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Mea culpa e autopunição: o colaboracionista em Não falei, de Beatriz Bracher, e o desertor em Azul-corvo, de Adriana Lisboa

Mea Culpa and Self-Punishment: The Collaborationist in Beatriz Bracher’s Não falei and the defector in Adriana Lisboa’s Azul-corvo

Mea culpa y autopunición: el colaboracionista en Não falei, de Beatriz Bracher y el desertor en Azul-corvo, de Adriana Lisboa

Resumo

Este estudo comparativo entre as obras Não Falei (2004), de Beatriz Bracher, e Azul-Corvo (2012), de Adriana Lisboa, tem por objetivo analisar representações dos mecanismos de transferência de responsabilidade do Estado aos cidadãos comuns pelos crimes de lesa humanidade cometidos durante o período de Ditadura Militar no Brasil. Apoiados no pensamento de Žižek (2012ŽIŽEK, Slavoj (2012). Violence: la violence n’est pas un accident de nos systèmes, elle en est la cause. Paris: Au Diable Vauvert.), observamos como os indivíduos, através dos papéis de delator e desertor, são responsabilizados pelos atos de “violência subjetiva” cometidos pelo regime, desconsiderando-se uma “violência sistêmica” primordial. Retirados de um contexto lógico causal, esses atos são igualados e julgados fora do sistema jurídico, analisados dentro das esferas pessoais, segundo apreciações morais e afetivas. À luz das reflexões de Ricœur (2000RICŒUR, Paul (2000). La mémoire, l’histoire et l’oubli. Paris: Seuil.) sobre os abusos do esquecimento, veremos como a “Lei da Anistia” solidifica esse processo alienante que, em prol da criação de uma “unidade imaginária” nacional, dilui todos os crimes políticos na amálgama uniforme do perdão. O conceito de “memória subterrânea” de Pollak (1993POLLAK, Michael (1993). Une identité blessée. Paris: Éditions Métaillié .) nos ajudará a observar o abuso existente também no dever de memória, por forçar a penetração do coletivo no invólucro das memórias individuais. Mostraremos, por fim, como o imaginário, ponto de contato entre a literatura e a história, segundo White (1987WHITE, Hayden (1987). The content of the form. Narrative discourse and historical representation. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), revela-se um recurso essencial para lembrar ou esquecer livremente, acolhendo essas “memórias subterrâneas”.

Palavras-chave:
Ditadura Militar; dever de memória; Guerrilha do Araguaia; tortura

Abstract

This comparative study of the works Não falei (2004) by Beatriz Bracher and Azul-corvo (2012) by Adriana Lisboa aims to analyze the representations of the responsibility-transfer mechanisms from the State to ordinary citizens, for crimes against humanity committed during the period of military dictatorship in Brazil. Building on the thoughts of Žižek (2012ŽIŽEK, Slavoj (2012). Violence: la violence n’est pas un accident de nos systèmes, elle en est la cause. Paris: Au Diable Vauvert.), we will take a look at how individuals, through the roles of informant and defector, are liable for acts of “subjective violence” committed by the regime, disregarding a primordial “systemic violence.” Taken from a logical causal context, these acts are matched and judged outside the legal system, analyzed within the personal spheres, according to affective and moral judgements. In the light of Ricœur’s (2000RICŒUR, Paul (2000). La mémoire, l’histoire et l’oubli. Paris: Seuil.) reflections on the abuses of oblivion, we will see how the “Amnesty Law” solidifies this alienating process that, in the interests of creating a national “imaginary unit,” dilutes all political crimes in a uniform amalgam of forgiveness. The Pollack’s (1993POLLAK, Michael (1993). Une identité blessée. Paris: Éditions Métaillié .) concept of “underground memory” will help us observe the existing abuse also within the wheelhouse of memory, by forcing the penetration of the collective into the casing of individual memories. Finally, we will show how the imaginary, point of contact between literature and history, according to White (1987WHITE, Hayden (1987). The content of the form. Narrative discourse and historical representation. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), proves to be an essential resource for freely remembering or forgetting, harboring these “subterranean memories.”

Keywords:
military dictatorship; duty of memory; Araguaia guerrilla; torture

Resumen

Este estudio comparativo de las obras Não falei (2004), de Beatriz Bracher y Azul-corvo (2012), de Adriana Lisboa, tiene como objetivo analizar las representaciones de los mecanismos de transferencia de la responsabilidad del Estado a los ciudadanos comunes por los crímenes de lesa humanidad cometidos durante el período de la Dictadura Militar en Brasil. Apoyados en el pensamiento de Žižek (2012ŽIŽEK, Slavoj (2012). Violence: la violence n’est pas un accident de nos systèmes, elle en est la cause. Paris: Au Diable Vauvert.), observaremos cómo los individuos, a través de los papeles de delator y desertor, son responsabilizados por los actos de "violencia subjetiva" cometidos por el régimen, desconsiderándose una "violencia sistémica" primordial. Retirados de un contexto lógico causal, esos actos son igualados y juzgados fuera del sistema jurídico, analizados dentro de las esferas personales, según apreciaciones morales y afectivas. A la luz de las reflexiones de Ricœur (2000RICŒUR, Paul (2000). La mémoire, l’histoire et l’oubli. Paris: Seuil.) sobre los abusos del olvido, veremos cómo la “Ley de Amnistía" solidifica ese proceso alienante que, en favor de la creación de una "unidad imaginaria” nacional, diluye todos los crímenes políticos en la amalgama uniforme del perdón. El concepto de “memoria subterránea” de Pollak (1993POLLAK, Michael (1993). Une identité blessée. Paris: Éditions Métaillié .) nos ayudará a observar el abuso existente, también, en el deber de memoria, por forzar la penetración del colectivo en el envoltorio de las memorias individuales. Por último, mostraremos cómo el imaginario, punto de contacto entre la literatura y la historia, según White (1987WHITE, Hayden (1987). The content of the form. Narrative discourse and historical representation. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), se revela como un recurso esencial para recordar u olvidar libremente, acogiendo esas “memorias subterráneas”.

Palabras-clave:
dictadura militar; deber de memoria; Guerrilla del Araguaia; tortura

Vários são os pontos de tangência entre as obras Não falei, de Beatriz Bracher (2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34.), e Azul-corvo, de Adriana Lisboa (2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal.) que nos permitem refletir sobre os mecanismos de (des)responsabilização criados pelo governo militar durante os anos de ditadura no Brasil (1964-1985). Se ambos os romances abordam movimentos de luta contra o regime, organizados nos espaços urbano e silvícola-rural, seus personagens não se apresentam ao leitor dentro dos padrões de resistência e de resiliência associados à imagem do herói combatente. O que vemos são seres acabrunhados, resignados ao discurso do opressor, marcados pela culpa e a autopunição. A figura do colaboracionista, no primeiro romance, e a do desertor, no segundo, são o resultado da prática social de transferência da responsabilidade pelos crimes cometidos pelo regime aos cidadãos comuns, desconsiderando a existência de uma “violência sistêmica” silenciosa e primordial, desencadeadora de uma “violência subjetiva” visível e facilmente condenável (Žižek, 2012ŽIŽEK, Slavoj (2012). Violence: la violence n’est pas un accident de nos systèmes, elle en est la cause. Paris: Au Diable Vauvert., p. 7-8, tradução nossa). A Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, vulgarmente conhecida como “Lei da Anistia”, dá estatuto legal a esse processo alienante, descriminalizando o aparelho estatal e permitindo o surgimento de um discurso negacionista. A interiorização da culpa, envolvendo não somente os indivíduos perseguidos pelo regime, mas também o seu entorno, torna difícil o restabelecimento da ordem causal da história e sua transmissão às gerações vindouras, podendo ser, por vezes, tal dever de memória sentido como algo penoso ou, igualmente, violento.

As duas autoras passaram parte de sua juventude submersas nesses anos de opressão, tendo Beatriz Bracher nascido em 1961, em São Paulo, e Adriana Lisboa, em 1970, no Rio de Janeiro. Essas duas megalópoles servem, respectivamente, de ponto de partida às suas narrativas para, em seguida, delas se afastarem em busca de outros espaços, nos quais a distância espaçotemporal possibilite a exteriorização do trauma interiorizado. Assim, a cidade de São Carlos mostra-se longe o suficiente para que o narrador-protagonista Gustavo possa, aos 64 anos, avaliar o papel de colaboracionista a ele - ou por ele mesmo - atribuído na sua juventude. A casa familiar revirada com a mudança da capital para o interior de São Paulo torna-se uma metáfora do subconsciente desse narrador autodiegético, de onde eclodem lembranças por ele reprimidas. Constituído como um longo monólogo interior, o texto assume um tom confessional, dirigido ao único interlocutor possível, o próprio leitor:

Vejam então. Fui torturado, dizem que denunciei um companheiro que morreu logo depois nas balas dos militares. Não denunciei, quase morri na sala em que teria denunciado, mas não falei. Falaram que falei e Armando morreu. Fui solto dois dias após sua morte e deixaram-me continuar diretor de escola (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 8).

Estranhamente, o segredo que guarda Gustavo não é aquele de sua culpa, mas as razões que o levam a não declarar publicamente a sua inocência. O título da obra Não falei remete-nos a dois momentos-chave da narrativa: aquele face ao agente torturador e a um outro face ao pai, logo após a sua saída da prisão. A questão da memória enquanto construção ocupa um papel fundamental nessa tomada de posição discursiva, permitindo uma reavaliação dos papéis dos personagens ao longo do romance:

Militar e morte. Tam-tam, tam-tam, marcha soldado, cabeça de papel. O truque está em aceitar as traições, da realidade e do nosso pensamento, incentivá-las, estar sempre aberto a recebê-las, mas não se submeter a elas (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 25).

No segundo romance, a distância é ampliada, um Brasil obscuro, selado no interior amazônico, emerge no subúrbio da cidade americana de Denver. O leitor não é aqui interlocutor direto do segredo de Fernando, desertor da Guerrilha do Araguaia,1 1 A Guerrilha do Araguaia foi um movimento guerrilheiro ocorrido na região amazônica brasileira conhecida como “Bico do Papagaio”, tríplice fronteira do norte de Goiás (atual Tocantins), leste do Pará e oeste do Maranhão, ao longo do rio Araguaia. Tinha por objetivo fomentar uma revolução comunista, a ser iniciada no campo, baseada nas experiências vitoriosas da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa. Começou a ser planejada no início dos anos 1960, pela direção do PCdoB, e foi combatida pelas Forças Armadas a partir de 1972, quando vários de seus integrantes já haviam se estabelecido na região há pelo menos seis anos. Envolveu em torno de 80 combatentes, a maioria jovens com menos de 30 anos, dentre os quais apenas 17 sobreviveram, segundo dados oficiais. Este episódio histórico e trágico, ocultado pelo governo, teve fim apenas em 1976, quando as forças de repressão invadiram uma casa no bairro da Lapa, em São Paulo, e fuzilaram Ângelo Arroyo, o último comandante da guerrilha. cujo codinome era Chico Ferradura. Vanja, garota carioca de 13 anos, é quem nos conta em primeira pessoa o que ouviu do ex-marido da mãe falecida, Suzana. Buscando a ajuda de Fernando para encontrar o pai biológico desconhecido, ela acaba por descobrir, também, outra faceta da sua terra-mãe.

“Oficialmente, Fernando era meu pai e meu guardião” (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 75), assim nos conta Vanja. E esse personagem assume, efetivamente, a função freudiana paterna estruturante, contribuindo para a construção do ego da narradora enquanto mediador, operador do “desmaternamento” fundador do sujeito. Se Fernando precisa de Vanja para reatar os laços com a pátria abandonada, abandono este associado à culpa pela morte da namorada guerrilheira, é por meio dele que a adolescente forja a sua personalidade, numa fase de transição da infância para a idade adulta. O amadurecimento da narradora passa por esse matricídio da pátria idealizada, assim como pela responsabilidade assumida enquanto depositária do segredo do seu pai simbólico:

Eu estava mesmo querendo falar daquele assunto. Muita gente não estava, era um assunto que ficava melhor fora da História oficial, mas a dúvida às vezes rói como um bicho. E ela roía, sim, uma pequena e paciente traça caminhando por entre letras, números e carimbos dos arquivos da guerrilha mantidos secretos pelas Forças Armadas (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 94).

Nos dois romances, a questão da transmissão às novas gerações da experiência vivida na clandestinidade torna-se fundamental para dar luz à história dos anos de chumbo no Brasil, ocultada pelo regime mediante dois mecanismos: a censura e o sigilo. Nesse sentido, Marcelo Godoy explica que

é como se o segredo fosse o derradeiro poder dessa comunidade. Abrir mão dele é como dar adeus às armas, a uma luta que para muitos acabou, mas que alguns insistem em mantê-la viva, como símbolo do que lhes restou daquele tempo, do turbilhão que lhes consumiu a vida (Godoy, 2014GODOY, Marcelo (2014). Uma biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar. São Paulo: Alameda Editorial., p. 26).

Podemos constatar em Gustavo e Fernando um conflito interno entre, de um lado, a tomada da palavra como arma de combate contra um sigilo ainda hoje mantido por agentes e corporações associados ao regime militar; e, de outro, a necessidade de se autoproteger no seu silêncio. Apesar dessa angústia comum, Gustavo e Fernando acabam por reagir de forma diferente face a esse dever de memória. O primeiro, supostamente inocente com relação à acusação de delação do amigo, decide por não revelar a sua história à Cecília, estudante que solicita o seu testemunho para uma pesquisa sobre a ditadura. O enigma de seu segredo é conservado ao longo de toda a narrativa. A insistência do narrador em declarar a sua inocência, enunciada logo no título do romance, serve como artifício que despista a atenção do leitor para uma questão fulcral que se coloca ao longo de toda a diegese: se Gustavo “não falou”, no passado, ou seja, se não foi um colaboracionista, por que, no presente, “não falar” à Cecília? Ainda que indícios ao longo do romance possam sugerir uma associação desse enigma à figura paterna, é a cena final que nos permite formular uma hipótese mais concreta para tal envolvimento, de forma a construir uma chave de interpretação possível. Já Fernando, assumidamente culpado de deserção, cede diante da insistência de Vanja, transmitindo-lhe o legado de um episódio histórico dificilmente crível sem o recurso da ficção. O final do texto esboça, no entanto, a vontade de Vanja de guardá-lo incógnito.

Operação Araguaia (Morais e Silva, 2005MORAIS, Taís; SILVA, Eumano (2005). Operação Araguaia. São Paulo: Geração Editorial.), livro que serviu de base à construção do romance de Adriana Lisboa, pode ser considerado como um marco jornalístico e histórico por publicar, pela primeira vez, testemunhos e provas documentais sobre essa guerrilha que os militares sempre zelaram para que permanecesse encoberta. Os autores, Taís Morais, filha de um oficial do exército, e o jornalista Eumano Silva, tiveram acesso a documentos guardados por agentes secretos (relatórios de operações e manobras, informes, telegramas, comunicados, documentos apreendidos do PcdoB e fotografias), mas, segundo afirma na orelha do livro o editor, Luiz Fernando Emediato, o texto “pode ser lido como um romance” (Morais e Silva, 2005MORAIS, Taís; SILVA, Eumano (2005). Operação Araguaia. São Paulo: Geração Editorial.). Não é o discurso jornalístico que caracteriza a escrita da obra, o relato factual comprometido com a objetividade. Guerrilheiros são apresentados como personagens de uma trama de ação silvícola que se assemelha àquela de romances como Coração das trevas, de Joseph Conrad, ou A selva, de Ferreira de Castro. Um narrador onisciente conta-nos tanto os fatos vividos quanto os sentimentos dos personagens, dando voz mesmo àqueles que no plano extradiegético já se extinguiram. O tom ficcional valoriza, portanto, a parte de imaginário de que é composto todo o discurso histórico, por calcar-se nas criações de memória das testemunhas e no trabalho, sempre impreciso, de reconstituição dos fatos a partir de fragmentos. A ficção torna-se, portanto, o único meio capaz de reconstruir um episódio que, até então, não havia existido segundo a história oficial brasileira e cujo caráter utópico e exótico contribui para que seja percebido como inverossímil.

Em Azul-corvo, o que vemos é um procedimento contrário, um romance que pode ser lido, em parte, como um relato histórico. A narração mune-se, por vezes, de um tom jornalístico investigativo para criar uma “literatura empenhada” com o testemunho de uma época. Benoît Denis, refletindo sobre o conceito de engajamento literário, realça a etimologia do verbo “empenhar”: “penhorar ou hipotecar”. Ele continua a sua reflexão dizendo que “o risco do jogo é a própria literatura”, pois “inscrevemos [a literatura] num processo que a ultrapassa, fazendo-a servir a alguma coisa outra do que ela mesma” (Denis, 2000DENIS, Benoît (2000). Littérature et engagement. De Pascal à Sartre. Paris: Éditions du Seuil ., p. 30-31, tradução nossa). Os autores que fazem obras dentro dessa “literatura empenhada” são, assim, frequentemente, julgados por arriscar a estética literária em função de um compromisso social. Hayden White, no entanto, elucida que o ato narrativo é o ponto comum entre o relato histórico e o texto ficcional, o imaginário ocupando um lugar de importância no discurso histórico, considerado, erroneamente, como objetivo (White, 1987WHITE, Hayden (1987). The content of the form. Narrative discourse and historical representation. Baltimore: The Johns Hopkins University Press., p. 39-40, tradução nossa).

Ainda que os dois romances analisados tenham, assim, valor testemunhal assumido, seus personagens nem sempre desempenham o papel socialmente esperado de testemunhas da história. Mais do que oferecer um testemunho de uma época de opressão, essas duas obras “empenhadas” pretendem, portanto, analisar psicologicamente o peso desse legado histórico tanto sob as próprias vítimas do regime, quanto sob seus herdeiros mnemônicos, bem como a sua manipulação - sob a forma de memória ou esquecimento - pelas instâncias de poder.

Mecanismos de (des)responsabilização

Em Não falei, Gustavo limita-se a uma militância passiva: “não fui revolucionário, não participei de seu entusiasmo, nunca tive o lume de um inimigo certo” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 71), tendo seu destino conduzido pelas ações de Armando. Este personagem, cunhado e amigo de infância do narrador, militava contra o golpe na linha de frente dos movimentos e, secretamente, nas organizações armadas. No livro, não vemos nomes de movimentos, partidos políticos ou centros de investigação e tortura, com exceção de uma breve menção à Operação Bandeirantes. Tudo se passa como se Gustavo nunca tivesse compreendido muito bem a dimensão da história na qual havia se envolvido através do amigo:

Armando fora um bom militante e, apesar da nossa grande amizade, na verdade por causa dela, nunca me contou nada sobre as suas atividades. Os torturadores sabiam muito mais do que eu. Armando participara de um sequestro, de assalto a banco, administrava o recebimento e o envio de dinheiro, arrumava casas seguras para abrigar os perseguidos. […] Abrigamos em nossa casa um safardana do Rio Grande do Sul (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 78).

Desejando proteger Gustavo, Armando priva-o, no entanto, de uma preparação aos códigos de guerra: “Soube depois que os da organização tinham regras sobre o que e quando falar, uma vez presos. Se alguém “caía”, precisava resistir tantos dias em silêncio, depois desse prazo não seria tão grave se denunciasse endereços e nomes pois já seriam estéreis” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 67). Inteiramente desmunido face ao preparo estratégico tanto dos militares quanto dos guerrilheiros urbanos, Gustavo torna-se o bode expiatório perfeito do sistema, através de “uma verdadeira operação de transferência coletiva que se efetua em detrimento da vítima e que se relaciona com as tensões internas, os rancores, as rivalidades, todas as veleidades recíprocas de agressão no seio da comunidade” (Girard, 1998GIRARD, René (1998). La violence et le sacré. Paris: Hachette Pluriel., p. 18-19, tradução nossa). A sua delação ou o seu silêncio irão conduzi-lo, inexoravelmente, a ser acusado pela morte do amigo.

As relações no romance entre os entes mais próximos são, assim, entremeadas por esse binômio silêncio e palavra, ambos associados à ideia de traição. Adentrando nos círculos pessoais, o regime usa a manipulação dos afetos como estratégia de guerra. Investigando o Destacamento de Operações de Informação (DOI), vulgarmente chamado pelos seus integrantes de “Casa da Vovó”, Godoy explica que: “o “dedo-duro” se transformou na arma que, tanto ou mais do que o pau-de-arara, foi responsável pela derrota da esquerda” (Godoy, 2014GODOY, Marcelo (2014). Uma biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar. São Paulo: Alameda Editorial., p. 23). O “dedo-duro”, ou colaboracionista, é, portanto, o bode expiatório perfeito como estratégia de transferência de responsabilidade, do regime ao cidadão comum, pelos crimes de lesa-humanidade cometidos durante a Ditadura Militar. Percebido como “dedo-duro”, Gustavo, enquanto amigo e cunhado de Armando, carrega uma responsabilidade pela sua morte proporcional a esse duplo vínculo afetivo.

O silêncio de Gustavo não poupa a vida nem de Armando nem de outros entes queridos. Após a prisão do narrador, a sua mulher Eliana exila-se em Paris, por orientação de alguns colegas militantes, deixando no Brasil a filha do casal, Lígia, ainda bebê. Num efeito letal em cadeia, enquanto seu irmão, Armando, é assassinado pelos militares, Eliana falece na França em razão de uma alegada pneumonia. Corolário da impossibilidade de suportar a morte dos dois filhos, D. Esther suicida-se algum tempo depois. Gustavo passa a carregar sozinho o fardo de todas essas mortes - cunhado, mulher e sogra - sendo o peso da ausência mais leve do que aquele da desconfiança. E também passa a desconfiar dos seus antigos amigos: “Luiza diz que ela [Eliana] morreu de pneumonia sem saber que eu havia falado o que não falei. Não confio em Luiza” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 8). Vendo-se mutuamente como traidores, os cidadãos comuns mantêm, assim, incólumes os reais provocadores dessa miríade de tragédias sucessivas:

Armando fora entregue por minha causa, não por minha boca, mas isso não fazia diferença. Minha prisão deve tê-lo forçado a se expor […]. E provavelmente fui preso por sua causa. E nessas causas todas esquecíamos a causa visível e incontestável, os homens que foram à minha casa e me prenderam, os homens que foram ao seu refúgio e o mataram (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 117).

Sendo transferida a responsabilidade pelos crimes cometidos pelo Estado aos indivíduos, a justiça passa a ser considerada uma questão a ser resolvida no âmbito pessoal dos afetos. Invertendo a lógica dos fatos, o regime transforma, assim, vítimas em réus.

No trecho seguinte, o uso da primeira pessoa do plural no discurso do narrador indica a responsabilidade que lhe é imputada por esses crimes - ou por ele mesmo inferida -, abrangendo vários círculos sociais: aquele da família, passando pelo grupo de amigos, chegando a tocar o imaginário nacional, como corpo coletivo: “Armando nos expôs ao perigo. E eu deixei […] Mas como negar apoio? Exatamente, como negar apoio nos tempos em que vivíamos?” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 112-113). Gustavo carrega em si, portanto, o peso de um tempo anestesiado pela “Lei da Anistia”, no qual não há crime reconhecido, mas castigo prolongado sob a forma de autopunição. O nome de nenhum agente do regime é mencionado no livro. A verdadeira razão da morte de Armando não é investigada. Mas o narrador-protagonista Gustavo permanece durante toda a diegese como sendo o principal suspeito dos crimes cometidos “nos tempos” em que viveu. “Nos tempos” anestesiados em que ainda vive, psicologicamente.

No romance de Adriana Lisboa, a narradora também realça a amnésia coletiva que domina a região amazônica, na qual a história oficial ainda deixa as suas marcas toponímicas de violência: “Em Altamira, o toco de árvore com a placa de inauguração da Transamazônica é conhecido como Pau do Presidente. Cresce um pouco de mato por cima dele. Lá perto fica o município de Medicilândia, mas boa parte dos moradores não sabe quem foi Médici” (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 56). De Médici, presidente que ordenou as operações militares no Araguaia e a construção da Transamazônica, ferida ecológica e humana sempre aberta, o que resta na memória coletiva local é os seus grandes feitos civilizacionais.

Em Azul-corvo, Fernando também assume a responsabilidade sozinho pelo extermínio de seus companheiros, enquanto desertor e sobrevivente da Guerrilha do Araguaia. Na menção ao primeiro exílio desse personagem, vemos a imagem do herói: “Fernando saiu de casa e foi estudar técnicas de guerrilha em Pequim, depois se mudou para a base guerrilheira da Faveira, no Araguaia” (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 80). Na segunda, temos aquela do anti-herói, amedrontado e vencido pelo inimigo que ocupa sua terra natal: “foram tempos difíceis em Londres, ele disse. Eu não estava a passeio. Estava lá porque não podia ficar no Brasil. Isso foi bem antes de você nascer. Sorte sua. Foram tempos difíceis” (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 87). Também Fernando carrega o peso de seu tempo, que é para ele também um tempo em suspensão, pois nenhuma “Lei da Anistia” lhe possibilita voltar à pátria de forma a continuar a sua história pessoal interrompida:

Mas houve um momento, antes do raiar do dia, enquanto os comunistas do Araguaia se dirigiam à que seria a sua primeira ação militar bem-sucedida, em que Chico parou. Os outros continuaram, imbuídos de seus pés e mãos e olhos e armas, e Chico parou. […] Ele viu Manuela ao longe e foi a última vez que viu Manuela. Ela continuou e ele continuou parado (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 195).

A imagem de inércia por meio da qual Fernando é representado opõe-se àquela de movimento associada aos “comunistas do Araguaia”, apartando-o do grupo de guerrilheiros. A memória de Fernando carrega o trauma desse ato pessoal que o impediu de tentar salvar a vida de seus companheiros de luta - ou com eles seguir até o fim do caminho. Fernando parece ter previsto o fim trágico do grupo. O relatório da Comissão Nacional da Verdade declara que “em 1974, foram assassinadas cerca de 50 pessoas, a maioria nas matas e nos cárceres militares do Araguaia. O clima de abertura política que marcaria o governo de Geisel não atenuaria a manutenção da repressão e as graves violações de direitos humanos” (Comissão Nacional da Verdade, 2014COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE (2014). Contexto histórico das graves violações entre 1946 e 1988. Relatório da Comissão Nacional da Verdade, v. 1, p. 85-110, dez. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2Wix2Aa . Acesso em: 19 jun. 2019.
https://bit.ly/2Wix2Aa...
, p. 104).

Fernando é a encarnação antitética tanto de guerrilheiros, quanto de militares, o avesso dos valores de coragem, lealdade e perseverança com os quais são representados: “Veio a operação Peixe V [...] Os militares se decidiram pelo emprego de tropas ostensivas na região. Agora tinham aviões de observação e helicópteros. […] Então Chico teve medo pela primeira vez. E aprendeu a arte da desconfiança” (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 129). Muitos jovens, ainda que preparados na China ou em Cuba, entravam na guerrilha sem saber ao certo a amplitude da violência que teriam de enfrentar. Para um guerrilheiro, o medo era inaceitável do ponto de vista tanto ético quanto estratégico, pois colocava o sujeito acima do coletivo. A suspeita de traição era o sintoma da dissolução do grupo sentida por Fernando, antes mesmo do ataque direto dos militares.

Efetivamente, segundo a história oficial, em 1972, o guerrilheiro desertor Pedro Albuquerque Neto deu indícios da localização do grupo após ter sofrido torturas no DOPS de Fortaleza, dando início a uma série de operações de extermínio dos guerrilheiros pelo regime. Tanto o Exército quanto o PCdoB mantiveram essa mesma versão conciliatória dos fatos, pela qual um indivíduo carrega a responsabilidade pelo fracasso de todo o movimento. Essa versão da história foi, no entanto, desmentida há alguns anos por moradores do Bico do Papagaio, que afirmaram ter observado a presença de militares na região antes mesmo da prisão do guerrilheiro (Agência Estado, 2009AGÊNCIA Estado (2009). Araguaia era vigiado desde anos 60, diz ex-informante. O Estado de S. Paulo, 25 jun. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3d5Du3I . Acesso em: 19 jun. 2019.
https://bit.ly/3d5Du3I...
). Fernando carrega, no universo ficcional, a responsabilidade imputada a Pedro Albuquerque Neto, no universo extradiegético. Depois da partida de Chico Ferradura - por coincidência ou não -, os militares invadem os acampamentos dos guerrilheiros, assassinando a sua namorada e os seus companheiros de luta. Na pátria abandonada, ele deixa um rastro de desconfiança sobre a sua responsabilidade por todas essas mortes. Mas ele também leva no seu exílio um sentimento destruidor de autopunição. Assim como no romance de Bracher, vemos, aqui, portanto, a figura de um bode expiatório eleito - ou autoproclamado - para desviar a atenção sobre os reais responsáveis pelos crimes cometidos.

Esse processo alienante é bem representado na definição da Guerrilha do Araguaia dada pela organização Ternuma (acrônimo para Terrorismo Nunca Mais), transcrita no romance de Adriana Lisboa:

A guerrilha, em termos ideais, devia sumir […] Ela não havia sido nada, não havia representado nada, de que adiantava pôr o dedo na ferida. O grupo militar Terrorismo Nunca Mais viria a defini-la como: A aventura de um grupo verdadeiramente pequeno e residual. O desvario de um partido ilegal e clandestino em engendrar a incoerência de uma guerra popular sem apoio do povo, para impor-lhe o socialismo. A ação de um bando quixotesco a infligir mais prejuízos a si mesmo, perdido na selva e no emaranhado dos próprios erros (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 94).

Ternuma, organização não governamental, foi fundada em 1998 por militares aposentados e em atividade, familiares e simpatizantes, tendo como objetivo “resgatar a verdadeira história da Revolução de 1964 e, mais uma vez, opor-se a todos aqueles que ainda teimam em defender os referenciais comunistas, travestidos como se fossem democráticos” (Ternuma, 2011TERNUMA (2011). Quem somos: grupo terrorismo nunca mais. Disponível em: Disponível em: https://www.ternuma.com.br/index.php/quem-somos . Acesso em: 19 jun. 2019.
https://www.ternuma.com.br/index.php/que...
). O nome surgiu como contraponto ao grupo Tortura Nunca Mais, fundado em 1985, como instrumento de luta dos familiares dos mortos, desparecidos e torturados políticos durante o mesmo período. Na definição proposta, Ternuma desconstrói a história da Guerrilha do Araguaia através de dois processos - redução e negação -, fazendo-a “sumir”, nos termos de Adriana Lisboa. Pelo primeiro, reduz-se a importância do episódio, por meio de um discurso próprio ao pensamento militar, calcado nas noções de dimensão (“pequeno”), superioridade (“residual”), legalidade (“ilegal”, “clandestino”) e notoriedade (“popular”, “sem apoio do povo”). Pelo segundo, fabuliza a guerrilha (“aventura”, “desvario”, “quixotesco”), retirando toda a consistência factual desse episódio histórico. Por fim, cria um efeito bumerangue por meio do qual os prejuízos sofridos pelos militantes são infligidos por e contra si mesmos, tornando o grupo responsável tanto pelas causas quanto pelos efeitos da guerrilha (“perdido na selva e no emaranhado dos próprios erros”).

A súmula desse mecanismo de (des)responsabilização governamental parece estar condensada na Lei nº 6.683, vulgarmente conhecida como “Lei da Anistia”, sancionada pelo presidente João Figueiredo em 1979, anistiando “a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”. Essa lei transforma não apenas a Guerrilha do Araguaia como toda a história da Ditadura Militar numa luta quixotesca, como postula Ternuma, pois já não há inimigo condenável. Analisando os abusos do esquecimento, Ricœur aponta para os riscos da criação de uma “unidade imaginária” nacional, através do recurso à anistia:

Mas o defeito dessa unidade imaginária não é o de apagar da memória oficial os exemplos de crimes suscetíveis de proteger o futuro dos erros do passado e, privando a opinião pública dos benefícios do dissensus, condenar as memórias concorrentes a uma vida subterrânea doentia? Cotejando a amnésia, a anistia coloca a relação ao passado fora do campo no qual a problemática do perdão encontraria no dissensus o seu lugar justo (Ricœur, 2000RICŒUR, Paul (2000). La mémoire, l’histoire et l’oubli. Paris: Seuil., p. 588-589, tradução nossa).

É interessante observar, no entanto, que, quando a história se fabuliza em prol da criação dessa “unidade imaginária” nacional, a ficção, como um moinho de vento, tende a assumir um papel de relevo na recuperação dessas memórias concorrentes, legadas a uma existência subterrânea, esse dissensus invisível, que se torna força motriz para proteger o futuro dos erros do passado.

Moinhos de vento: o mover da história nos seus silêncios

Tanto a figura do colaboracionista, no primeiro romance, como a do desertor, no segundo, remetem-nos à imagem da pátria - invadida ou abandonada -, envolvendo, em cada um desses papéis sociais, duas esferas identitárias: a individual e a coletiva. Assim, “colaboracionista” é a “pessoa que colabora com ou apoia o inimigo que ocupa, total ou parcialmente, o território do seu país” (Houaiss, 2001HOUAISS, Antônio (2001). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva., p. 756) e “desertar” é “ausentar-se, afastar-se. [...] Desertou, ainda jovem, da sua terra natal” (Ferreira, 1986FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda (1986). Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., p. 551).

Gustavo e Fernando são, assim, portadores simbólicos do destino do grande corpo coletivo da nação - enquanto território político e imaginário. Em seus corpos torturados, física e psiquicamente, nos porões da ditadura ou nas entranhas da selva amazônica, inscreve-se a história do grande corpo da nação brasileira, pois “o corpo é sempre tomado de assalto […] a história é uma prática significante que requer o assujeitamento do corpo para criar valores e significações”, como ressalta Judith Butler (2005BUTLER, Judith (2005). Trouble dans le genre. Le féminisme et la subversion de l’identité. Paris: Éditions La Découverte., p. 250, tradução nossa).

Nesse sentido, o desejo social de conhecimento dessa história oculta implica penetrar o invólucro corpóreo individual no qual esse segredo coletivo está guardado. É na resistência legítima do indivíduo em permitir o acesso às suas “memórias subterrâneas” (Pollak, 1993POLLAK, Michael (1993). Une identité blessée. Paris: Éditions Métaillié ., p. 18, tradução nossa) que devemos compreender as razões desses personagens com relação ao cumprimento - ou não - desse dever de memória imposto. Aprofundando o pensamento de Maurice Halbwachs sobre a memória coletiva, Pollak realça o “caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva nacional” (Pollak, 1993POLLAK, Michael (1993). Une identité blessée. Paris: Éditions Métaillié ., p. 18, tradução nossa). Ele prossegue explicando que “os silêncios conjunturais não são apenas o efeito de proibições vindas do alto, eles podem ser a consequência de uma interiorização de sentimentos de inferioridade, de vergonha, da antecipação de discriminações” (Pollak, 1993POLLAK, Michael (1993). Une identité blessée. Paris: Éditions Métaillié ., p. 22, tradução nossa).

O romance de Beatriz Bracher mostra que a questão política do país ganha contornos ainda mais dramáticos por adentrar no núcleo íntimo familiar: “Não há castigo sem culpa e fora castigado. E não por deuses ou pelo fado do acaso insondável, mas por homens do meu país, compatriotas, contemporâneos” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 126). Ainda que negue a força do destino, Gustavo torna-se o herói da tragédia de sua nação, fadado inexoravelmente a provocar a morte do cunhado, arrastando a mulher e a sogra para o mesmo fim. Uma relação de proximidade unindo vítima e carrasco é aqui insinuada, que nos parece envolver “compatriotas” e “contemporâneos” dentro de uma esfera mais íntima.

O conceito freudiano de unheimlich, “o estranho-familiar”, pode ser uma chave de interpretação possível para que possamos compreender a aceitação de um destino trágico pelo protagonista, pois, segundo Freud, “o estranhamento inquietante está também dentro de si mesmo/no seu próprio lar” (Freud, 1985FREUD, Sigmund (1985). L’inquiétante étrangeté et autres essais. Paris: Éditions Gallimard., p. 252, tradução nossa). Se tomarmos o termo alemão Unheimlich, derivado de Heim, lar, nele temos presente tanto a noção de familiaridade quanto a de segredo, já que é também a raiz da palavra Geheimnis. O narrador dá indícios que corroboram essa interpretação: “Traição e tradição têm em comum o transmitir, a ação da entrega” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 69).

Nesse sentido, a figura opressora do pai, Joaquim Ferreira, onipresente ao longo de toda a diegese, merece ser observada. Este é apresentado pelo narrador como um homem bastante conservador, apreciador dos símbolos associados a um discurso patriótico ufanista: “O pai gostava das escadarias do Museu do Ipiranga, as águas dos afluentes do Amazonas presas em aquários, subindo e dividindo-se com as curvas do imponente corrimão” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 37-38). Apenas parece esboçar leveza e entusiasmo ao cotejar Armando: “meu pai divertia-se com ele nas noites em que Armando prolongava suas tardes de estudo” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 38). No entanto, ao saber da prisão do filho, Joaquim revolta-se contra esse amigo: “A mãe contou que ele ficou furioso com Armando. Poucas vezes vi meu pai furioso” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 92).

Ainda que sindicalista, Joaquim não é apresentado como membro de nenhum movimento de oposição ao regime: “A política não é lugar para desopilar o fígado, nem ganhar amigos, é apenas a maneira de se conseguir coisas, coisas simples e coletivas, melhor salário, condições de trabalho” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 92). Não se situa politicamente possuindo, no entanto, pensamento estratégico que se assemelha àquele dos militares: “Não se empolgou com Jango nem se desesperou com os militares. Não sei se seu amor limitava-se aos indivíduos, mas desconfiava de qualquer poderoso e suas instituições. Eram seus adversários e como tais tinha que entender-lhes os mecanismos” (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 92).

No final do romance, essa figura paterna lacônica revela, no entanto, a autoridade lacaniana de sua força de palavra, nomeando o personagem pela primeira vez em toda a diegese e dando, finalmente, o veredito de sua inocência, que o condena, no entanto, a aceitar silenciosamente seu papel social como culpado:

Armando escolheu o caminho dele, que não era o seu. Não era também o de Eliana ou o da mãe, mas ele, o filho e irmão, quis assim. Cala novamente. [...] Ele prossegue, são três mulheres, a sua família. […] Gustavo, eu estou te falando, sou eu que estou te falando, é importante você saber que não devia morrer, você tem as suas responsabilidades, Armando tinha as dele. Parece que começo a entender. Ele está acusando Armando. […] Pai, ninguém devia morrer, você sabe disso. […] Gustavo, ele diz numa voz mansa, agora acabou. Terminou. Armando foi longe demais, perdeu o controle. Ele pensou que podia, que daria um jeito, mas as coisas saíram do controle. Agora acabou. Eu falaria isso, Cecília, se fosse possível (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 199-201).

Essa cena esquecida, reprimida - ou construída diferentemente no passado - emerge do subconsciente do narrador ao remexer na casa familiar. Joaquim assume aqui o papel de demiurgo que determina o “caminho” de Armando e o de Gustavo. O destino do narrador é ditado pelas suas relações familiares, sempre marcadas pelo peso da responsabilidade. A introjeção da consciência da própria inocência pelo narrador deve passar pela confirmação paterna, como se sozinho não tivesse legitimidade suficiente na afirmação dos seus atos. Ao relembrar as responsabilidades gregárias de Gustavo no seio de sua família, o pai lhe acrescenta um peso suplementar, transformando a natureza do que poderia ser compreendido como uma revelação libertadora. O dever familiar atribuído ao narrador enquanto “homem da casa”, implica uma transmissão transgeracional de pai a filho. A onisciência de Joaquim sobre a morte de Armando e o seu discurso sentencioso permitem-nos inferir-lhe o papel de real colaboracionista do regime. Ele seria o “dedo-duro” que, num zelo pela manutenção da continuidade de sua linhagem, resgata o filho dos porões da ditadura, substituindo-o pelo ex-amigo. A sua atuação política, aparentemente discreta, e a proximidade com Armando insinuam, ainda, um possível papel de espião.

Diante dessa acareação com Joaquim, Gustavo tem, no entanto, uma reação surpreendente, sobrepondo a proteção da memória familiar ao dever de memória coletiva. Se revelada, a traição de Joaquim provocaria um abalo identitário de tal forma profundo, que afetaria não somente Gustavo, na sua condição de filho, como todos os membros do clã. Entre sua reputação pessoal e a do pai, o narrador opta por resguardar a imagem da família e o que dela resta como imaginário. Gustavo acaba, portanto, por cumprir o fado ditado pelo oráculo paterno, carregando o fardo familiar. Em Não falei, o silêncio tem, assim, um significado que ultrapassa a simples declaração de inocência do narrador, remetendo-nos também à impossibilidade de expressão. A lealdade de Gustavo, primeiramente, por Armando, e, depois, pelo pai, implica sempre que a sua voz seja silenciada.

No romance de Adriana Lisboa, a revelação de um nome próprio também marca o desvendar do segredo oculto; não aquele de nascimento, mas o codinome de guerra: “Fernando tinha uma carta, uma só, de Manuela, a moça que conheceu no Araguaia. E que não se chamava, claro, Manuela, como ele não se chamava Chico. O nome dela era Joana. A carta vinha assinada apenas com um M” (Lisboa, 2014, p. 89). Sobre o nome próprio, Barthes considera-o como “um signo muito volumoso”, pois ele dispõe de três propriedades: “o poder de essencialização [...]; o poder de citação [...]; o poder de exploração (pois “desdobra-se” um nome próprio exatamente como se faz com uma lembrança)” (Barthes, 1972BARTHES, Roland (1972). Le degré zéro de l’écriture. Paris: Éditions du Seuil., p. 124-125, tradução nossa). Através da evocação do nome próprio, Gustavo retoma a consciência de sua identidade pessoal alienada com o episódio traumático da tortura, voltando a se situar no seio da família e de suas responsabilidades; já Fernando, num caminho inverso, relembra a identidade reprimida de guerrilheiro. Em ambos os casos, os três aspectos mencionados por Barthes estão presentes: o identitário, o referencial e o mnemônico. Nos dois romances, o peso do passado rejeitado volta à tona, através do discurso de outrem (o chamar do pai ou a carta da namorada), realçando uma identidade fragmentada enquanto sobrevivente.

Gustavo e Fernando partilham, portanto, de uma mesma condição e consciência, que molda a identidade de ambos: “O fato de ter escapado de uma morte provável funda, finalmente, o pertencimento ao grupo de sobreviventes, um grupo de destinos que se funde na consciência comum de uma diferença existencial” (Pollak, 1990POLLAK, Michael (1990). L’expérience concentrationnaire. Paris: Éditions Métaillié., p. 16, tradução nossa). A consciência dessa pertença faz com que não se sintam porta-vozes legítimos de uma história que só pode ser realmente contada por aqueles que sucumbiram. Ambos carregam, em vida, as marcas da morte que os circundaram, sentindo-se, similarmente, covardes, por não terem ousado enfrentar uma experiência limite. Se Gustavo decide não partilhar essa angústia com Cecília, no caso de Azul-corvo, Fernando transmite à Vanja essa síndrome do sobrevivente, essa culpa de continuar existindo. Para Gustavo e Vanja, as imagens mentais obsessivas dos choques elétricos nas feridas abertas representam um ritual iniciático incompleto ou ausente:

E a vida era uma contradição de termos: ele havia deixado a vida para trás a fim de continuar vivo, anos antes, e essa equação funcional e ilógica dava choques elétricos todos os dias nas cicatrizes abertas que não guardava do suicídio que não havia tentado cometer (Bracher, 2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34., p. 141)

Olho para os meus braços sem cicatrizes e penso cortes e penso choques elétricos. E me pergunto como as vidas viradas ao avesso e as pessoas viradas ao avesso reencontram o seu direito (Lisboa, 2014, p. 126).

Ainda que Gustavo tenha sofrido torturas, ele reacomoda-se, passivamente, na sua vida de diretor de escola logo após ter saído da prisão. Gustavo é aquele que não lutou e nem sofreu como Armando, não enfrentou os militares e nem o pai, sentindo-se, por isso, ilegítimo como testemunha dos movimentos de resistência contra a ditadura. Vanja, por sua vez, é herdeira do sentimento de incompletude de Fernando. O que os outros viveram a ele lhe faltou, ele é o resto do grupo que sobreviveu, tal como Vanja, fruto da geração da democracia conquistada pela luta dos jovens mortos no Araguaia. Também ela não se sente legítima para se apropriar de uma história que não é sua e que tampouco a Fernando pertenceu na sua totalidade, informado, a posteriori, sobre o fim trágico da guerrilha. Nesse sentido, ao analisar a possibilidade de testemunhar o horror do holocausto, Giorgio Agamben declara que “os enterrados não tem nada a dizer [...] quem se encarrega de testemunhar por eles sabe que deverá testemunhar sobre a impossibilidade de testemunhar. Ora, eis o que altera irremediavelmente o valor do testemunho, e obriga a procurar seu sentido em uma zona inesperada” (Agamben, 1992AGAMBEN, Giorgio (1992). Ce qui reste d’Auschwitz. Paris : Éditions Payot & Rivages., p. 36-37, tradução nossa). Convencida dessa impossibilidade de assumir o papel de testemunha da guerrilha, Vanja enterra Fernando juntamente com o seu passado:

Eu o enterrei, um ex-Fernando debaixo do chão. E junto com ele, sua ex-vida, suas ex-memórias que, por mais que ele compartilhasse, seriam sempre e somente suas e de mais ninguém. O que ele sentiu na mata, o que ele sentiu no pub londrino, o que ele sentiu deslizando pela lama congelada em Pequim. O que ele sentiu ao abraçar Manuela/Joana, Suzana [...] O que pensou, o que planejou e não fez, o que prometeu e não cumpriu, o que fez sem ter planejado antes (Lisboa, 2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal., p. 233).

O que a Fernando pertenceu, com ele se foi. O corpo de Fernando é preservado na sua integridade tanto física quanto mnemônica. Vanja recusa, assim, toda violação, toda apropriação. Só a Fernando caberia ser porta-voz dessa história. É, portanto, o silêncio do segredo que domina também Azul-Corvo. Não há dever de memória que se possa cumprir, pois não se trata de relatar a história da Guerrilha do Araguaia, mas aquela da deserção de Fernando, de suas aventuras, de seus amores, de seus sucessos e fracassos. Nos dois romances, o dever de proteção ao corpo individual coloca-se, assim, acima dos interesses do grande corpo social. E justamente por não ser instrumento de um dever de memória, a literatura consegue resgatar o silêncio fundador de todo o grande episódio histórico traumático.

Conclusão

Através da figura do colaboracionista em Não falei, de Beatriz Bracher (2004BRACHER, Beatriz (2004). Não falei. São Paulo: Editora 34.), e da do desertor em Azul-Corvo, de Adriana Lisboa (2012LISBOA, Adriana (2012). Azul-corvo. Lisboa: Quetzal.), podemos observar um mecanismo de transferência ao indivíduo da responsabilidade do governo pelos crimes de lesa-humanidade cometidos durante os anos da Ditadura Militar no Brasil. Por esse mecanismo, o foco do problema é descentralizado dos agentes provocadores da violência aos cidadãos engajados na luta contra o sistema, através de um jogo de manipulação das relações familiares e afetivas.

Quando cidadãos comuns são apontados como culpados ou compelidos a se autorresponsabilizar pelas torturas e mortes cometidas pelo regime, ou pela “violência subjetiva” usada como legítima defesa contra uma “violência sistêmica” implantada, o julgamento pelos crimes cometidos passa da esfera pública jurídica à esfera privada da moral e dos afetos. Essa transferência de responsabilidade do Estado cria um fenômeno de amnésia histórica coletiva solidificado pela “Lei da Anistia”, em vigor desde 1979. Isso explica a ausência de uma reparação histórica às vítimas dos crimes cometidos durante esse período e o ressurgimento de um discurso negacionista.

As duas obras em questão têm um papel de extrema importância ao dar luz a esse mecanismo alienante de (des)responsabilização do Estado. Ainda que tais textos tenham claro valor testemunhal, eles cumprem, sobretudo, a função de analisar a dificuldade que as vítimas desse período histórico possuem de testemunhar fatos que, por não poderem ser julgados sob a ótica imparcial da justiça, são condenáveis a priori por razões subjetivas, percebidos como atos desleais, covardes ou vergonhosos.

Essas narrativas permitem-nos, ainda, refletir sobre a legitimidade do testemunho do sobrevivente, em razão mesmo da natureza incompleta da experiência vivida. Elas desconstroem, além disso, um discurso essencialmente positivo e impositivo em torno do dever de memória. Ao implicar uma penetração no invólucro das memórias individuais, tal dever pode ser percebido como uma responsabilidade excessiva ou uma violação das “memórias subterrâneas” desses sobreviventes, como nos mostram Gustavo e Vanja. A transmissão desse legado mnemônico é, assim, discutida nos dois romances na sua complexidade, afastando-se da euforia da necessidade de conhecimento social, para analisar essa questão sob um ponto de vista mais ético e humano.

Ambos os romances mostram, por fim, a importância da literatura como um moinho de vento da história, fazendo-a avançar pela força invisível dessas “memórias subterrâneas”, que, percebidas como dolorosas, vergonhosas ou humilhantes, não ousam assumir-se como testemunho histórico. Numa época em que história oficial impõe o esquecimento forçado, combatido com a imposição de um dever de memória, o imaginário torna-se um recurso para o lembrar ou o esquecer livremente.

Referências

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  • 1
    A Guerrilha do Araguaia foi um movimento guerrilheiro ocorrido na região amazônica brasileira conhecida como “Bico do Papagaio”, tríplice fronteira do norte de Goiás (atual Tocantins), leste do Pará e oeste do Maranhão, ao longo do rio Araguaia. Tinha por objetivo fomentar uma revolução comunista, a ser iniciada no campo, baseada nas experiências vitoriosas da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa. Começou a ser planejada no início dos anos 1960, pela direção do PCdoB, e foi combatida pelas Forças Armadas a partir de 1972, quando vários de seus integrantes já haviam se estabelecido na região há pelo menos seis anos. Envolveu em torno de 80 combatentes, a maioria jovens com menos de 30 anos, dentre os quais apenas 17 sobreviveram, segundo dados oficiais. Este episódio histórico e trágico, ocultado pelo governo, teve fim apenas em 1976, quando as forças de repressão invadiram uma casa no bairro da Lapa, em São Paulo, e fuzilaram Ângelo Arroyo, o último comandante da guerrilha.
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    Organizadoras: Rita Olivieri-Godet e Mireille Garcia
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    Editora: Regina Dalcastagnè

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2019
  • Aceito
    25 Nov 2019
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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