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Práticas socioeducativas inclusivas: concetualizações e tendências de produção científica no campo da educação 1 1- Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

Inclusive socio-educational practices: conceptualizations and trends in scientific production in the field of education

Resumo

Este estudo apresenta um mapeamento e análise de literatura no campo da educação sobre como o tema das práticas socioeducativas inclusivas associadas a medidas para a promoção do sucesso escolar e da inclusão social tem sido abordado 4 4- Este trabalho foi apoiado por fundos europeus, através do Fundo Social Europeu (FSE), e por fundos nacionais, através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP (FCT) (bolsa de doutoramento com a ref.a SFRH/BD/143386/2019). Foi também apoiado pela FCT no âmbito do Financiamento Plurianual do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) (projetos com as ref.as UIDB/00167/2020 e UIDP/00167/2020). . O procedimento metodológico adotado foi o mapeamento sistemático da literatura, na linha de Kitchenham e Charters e de Petersen et al., fazendo pesquisa na Web of Science, Scopus e B-on. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, obteve-se um corpus de 47 publicações a partir do qual foram evidenciadas as principais tendências de distribuição temporal e geográfica, os temas organizadores, a metodologia e o tipo de participantes. A análise de conteúdo e a interpretação deram conta de entendimentos teóricos sobre práticas socioeducativas inclusivas, apontando os resultados para uma falta de uniformização na sua designação, bem como sobre o que constitui práticas socioeducativas inclusivas. Foram ainda identificados fatores inibidores e facilitadores nos processos de desenho, implementação e desenvolvimento daquelas práticas. Finalmente, propõe-se nas conclusões uma abordagem ao conceito indicando que as práticas socioeducativas inclusivas potenciam a mitigação ou superação de barreiras à aprendizagem e à participação com o intuito de promover o sucesso escolar e a inclusão social de forma a corresponder às necessidades e diversidade de todos os estudantes, envolvendo um planeamento e ensino cooperativo de aulas.

Palavras-chave
Práticas socioeducativas inclusivas; Sucesso escolar; Inclusão social em educação; Revisão de literatura

Abstract

This study presents a mapping and an analysis of the literature in education concerning how inclusive socio-educational practices associated with measures to promote school success and social inclusion have been approached. The methodological procedure adopted was the systematic mapping of the literature, in line with Kitchenham and Charters and Petersen et al. through research on Web of Science , Scopus , and B-on . After the inclusion and exclusion criteria were applied, a corpus of 47 publications emerged. We highlighted the main trends regarding time and geographical distribution, organizing themes, methodology, and type of participants. Content analysis and interpretation revealed theoretical insights into inclusive socio-educational practices, showing that there is not a standardized way of naming the phenomena and a gap regarding what inclusive socio-educational practices are really about. The factors that inhibit and facilitate the design, implementation, and development of these practices were also identified. Finally, the findings suggest the concept has been addressed in a way which indicates that inclusive socio-educational practices contribute to mitigate or overcome barriers to learning and participation in promoting school success and social inclusion, in order to meet the needs and diversity of all students, involving planning and cooperative teaching of classes.

Keywords
Inclusive socio-educational practices ; School success ; Social inclusion in education ; Literature review

Introdução

Na última década do século XX consolidou-se a narrativa de universalização do acesso à educação e promoção da equidade baseada nas recomendações expressas na Declaração de Salamanca ( UNESCO, 1994UNESCO. Declaração de Salamanca e enquadramento da acção na área das necessidades educativas especiais. Salamanca: Unesco: Ministério da Educação e Ciência de Espanha, 1994.). As diretrizes deste documento orientaram a disseminação e implementação dos princípios e práticas de inclusão na senda de uma Educação para todos ( UNESCO, 2000UNESCO. Dakar framework for action: education for all: meeting our collective commitments. Paris: Unesco, 2000.). Neste alinhamento, o discurso político-educacional passou a incorporar um apelo à adoção de medidas de transformação dos sistemas de educação em função da diversidade dos estudantes que experienciam diferentes desigualdades com impacto nos processos de ensino-aprendizagem e participação plena como sujeitos educativos ( Abrantes, 2021ABRANTES, Pedro. Educação inclusiva: proposta de quadro analítico e aplicação ao caso português. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 34, n. 2, p. 25-41, 2021.; Baptista, 2019BAPTISTA, Claudio Roberto. Política pública, educação especial e escolarização no Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 45, e217423, 2019. https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945217423
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; Booth; Ainscow, 2002;BOOTH, Tony; AINSCOW, Mel. Index for inclusion: developing learning and participation schools. Bristol: Centre for Studies on Inclusive Education, 2002.; Prychodco; Fernandes; Bittencourt, 2019PRYCHODCO, Robson Celestino; FERNANDES, Preciosa; BITTENCOURT, Zilda Camargo. Da ambiguidade discursiva às possibilidades de ação no campo da educação inclusiva em Portugal. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 32, e77/, p. 1-23, 2019. https://doi.org/10.5902/1984686X37467
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; Rodrigues, 2014RODRIGUES, David. Os desafios da equidade e da inclusão na formação de professores. Revista Nacional e Internacional de Educación Inclusiva, Sevilla, v. 7, n. 2, p. 5-21, 2014.). A este propósito, Sanches ( 2005, p. 128SANCHES, Isabel. Compreender, agir, mudar, incluir: da investigação-acção à educação inclusiva. Revista Lusófona de Educação, Lisboa, v. 5, p. 127-142, 2005.) refere:

A mudança geradora de uma educação inclusiva é um dos grandes desafios da educação de hoje porque imputa à escola a responsabilidade de deixar de excluir para incluir e de educar a diversidade dos seus públicos, numa perspectiva de sucesso de todos e de cada um, independentemente da sua cor, raça, cultura, religião, deficiência mental, psicológica ou física.

Houve assim, de modo mais visível, um impulso, também político, que preconizou uma transição do paradigma centrado no aluno para o paradigma centrado na escola ( Lopéz, 2012LOPÉZ, Josefina López. Facilitadores de la inclusión. Revista Educación Inclusiva, Almeria, v. 5, n. 1, p. 175-187, 2012.; Oliva, 2016OLIVA, Diana Villac. Barreiras e recursos à aprendizagem e à participação de alunos em situação de inclusão. Psicologia USP, São Paulo, v. 27, n. 3, p. 492-502, 2016.), assente “numa perspectiva de que o ensino se deve adaptar às necessidades dos alunos, mais do que a adaptação destes às normas pré-estabelecidas” ( Sanches; Teodoro, 2007, p. 108SANCHES, Isabel; TEODORO, António. Procurando indicadores de educação inclusiva: as práticas dos professores de apoio educativo. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 20, n. 2, p. 105-149, 2007.). A Educação Inclusiva (EI) integra, portanto, uma resposta básica de direitos humanos que impulsionou a mudança do paradigma educacional ( Rodrigues, 2013RODRIGUES, David. Equidade e educação inclusiva. Porto: Profedições, 2013.; Sanches, 2005SANCHES, Isabel. Compreender, agir, mudar, incluir: da investigação-acção à educação inclusiva. Revista Lusófona de Educação, Lisboa, v. 5, p. 127-142, 2005.; UNESCO, 2015UNESCO. Incheon declaration: Education 2030: towards inclusive and equitable quality education and lifelong learning for all. Paris: Unesco, 2015.). Segundo Oliva ( 2016, p. 493OLIVA, Diana Villac. Barreiras e recursos à aprendizagem e à participação de alunos em situação de inclusão. Psicologia USP, São Paulo, v. 27, n. 3, p. 492-502, 2016.) o modelo da EI:

[...] tem por base a concepção de direitos humanos, em que os princípios de igualdade de oportunidade e valorização da diferença são combinados para que todas as crianças, jovens e adultos possam estar incluídos no sistema educacional regular, aprendendo e participando sem qualquer tipo de discriminação.

Ao discurso político-educacional sobre EI correspondeu, no campo das ciências da educação, a emergência de distintas linhas de investigação 5 5- Para uma melhor informação ver Abrantes (2021). sobre o tema (e.g., i) perspetiva histórica; ii) perspetiva crítica do modelo de escola e de ensino-aprendizagem; iii) políticas educativas de ascendente neoliberal; iv) relação entre políticas curriculares e EI e; v) indicadores sobre as mudanças geradas no terreno) que, contemplando pontos divergentes e outros complementares entre si, originaram diferentes concetualizações sobre o que é a EI ( Abrantes, 2021ABRANTES, Pedro. Educação inclusiva: proposta de quadro analítico e aplicação ao caso português. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 34, n. 2, p. 25-41, 2021.). Neste sentido, Abrantes argumenta que “o próprio conceito de educação inclusiva e, sobretudo, a sua concretização são muito variáveis consoante os contextos” (p. 27), divergindo entre países e mesmo entre escolas ( Booth; Ainscow, 2002BOOTH, Tony; AINSCOW, Mel. Index for inclusion: developing learning and participation schools. Bristol: Centre for Studies on Inclusive Education, 2002.; RODRIGUES, 2006RODRIGUES, David. Dez ideias (mal) feitas sobre educação inclusiva. In: RODRIGUES, David (ed.). Educação inclusiva: estamos a fazer progressos? Lisboa: FMH, 2006. p. 1-16.). A EI é entendida por autores como Blanco (2003)BLANCO, Rosa. Aprendendo na diversidade: implicações educativas. Foz do Iguaçu: [s. n.], 2003. Disponível em: https://silo.tips/download/aprendendo-na-diversidade-implicaoes-educativas. Acesso em 11 de out. 2021.
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, Lopéz (2012)LOPÉZ, Josefina López. Facilitadores de la inclusión. Revista Educación Inclusiva, Almeria, v. 5, n. 1, p. 175-187, 2012., Prychodco, Fernandes e Bittencourt (2019)PRYCHODCO, Robson Celestino; FERNANDES, Preciosa; BITTENCOURT, Zilda Camargo. Da ambiguidade discursiva às possibilidades de ação no campo da educação inclusiva em Portugal. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 32, e77/, p. 1-23, 2019. https://doi.org/10.5902/1984686X37467
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e Rodrigues (2014)RODRIGUES, David. Os desafios da equidade e da inclusão na formação de professores. Revista Nacional e Internacional de Educación Inclusiva, Sevilla, v. 7, n. 2, p. 5-21, 2014. como um processo que visa identificar, amenizar ou eliminar barreiras à aprendizagem e à participação 6 6- Expressão introduzida por Booth e Ainscow (2002). Alguns exemplos de barreiras que podem dificultar a vida escolar dos estudantes são as culturas, as políticas e as condições estruturais e didático-pedagógicas. , diligenciando a frequência, o envolvimento e o sucesso de todos os alunos. Neste sentido, a EI representa uma filosofia que visa disponibilizar, em termos de princípios e de práticas, respostas educativas que pretendem “garantir a todos o acesso a uma educação de qualidade e assegurar a plena participação e integração na sociedade”[…] combatendo-se deste modo a exclusão e a marginalização social” ( NUNES; MADUREIRA, 2015, p. 28NUNES, Clarisse; MADUREIRA, Isabel. Desenho universal para a aprendizagem: construindo práticas pedagógicas inclusivas. Da Investigação às Práticas, Lisboa, v. 5, n. 2, p. 126-143, 2015.).

Algumas organizações internacionais como a UNESCO (2005)UNESCO. Guidelines for inclusion: ensuring access to education for all. Paris: Unesco, 2005. ou a Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva (2014)AGÊNCIA EUROPEIA PARA AS NECESSIDADES ESPECIAIS E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA. Cinco mensagens-chave para a educação inclusiva. Colocar a teoria em prática. Odense: Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva, 2014. elaboraram documentos que ajudam a clarificar as práticas que podem ser consideradas inclusivas. Estas práticas têm por objetivo mitigar situações reprodutoras de exclusão social que tornam mais difícil o cumprimento de valores democráticos defendidos por vários autores, entre eles Dewey ( 2007, p. 97DEWEY, Jonh. Democracia e educação. Lisboa: Didáctica, 2007.) quando advoga a necessidade da “participação de todos os seus membros em igualdade de circunstâncias”, a igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso, à solidariedade e à justiça social ( Antunes, 2019ANTUNES, Fátima. Remar contra as desigualdades: práticas, vozes e percursos. V. N. Famalicão: Húmus, 2019.; Oliva, 2016OLIVA, Diana Villac. Barreiras e recursos à aprendizagem e à participação de alunos em situação de inclusão. Psicologia USP, São Paulo, v. 27, n. 3, p. 492-502, 2016.). As práticas socioeducativas inclusivas, dentro dos seus limites e potencialidades, advêm de diretrizes de políticas públicas que, através da ação de organizações educativas em contextos escolares cada vez mais diversos e complexos, constituem-se como uma resposta face às desigualdades sociais e escolares ( Lima; Afonso; Gomes, 2019LIMA, Licínio; AFONSO, Almerindo J.; GOMES, Carlos. Posfácio: possibilidades e limites de políticas e práticas socioeducativas de inclusão. In: ANTUNES, Fátima (ed.). Remar contra as desigualdades em educação: práticas, vozes, percursos. V. N. Famalicão: Húmus, 2019. p. 165-179.).

Antunes e Lúcio (2019)ANTUNES, Fátima; LÚCIO, Joana. Overcoming barriers: the local and the innovative dimensions of inclusive socio-educational practices. Multidisciplinary Journal of Educational Research, Barcelona, v. 9, n. 2, p. 120-143, 2019. DOI 10.17583/remie.2019.4200.
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enfatizam a importância das práticas socioeducativas inclusivas na superação das barreiras à aprendizagem em contextos educacionais, formais e não formais, decorrentes de processos de promoção de inclusão social e do sucesso escolar. Outros contributos investigam práticas socioeducativas de sucesso na superação do insucesso e abandono escolares ( Araújo et al., 2013 ARAÚJO, Helena Costa et al. Policy analysis on early school leaving - Portugal. RESL.EU Working Paper Series, Antwerp, Working Paper 1, 2013.; Costa et al., 2013 COSTA, Isabel et al. Perspectives of Portuguese municipal education officers on school disengagement. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, v. 40, p. 165-185, 2013.; Ross, 2009ROSS, Alistair. Educational policies that address school inequality: overall report. London: IPSE/London Metropolitan University, 2009.) e há projetos 7 7- https://eduplaces.wixsite.com/eduplaces https://creaub.info/included https://www.uantwerpen.be/en/projects/resl-eu/ de investigação que têm apontado para processos transversais nas práticas socioeducativas, entre os quais o envolvimento cooperativo de professores, alunos e famílias, a formação, a mediação e a qualidade democrática que, em contextos sociais adversos, colaboram para o sucesso de percursos académicos ( Antunes, 2019ANTUNES, Fátima. Remar contra as desigualdades: práticas, vozes e percursos. V. N. Famalicão: Húmus, 2019.; University Of Barcelona/Crea; University of Minho/UEA, 2006UNIVERSITY OF BARCELONA/CREA; UNIVERSITY OF MINHO/UEA. Responses to challenges of youth training in the knowledge society: case studies of promising practice. Barcelona: University of Barcelona: Centre of Research in Theories and Practices that Overcome Inequalities, 2006.).

Procuramos, através deste estudo, dar conta do conhecimento sobre práticas socioeducativas inclusivas em contextos educacionais. A questão de investigação que se dirige à literatura e que baliza os objetivos principais desta pesquisa visa estudar como o tema das práticas socioeducativas inclusivas, associadas a medidas para a promoção do sucesso escolar, tem sido abordado. Pretende-se entender como estas práticas são caraterizadas, a nível internacional, através da realização de um estudo de mapeamento sistemático de literatura.

Os estudos de mapeamento utilizam um processo formal de revisão sobre um tópico a partir das principais fontes e do tipo de informação disponível ( Corona; Montoya, 2018CORONA, Claudia Navarro; MONTOYA, María Soledad Ramírez. Mapeo sistemático de la literatura sobre evaluación docente (2013-2017). Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 44, e185677, 2018. https://doi.org/10.1590/S1678-4634201844185677
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; Kitchenham; Budgen; Brereton, 2010KITCHENHAM, Barbara A.; BUDGEN, David; BRERETON, Pearl O. The value of mapping studies: a participant-observer case study. In: INTERNACIONAL CONFERENCE ONE VALUATION AND ASSESSMENT IN SOFTWARE ENGINEERING, 2010, Swinton. Proceedings […]. Swinton: British Computer Society, 2010. p. 25-33.) de forma a fornecer respostas confiáveis e robustas a perguntas de investigação significativas, utilizando uma metodologia rigorosa e replicável ( Kitchenham; Charters, 2007KITCHENHAM, Barbara; CHARTERS, Stuart. Guidelines for performing systematic literature reviews in software engineering: EBSE technical report EBSE-2007-01. Durham: Keele University: Durham University Joint Report, 2007.). As revisões sistemáticas e os estudos de mapeamento partilham características nos métodos de procura e extração de dados. No entanto, nestes últimos a pergunta de investigação é do tipo exploratório, os critérios de elegibilidade podem ser definidos a posteriori, destinando-se a mapear os principais conceitos e tendências subjacentes a uma área de investigação em vez de sintetizar resultados de estudos ( Petticrew; Roberts, 2006PETTICREW, Mark; ROBERTS, Helen. Systematic reviews in the social sciences: a practical guide. Oxford: Blackwell, 2006.). Com base neste pressuposto, foi realizado um estudo de mapeamento com o intuito de identificar, avaliar e interpretar a literatura relevante acerca do tema de investigação de forma a fornecer uma perspetiva global sobre o assunto em análise ( Petersen et al., 2008 PETERSEN, Kai et al. Systematic mapping studies in software engineering. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON EVALUATION AND ASSESSMENT IN SOFTWARE ENGINEERING, 2008, Swinton. Proceedings […]. Swinton: British Computer Society, 2008. p. 68-77.).

O artigo segue uma estrutura onde, em primeiro lugar, são descritos os procedimentos metodológicos adotados, detalhando o método utilizado no levantamento dos dados recolhidos. Posteriormente, são identificados e discutidos os principais resultados do estudo, bem como algumas das suas singularidades que enunciam reflexões sobre os resultados da pesquisa com base nas perguntas de investigação que orientaram a extração de informação das bases de dados. Por fim, são apresentadas as considerações finais, onde se avança com algumas propostas no sentido de tornar mais claro o conceito de práticas inclusivas quando ativadas por preocupações sobre o sucesso educativo.

Procedimentos metodológicos

O objetivo deste mapeamento visa sistematizar a produção científica sobre a temática das práticas socioeducativas inclusivas no campo da educação. Este tipo de estudos secundários analisa a literatura sobre um tema específico de investigação, seguindo um conjunto de passos metodologicamente definidos, de acordo com um protocolo previamente estabelecido, com o propósito de fornecer uma visão geral sobre uma área de pesquisa ( Kitchenham; Charters, 2007KITCHENHAM, Barbara; CHARTERS, Stuart. Guidelines for performing systematic literature reviews in software engineering: EBSE technical report EBSE-2007-01. Durham: Keele University: Durham University Joint Report, 2007.). É um procedimento que permite aos investigadores discernir a eficácia das intervenções examinadas, identificar lacunas de conhecimento, bem como registar as consistências e variações num campo de estudo particular ( Petticrew; Roberts, 2006PETTICREW, Mark; ROBERTS, Helen. Systematic reviews in the social sciences: a practical guide. Oxford: Blackwell, 2006.).

A presente pesquisa é baseada na metodologia proposta por Kitchenham e Charters (2007)KITCHENHAM, Barbara; CHARTERS, Stuart. Guidelines for performing systematic literature reviews in software engineering: EBSE technical report EBSE-2007-01. Durham: Keele University: Durham University Joint Report, 2007. e Petersen et al. (2008)PETERSEN, Kai et al. Systematic mapping studies in software engineering. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON EVALUATION AND ASSESSMENT IN SOFTWARE ENGINEERING, 2008, Swinton. Proceedings […]. Swinton: British Computer Society, 2008. p. 68-77. sobre a realização de estudos de mapeamento através da concretização de três fases: o planejamento, a execução e a elaboração do relatório.

Na fase de planejamento foi definido o objetivo a ser alcançado pela investigação e estruturado o protocolo que especificou: a) as perguntas de investigação de forma a elucidar o âmbito do estudo; b) o processo de busca e seleção, que inclui a identificação das bases de dados e os critérios de elegibilidade a serem aplicados; c) os procedimentos de seleção e extração dos dados e; d) as estratégias de síntese e análise dos dados recolhidos.

De forma a dar resposta à questão de investigação proposta e acima apresentada foram delineadas cinco perguntas de investigação secundárias, detalhadas na Tabela 1.

Tabela 1 -
Perguntas de investigação secundárias

Na fase de execução foram conduzidas todas as etapas descritas no desenho do protocolo de mapeamento, nomeadamente a identificação e a seleção dos artigos e a extração e síntese dos dados.

Sequencialmente, efetuaram-se pesquisas da produção científica em três bases de dados indexadas: Scopus 8 8- https://www.scopus.com , Web of Science 9 9- https://www.webofscience.com (WOS) e B-on, 10 10- https://www.b-on.pt tendo em conta a sua visibilidade e importância na área da educação. Após a realização de um teste piloto nas bases de dados, a string de busca foi reelaborada a partir das questões de investigação e de uma combinação de palavras-chave. A Tabela 2 mostra a cadeia de pesquisa empregue na localização da produção analisada.

Tabela 2 -
String de busca

Posteriormente, foi estabelecido um conjunto de critérios de inclusão e exclusão, apresentados na Tabela 3, com o intuito de se proceder a um refinamento dos resultados.

Tabela 3 -
Critérios de elegibilidade

A procura abrangeu artigos de língua espanhola, francesa, inglesa e portuguesa. Optou-se por não se circunscrever um limite temporal na procura dos artigos como forma de evitar a exclusão de potenciais investigações significativas para o mapeamento desenvolvido. As estratégias de busca e seleção foram realizadas através de três etapas conforme estabelecido no protocolo da pesquisa e apresentado na Figura 1.

Figura 1 -
Processo de execução do mapeamento sistemático de literatura

Na elaboração e execução do protocolo de mapeamento foi utilizada a ferramenta StArt. O processo de seleção dos artigos consistiu, numa primeira etapa, na aplicação dos critérios de inclusão e exclusão a partir da leitura dos títulos e resumos dos documentos, alcançando um resultado total de 83 artigos dos 178 documentos inicialmente identificados. Numa segunda etapa, foram lidos na íntegra os trabalhos selecionados, sendo obtido um corpus de 47 artigos científicos. Nesta etapa, os estudos foram organizados no gestor bibliográfico Mendeley. Posteriormente, os artigos foram examinados através do processo de análise de conteúdo ( Bardin, 1995BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995.; Krippendorff, 2003KRIPPENDORFF, Klaus. Content analysis: an introduction to its methodology. Thousand Oaks: Sage, 2003.) apoiado pelo software NVivo. Todos os artigos relacionados com a temática das práticas socioeducativas inclusivas e a promoção do sucesso escolar foram categorizados e codificados. As unidades de referência elegidas foram frases e/ou parágrafos, seguindo-se a regra da exclusividade mútua de categorias ( Krippendorff, 2003KRIPPENDORFF, Klaus. Content analysis: an introduction to its methodology. Thousand Oaks: Sage, 2003.). A análise de conteúdo da produção científica teve por base a formulação das perguntas de investigação e o objetivo geral traçado neste estudo. Um número de identificação foi atribuído a cada documento. A Tabela 4 apresenta a lista dos estudos selecionados.

Tabela 4 -
Produção científica mapeada

Na fase de elaboração do relatório, a partir dos resultados do estudo de mapeamento sistemático de literatura, as questões de investigação secundárias foram respondidas.

Resultados e discussão

Na presente secção são analisados, em duas etapas, os resultados dos estudos selecionados. Num primeiro momento, expõem-se as tendências da produção científica por ano de publicação e país (PSI1), assunto (PSI2) e tipo de investigação (PSI3). Posteriormente, discute-se a resposta para a pergunta norteadora da pesquisa sobre concetualizações das práticas socioeducativas inclusivas (PSI4) e identificam-se os principais fatores inibidores e facilitadores na implementação e/ou desenvolvimento destas práticas (PSI5) apoiados na análise dos 47 artigos elegidos neste mapeamento sistemático de literatura.

Tendências de produção científica no campo da educação

Apresenta-se, no Gráfico 1, a produção científica sobre a temática das práticas socioeducativas inclusivas, por ano, nas bases de dados Scopus, WOS e B-on. O artigo mais antigo data de 2003 e o mais recente de 2022. Todavia, são notadas oscilações no número de estudos publicados, indiciando fragilidades na área em estudo resultantes da necessidade de consolidação de conceitos relacionados com a EI, em geral, e as práticas socioeducativas inclusivas, em particular. Analisando as bases de dados separadamente, verifica-se que a B-on e a WOS, embora de forma distinta, refletem uma convergência de produção da literatura, enquanto a Scopus não regista publicações significativas.

Gráfico 1-
Tendência de produção sobre práticas socioeducativas inclusivas na Scopus, Web of Science e B-on

A distribuição geográfica da literatura é identificada em 22 países dos cinco continentes, apontando para uma internacionalização do trabalho de investigação sobre o estudo de práticas socioeducativas inclusivas. O Reino Unido, a Espanha e a Austrália são os países com maior produção, representando em conjunto 40,43% da produção total (dezanove trabalhos). Estes dados traduzem possibilidades no desenvolvimento de colaborações entre investigadores/as e instituições, potenciando a criação de redes internacionais de trabalho.

Em relação à distribuição de artigos por assunto, a maioria centrou-se em questões associadas com o desenvolvimento de práticas socioeducativas inclusivas e: “trabalho docente” (vinte e cinco trabalhos), “inclusão escolar, políticas e práticas inclusivas” (sete trabalhos), “implementação de programas de intervenção” (cinco trabalhos). O número reduzido de estudos publicados nas restantes linhas de investigação (ver Tabela 5) remete para o caráter emergente de alguns tópicos de pesquisa. Nenhum dos estudos recolhe exclusivamente informações sobre práticas socioeducativas inclusivas.

Tabela 5 -
Temas identificados na produção científica no âmbito das práticas socioeducativas inclusivas

O campo sobre os tipos de investigação varia entre intervenções empíricas e teórico-concetuais, conforme apresentado na Tabela 6. Das pesquisas analisadas, 89,36% corresponde ao tipo de investigação empírica, sendo que 46,81% utiliza uma metodologia qualitativa, 23,4% quantitativa e 19,15% mista. As investigações teórico-concetuais qualitativas e mistas foram encontradas em 8,51% e 2,13%, respetivamente, na literatura examinada. Em alguns estudos, a abordagem metodológica foi identificada de forma tácita, sendo a sua categorização depreendida com base nos instrumentos e/ou nos dados utilizados. Esta informação pode revelar-se importante em futuros estudos na área aquando da adoção ou exploração de tipos de investigação ( Ramírez-Montoya; Lugo-Ocando, 2020RAMÍREZ-MONTOYA, María-Soledad; LUGO-OCANDO, Jairo. Revisión sistemática de métodos mixtos en el marco de la innovación educativa. Comunicar, Sollihul, v. 28, n. 65, p. 9-20, 2020.).

Tabela 6 -
Abordagem metodológica adotada

No que diz respeito ao tipo de participantes expresso na literatura analisada, destaca-se a recolha de informação junto de docentes em 31 dos artigos científicos (65,96%). Destes, 22 estudos (46,8%) recolheram unicamente a opinião do corpo docente. Este facto vai ao encontro de investigações realizadas ( Antunes, 2019ANTUNES, Fátima. Remar contra as desigualdades: práticas, vozes e percursos. V. N. Famalicão: Húmus, 2019.) que denotam a falta de conhecimento sobre os pontos de vista de atores envolvidos no estudo de práticas socioeducativas inclusivas. Os restantes 25 estudos apresentam uma grande variedade de combinações, conforme se apresenta na Tabela 7:

Tabela 7 -
Tipos de participantes identificados na produção científica

A análise de conteúdo dos artigos mostra um enfoque no paradigma educacional da inclusão e nas reflexões sobre a sua relação com a implementação e desenvolvimento de práticas socioeducativas inclusivas na promoção do sucesso escolar e da inclusão social. A partir da análise dos artigos deste estudo foi possível identificar significados e perspetivas relativos à caraterização de práticas socioeducativas inclusivas. Estes são descritos abaixo.

Que concetualizações sobre práticas socioeducativas inclusivas têm sido reportadas na literatura analisada neste estudo?

Os 47 artigos analisados tratam a temática das práticas socioeducativas inclusivas, embora apenas doze abordem a sua caraterização. Constata-se que não existe uma uniformização sobre o que, de facto, constitui práticas socioeducativas inclusivas [3,12,13,18,20,22,24,25,28,29,44], sendo caraterizadas de diferentes formas em diversos países de acordo com os seus contextos, nomeadamente políticos, econômicos, sociais e culturais: “A concepção de práticas inclusivas varia consideravelmente entre contextos condicionada pelos diferentes significados do termo ‘educação inclusiva’, questão esta que tem sido debatida um pouco por todo o mundo” [24].

Estes entendimentos são encontrados na literatura estudada sob a égide de diferentes terminologias, inclusive no mesmo artigo, destacando-se entre elas as denominações: práticas inclusivas [12,13, 18, 22, 24, 25, 39, 44], boas práticas [3, 24], práticas de inclusão [13], práticas ideais de inclusão [22], práticas educativas inclusivas [20, 28] e práticas socioeducativas inclusivas [5].

Algum dissenso encontrado na literatura analisada é explicado pelo facto de estas práticas, por vezes, parecerem estar mais centradas em abordagens compensatórias, corretivas e individualizadas do que em abordagens inclusivas que postulam como um direito a plena participação e a igualdade de oportunidades educativas de todos os estudantes, “já que a sua organização académica não é inclusiva” [24]. Integrar estudantes com necessidades educativas especiais no ensino regular, separando-os do resto da turma, com atividades diferentes e professores especializados, não constitui uma prática inclusiva [22, 24, 25]. Consequentemente, é reconhecido que algumas práticas de discriminação positiva parecem promover cenários de marginalização e exclusão quando as suas ações são orientadas para a integração ou segregação dos estudantes em espaços “especiais” dentro da escola [22]. Desenvolver “boas práticas em contextos separados contêm em si uma ideia contraditória” [24].

Em termos do binómio inclusão/exclusão, destacam-se muitas vezes, nas instituições educacionais, tensões geradas pela rutura entre o discurso e a prática [22]. Os processos de exclusão surgem como “uma resposta à noção de normalidade, veiculada na sociedade, que promove a pertença dos alunos a um grupo ‘normal’ e tende a segregar os estudantes que não se encaixam nesses critérios” [22].

Apesar da falta de uniformização concetual do que são práticas socioeducativas inclusivas, encontramos pontos convergentes e complementares na sua definição. Neste sentido, as “práticas de inclusão” visam incutir um entendimento de “desnormalização” do modo como as instituições manifestam as suas regras através de uma valorização da existência de contextos e necessidades plurais [22]. Estes pressupostos estão alinhados com Lopéz (2012)LOPÉZ, Josefina López. Facilitadores de la inclusión. Revista Educación Inclusiva, Almeria, v. 5, n. 1, p. 175-187, 2012. e Oliva (2016)OLIVA, Diana Villac. Barreiras e recursos à aprendizagem e à participação de alunos em situação de inclusão. Psicologia USP, São Paulo, v. 27, n. 3, p. 492-502, 2016. no que diz respeito à atenção, à diversidade e ao papel da escola. Um importante passo em direção a “uma escola para todos” passa pelo abandono da conceção dicotómica entre normalidade e desvio, e pela valorização da diversidade [22]. Estas práticas caraterizam-se, portanto, pela incorporação da atenção à diversidade na sala de aula como um recurso para apoiar os processos de ensino-aprendizagem com o intuito de providenciar um desenvolvimento holístico e uma educação de qualidade a todos os estudantes [3, 12]. As “práticas inclusivas”, por um lado, constituem um reconhecimento da diversidade e, por outro, uma forma de responder às necessidades individuais dos alunos [12, 20]. Estas necessidades podem incluir deficiências físicas, intelectuais, perturbações comportamentais, sociais e/ou emocionais, e outros desafios comportamentais e de aprendizagem [20].

No entanto, para que as práticas sejam inclusivas é necessário que os agentes educativos concetualizem as dificuldades de aprendizagem não só em termos das necessidades dos estudantes, mas também numa perspetiva pedagógica [25]. Para além de utilizarem estratégias de ensino que beneficiem todos os estudantes, os docentes devem também planear intervenções específicas para abordar as barreiras à aprendizagem dos alunos [44]. As intervenções, quando são focalizadas nas dificuldades dos alunos, tendem a remeter para segundo plano “questões relacionadas com a instrução e o currículo inclusivo” [25]. Isto significa que o desenvolvimento de “práticas inclusivas” requer “competências por parte do professor para atender à diversidade e orientar eficazmente o processo de ensino” [18]. Neste sentido, as “práticas de inclusão” são desenvolvidas por professores que identificam as necessidades dos estudantes e concebem estratégias de forma a garantir um processo de ensino-aprendizagem abrangente [13, 28] através da integração de conhecimentos, aptidões e perceções inovadoras, empregando recursos metodológicos que visam a construção de um “currículo para todos” [13, 18, 28]. Esta relação entre inclusão e estratégias que garantam o acesso individual e a participação no currículo tem tido grande destaque na literatura, sendo o acesso dos alunos alcançado, frequentemente, através de acomodações e adaptações ao ensino, à aprendizagem e à avaliação [22, 44].

As “boas práticas” caraterizam-se ainda pela construção de uma relação colaborativa entre alunos/as e professores/as [3, 5, 39] mediante a ação de atividades contextualizadas [3], fomentando, por um lado, a equidade, a pertença e a participação de todos os alunos na criação do seu ambiente de discência e, por outro, a investigação colaborativa e a aprendizagem profissional dos docentes [13, 24, 39].

Em suma, estas “práticas inclusivas” incrementam uma cultura inclusiva, fortalecem o trabalho colaborativo entre os docentes e empregam estratégias e recursos educacionais distintos assentes num modelo organizacional flexível [22]. Desta forma, as “práticas inclusivas” envolvem “ações que refletem a cultura e as políticas das escolas” [22] onde os processos de inovação e transformação das culturas, políticas e práticas educacionais desempenham um papel fundamental para que a inclusão incorpore uma filosofia de atenção à diversidade [12, 44], o que “requer uma abordagem pedagógica destinada a todos” [25].

Fatores inibidores e facilitadores na implementação e desenvolvimento de práticas socioeducativas inclusivas

Os fatores associados com o incremento de práticas socioeducativas inclusivas foram identificados em cada um dos 47 artigos. Apresentam-se dois conjuntos de fatores: um relacionado com constrangimentos no qual foram integrados sete tipos de problemas e outro com fatores facilitadores que agrupa nove itens. A Tabela 8 especifica os fatores e respetivos aglomerados.

Tabela 8 -
Fatores inibidores e facilitadores no desenvolvimento de práticas socioeducativas inclusivas

A análise categorial dos artigos evidencia as “caraterísticas e competências dos professores” como o maior constrangimento na promoção de práticas socioeducativas inclusivas (31,91%), seguindo-se obstáculos ligados aos “recursos (humanos e materiais)” (8,51%), às “políticas inclusivas” e à “formação de professores” (6,38%). No que concerne aos principais fatores facilitadores são indicadas as “caraterísticas e competências dos professores” (36,17%), a “pedagogia” (21,28%) e o “trabalho colaborativo dos profissionais” (19,15%).

Verifica-se que “caraterísticas e competências dos professores” é o principal fator (inibidor e facilitador) apontado no desenvolvimento destas práticas. Este fato, em linha com aspetos considerados centrais na caraterização de práticas socioeducativas inclusivas (relação colaborativa entre alunos e professores; fomento da equidade, da pertença e da participação de todos os alunos na criação do seu ambiente de discência; a investigação colaborativa, a aprendizagem profissional e o trabalho colaborativo entre docentes), destaca o papel central que o professor e a sua ação detêm na implementação de uma sala de aula inclusiva. Neste sentido, a forma como estes agentes educativos se sentem autoeficazes e aspetos relacionados com a “formação de professores” são considerados fatores basilares para enfrentar os desafios na implementação de práticas inclusivas.

Considerações finais

O objetivo do presente estudo de mapeamento sistemático visou identificar propostas teóricas sobre como a literatura produzida no campo da educação tem abordado a temática das práticas socioeducativas inclusivas ao longo dos anos. Os resultados obtidos levam-nos a inferir a existência de poucas investigações sobre a problemática mapeada, bem como a inexistência de estudos que recolham exclusivamente informações sobre práticas socioeducativas inclusivas. Foram encontradas consideráveis diferenças no volume de publicações na língua inglesa, relativamente a outras línguas, bem como na quantidade de produção ao longo do tempo (2003-2022), que vem ocorrendo sem grande expressão tendo em conta os intervalos temporais entre as publicações encontradas. O Reino Unido é o país com o maior número de publicações, sendo pertinente realçar a importância que a EI tem protagonizado no seu sistema educativo. As pesquisas realizadas denotam a apresentação de tópicos de investigação diversos e relevantes, sustentados por metodologias robustas, embora seja expressa uma tendência de centralização das investigações em torno da figura dos docentes.

Não obstante os progressos explanados na legislação nacional e internacional sobre a EI, denota-se na produção científica estudada uma diversidade de entendimentos teóricos sobre práticas socioeducativas inclusivas, bem como em relação à sua concretização nas escolas. Considera-se que os contextos internacionais não se prestam a interpretações uniformes sobre o tema, o que constitui uma importante limitação deste estudo. No entanto, esta pesquisa é suscetível de trazer alguns benefícios para o campo da educação, fornecendo uma visão geral sobre práticas socioeducativas inclusivas.

A literatura analisada não aponta numa direção clara sobre concetualizações de práticas socioeducativas inclusivas, embora sejam identificados pontos complementares na sua caracterização. Entre as diversas terminologias, alinhamo-nos com o termo “práticas socioeducativas inclusivas” assente no pressuposto de que estas práticas, imbuídas na filosofia da Educação Inclusiva ( Rodrigues, 2013RODRIGUES, David. Equidade e educação inclusiva. Porto: Profedições, 2013.; Sanches, 2005SANCHES, Isabel. Compreender, agir, mudar, incluir: da investigação-acção à educação inclusiva. Revista Lusófona de Educação, Lisboa, v. 5, p. 127-142, 2005.; UNESCO, 2015UNESCO. Incheon declaration: Education 2030: towards inclusive and equitable quality education and lifelong learning for all. Paris: Unesco, 2015.), têm como finalidade o desenvolvimento de processos potenciadores de mitigação ou superação de barreiras à aprendizagem e à participação ( Booth; Ainscow, 2002BOOTH, Tony; AINSCOW, Mel. Index for inclusion: developing learning and participation schools. Bristol: Centre for Studies on Inclusive Education, 2002.), com o intuito de promover o sucesso escolar e a inclusão social de todos os alunos [5]. No nosso entendimento, sustentamos que estas práticas são “uma ação ‘situada’ que obtém sentido e exequibilidade em contextos particulares, com aspetos estruturais específicos que as configuram na sua singularidade e unicidade” [18], envolvendo um

[…] compromisso de todos os membros de uma comunidade educativa que partilham uma visão comum do conceito de inclusão, da sua implementação e configuração para corresponder às necessidades e diversidade de todos os estudantes envolvendo o planeamento e um ensino cooperativo de aulas. [13].

Investigação futura será levada a cabo de forma a abordar diferentes perspetivas de atores diretamente envolvidos/as em práticas socioeducativas inclusivas (estudantes, docentes e responsáveis institucionais) sobre entendimentos do que são essas mesmas práticas, em contextos formais e não formais, de forma a abranger uma compreensão mais rigorosa das suas caraterísticas e informar diferentes públicos sobre os resultados obtidos. Espera-se ainda que, a partir dos resultados deste mapeamento, seja possível projetar novos objetivos e propostas de investigação sobre a concetualização de práticas socioeducativas inclusivas.

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  • 1-
    Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.
  • 4-
    Este trabalho foi apoiado por fundos europeus, através do Fundo Social Europeu (FSE), e por fundos nacionais, através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP (FCT) (bolsa de doutoramento com a ref.a SFRH/BD/143386/2019). Foi também apoiado pela FCT no âmbito do Financiamento Plurianual do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) (projetos com as ref.as UIDB/00167/2020 e UIDP/00167/2020).
  • 5-
    Para uma melhor informação ver Abrantes (2021)ABRANTES, Pedro. Educação inclusiva: proposta de quadro analítico e aplicação ao caso português. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 34, n. 2, p. 25-41, 2021..
  • 6-
    Expressão introduzida por Booth e Ainscow (2002)BOOTH, Tony; AINSCOW, Mel. Index for inclusion: developing learning and participation schools. Bristol: Centre for Studies on Inclusive Education, 2002.. Alguns exemplos de barreiras que podem dificultar a vida escolar dos estudantes são as culturas, as políticas e as condições estruturais e didático-pedagógicas.
  • 7-
  • 8-
  • 9-
  • 10-

Editado por

Editora: Profa. Dra. Mônica Caldas Ehrenberg

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2022
  • Aceito
    30 Maio 2023
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