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Inclusão dos jovens do campo no ensino superior: limites e possibilidades

Inclusion of the countryside youth into higher education: limits and possibilities

RESUMO

Toda forma de exclusão de seres humanos da possibilidade de acesso ao que a humanidade produz de mais avançado é uma violência que deve ser combatida. O acesso ao ensino superior cria condições mais favoráveis para que as novas gerações se apropriem do acúmulo histórico e teórico alcançado pela humanidade. Dessa forma, trata-se de um direito universal que, para além da letra da lei e dos discursos, precisa ser materializado. No campo a situação é ainda mais grave do que nas cidades, pois requer investimentos adicionais para combater o déficit histórico e construir melhores condições de vida para a juventude atual. Neste artigo analisaremos a eficácia, os limites e os desafios dos 10 anos de implantação no Brasil da política de inserção da juventude do campo no ensino superior, no curso de licenciatura em Educação do Campo. Dentre os limites se destaca a dificuldade de validação do diploma, que não é reconhecido. Entre as positividades se destaca o ingresso de grande número de jovens que não teria acesso ao ensino superior.

Palavras-chave:
Toyotismo; Educação superior; Licenciatura; Educação no Campo.

ABSTRACT

All forms of exclusion of human beings from the possibility of access to the most advanced products of humankind is a violence which has to be combated. The access to higher education makes conditions more favourable for new generations to appropriate the historic and theoretical accumulation reached by humankind and, therefore, it is a universal right, that, from above the letter of the law and beyond discourses, needs to be materialized. In the countryside, the situation is even more serious than in the cities, requiring additional investments for the combat of historic deficit and to build better life conditions for youth. In this article, we will analyse the efficiency, the limits and challenges of the ten years of the policy of countryside youth insertion in the higher education’s implantation in Brazil, in the course of graduation in Countryside Education. Among these limits, the difficulty of validation of diploma stands out, as it is not recognized. Among the positive aspects, the ingress of many youths that wouldn’t have had access to the higher education is a highlight.

Keywords:
Toyotism; College education; Graduation; Countryside Education.

Introdução

A existência da humanidade consiste num percurso milenar no qual os seres humanos deixaram de ser entes meramente biológicos, a mercê da natureza, para transformaram-se em seres sociais capazes de adaptar os recursos naturais existentes. Dessa forma satisfizeram suas necessidades básicas de sobrevivência e também criaram um mundo pleno de possibilidades.

Em razão das infinitas necessidades, a humanidade desenvolveu conhecimentos que lhe permitiram fazer coisas inimagináveis, como voar sem ter asas, conversar e ver pessoas em tempo real - que se encontram do outro lado do planeta -, transportar-se em máquinas que chegam a mais de 800 km por hora e tantas outras façanhas que há cem anos seriam consideradas alucinações. Porém, não podemos deixar de mencionar que nem toda a humanidade tem condições de usufruir de todos os artefatos existentes. A razão principal disso está na atual forma de organização social: o modo de produção capitalista.

Contudo, para se manter preponderante, esse modo de produção regula, constante e intensivamente, o seu instrumento principal: a força de trabalho, elemento vital para a extração da mais-valia, condição imprescindível à existência do capitalismo. Nesse sentido, uma das estratégias utilizadas ao longo dos séculos é a formação dos trabalhadores, cuja forma principal para esse propósito, há muito, são as instituições de ensino, modificadas inúmeras vezes para atender as demandas que surgiram a fim de manter o modo de produção capitalista. Por tais razões, compreender a sociedade em que vivemos requer, entre outras questões, compreender a qualificação para o trabalho, em especial o atual ensino superior, dadas as complexidades do setor produtivo em todos os setores, por isso, a necessidade de qualificar parte da força de trabalho para o desempenho de atividades intelectuais.

Todavia, pelos limites de um artigo, o nosso recorte está em analisar uma modalidade de curso de graduação relativamente novo: a licenciatura em Educação do Campo, criado a partir das demandas dos movimentos sociais ao final do século XX, para possibilitar a inclusão social dos trabalhadores das regiões rurais para que esses possam usufruir dos avanços científicos, tecnológicos e sociais produzidos pela humanidade.

Assim sendo, a primeira parte do texto traz uma abordagem sobre os avanços e as contradições do ensino superior, no seio dos quais surgiu a licenciatura em Educação do Campo. Na segunda, apresentamos o histórico da implantação da licenciatura em Educação do Campo no Brasil. Por último, apresentamos os fundamentos teóricos que nos permitem compreender os limites e as possibilidades dessa graduação para a formação e inclusão social dos trabalhadores. O referencial teórico que utilizamos é o materialismo histórico dialético, uma vez que este nos permite a compreensão do movimento e das contradições do fenômeno estudado.

Esperamos contribuir para o aprimoramento dessa modalidade de ensino e com as condições de inclusão social das pessoas que vivem e trabalham nas regiões rurais.

O ensino superior no Brasil: avanços e contradições

Já não se tratava de saber se este ou aquele teorema era ou não verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou prejudicial, cômodo ou incomodo, subversivo ou não.

Marx

O ensino superior no Brasil tem, como uma de suas características históricas, a dificuldade de acesso e permanência para a maior parte da população. Além disso, seu percurso evidencia que este nível de ensino se forjou a partir de um perfil elitista em nosso país, pois foi instituído apenas a partir da vinda da família real, em 1808, com o objetivo de garantir um diploma para aqueles que deveriam ocupar postos de trabalho privilegiados, destinados à nobreza da colônia portuguesa e aos seus descendentes. A história do ensino superior brasileiro também nos indica que ele foi uma bandeira dos trabalhadores que lutaram incansavelmente por condições favoráveis para alcançar esse grau de escolaridade, principalmente a partir da segunda metade do século XX.

Assim, ao levantarmos a situação atual do ensino superior no Brasil, não podemos negar que, nas últimas décadas, houve um significativo aumento da oferta de cursos e vagas para esse nível educacional, em especial nas instituições privadas, bem como uma grande, porém, insuficiente, expansão das universidades federais. O documento “Mapa da Educação Superior do Brasil - 2015”, elaborado pelo Sindicato das Mantenedoras do Ensino Superior (SEMESP), elaborado a partir dos dados do MEC/INEP reitera tal afirmação:

Nos últimos 13 anos, o número de matrículas em cursos presenciais das IES públicas e privadas no Brasil cresceu 129%, sendo que em 2013, período mais recente do levantamento, o aumento chegou a 3,8%. No ensino a distância (EAD), de 2009 a 2013, o crescimento ficou em 37,5%, refletindo um crescimento de 50% na rede privada e uma queda de 10,5% na rede pública. Em 2013, enquanto o crescimento do EAD na rede privada alcançou 7,2%, na rede pública a queda chegou a 14,9%. Com relação aos cursos tecnológicos de nível superior, de 2009 a 2013, as matrículas tiveram um aumento de 6,4%, sendo que, em 2013, o crescimento ficou em 2,2% (1,2% na rede privada e 6,2% na pública). (SEMESP, 2015SINDICATO DAS MANTENEDORAS DE ENSINO SUPERIOR (SEMESP). Mapa do ensino superior no Brasil. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://convergenciacom.net/ >. Acesso em: 10 ago. 2016.
http://convergenciacom.net/...
, p. 5).

O fenômeno acima, na sua aparência imediata, nos conduz apenas à percepção da democratização do ensino superior. Todavia, apesar da luta da classe trabalhadora ter contribuído para a ampliação desse nível de educação e, consequentemente, sua inserção na universidade, uma análise mais crítica e radical1 1 Aquele que vai à raiz do problema para compreender a sua verdadeira origem. nos permite compreender que tal crescimento decorreu articuladamente às demandas e às contradições próprias do modo de produção capitalista. Tal processo produtivo requer a utilização de equipamentos cada vez mais complexos constituídos a partir da microeletrônica e da microinformática. Porém, se a base técnica da produção capitalista é cada vez mais sofisticada, necessitando “em tese” de força de trabalho mais qualificada, ao longo do texto entenderemos que isto não ocorre, pois, o avanço da ciência, contraditoriamente, simplifica o trabalho da maioria. Por tais motivos, é essencial compreender que a expansão do ensino superior, assim como dos demais níveis de escolaridade, encontra-se diretamente articulado à exigência de alterações na base da reprodução material da existência humana.

Dentre as muitas modificações expressivas realizadas nos processos produtivos, as últimas foram causadas pelo esgotamento do modelo taylorista/fordista. Houve, então, uma reestruturação produtiva do capital que precisou de uma nova forma de organização e gestão do trabalho, de caráter flexível, que foi facilitada pela criação e utilização do chip no processo produtivo. A grande vantagem dessa nova forma de produção de mercadorias para o capitalismo está na possibilidade da confecção de produtos diferenciados, produzidos em pequenos lotes e pequenas quantidades, se possível satisfazendo as exigências dos clientes dispostos a pagar por mercadorias personalizadas. Opõe-se, portanto, à rigidez da produção em massa do taylorismo/fordismo, inclusive no que diz respeito à quantidade da força de trabalho.

Nesse novo cenário, é preciso qualificar o trabalhador para que ele seja proativo, não lhe cabendo apenas a destreza na execução de algumas técnicas. Ele deve ser multifuncional, polivalente, utilizar melhor o tempo da sua jornada de trabalho, ser capaz não só de enxergar problemas, mas de propor soluções, enfim, de possibilitar a redução máxima da quantidade de indivíduos empregados para baratear o “preço2 2 A palavra preço aqui é entendida como expressão de valor, cujo equivalente geral de mercadorias é o dinheiro. ” da mercadoria produzida. Além disso, deve estar disposto a responsabilizar-se pelo seu contínuo desenvolvimento profissional e intelectual, bem como ter ciência de que suas habilidades técnicas não são suficientes para garantir sua empregabilidade, sendo-lhe exigidas outras, relacionadas à comunicação, às relações interpessoais e aos processos organizativos.

O marco na investida dos grandes capitais internacionais junto aos países periféricos, a fim de qualificar os trabalhadores correspondentemente às novas demandas de reprodução da base material, ou seja, à produção flexível, foi a Conferência Mundial de Educação para Todos em 1990, em Jomtien, Tailândia. À frente do comando da conferência estava a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (UNESCO) e outras agências multilaterais, com a finalidade de tomar as providências para contornar a crise estrutural do sistema produtivo. Convocou, para resolver os problemas em pauta, representantes de vários países para delinearem as estratégias de enfrentamento e definir o papel da educação para o próximo milênio.

Fruto da estreita relação entre capital e trabalho, a conferência foi amplamente divulgada no Brasil a partir de 1996, no célebre relatório “Educação: um tesouro a descobrir” (DELORS, 2006DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006.), no qual são apresentados os pilares básicos e essenciais ao novo conceito de educação: “aprender a conhecer”, “aprender a viver”, “aprender a fazer” e “aprender a ser”. Esses pilares estão sintetizados no lema “aprender a aprender”, cuja aparência constitui uma posição pedagógica inovadora, progressiva, logo, vinculada às necessidades educacionais para o próximo século. Esse relatório, publicado em forma de livro, ainda é de grande importância para compreender as políticas educacionais em todos os países que seguem o ideário neoliberal. No Brasil, a expressão dessa lei culminou na Lei Nacional de Diretrizes e Bases 9.394/1996.

Assim, sob a égide de uma sociedade capitalista, o Estado foi o principal agente propulsor das mudanças necessárias para forjar o novo perfil dos trabalhadores. A educação, imprescindível à inserção produtiva, foi fortemente atingida por reformas. A política educacional, parte do projeto neoliberal desse Estado, foi reformulada e fez uso do seu discurso ideológico para justificar o seu novo aparato legal.

Portanto, a partir de 1990, o governo nacional, orientado por capitais internacionais e suas respectivas agências multilaterais, deu início a um processo que denominou de “[...] modernização da educação que implicou em mudanças importantes nos modos de gestão do sistema e das escolas, nos conteúdos, nas formas de financiamento, na estrutura acadêmica e no conjunto de princípios e valores que orientam o dever ser educativo [...]” (TIRAMONTI, 2000TIRAMONTI, G. Após os anos 90. Novos eixos de discussão na política educacional da América Latina. In: KRAWCZYK, N.; CAMPOS, M. M.; HADDAD, S. (Orgs.). O cenário latino-americano no limiar do século XXI. Reformas em debate. Campinas: Autores Associados , 2000., p. 118). Do ponto de vista ideológico, estrategicamente, a centralidade da educação foi “cantada em verso e prosa”, ou seja, foi reafirmada a cada momento, tanto no discurso como registrada nos documentos relativos à educação (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000SHIROMA, E; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Políticas Educacionais. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000.).

Do ponto de vista legal, houve alterações nos documentos que definiam as diretrizes curriculares específicas de todos os níveis da educação:

Para o governo, “a inadequação dos currículos às carências e necessidades da população escolar, tendo em vista, principalmente, a formação de cidadãos conscientes e aptos a enfrentar as exigências da sociedade moderna” obstaculizava a consecução de seu programa de ação. Remover tal obstáculo era, então, “condição imprescindível para melhorar a qualidade do ensino, reduzir a evasão escolar e combater as altas taxas de repetência”. Esse diagnóstico foi ponto de partida para que se iniciasse em 1995, “uma extensa reforma curricular, em todos os níveis de ensino”. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000SHIROMA, E; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Políticas Educacionais. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000., p. 98).

Assim sendo, muitas foram as providências para regulamentar e impor as implementações essenciais às mudanças do mundo do trabalho. O que se percebe em relação às questões educacionais voltadas à graduação, é que, paradoxalmente, a partir da produção flexível, com exceção de alguns cursos e universidades de maior tradição e elitizadas, em geral, as políticas e os demais elementos inerentes ao ensino superior são alterados com o objetivo de possibilitar cursos mais maleáveis, com menos tempo em sala de aula, menos incursões teóricas e mais voltados à empiria, apesar da intensificação da ciência e da tecnologia na base produtiva do modo de produção capitalista.

O atual desemprego é causado pela concorrência crescente que obriga os capitalistas a abaixar constantemente os custos de produção por meio do aumento constante do nível tecnológico da presença de mais trabalho morto (máquinas) e menos trabalho vivo (seres humanos). Nesse sentido, sem as condições para perceber a lógica da sociedade capitalista, a maior parte da população, mesmo os indivíduos com maior tempo de escolaridade, não possuem elementos suficientes para perceber as incoerências embutidas nas propostas educacionais e suas verdadeiras intencionalidades.

Logo, a expansão trouxe consigo a “flexibilização”, independentemente da área de conhecimento. A justificativa apresentada no discurso ideológico residia em buscar melhorias para os currículos obsoletos que, em razão de sua rigidez e do excesso de conteúdos, resultavam na interrupção dos estudos. Entretanto, a literatura crítica aponta que a verdadeira causa para a flexibilização está na necessidade de “[...] reduzir o insucesso para alcançar menor desperdício de recursos humanos e materiais”. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000SHIROMA, E; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Políticas Educacionais. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000., p. 13).

Essa nova concepção de ensino superior, mais flexível, possibilitou a abertura de instituições de ensino superior sem a exigência de pesquisa e extensão. Como consequência, a maior parte da oferta de graduação ocorreu na iniciativa privada e de forma expressiva na modalidade de ensino noturno e de ensino a distância (EaD).

Porém, ao contrário do que possa parecer, não é fácil para os detentores dos meios de produção e capital, que são os interessados em resguardar e manter a organização social vigente, zelar pelas bases de sustentação da sociedade capitalista, pois a história tem demonstrado que os processos de ajustes necessários são mediados por conflitos, pressões, resistências dos trabalhadores, suas entidades de representação e mesmo algumas lutas sangrentas. Logo, ao mesmo tempo em que precisam “educar” a massa de trabalhadores para operarem suas unidades produtivas da melhor forma possível e não danificarem os meios de produção, o que seria uma perda de capital, precisam qualificá-los moderadamente.

Logo, foi prudente seguir os conselhos de Adam Smith no século XVIII3 3 A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas, escrito em 1776. , ou seja, dosar os conhecimentos em doses homeopáticas a fim de que a produção científica produzida fosse devidamente apropriada e resultasse na valorização do capital.

Entretanto, mesmo administrando muito bem o acesso ao conhecimento, muitas batalhas continuam a ser travadas entre as duas classes antagônicas, ainda que, para significativa parcela da sociedade, os interesses sejam convergentes. Contudo,

[...] como a história já mostrou que o capitalismo não pode manter-se apenas lançando mão da repressão, existe uma busca incessante de formas de disseminação da ideologia dominante e de disseminação de todo tipo de preconceitos e mistificações em relação a qualquer projeto político e social que conteste o capitalismo e defenda outras formas de organização societária. (DUARTE, 2004DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2004., p. 6).

Nessa perspectiva, fica clara a razão pela qual um dos mecanismos de grande valia para o capital seja o discurso ideológico sobre a imprescindibilidade da educação, o qual propaga a ideia da educação “redentora”. Ou seja, a educação como elemento principal de transformação da sociedade atual, desigual, violenta, excludente, preconceituosa, exploradora, e outros adjetivos que expressam o estágio de barbárie vivido, em uma sociedade mais justa, democrática e fraterna: “Ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais de paz, da liberdade e da justiça social” (DELORS, 2006DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006., p. 11).

Sob tais circunstâncias, a graduação deixou de ser a etapa final do processo de formação profissional, pois, devido à justificativa do constante e veloz processo de renovação das tecnologias, alega-se que, ao concluir a graduação, o conhecimento teórico assimilado estaria obsoleto, portanto, sem serventia para o mercado de trabalho. Fica para trás a concepção de ciência como processo (CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001CATANI, A. M.; OLIVEIRA, J. F.; DOURADO, L. F. Política Educacional, mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular dos cursos de graduação no Brasil. Educação e Sociedade, ano 23, n. 75, p. 67-83, ago. 2001.). Ao que tudo indica, o conhecimento necessário - isto é, a capacidade de articular os conhecimentos empíricos, técnicos e científicos exigidos para o desempenho do trabalho complexo - fica restrito àqueles que conseguem se inserir produtivamente em grandes empresas que desenvolvem pesquisa científica e/ou chegar à pós-graduação stricto sensu.

É sob esse cenário de grandes contradições que ganhou força no Brasil a política de ampliação e acesso ao ensino superior para os habitantes das áreas rurais, particularmente com a implantação dos cursos em Educação do Campo.

A implantação dos cursos de licenciatura em Educação do Campo no Brasil

A história de luta por uma Educação do Campo foi pautada no discurso da inclusão social dos trabalhadores rurais que reivindicavam qualificação profissional específica, princípio defendido pelos movimentos sociais que buscavam a criação de cursos próprios para a formação de educadores do campo. Entretanto, o início dessa trajetória por uma educação do campo coincide com as reformas educacionais implantadas no país a partir de 1990, que tornaram mais precarizadas as ofertas educativas, tal como apontado na seção anterior.

Nesse percurso, para dar suporte e garantir a formação desses educadores do campo, os movimentos sociais realizaram a primeira Conferência Nacional por Uma Educação Básica do Campo (CNEC) em 1998, e a II Conferência Nacional por uma Educação do Campo em 2004, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). A partir do documento final desta conferência, devido às pressões dos movimentos sociais, foi instituído, em 2005, um Grupo de Trabalho (GT) responsável pela elaboração de uma proposta de formação de educadores do campo, que subsidiaria a SECADI na proposição ao Ministério da Educação (MEC). Os resultados produzidos pelo GT transformaram-se no Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo) (MOLINA; MOURÃO SÁ, 2012MOLINA, M. C.; MOURÃO SÁ, L. Licenciatura em Educação do Campo. In: CALDART, R. S., PERREIRA, I. B., ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo . Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular , 2012. p. 468-474.; MOLINA, 2015MOLINA, M. C. Expansão das licenciaturas em Educação do Campo: desafios e potencialidades. Educar em Revista, Curitiba, v. 31, n. 55, p. 145-166, jan./mar. 2015. ).

Na Proposta do Plano Nacional de Formação de Profissionais da Educação do Campo, desenvolvido pelo grupo de trabalho, ficou evidente o caráter afirmativo desta política para a correção da histórica desigualdade sofrida pelas populações do campo em relação ao seu acesso à educação básica, à situação das escolas do campo e de seus profissionais (ARROYO, 2012ARROYO, M. Formação de educadores do campo. In: CALDART, R. S., PERREIRA, I. B., ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. p. 361-367.; MOLINA; MOURÃO SÁ, 2012MOLINA, M. C.; MOURÃO SÁ, L. Licenciatura em Educação do Campo. In: CALDART, R. S., PERREIRA, I. B., ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo . Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular , 2012. p. 468-474.). Nessa perspectiva, após os encontros e discussões com as entidades representativas, referentes à formatação do primeiro desenho da política de formação de educadores do campo, o MEC aprovou o desenho das licenciaturas em Educação do Campo (MOLINA, 2015MOLINA, M. C. Expansão das licenciaturas em Educação do Campo: desafios e potencialidades. Educar em Revista, Curitiba, v. 31, n. 55, p. 145-166, jan./mar. 2015. ).

Essa nova modalidade de curso superior - que objetiva, também, fazer com que seus egressos permaneçam no campo - forma educadores para a docência nas escolas de educação básica do campo, com ênfase na Construção da Organização Escolar e do Trabalho Pedagógico para os anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, além de preparar os educadores para atuar na gestão de processos educativos escolares e na gestão de processos educativos comunitários. Dessa forma, a matriz curricular dos cursos - que prevê etapas presenciais (equivalentes a semestres de cursos regulares), ofertadas em regime de Alternância entre Tempo Escola e Tempo Comunidade - está organizada em quatro áreas do conhecimento, habilitando nas especificidades que cada curso é proposto pelas instituições: a) Linguagens (expressão oral e escrita em Língua Portuguesa, Artes, Literatura; b) Ciências Humanas e Sociais; c) Ciências da Natureza e Matemática e; d) Ciências Agrárias (MOLINA; MOURÃO SÁ, 2012MOLINA, M. C.; MOURÃO SÁ, L. Licenciatura em Educação do Campo. In: CALDART, R. S., PERREIRA, I. B., ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G. (Orgs.). Dicionário da Educação do Campo . Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular , 2012. p. 468-474.; MOLINA, 2015MOLINA, M. C. Expansão das licenciaturas em Educação do Campo: desafios e potencialidades. Educar em Revista, Curitiba, v. 31, n. 55, p. 145-166, jan./mar. 2015. ).

A materialização dessa política iniciou com uma experiência piloto, com a abertura de 04 cursos, por meio do Procampo, a convite do MEC, em universidades indicadas pelos movimentos sociais ligados à educação do campo, sendo elas a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Sergipe (UFS). A partir dessas experiências, nos anos de 2008 e 2009, a SECADI ampliou a possibilidade de execução desta graduação, por meio de editais públicos, para que novas instituições passassem a ofertar a licenciatura em Educação do Campo. A partir da concorrência a esses editais, em 2011, 32 instituições universitárias foram autorizadas a ofertar uma turma do curso, abrangendo todas as regiões do país (MOLINA, 2015MOLINA, M. C. Expansão das licenciaturas em Educação do Campo: desafios e potencialidades. Educar em Revista, Curitiba, v. 31, n. 55, p. 145-166, jan./mar. 2015. ).

Todavia, como apenas uma turma não atenderia às demandas para a formação de educadores do campo - com a institucionalização da Política Nacional de Educação do Campo, por meio do Decreto nº 7.352, de 2010, exigindo a elaboração de um Programa Nacional de Educação do Campo (PronacampoMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo). Disponível em: <Disponível em: http://pronacampo.mec.gov.br/10-destaque/2-o-pronacampo >. Acesso em: 30 jun. 2016.
http://pronacampo.mec.gov.br/10-destaque...
) - foi instituído, em 2012, um Grupo de Trabalho, com a participação dos movimentos sociais, para que ações fossem concebidas. A meta estabelecida pelo Pronacampo, para três anos, foi a de formar 45 mil educadores do campo, quantitativo que deveria ser distribuído em três estratégias de formação simultaneamente: os cursos do Procampo; os cursos desenvolvidos por meio da Plataforma Freire via Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor); e, por meio da Educação a Distância, via Universidade Aberta do Brasil (UAB). (MOLINA, 2015MOLINA, M. C. Expansão das licenciaturas em Educação do Campo: desafios e potencialidades. Educar em Revista, Curitiba, v. 31, n. 55, p. 145-166, jan./mar. 2015. ). Com a política lançada em 2012, intitulada Pronacampo, deu-se a implantação de 42 novos cursos de licenciatura em Educação do Campo em instituições de ensino superior no Brasil.

O Pronacampo objetiva dar apoio técnico e financeiro aos estados, Distrito Federal e municípios para a implementação da política de educação do campo, atendendo estudantes do campo, indígena e quilombola, em todas as etapas e modalidades de ensino, a partir de quatro eixos estruturantes de ação: 1) Gestão e Práticas Pedagógicas; 2) Formação Inicial e Continuada de Professores; 3) Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional; 4) Infraestrutura Física e Tecnológica. A ação do Estado - responsável pelo apoio e efetivação dos 42 cursos de licenciatura em Educação do Campo - localiza-se no eixo 2, por meio de um Subprograma, o Procampo (MEC, 2016).

Na Tabela 1, consta a relação das Universidades e Institutos Federais com cursos de licenciatura em Educação do Campo a partir dos editais de 2008, 2009 e 2012 e suas respectivas habilitações:

TABELA 1
Habilitações em Educação do Campo no Brasil

Entretanto, embora se atente para formar “educadores especialistas em Educação do Campo”, essa nova modalidade de curso de graduação, sob a perspectiva de “fazer mais, com menos”, tem oferecido uma formação docente de caráter polivalente. Sendo esta uma habilidade que possibilita realizar vários tipos de atividades, característica inerente à força de trabalho da produção flexível, pois:

A polivalência significa simplesmente um trabalho mais variado com uma certa abertura quanto à possibilidade de administração do tempo pelo trabalhador e não importa necessariamente mudança qualitativa das tarefas... É suficiente, para ser um trabalhador polivalente, o recurso aos conhecimentos empíricos disponíveis, permanecendo a ciência como algo que lhe é exterior e estranho. (MACHADO, 1994MACHADO, L. R. S. Mudanças tecnológicas e educação da classe trabalhadora. In: MACHADO, L. R. S. Trabalho e Educação. Campinas: Papiros, 1994. p. 9-23., p. 19).

Para melhor elucidar a questão de professor polivalente, tomemos como exemplo o curso de licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Ciências da Natureza. O egresso que cursou o ensino superior em quatro anos estaria apto para lecionar os conteúdos de Biologia, Química e Física, nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas do campo. Todavia, ele levaria ao menos doze anos se fizesse consecutivamente cada uma das graduações de maneira convencional, na qual há mais chance de o graduando apropriar-se dos conhecimentos científicos de cada uma dessas áreas.

Portanto, a formação de docentes para lecionar em mais de uma disciplina escolar, com o mesmo tempo de formação destinado a um curso de graduação tradicional, ajusta-se ao caráter polivalente. Ela é atendida pelo Estado com menos dispêndio de tempo e recursos financeiros, deixando, assim, de graduar três professores em três distintas especialidades.

Os ajustes para tal, como vimos na seção anterior, exigiram uma ampla reforma educacional, amparada num discurso de centralidade da educação, que viabilizou a oferta de cursos de graduação mais rápidos, com grades curriculares flexibilizadas que cumpriram seu objetivo de deixar para trás a rigidez do ensino e o excesso de conteúdos para atender as novas demandas da reestruturação produtiva.

Para entender como isso se sustenta, ganha legitimidade e parece ser algo espontâneo, buscaremos desenvolver os elementos teóricos que permitem compreender em que medida essas políticas, que mantêm a licenciatura em Educação do Campo, relacionam-se com as necessidades econômicas do capital.

Elementos teóricos para a compreensão dessa problemática

A educação, prática social tão antiga como a própria existência da humanidade, reflete a forma como um determinado coletivo reproduz a vida, ou seja, é uma prática social que está intimamente relacionada à maneira pela qual a sociedade se organiza economicamente num específico Modo de Produção. Os Modos de Produção, por sua vez, evoluem dos mais primitivos aos mais avançados, impulsionados pelo avanço das forças produtivas materiais (Força de Trabalho, Tecnologia e Natureza), alterando as relações de produção e, consequentemente, as relações sociais, a exemplo dos processos educacionais. Assim, o escravismo foi superado pelo feudalismo e este pelo capitalismo, em cada um desses houve uma prática educacional correspondente, com exceção do primeiro modo de produção, o comunismo primitivo. Dessa forma, as práticas educativas sempre estiveram articuladas à posse dos meios de produção. Logo, as diferenças existentes entre os indivíduos no presente modo de produção, inclusive as diferentes possibilidades de educação, correspondem aos interesses de classe e encontram-se disfarçadas, diferindo muito da exploração aberta dos escravos ou servos pelos senhores de outras épocas.

Assim, a exploração no modo de produção capitalista, encoberta pela complexidade das relações sociais, tem um elemento central, a mercadoria, a qual representa a riqueza produzida. Nesse contexto, a educação é uma mercadoria como outra qualquer e, como tal, é obtida conforme a condição de classe dos indivíduos. É essencial, pois, compreender que as mercadorias na sociedade capitalista, inclusive a educação, têm seu valor criado pelo trabalho humano nela incorporado, trabalho vivo. Além disso, são compostas por trabalho morto, ou pretérito, cujo valor não é criado, mas transferido ao produto na forma de matéria-prima, energia e desgaste dos meios de produção (máquinas, ferramentas, prédios, livros, laboratórios de ensino etc.). Logo, para produzir as mercadorias, o capitalista compra outras mercadorias, inclusive a força de trabalho para desgastar no processo produtivo e chegar à mercadoria desejada. No caso da mercadoria educação, o capitalista, que pode ser um empresário da educação ou o Estado capitalista, compra a força de trabalho do professor e os outros componentes necessários. Portanto, a educação sob a égide do capital é uma mercadoria cuja produção também requer um indivíduo que necessite vender a sua força de trabalho para poder se reproduzir socialmente por meio de um salário e, dessa forma, trocar por outras mercadorias para manter e desenvolver a sua existência, inclusive satisfazer a necessidade de qualificação para a inserção no mercado de trabalho.

Este aspecto dúplice da força de trabalho - ao mesmo tempo uma coisa, uma mercadoria para o capitalista e invólucro da existência da vida do trabalhador - constitui o problema fulcral do trabalho sob o capitalismo: a condenação do trabalho a existir como mercadoria. Os trabalhadores não têm, dentro deste modo de produção, como escapar a esta condenação. Aqueles nascidos nesta classe são preparados desde a mais tenra idade para serem força de trabalho a serviço do capital diretamente ou dos seus órgãos acessórios: Estado, Comércio, Bancos e Serviços.

Entretanto, sendo o trabalhador assalariado, para o sistema econômico, considerado uma mercadoria, este se torna tanto mais valioso quanto mais trabalho se lhe incorpore, isto é, quanto mais valor tenha sido gasto com a sua construção (gastos com alimentação, saúde, educação, habitação, segurança, entre outros). A mercadoria educação se torna um elemento crucial para a formação da mercadoria força de trabalhado, pois possibilita o acesso a níveis mais altos de empregos, tanto em termos de complexidade quanto de remuneração. Obviamente os cargos mais altos das diversas empresas não têm apenas o caráter técnico, mas também o caráter político/ideológico, de defesa dos interesses da classe dominante, por isso não são acessíveis apenas pela via da competência técnica, em que a educação formal tem papel importante.

Porém, por ser uma mercadoria, a educação no capitalismo tem como finalidade primeira a acumulação de lucro e, por isso, deve se ajustar, como às demais, às mudanças mais amplas ocorridas no mundo do trabalho. Por esse motivo, a educação sofreu os impactos do contínuo desenvolvimento das forças produtivas, responsáveis pelo barateamento de todas as mercadorias, até mesmo da força de trabalho. Esse barateamento, essencial para vencer a concorrência entre os capitalistas, ocorre à medida que as máquinas incorporam as atividades realizadas por trabalhadores, inclusive das atividades intelectuais que demandam maior tempo de qualificação e dispêndio de recursos. Por exemplo, do mesmo modo que a indústria automobilística utiliza robôs para substituir o trabalho simples, de caráter braçal, utiliza também computadores e programas para atividades complexas como cálculos de alta precisão que outrora só poderiam ser realizados por força de trabalho altamente qualificado. Portanto, os avanços científicos e tecnológicos tendem a transformar as atividades mais complexas em atividades simples, nas quais a maioria dos trabalhadores precisa apenas operar os equipamentos, mas sem compreender o conhecimento sistematizado objetivado em seu funcionamento.

A compreensão desse aspecto contraditório na sociedade capitalista, ou seja, que a aplicação contínua de aprimoramento científico, na produção de mercadorias, diminui a necessidade de trabalhadores altamente qualificados, é determinante para entendermos os motivos pelos quais a sociedade capitalista prescinde de qualificação de elevado grau para a maioria dos trabalhadores, incluindo nessa condição a categoria dos professores. Disso decorre a possibilidade de qualificar docentes em cursos mais rápidos, em que os conteúdos são vistos ligeiramente, habilitando-os para lecionar em distintas disciplinas, pois a qualificação mais densa, que permite a compreensão do processo científico mais avançado, não é necessária para todos e seria um desperdício de recursos e de tempo, diminuindo a acumulação de capital. Temos, então, a formação docente polivalente, capaz de lecionar em duas, três ou até mesmo quatro disciplinas, mas longe de conhecer e ensinar de acordo com o grau de conhecimento científico existente nas distintas áreas.

Essa mudança no perfil da categoria de professores atinge vários segmentos de trabalhadores e tem início com a implantação do sistema toyotista4 4 De acordo com Holzmann (2011), o toyotismo designa o modo de organizar os processos de trabalho e de produção, idealizado e introduzido na fábrica japonesa da Toyota, no Japão, nos anos de 1950. Contudo, foi amplamente difundido a partir do final da década de 1970, constituindo um dos recursos da estratégia capitalista para fazer frente à crise da produção em massa fordista. - Coriat (1994CORIAT, B. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan; UFRJ, 1994.) chama esta nova organização do trabalho de toyotismo, em referência à Empresa Toyota, ou ohnismo (Ohno, engenheiro da Toyota) - ocorrida a partir dos anos de 1970. No Brasil se efetivou em meados da década de 1990, quando houve uma significativa reestruturação no modo de organização da produção. A partir de então, não se dispensou o trabalhador especialista, mas se passou a exigir novas habilidades para a inserção profissional, preferindo-se um perfil de trabalhador cada vez mais flexível e polivalente.

Este novo perfil do trabalhador se articula ao que é característico desta nova organização do processo de trabalho, a produção enxuta. Não é a produção que define o consumo, mas é o consumo que define a produção, isto é, só será produzido aquilo que for consumido. Assim, “Enquanto no taylorismo-fordismo a direção é do estoque para o consumidor, no toyotismo é do consumidor para o estoque.” (TURMINA; BIANCHETTI et al., 2002/2003TURMINA, A.; BIANCHETTI, L. et al. Especialistas ou generalistas? As origens desse dilema e os seus desdobramentos para a práxis dos orientadores e dos supervisores educacionais. Revista Prospectiva da AOERGS, n. 27, p. 47-59, 2002/2003., p. 54). Consequentemente, a quantidade de trabalho vivo também será enxuta, reduzida. Segundo Gounet (1999GOUNET, T. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999., p. 29), o toyotismo é “(...) um sistema de organização da produção baseado em uma resposta imediata às variações da demanda e que exige, portanto, uma organização flexível do trabalho (inclusive dos trabalhadores) e integrada”.

No que diz respeito ao processo de trabalho, o toyotismo elimina a relação operador- máquina, como é típico no processo de produção fordista, e instaura o trabalho em equipe, operando numa célula de manufatura, conforme esclarece Holzmann (2011HOLZMANN, L. Toyotismo. In: CATTANI, A. D.; HOLZMANN, L. (orgs.). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre, RS: Zouk, 2011., p. 428, grifo nosso):

No interior da célula não há uma demarcação rígida das atribuições de cada trabalhador. Eles devem ser suficientemente flexíveis para poder desempenhar cada uma das tarefas executadas na célula e devem ser portadores de habilidades ampliadas em relação às requisitadas no sistema fordista, no qual elas são restritas ao posto de trabalho que cada trabalhador ocupa.

A flexibilidade5 5 De acordo com Sennett (2007), a palavra “flexibilidade” passou a fazer parte da língua inglesa ainda no século XV e seu sentido derivou originalmente da simples observação de que, embora uma árvore se dobrasse ao vento, seus galhos sempre voltavam à posição normal. Assim, ‘flexibilidade’ designa essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e restauração de sua forma. Falando em termos ideais, o comportamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil: ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas. A esse respeito conclui o autor (2007, p. 53): “A sociedade hoje busca meios de destruir os males da rotina com a criação de instituições mais flexíveis. As práticas de flexibilidade, porém, concentram-se mais nas forças que dobram as pessoas”. , portanto, é um dos elementos mais relevantes do modelo toyotista, integrada como princípio na organização da produção e do processo de trabalho, exigida dos trabalhadores e manifesta na variação dos produtos e na rapidez de sua inovação. Harvey intitula acumulação flexível a nova forma de acumulação capitalista:

Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas. (HARVEY, 2003HARVEY, D. Condição pós-moderna. 12. ed. São Paulo: Loyola, 2003., p. 140).

A reestruturação na organização social do trabalho demandou um perfil profissional fundamentado no “saber ser”, “saber aprender” e “saber fazer”. Nesse sentido, vem à tona a questão do trabalhador polivalente, que saiba trabalhar em equipe e que tenha uma capacidade de identificar e resolver problemas, bem como habilidades técnicas e capacidade de se ajustar à flexibilidade da produção (LAPIS, 2011LAPIS, N. L. Acumulação Flexível. In: CATTANI, A. D.; HOLZMANN, L. (orgs.). Dicionário de Trabalho e Tecnologia . 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre, RS: Zouk , 2011.). Por esse ângulo, o trabalhador está submetido à seguinte forma de trabalho:

(...) múltiplas tarefas; pagamento pessoal (sistema detalhado de bonificações); eliminação da demarcação de tarefas; longo treinamento no trabalho; organização mais horizontal no trabalho; aprendizagem no trabalho; ênfase na corresponsabilidade do trabalhador; grande segurança no emprego para trabalhadores centrais (emprego perpétuo). Nenhuma segurança no trabalho e condições de trabalho ruins para trabalhadores temporários (HARVEY, 2003HARVEY, D. Condição pós-moderna. 12. ed. São Paulo: Loyola, 2003., p. 167-168).

A demanda por trabalhadores flexíveis/polivalentes, “aptos a desempenharem um amplo leque de tarefas no processo produtivo” (HOLZMANN, 2011HOLZMANN, L. Toyotismo. In: CATTANI, A. D.; HOLZMANN, L. (orgs.). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre, RS: Zouk, 2011., p. 428), também pode ser claramente verificada nas habilitações oferecidas nos cursos de licenciatura em Educação do Campo.

Esta demanda só pode ser entendida a partir do movimento do capital que ora demanda trabalhadores especialistas, ora generalistas. A burguesia - detentora dos meios de produção no modo de produção capitalista - assume um caráter cosmopolita e “não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto, todo o conjunto de relações sociais” (MARX; ENGELS, 2002MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2002., p. 48).

É importante destacar que o Estado moderno, orientado pela lógica do modo de produção capitalista, constitui-se num Estado burguês em que o poder político é também “um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX; ENGELS, 2002MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2002., p. 47). No Brasil, nas últimas décadas,

(...) afigura-se como condensação de relações de força entre classes e frações de classes. Mesmo com a ampla hegemonia da proposta burguesa de sociedade e de educação no Brasil nos dias atuais, o Estado, ao definir suas políticas, leva em conta os imperativos do capital em seu conjunto e também das outras classes sociais, e não apenas as demandas imediatas de um capitalista singular ou de fração do capital (NEVES, 2002NEVES, L. M. W. (Org.). O empresariamento da educação: novos contornos do Ensino Superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo/SP: Xamã, 2002., p. 219).

Nesse sentido, o neoliberal Estado brasileiro, na formulação de políticas para a formação de educadores do campo, visando atender as demandas específicas da sociedade, assume característica enxuta. Os cursos de licenciatura em Educação do Campo se caracterizam pelo formato “compacto/concentrado”, em relação aos cursos (e suas respectivas habilitações) convencionais, oferecidos nas instituições de ensino superior. O Estado, a partir da racionalização técnico-administrativa empresarial, dispõe de um curso concentrado; portanto, enxuto, visando atender aos anseios da fração da classe que vive do trabalho, com menor custo e maior eficiência quantitativa. Assim, o egresso deste curso poderá, por exemplo, após um período de formação acadêmica de quatro anos, exercer o trabalho docente em diferentes áreas do conhecimento, pois, este professor em potencial, está sendo preparado para assumir diversas disciplinas na educação básica das escolas do campo.

Outra questão importante a destacar é que, na maioria dos Estados Federados, não se tem uma política de contratação de professores, por meio de concursos públicos, para os egressos desses cursos. O professor sem estabilidade fica, nesse sentido, no limbo, sujeitando-se a contratos temporários de trabalho, outra característica do modelo de acumulação flexível.

A contratação do trabalhador temporário, especificamente os egressos dos cursos de licenciatura em Educação do Campo, está legalizada para atender a necessidade temporária de interesses públicos, permitindo que órgãos de Administração Direta e o Poder Executivo efetuem a contratação de professores por tempo determinado nas condições, prazos e regime especial previsto em lei. Este tipo de vínculo empregatício na educação integra-se ao conjunto de inovações de um regime flexível, implicados no ideário da busca pela rapidez (para contratação e demissão), economia (menores custos para o Estado) e eficiência (trata-se de um profissional multifuncional).

Portanto, o trabalhador da educação não está imune às mudanças pelas quais passa o conjunto dos trabalhadores. Os professores temporários, assim como os seus pares efetivos, considerando as especificidades, também estão submetidos às duras regras do jogo do modo capitalista de produzir a existência.

No entanto, embora exista um número expressivo de professores - da educação básica e superior - que se encontram nesta condição de trabalho, entende-se que é necessário proporcionar autonomia profissional para os egressos dos cursos de licenciatura, em particular da Educação do Campo, seja para permanecerem no campo, seja para disputarem os melhores postos de trabalho.

Considerações finais

Este texto não objetivou aprofundar o debate referente aos fundamentos teóricos e metodológicos dos cursos de licenciatura em Educação do Campo, mas sim apontar os desafios e as potencialidades. Procurou-se, assim, apresentar a implementação das políticas para a formação de educadores do campo, que é significativa, a partir do contexto mais amplo de expansão de instituições e matrículas na educação superior no Brasil, considerando a principal característica desta política afirmativa, ou seja, o atendimento às pressões de frações da classe trabalhadora em consonância às mudanças no mundo do trabalho.

As políticas afirmativas são uma das características das políticas governamentais implantadas no país nos últimos anos. Busca-se atender aos anseios das minorias, conciliando uma minoria prepotente a uma maioria desvalida, sem alterar consubstancialmente a estrutura vigente. Não houve, portanto, luta por um projeto antagônico de sociedade. A política econômica neoliberal adotada fez com que as ações do Estado se voltassem para aspectos pontuais, fomentando políticas compensatórias - por isso, assistencialistas -, no intuito de manter o consenso entre as classes, a governabilidade nos seus mandatos e a ordem social hegemônica do capital. Embora possibilite aos jovens do campo o ingresso no ensino superior público, os cursos de licenciatura em Educação do Campo se inserem nesse contexto de implementação de políticas focais, visando atender a uma determinada especificidade.

As reivindicações feitas pelos movimentos sociais, por uma educação do campo, partem do pressuposto de que existe uma realidade no campo; sendo assim, é preciso uma educação específica “para os do campo”. Dessa maneira se admitirmos que existem diferentes realidades e que cada uma dessas realidades possui problemas específicos, somos conduzidos a defender uma escola/uma universidade/um curso superior específico para cada uma dessas realidades. Entendemos, ao contrário, que a realidade tanto do campo como da cidade, em sua totalidade, passou, com o avanço das forças produtivas, a ser única: a do modo de produção capitalista. O que defendemos, portanto, é a universalização da educação superior pública, laica e gratuita, visando a socialização do conhecimento sistematizado, objetivando uma formação consistente à classe trabalhadora, tanto do campo como da cidade, e a ampliação e valorização do trabalho docente.

Talvez, com isso, um quantitativo maior de jovens se sinta motivado a ingressar em cursos de licenciaturas e posteriormente a exercer o ofício de docente em escolas do campo e da cidade, independentemente. Assim, a classe trabalhadora, a partir da universalização da oferta de cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento, considerando o aprofundamento teórico e técnico da habilitação profissional específica, poderá se apropriar do conhecimento produzido historicamente pela humanidade, que é universal, e se inserir profissionalmente, objetivando produzir sua subsistência na sociedade capitalista, e lutar para superar as contradições sociais.

É oportuno, sobretudo, pontuar dois pontos centrais referentes aos cursos de licenciatura em Educação do Campo, objetivando instigar os pesquisadores e os representantes dos movimentos sociais a debaterem sobre estas questões: 1) Formar educadores com uma consistente base teórica na área de conhecimento específica, uma vez que, a formatação desses cursos, na sua maioria, impulsiona o esvaziamento dos conteúdos por conta da fragmentação epistemológica, decorrente das distintas habilitações, formando professores flexíveis/polivalentes. Portanto, a habilitação ofertada nessas licenciaturas tem garantido a “competência técnica e o compromisso político” dos egressos? Pois, entendemos que a classe trabalhadora do campo e da cidade necessita ter acesso ao que é mais desenvolvido, neste caso, especificamente, a formação em nível superior; 2) A inserção profissional dos egressos, muitas vezes, mascarada pelo romantismo dos arautos que defendem a permanência “dos do campo” no campo. Com isso, a habilitação ofertada tem garantido a inserção profissional dos egressos e a condição de disputar os melhores postos de trabalho, no âmbito e nos limites da sociedade capitalista?

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  • 1
    Aquele que vai à raiz do problema para compreender a sua verdadeira origem.
  • 2
    A palavra preço aqui é entendida como expressão de valor, cujo equivalente geral de mercadorias é o dinheiro.
  • 3
    A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas, escrito em 1776.
  • 4
    De acordo com Holzmann (2011HOLZMANN, L. Toyotismo. In: CATTANI, A. D.; HOLZMANN, L. (orgs.). Dicionário de Trabalho e Tecnologia. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre, RS: Zouk, 2011.), o toyotismo designa o modo de organizar os processos de trabalho e de produção, idealizado e introduzido na fábrica japonesa da Toyota, no Japão, nos anos de 1950. Contudo, foi amplamente difundido a partir do final da década de 1970, constituindo um dos recursos da estratégia capitalista para fazer frente à crise da produção em massa fordista.
  • 5
    De acordo com Sennett (2007SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. ), a palavra “flexibilidade” passou a fazer parte da língua inglesa ainda no século XV e seu sentido derivou originalmente da simples observação de que, embora uma árvore se dobrasse ao vento, seus galhos sempre voltavam à posição normal. Assim, ‘flexibilidade’ designa essa capacidade de ceder e recuperar-se da árvore, o teste e restauração de sua forma. Falando em termos ideais, o comportamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil: ser adaptável a circunstâncias variáveis, mas não quebrado por elas. A esse respeito conclui o autor (2007, p. 53): “A sociedade hoje busca meios de destruir os males da rotina com a criação de instituições mais flexíveis. As práticas de flexibilidade, porém, concentram-se mais nas forças que dobram as pessoas”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2017
  • Aceito
    03 Abr 2017
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