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Exercícios dos músculos do assoalho pélvico exclusivos ou em combinação com oxibutinina no tratamento da enurese não monossintomática. Um estudo randomizado controlado com 2 anos de seguimento

Resumo

Objetivo

Comparar os resultados da uroterapia padrão isolada e associada ao treinamento dos músculos do assoalho pélvico isoladamente e em combinação com a oxibutinina no tratamento da enurese noturna não monossintomática.

Métodos

Trinta e oito crianças entre 5 e 10 anos de idade foram randomizadas em três grupos: Grupo I (n=12) realizou uroterapia padrão; Grupo II (n=15) realizou uroterapia padrão associada ao treinamento muscular do assoalho pélvico; e Grupo III (n=11) realizou uroterapia padrão associada ao treinamento muscular do assoalho pélvico e oxibutinina. O tratamento teve duração de 12 semanas. Os instrumentos de avaliação foram diário miccional lúdico e diário miccional de 48 horas, antes e depois do tratamento. Após 2 anos, os pacientes foram avaliados por telefone, usando um questionário padronizado.

Resultados

Os dados das crianças dos três grupos eram homogêneos no início do estudo. Após 12 semanas de tratamento, todas as crianças apresentaram melhora em relação aos sinais e sintomas de enurese noturna não monossintomática, mas as diferenças não foram significativas entre os grupos. Depois de 2 anos, os resultados do tratamento se mantiveram nos três grupos, mas não houve diferenças entre os grupos.

Conclusão

As três modalidades de tratamento foram eficazes na melhora da enurese e dos sintomas do trato urinário inferior, mas o tamanho da amostra não foi grande o suficiente para mostrar diferenças entre os grupos.

Diafragma da pelve/fisiopatologia; Enurese noturna; Oxibutinina; Incontinência urinária; Criança; Tratamento conservador

Abstract

Objective

To compare the results of the standard urotherapy alone and associated with pelvic floor muscle training alone, and in combination with oxybutynin in treatment of nonmonosymptomatic nocturnal enuresis.

Methods

A total of 38 children aged 5 to 10 years were randomized into three groups: Group I (n=12) that was submitted to standard urotherapy; Group II (n=15), standard urotherapy associated with pelvic floor muscle training; and Group III (n=11), standard urotherapy associated with pelvic floor muscle training and oxybutynin; the treatment lasted 12 weeks. The assessment tools used were playful bladder diary, and a 48-hour bladder diary, before and after treatment. After 2 years, patients were assessed by telephone using a standardized questionnaire.

Results

The data of children from the three groups were homogeneous at baseline. After 12-week treatment, all children showed improved symptoms and signs of nonmonosymptomatic nocturnal enuresis, but the differences were not significant among the groups. After 2 years, the three groups showed maintenance of treatment results, but no differences among them.

Conclusion

All treatment modalities were effective regarding improved enuresis and lower urinary tract symptoms, but the sample was not large enough to show differences among groups.

Pelvic floor/physiopathology; Nocturnal enuresis; Oxybutynin; Urinary incontinence; Child; Conservative treatment

Introdução

A enurese é uma doença comum, e sua prevalência varia de 5 a 10% em crianças de 6 a 7 anos. Aproximadamente 0,5 a 1% de adultos mantêm os sintomas de enurese. Sua causa é definida como imaturidade do sistema nervoso.(11. Nevéus T. Pathogenesis of enuresis: towards a new understanding. Int J Urol. 2017;24(3):174-82.) Ela é definida pela International Children’s Continence Society (ICCS) como um sintoma e uma condição de incontinência intermitente, que ocorre durante o sono. Divide-se em dois subgrupos, segundo a ocorrência, concomitante ou não, de outros sintomas do trato urinário inferior (STUI). Quando a criança apresenta enurese associada a STUI, como aumento da frequência de micção, incontinência, urgência, noctúria, hesitação, esforço para urinar, jato fraco, intermitência e disúria, ela é definida como enurese não monossintomática (NMNE); quando a enurese não tem associação com STUI, ela é definida como monossintomática.(22. Austin PF, Bauer SB, Bower W, Chase J, Franco I, Hoebeke P, et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: Update report from the standardization committee of the International Children’s Continence Society. Neurourol Urodyn. 2016; 35(4):471-81.)

Uma diretriz publicada pela ICCS em 2013 recomendou como avaliar e tratar crianças com NMNE. Tratamentos conservadores são preconizados como de primeira linha, mas alguns autores alertam para o fato de esta diretriz não ser uma revisão sistemática, e sim baseada em boas práticas, devido à falta de evidência científica nesta área.(33. Franco I, von Gontard A, De Gennaro M; International Childrens’s Continence Society. Evaluation and treatment of nonmonosymptomatic nocturnal enuresis: a standardization document from the International Children’s Continence Society. J Pediatr Urol. 2013;9(2):234-43.)

A uroterapia é definida pela ICCS e dividida em duas modalidades: terapia padrão, que inclui informações sobre a função do trato urinário inferior, modificação do comportamento, orientações quanto a estilo de vida, registro de sintomas e hábitos miccionais, e apoio regular de cuidadores. A outra modalidade de uroterapia aborda intervenções específicas, que incluem o treinamento muscular do assoalho pélvico (TMAP).(22. Austin PF, Bauer SB, Bower W, Chase J, Franco I, Hoebeke P, et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: Update report from the standardization committee of the International Children’s Continence Society. Neurourol Urodyn. 2016; 35(4):471-81.)

Apenas três estudos foram encontrados na literatura sobre tratamento conservador de NMNE; dois são retrospectivos, e o outro é um estudo controlado randomizado. Ferández-Pineda et al., publicaram(44. Fernández-Pineda I, Pérez Espejo MP, Fernández Hurtado MA, Barrero Candau R, García Merino F. [Biofeedback and electrostimulation in the treatment of non monosymptomatic enuresis]. Cir Pediatr. 2008;21(2):89-91. Spanish.) seus resultados de biofeedback e eletroestimulação no tratamento de NMNE e demonstraram média de 80% de melhora desses pacientes. Outro estudo retrospectivo mais recente investigou os efeitos de 6 meses de TMAP no tratamento de NMNE e encontrou melhora significativa nos sintomas relacionados de enurese, incontinência urinária, disúria, urgência, incontinência urinária de urgência e manobras de retenção.(55. Ebiloglu T, Ergin G, Irkilata HC, Kibar Y. The biofeedback treatment for non-monosymptomatic enuresis nocturna. Neurourol Urodyn. 2016;35(1):58-61.)

Antimuscarínicos são empregados no tratamento de STUI com resultados animadores,(33. Franco I, von Gontard A, De Gennaro M; International Childrens’s Continence Society. Evaluation and treatment of nonmonosymptomatic nocturnal enuresis: a standardization document from the International Children’s Continence Society. J Pediatr Urol. 2013;9(2):234-43.) como relatado por Campos et al.,(66. Campos RM, Gugliotta A, Ikari O, Perissinoto MC, Lúcio AC, Miyaoka R, et al. Comparative, prospective, and randomized study between urotherapy and the pharmacological treatment of children with urinary incontinence. einstein (São Paulo). 2013;11(2):203-8.) em estudo que comparou TMAP com o uso de oxibutinina em crianças com NMNE. O grupo TMAP mostrou melhores resultados na redução de episódios de incontinência.

Embora até agora os estudos tenham mostrado resultados animadores com tratamentos conservadores, várias modalidades terapêuticas foram usadas simultaneamente, e nenhuma conclusão individual pode ser tirada sobre quanto cada modalidade pode contribuir para o manejo de NMNE.

Objetivo

Analisar os resultados de terapia comportamental, uroterapia, e uroterapia combinada com oxibutinina; comparar a eficácia de três modalidades dos tratamento; e verificar a influência do tempo em cada modalidade, em pacientes com enurese não monossintomática.

Métodos

Foi conduzido um estudo randomizado controlado na clínica urológica do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Este estudo clínico foi registrado sob CAAE: 0377.0.146.000-08, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade (protocolo número: 465/ 2008), e o consentimento por escrito dos pais ou tutores legais foi obtido antes do início do estudo.

Os critérios de inclusão foram crianças com enurese noturna e STUI (avaliada por um diário miccional de 48 horas), com idade de 5 a 10 anos, sem cirurgia anterior de bexiga, disponibilidade para frequentar as sessões do tratamento e sem infecção do trato urinário confirmada por exame laboratorial. Os critérios de exclusão foram termo de consentimento não assinado, presença de bexiga neurogênica e uroterapia anterior.

Por meio de um programa de computador, os participantes foram randomizados em três grupos: Grupo I (n=12), que realizou uroterapia padrão (Grupo Controle); Grupo II (n=15), que realizou uroterapia padrão associada a TMAP; e Grupo III (n=11), que passou por uroterapia padrão associada a TMAP e oxibutinina.

Um diário lúdico foi o principal instrumento utilizado para avaliar o efeito do tratamento na NMNE. Os dados foram coletados 7 dias antes do tratamento e depois, mensalmente, até completar as 12 semanas de tratamento. O diário miccional lúdico continha um sol a ser colorido a cada dia para as noites secas, ou uma nuvem, para as noites molhadas (Figura 1). A criança foi instruída a colorir, sozinha, as figuras, mas a assistência dos pais era permitida em casos de dúvidas.(66. Campos RM, Gugliotta A, Ikari O, Perissinoto MC, Lúcio AC, Miyaoka R, et al. Comparative, prospective, and randomized study between urotherapy and the pharmacological treatment of children with urinary incontinence. einstein (São Paulo). 2013;11(2):203-8.)

Figura 1
Diário miccional lúdico

Foi utilizado um diário miccional de 48 horas como critério de inclusão para selecionar os pacientes com STUI e também como ferramenta secundária de avaliação. Dois anos após o final do tratamento, os participantes foram avaliados pelo telefone a respeito de STUI, por meio de um questionário específico. Durante essas 48 horas, os pacientes foram instruídos a anotar a quantidade e o tipo de líquido ingerido, a presença ou não de disúria, noctúria, urgência, frequência de eliminação de urina >10 vezes, manobras de retenção, constipação e presença de encoprese.

A avaliação dos diários miccionais lúdicos foi realizada por um fisioterapeuta, que era “cegado” quanto à alocação de grupo do participante.

Todos os voluntários, de ambos os sexos, seguiram a uroterapia padrão:

- Modificação comportamental: segundo o volume ingerido, medido pelo diário miccional de 48 horas, foram obtidas informações sobre a quantidade e os tipos de líquido que a criança bebeu durante o dia. A ingestão de volume foi ajustada pela divisão do volume total de líquidos em garrafas coloridas de 500mL, e os participantes deveriam tomar 50% deste volume pela manhã, 40% à tarde, e 10% à noite, evitando, assim, qualquer consumo de líquido 1 hora antes de dormir. As crianças foram incentivadas a evitar refrigerantes à noite e, se possível, tomá-los apenas em finais de semana. Sucos foram permitidos durante o dia, enquanto bebidas cafeinadas apenas pela manhã.

- Posição de micção apropriada: a postura no vaso sanitário foi explicada usando redutores de assento sanitário e um apoio para os pés, o que permite abdução confortável do quadril, com o tronco inclinado para frente, cotovelos apoiados nas coxas e a roupa íntima puxada até os tornozelos (Figura 2).

Figura 2
Postura miccional apropriada para meninas

- Informações: a criança e cuidadores receberam explicações sobre a anatomia e a função dos músculos do assoalho pélvico, e sua relação com o trato urinário inferior.

- Recomendou-se ter intervalos entre micções a cada 2 horas, a partir do primeiro episódio do dia. Usando um relógio ou um celular, a criança foi instruída a registrar, sozinha, os intervalos de micção, mas a ajuda dos pais foi permitida em caso de qualquer dúvida.

- Hábitos intestinais: as crianças e cuidadores foram informados a respeito da importância do consumo de fibras para uma boa função intestinal.

Além da uroterapia padrão, os Grupos II e III realizaram TMAP e foram instruídos a fazer uma contração apropriada dos músculos do assoalho pélvico, sem a contração concomitante da musculatura dos quadris ou glúteos. Em uma posição supina, eles realizaram duas séries de 10 contrações da musculatura do assoalho pélvico com o máximo esforço, com um total de 20 contrações por sessão. Biofeedback eletromiográfico foi usado para auxiliar os participantes e propiciar motivação. Os sinais eletromiográficos dos músculos do assoalho pélvico foram obtidos usando eletrodos colocados nas posições de 3 e 9 horas ao redor do ânus (por cima do músculo do esfíncter anal externo) e foram acoplados ao FlexComp Infiniti System with Biograph Infiniti Software − Thought Technology, Ltd. (Montreal, Canadá). Todos os participantes foram instruídos a repetir a mesma série de dez contrações máximas da musculatura do assoalho pélvico, conforme aprenderam durante a intervenção, três vezes ao dia, em casa.

No Grupo III, a dose de oxibutinina usada foi de 0,2mg/kg, duas vezes ao dia.

A intervenção durou 12 semanas, e os participantes frequentavam uma sessão por semana.

Dois anos após o final de tratamento, os pais das crianças foram contatados por telefone, e as seguintes perguntas foram feitas:

  1. Sua criança apresenta extravasamento de urina, ou molha a roupa íntima durante o dia? Informação sobre a presença, ou não, de incontinência.

  2. Sua criança urina enquanto dorme? Informação sobre a presença, ou não, de enurese.

  3. Você tem notado a presença de fezes na roupa íntima de sua criança? Informação sobre a presença, ou não, de encoprese.

  4. Sua criança defeca todos os dias? Informação sobre a presença, ou não, de constipação.

  5. Às vezes, sua criança tem um desejo súbito de urinar? Informação sobre a presença, ou não, de urgência.

  6. Quantas vezes sua criança urina durante o dia? Informação sobre a presença, ou não, de frequência urinária.

  7. Sua criança cruza as pernas ou se agacha quando sente o desejo de urinar? Informação sobre a presença, ou não, de manobras de retenção.

As análises estatísticas foram feitas utilizando o programa SAS System Windows (Statistical Analysis System). Foi feito um estudo piloto, para calcular o poder, e os três grupos foram comparados, segundo o número de sóis coloridos no diário miccional lúdico. Cinco voluntários foram incluídos no Grupo I; 9 crianças no Grupo II; e 21 no Grupo III. Um programa do SAS, chamado fpower, foi usado para definir o tamanho de amostra, estabelecendo alfa em 5% e poder em 90%. Dezesseis pacientes foram necessários para cada grupo.

Em função de falta de distribuição normal das variáveis, foram usados testes não paramétricos. O nível de significância foi estabelecido como p<0,05. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar as mensurações iniciais. Para comparar os desfechos antes e depois da intervenção em cada grupo, foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis. Para comparar os resultados de tratamento dentre os três grupos, as variáveis foram transformadas em ranks e foi empregada análise de variância (ANOVA) por medidas repetidas. O teste de Fisher foi empregado para comparar proporções.

Depois do tratamento, o número de participantes apresentando noites secas e sintomas foi transformado em percentagem, de modo a seguir a recomendação de ICCS de resultado de tratamento. Segundo esta recomendação, nenhuma resposta ao tratamento era considerada quando os participantes apresentavam menos de 50% de redução de sintomas; resposta parcial quando havia redução de 50% a 99% dos sintomas; e sucesso completo era considerado quando 100% dos sintomas mostravam melhora nos participantes. Além disso, na avaliação de seguimento, foi considerado “sucesso completo” apenas para aqueles que não tiveram nenhuma recidiva por 2 anos, após o fim do tratamento.(22. Austin PF, Bauer SB, Bower W, Chase J, Franco I, Hoebeke P, et al. The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: Update report from the standardization committee of the International Children’s Continence Society. Neurourol Urodyn. 2016; 35(4):471-81.)

Resultados

De 62 crianças elegíveis, 38 participaram no estudo. Quatorze pacientes foram excluídos porque não podiam frequentar as sessões uma vez por semana, oito crianças se negaram a participar, e dois cuidadores se recusaram a preencher os diários miccionais. Assim, os 38 pacientes restantes incluídos neste estudo foram divididos em três grupos: Grupo I contou com 12 paticipantes (8 meninas e 4 meninos; idade mediana 9,5 anos); Grupo II, com 15 (7 meninas e 8 meninos; idade mediana 7 anos); Grupo III, com 11 (6 meninas e 5 meninos; idade mediana 8 anos).

Nenhuma diferença foi encontrada em relação a idade, sexo e sintomas iniciais, avaliados pelos dois diários miccionais nos três grupos. Os resultados do diário miccional lúdico são mostrados na figura 3, e os resultados dos diários miccionais de 48 horas encontram-se na tabela 1.

Tabela 1
Medianas de número e percentagem de crianças em cada grupo com sintomas antes do tratamento e com 2 anos de seguimento

Figura 3
Mediana do número de noites secas, medida pelo diário miccional lúdico, avaliado 7 dias antes do início do tratamento (inicial), após 4 semanas de tratamento (Tempo 1), após 8 semanas de tratamento (Tempo 2) e após 12 semanas de tratamento (Tempo 3)

Ao final de 12 semanas de tratamento, as crianças foram classificadas segundo a recomendação do ICCS em relação ao sucesso do tratamento. Apenas aquelas que mostraram ausência de enurese foram consideradas com sucesso completo de tratamento, e os resultados são mostrados na tabela 2. Não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao número de crianças com sucesso completo.

Tabela 2
Número de crianças com sucesso completo após o tratamento

Dois anos após o fim do tratamento, os resultados das perguntas feitas ao telefone estão resumidos na tabela 3.

Tabela 3
Número de crianças com sucesso completo de tratamento após seguimento de 2 anos

Os três grupos não mostraram diferença significativa na fase inicial. Depois de 12 semanas de tratamento, houve diferença significativa em relação ao tempo de tratamento (0,01) , e não em relação aos grupos.

Discussão

Os resultados mostraram que a terapia padrão de uroterapia, isoladamente, em combinação com TMAP isoladamente, ou também em combinação com oxibutinina, é eficaz no tratamento de NMNE. O único estudo encontrado na literatura que investigou o efeito da uroterapia padrão em crianças com enurese monossintomática e NMNE foi realizado por Mulders et al.(77. Mulders MM, Cobussen-Boekhorst H, de Gier RP, Feitz WF, Kortmann BB. Urotherapy in children: quantitative measurements of daytime urinary incontinence before and after treatment according to the new definitions of the International Children’s Continence Society. J Pediatr Urol. 2011;7(2):213-8.) Nesse estudo retrospectivo, 38 de 98 crianças tornaram-se completamente secas durante o dia após 15 semanas de tratamento; no entanto, nenhum dado foi relatado sobre o efeito do tratamento nos episódios de enurese noturna desses pacientes. Este estudo corrobora os achados de melhora de STUI em resposta a este tratamento.

O treinamento dos músculos do assoalho pélvico é uma intervenção específica da uroterapia, conhecida por melhorar os sintomas de STUI em adultos.(88. Angelini K. Pelvic floor muscle training to manage overactive bladder and urinary incontinence. Nurs Womens Health. 2017;21(1):51-7.) Igualmente se sabe que os músculos do assoalho pélvico trabalham em todas as fases de micção, evitando vazamentos, suprimindo o desejo de urinar e relaxando quando a bexiga está se esvaziando.(99. Shafik A, Shafik IA. Overactive bladder inhibition in response to pelvic floor muscle exercises. World J Urol. 2003;20(6):374-7.) Quando STUI estão presentes, a reabilitação propicia um reaprendizado do controle motor, e melhora sua função sinérgica com a bexiga. Embora os efeitos de reabilitação de músculos do assoalho pélvico (MAP) em adultos já estejam bem descritos, pouco se sabe sobre esta modalidade de tratamento para crianças com STUI. Apenas um estudo retrospectivo na avaliação do efeito de TMAP sobre NMNE foi encontrado e mostrou resultados animadores, com melhora em 64% dos pacientes.(55. Ebiloglu T, Ergin G, Irkilata HC, Kibar Y. The biofeedback treatment for non-monosymptomatic enuresis nocturna. Neurourol Urodyn. 2016;35(1):58-61.) Até onde sabemos, este estudo foi o primeiro a investigar o efeito de TMAP prospectivamente e a compará-lo com um Grupo Controle adequado. Os resultados deste estudo mostraram que TMAP não tinha efeito adicional sobre a uroterapia padrão, provavelmente porque esta modalidade também tem um impacto positivo sobre a função dos músculos do assoalho pélvico,(77. Mulders MM, Cobussen-Boekhorst H, de Gier RP, Feitz WF, Kortmann BB. Urotherapy in children: quantitative measurements of daytime urinary incontinence before and after treatment according to the new definitions of the International Children’s Continence Society. J Pediatr Urol. 2011;7(2):213-8.) relaxando-os enquanto leva a um esvaziamento correto da bexiga. Além disso, sabe-se que a redução na ingestão de cafeína melhora os sintomas de STUI.(1010. Lohsiriwat S, Hirunsai M, Chaiyaprasithi B. Effect of caffeine on bladder function in patients with overactive bladder symptoms. Urol Ann. 2011; 3(1):14-8.)

Antimuscarínicos são uma das classes terapêuticas para tratar com eficácia e segurança crianças com STUI.(1111. Neveus T, Eggert P, Evans J, Macedo A, Rittig S, Tekgül S, et al.; International Children’s Continence Society. Evaluation of and treatment for monosymptomatic enuresis: a standardization document from the International Children’s Continence Society. J Urol. 2010;183(2):441-7.) Eles podem melhorar os sintomas de NMNE ao suprimir a hiperatividade do detrusor, que pode estar presente em STUI associados a NMNE. Ainda, os antimuscarínicos isoladamente podem fornecer taxa de sucesso de 54%.(1212. Caione P, Arena F, Biraghi M, Cigna RM, Chendi D, Chiozza ML, et al. Nocturnal enuresis and daytime wetting: a multicentric trial with oxibutinina and desmopressin. Eur Urol. 1997;31(4):459-63.) Por isso, espera-se que a combinação desta modalidade de tratamento com outra, que também é sabidamente eficaz, como uroterapia e/ou TMAP, levaria a melhores resultados em relação aos tratamentos isolados. Neste estudo, o grupo com uroterapia padrão associada com TMAP e oxibutinina mostrou resultados melhores na redução da enurese, mas não foram significativos.

Este estudo é limitado a ferramentas de avaliação. Se uma avaliação invasiva fosse usada, como um estudo urodinâmico, mais variáveis seriam coletadas e diferenças entre os tratamentos seriam detectadas. Ademais, o diário miccional de 48 horas foi usado como critério de inclusão no início, e avaliado novamente somente 2 anos após o fim de tratamento. Se fosse avaliado logo após o fim de tratamento, provavelmente forneceria informações relevantes. Mesmo assim, os resultados desta avaliação de seguimento ajudarão futuras pesquisas, por mostrar que, mesmo com o fim da intervenção, as mudanças após o tratamento continuaram a melhorar os STUI destas crianças.

As três modalidades de tratamento usadas neste estudo mostraram resultados promissores quando usadas isoladamente; portanto, acredita-se que a combinação destas terapias ofereceria maiores benefícios no tratamento de NMNE. Porém, cada modalidade isoladamente apresentou taxa média de sucesso de 50%, em estudos anteriores,(55. Ebiloglu T, Ergin G, Irkilata HC, Kibar Y. The biofeedback treatment for non-monosymptomatic enuresis nocturna. Neurourol Urodyn. 2016;35(1):58-61.,77. Mulders MM, Cobussen-Boekhorst H, de Gier RP, Feitz WF, Kortmann BB. Urotherapy in children: quantitative measurements of daytime urinary incontinence before and after treatment according to the new definitions of the International Children’s Continence Society. J Pediatr Urol. 2011;7(2):213-8.,1212. Caione P, Arena F, Biraghi M, Cigna RM, Chendi D, Chiozza ML, et al. Nocturnal enuresis and daytime wetting: a multicentric trial with oxibutinina and desmopressin. Eur Urol. 1997;31(4):459-63.) e o tamanho amostral deve ser capaz de ser preciso e detectar diferenças entre os grupos.

Conclusão

Todas as modalidades de tratamento foram eficazes no tratamento de enurese noturna não monossintomática e isso corrobora os estudos anteriores, mas é necessária uma amostra de estudo maior para detectar diferenças entre os grupos tratados com terapias combinadas. Apenas o tempo de tratamento foi significativo para melhora de enurese não monossintomática.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2018
  • Aceito
    20 Dez 2018
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