhecimento é acompanhado pelo estudo da história filológica da obra a traduzir, de forma a alcançar, na sua versão em português, o rigor que ele preconiza inclusive para os seus poemas. É o que a filóloga clássica Maria Helena da Rocha Pereira reconheceu com respeito às versões eugenianas de Safo, que mereceram os seus elogios, apesar de o poeta desconhecer o grego (Rocha Pereira, 1988Rocha Pereira, Maria Helena da. “Poesia de Safo em Eugénio de Andrade”. In: Rocha Pereira, Maria Helena da. Novos ensaios sobre temas clássicos na poesia portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988. p. 323-332., p. 323-332). Com base nas suas sugestões, Eugénio de Andrade publicou em 1977 uma segunda edição reduzida da obra (Safo, 1995Safo. Poemas e Fragmentos de Safo. Tradução de Eugénio de Andrade. 5. ed. Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 1995., p. 11-14). No caso das Cartas portuguesas, atribuídas a Mariana Alcoforado, embora no prefácio ele não tome posição sobre a questão, o poeta mostra conhecer nos pormenores a querela relativa à obra e, por esta mesma razão, realiza escolhas tradutórias que sejam neutras nesse sentido. No inicial “Da tradução destas cartas, podendo servir de prefácio”, o poeta sublinha a vontade de não realizar uma tradução ideológica, que interprete o texto de forma a responder a necessidades contingentes: “Foi nosso propósito, ao traduzirmos, há já um bom par de anos, as ‘Cartas’ atribuídas ainda por alguns à freira de Beja, servi-las e não servirmo-nos delas” (Alcoforado, 1969Alcoforado, Mariana. Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado. Tradução de Eugénio de Andrade. Porto: Inova, 1969., p. 13). Também aqui está patente o consueto rigor do poeta: ao comentar as escolhas relativas à pontuação, ele afirma ter-se baseado em parte na tradução de Rainer Maria Rilke, por causa da irregularidade da edição francesa que escolheu como texto de partida9 9 Para uma análise aprofundada desta obra, veja-se Frei (2002, p. 105-171). . O mesmo rigor estará patente em todas as obras que ele organizou como “segundo autor” (pensamos, por exemplo, na introdução à antologia dos sonetos camonianos, na maior parte ocupada por esclarecimentos de cunho filológico, Andrade, 2020Andrade, Eugénio de. “A suprema festa”. In: Camões, Luís de. Sonetos de Luís de Camões escolhidos por Eugénio de Andrade. Porto: Assírio & Alvim, 2020. p. 9-11., p. 9-11).

Sobre a Soror Mariana. A minha frase, por demasiado rápida, não exprimia fielmente o meu pensamento. Como tu, admito poder ter existido uma matéria portuguesa na origem das «cartas», mas absolutamente impossível de distinção daquilo que Guilleragues, ou quem quer que fosse, lhe juntou. Na minha tradução não tomo posição na querela da atribuição das Cartas, como não a tomo também na «Nota do tradutor», que escrevi de posfácio à edição. Daí ter traduzido «ma mère» por «minha mãe», «le balcon d’où vit Mértola» por «o balcão donde se avista Mértola», etc. Conheço a edição da Garnier, e aconselho-te a leitura do livro de António Belard da Fonseca – A Freira de Beja e as «Lettres Portugaises», 1966 – que é resposta à edição dos Prof. Deloppe e Rougeot. O livro é muito perturbante, e com ele me voltaram algumas perplexidades com as frases acima citadas. A tradução é muito fiel, mas de vez em quando permiti-me algumas liberdades. Foi feita, embora revista posteriormente, há já mais de dez anos, por encomenda do Cardoso Pires.

(Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 239-240)10 10 Carta de 23 de julho de 1969. A frase, incluída na anterior carta enviada a Jorge de Sena, à qual se refere no incipit do trecho é a seguinte: “O Cruz pretende editar ainda este ano, em edição de luxo, a minha tradução das Cartas portuguesas, que a nossa Soror Mariana não escreveu […]” (Sena, 2016, p. 231). Jorge de Sena comenta uma das escolhas tradutórias do interlocutor: “P.S. – Na Soror Mariana, o “ma mère” em que falas não se referirá à madre superiora? Não fui verificar o passo” (Sena, 2016, p. 243). .

A análise dos paratextos das traduções eugenianas permite identificar um modus operandi praticado pelo poeta que tem muito de inovador, de facto coincidindo com o cerne de algumas das mais recentes abordagens teóricas da tradução: é o caso, por exemplo, das teorizações do poeta italiano Franco Buffoni, que recorre à noção de “avantesto” própria da “filologia d’autore” italiana11 11 “[C]on ‘avantesto’ s’intende solo l’insieme dei dati materiali relativi a tutto ciò che ha preceduto il testo” (Italia & Raboni, 2010, p. 26). e ao conceito de movimento da linguagem desenvolvido por Friedmar ApelApel, Friedmar. Sprachbewegung. Heidelberg: Winter, 1982. em Sprachbewegung, de 1982. Nesta obra, Apel propõe a ideia da historicidade do texto de partida – o texto não é fixo nem imutável, mas carateriza-se por deslizes semânticos, mudanças no nível sintático e gramatical, etc. –, que partilha esta caraterística considerada própria do texto de chegada. Esta visão foi antecipada por Maurice Blanchot no seu ensaio “Traduire” aparecido em 1971, em que o autor sublinha o caráter móvel do texto original: “[…] tout ce qu’il y a d’avenir dans une langue à un certain moment, tout ce qui en elle désigne ou appelle un état autre […] s’affirme dans la solennelle dérive des œuvres littéraires” (Blanchot, 1971Blanchot, Maurice. L’amitié. Paris: Gallimard, 1971., p. 71); sendo a tradução “liée à ce devenir, elle le ‘ traduit ’ et l’accomplit” (Blanchot, 1971Blanchot, Maurice. L’amitié. Paris: Gallimard, 1971., p. 71). Voltando à teorização de Franco Buffoni,

[s]i potrebbe persino affermare che il concetto di movimento del linguaggio nel tempo – che induce a considerare come “storici” (sull’esempio dei romantici tedeschi) sia il testo di partenza sia il testo di arrivo – nel processo della traduzione letteraria possa avere inizio prima ancora della redazione della stesura cosiddetta “definitiva” del cosiddetto “originale”, allorché al traduttore è possibile accedere anche all’avantesto […], impadronendosi così del percorso di crescita, di germinazione del testo nelle sue varie fasi. A riguardo un linguista come Pareyson parla di “formatività” del testo […].

(Buffoni, 2004Buffoni, Franco. “La traduzione del testo poetico”. In: Buffoni, Franco (Org.). La traduzione del testo poetico. Milano: Marcos y Marcos, 2004. p. 18-19., p. 18-19).

Várias contribuições teóricas conseguem, no nosso parecer, esclarecer as diferentes facetas do conceito de movimento do texto, envolvendo dimensões diferentes, mas contíguas. É o caso, por exemplo, da mouvance zumthoriana (Zumthor, 1972Zumthor, Paul. Essai de poétique médiévale. Paris: Éditions du Seuil, 1972., p. 73)12 12 Cfr. também Zumthor (1981, p. 8-16); Henri Meschonnic sobre o trabalho de Paul Zumthor em Meschonnic (2006, p. 37-66). ou da proposta de “texte en mouvement” avançada por Henri Meschonnic13 13 “Un texte, étant une suite indéfinie de réénonciations possibles, continue de transformer la lecture et d’être transformé par elle” (Meschonnic, 1999, p. 169). . Este conceito parece apropriado à obra de Eugénio de Andrade, quer no sentido da constante reelaboração dos textos (inclusive dos poemas ‘originais’), quer do ponto de vista da tradução. Ainda no prefácio às Cartas portuguesas, de facto, Eugénio de Andrade coloca a ênfase justamente na relação deste conceito com a tradução, a partir de dois pontos de vista: por um lado, relativamente ao trabalho de revisão e de constante modificação do texto, devido à insatisfação e às perplexidades dos tradutores perante uma versão ‘definitiva’:

Uma tradução, por ser na melhor hipótese uma aproximação, nunca mais acaba. […] Ao contrário, muito perplexos estamos ainda, já com o livro a caminho da tipografia, em termos de optar por uma única solução entre as muitas anotadas; e talvez, quem sabe?, à última hora nem sempre nos tenhamos decidido pelo melhor acorde.

(Alcoforado, 1986Alcoforado, Mariana. Cartas portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado. Tradução de Eugénio de Andrade. 5. ed. Porto: Limiar, 1986., p. 16).

Por outro lado, há a questão das traduções portuguesas anteriores, com as quais o tradutor se pôde confrontar: o tema, enfim, das retraduções.

E isto não porque nos faltassem exemplos com que confrontar o nosso esforço; pelo contrário, sobejavam. Mas tais exemplos só redundavam em dificuldades […] a alguns dos tradutores que nos precederam se ficou a dever o corte de um ou outro nó górdio que nos embaraçava, e ainda algumas sugestões que nos iluminaram o caminho.

(Alcoforado, 1986Alcoforado, Mariana. Cartas portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado. Tradução de Eugénio de Andrade. 5. ed. Porto: Limiar, 1986., p. 16).

Aspeto, este último, que Henri Meschonnic aborda justamente no capítulo intitulado “Le texte comme mouvement, et sa traduction comme mouvement” de Poétique du Traduire (1999), destacando a função de testemunho das retraduções para se analisar o ‘ponto de vista’ sobre a linguagem de um tradutor e de uma determinada época e assinalando-as como mais um aspeto do movimento do texto:

Ce sont les retraductions qui procurent la série la plus documentée des transformations d’un texte, de ses mouvements, par lesquels une culture se montre poétiquement. […] Chaque traduction est ainsi, plus encore qu’une version d’un texte, […] l’écriture de sa propre historicité.

(Meschonnic, 1999Meschonnic, Henri. Poétique du traduire. Lagrasse: Verdier, 1999., p. 175).

O trabalho relativo às traduções envolve também a questão da sua receção, assunto que os dois poetas frequentemente abordam na correspondência citada14 14 Como na carta de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena, datada de 21 de abril de 1970: “Quanto ao Cavafy […] [a] única referência que vi na imprensa é a que te envio” (Sena, 2016, p. 309). , bem como aspetos relacionados com a intertextualidade: Eugénio de Andrade procura e identifica intertextos nas traduções do amigo Jorge de Sena. Na tradução de «A Ceifeira Solitária» de Wordsworth, por exemplo, ele reconhece ecos da poesia de Pessanha (Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 308-309).

Resumindo, o método de trabalho do poeta-tradutor carateriza-se por um profundo conhecimento do texto do ponto de vista filológico e da sua bibliografia crítica; baseia-se na comparação das traduções em outras línguas e das traduções anteriores em português; envolve o conhecimento dos paratextos das obras originais e das traduções; é assente numa abordagem artesanal e que encara, enfim, o texto como ‘texto em movimento’. Esta bagagem de informações – que constituem, sem dúvida, um ponto de partida para o aprofundamento do tema –, testemunha a complexidade da atividade tradutória praticada por Eugénio de Andrade e a sua atualidade teórica, e faz-nos entrever os resultados a que se pode chegar interrogando os paratextos.

  • 1
    Lembramos que, até 1946, o poeta tinha publicado três coletâneas. As obras foram em seguida rejeitadas e a antologia de García Lorca passou a ocupar o lugar de sua obra de estreia, mesmo antes de As Mãos e os Frutos (1948)Andrade, Eugénio de. As Mãos e os Frutos. Lisboa: Portugália, 1948..
  • 2
    Cfr. também Netto Salomão (2014, p. 21-34)Netto Salomão, Sonia. “Tradução e recepção de Machado de Assis na Itália: a função dos paratextos”. In: Netto Salomão, Sonia; De Marchis, Giorgio & Celani, Simone (Org.). Italia, Portogallo, Brasile: un incontro di storia, lingua e letteratura attraverso i secoli. Roma: Nuova Cultura, 2014. p. 21-34..
  • 3
    O verso pertence ao poema Himno y regreso, o segundo da secção do Canto General com título Canto General de Chile, que Pablo Neruda escreveu em 1939, assim que regressou para o Chile depois do exílio. A sua versão portuguesa encontra-se na coletânea em questão.
  • 4
    A pesquisa neste campo encontra-se ainda numa fase incipiente, apesar do seu potencial interesse nos âmbitos da história da literatura e da língua portuguesa, e dos estudos de cultura: entre as obras existentes, assinalamos as atas do V Colóquio de Estudos de Tradução em Portugal organizado em 2008 pela Universidade Católica Portuguesa, Traduzir em Portugal Durante o Estado Novo; além de outros trabalhos da mesma autora, Seruya (2009Seruya, Teresa; Moniz, Maria Lin & Assis Rosa, Alexandra (Org.). Traduzir em Portugal Durante o Estado Novo. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2009., 2018)Seruya, Teresa. Misérias e Esplendores da Tradução no Portugal do Estado Novo. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2018..
  • 5
    Eugénio de Andrade enumera amiúde o poeta alexandrino entre os seus favoritos. São várias as razões desta paixão: uma tendência a aproximar a poesia da prosa, a celebração do corpo (“[…] a Eugénio de Andrade com frequência se tem chamado ‘poeta do corpo’ […] o que primeiro se apostou em dignificar tal dimensão do homem, num país em que por essa altura nomes como Cavafy ou Cernuda eram totalmente desconhecidos”, Nava, 1987Nava, Luís Miguel. O essencial sobre Eugénio de Andrade. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987., p. 19-20) e da juventude (“Kavafis também... // ...amava a juventude, eu sei. E não por acaso. Kavafis é o poeta admirável da nostalgia desse sol a prumo sobre corpos sem sombras”, Andrade, 2015, p. 62). A ele dedica o poema “Quarto de Kavafis na rua Lepsius”, de Homenagens e Outros Epitáfios (Andrade, 1990Andrade, Eugénio de. Poesia e Prosa. 4. ed. aum. Lisboa: O Jornal, 1990., p. 393), em seguida expungido. A dedicatória, contudo, permanece graças a “Kavafis, nos anos distantes de 1903” (Andrade, 2017Andrade, Eugénio de. Poesia. Porto: Assírio & Alvim, 2017., p. 256) da mesma coletânea.
  • 6
    O segundo trecho apresenta vários erros. Segue o texto italiano correto: «Quanto ai prestiti, poco da scialare: / un tallero, più spesso mezzo; e da qualcuno / si riduceva a prendere uno scellino, e basta» (Kavafis, 1961Kavafis, Costantino. Poesie. Tradução de Filippo Maria Pontani. Milano: Mondadori, 1961., p. 470-3). Filippo Maria Pontani (1913-1983) foi um filólogo clássico e um dos maiores tradutores italianos do grego antigo e moderno.
  • 7
    Sena tinha já publicado no Comércio do Porto algumas traduções de poemas de Kavafis. Nesta carta, datada de 21 de maio de 1969, Eugénio de Andrade conta ter comparado as velhas traduções com as novas para se dar conta das variantes.
  • 8
    Sublinhado no texto.
  • 9
    Para uma análise aprofundada desta obra, veja-se Frei (2002, p. 105-171)Frei, Charlotte. Tradução e recepção literárias: o projecto do tradutor. Braga: CEHUM, 2002..
  • 10
    Carta de 23 de julho de 1969. A frase, incluída na anterior carta enviada a Jorge de Sena, à qual se refere no incipit do trecho é a seguinte: “O Cruz pretende editar ainda este ano, em edição de luxo, a minha tradução das Cartas portuguesas, que a nossa Soror Mariana não escreveu […]” (Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 231). Jorge de Sena comenta uma das escolhas tradutórias do interlocutor: “P.S. – Na Soror Mariana, o “ma mère” em que falas não se referirá à madre superiora? Não fui verificar o passo” (Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 243).
  • 11
    “[C]on ‘avantesto’ s’intende solo l’insieme dei dati materiali relativi a tutto ciò che ha preceduto il testo” (Italia & Raboni, 2010Italia, Paola & Raboni, Giulia. Che cos’è la filologia d’autore. Roma: Carocci, 2010., p. 26).
  • 12
    Cfr. também Zumthor (1981, p. 8-16)Zumthor, Paul. “Intertextualité et mouvance”. Littérature, intertextualité et roman en France, au Moyen Âge, 41, p. 8-16, 1981. DOI: https://doi.org/10.3406/litt.1981.1331
    https://doi.org/10.3406/litt.1981.1331...
    ; Henri Meschonnic sobre o trabalho de Paul Zumthor em Meschonnic (2006, p. 37-66)Meschonnic, Henri. Linguagem, ritmo e vida. Extratos traduzidos por Cristiano Florentino. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2006..
  • 13
    “Un texte, étant une suite indéfinie de réénonciations possibles, continue de transformer la lecture et d’être transformé par elle” (Meschonnic, 1999Meschonnic, Henri. Poétique du traduire. Lagrasse: Verdier, 1999., p. 169).
  • 14
    Como na carta de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena, datada de 21 de abril de 1970: “Quanto ao Cavafy […] [a] única referência que vi na imprensa é a que te envio” (Sena, 2016Sena, Mécia de (Org.). Jorge de Sena e Eugénio de Andrade: Correspondência 1949-1978. Lisboa: Guerra e Paz, 2016., p. 309).

Referências

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    » https://doi.org/10.3406/litt.1981.1331

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2022
  • Aceito
    17 Jan 2023
  • Publicado
    Mar 2023
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