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Transformação de recursos genéticos de plantas aromáticas nativas em riqueza: o potencial do alecrim-de-tabuleiro (Lippia gracilis)

Transformation of genetic resources of native aromatic plants into wealth: the potential of Lippia gracilis

ARTIGO DA CAPA COVER ARTICLE

A caracterização dos recursos genéticos armazenados nos bancos de germoplasma permite conhecer e preservar a variabilidade genética das espécies, além de possibilitar a identificação e seleção de acessos de interesse. Esses acessos, por meio de programas de melhoramento genético, poderão dar origem a cultivares superiores, adaptadas a ambientes específicos e com características favoráveis como, no caso das plantas aromáticas, alto rendimento de óleos essenciais ricos nos princípios ativos desejados. As informações geradas na caracterização dos recursos genéticos irão colaborar também com a otimização dos Bancos de Germoplasma, eliminando a duplicidade de acessos e diminuindo os custos de manutenção.

O uso inteligente dos recursos genéticos nacionais é de suma importância para o progresso de todo o país, não sendo diferente para a região Nordeste. A partir da nossa flora podem ser produzidas riquezas propulsoras de desenvolvimento como, por exemplo, produtos biológicos com propriedades inseticidas, nematicidas e fungicidas. Nosso patrimônio genético pode ser, portanto, ponto de partida para a geração de conhecimentos e tecnologias que contribuirão com a sustentabilidade da agricultura.

Mas, por que algumas plantas desenvolvem esses princípios ativos? As plantas não possuem um sistema locomotor para fugir de seus predadores e inimigos (fungos, bactérias, insetos, herbívoros, entre outros). Nem por isso estão desprotegidas. Nelas existem defesas físicas como os espinhos e, também, defesas químicas, como os princípios ativos. É o caso, por exemplo, dos taninos e dos óleos essenciais. Os óleos essenciais presentes em um conjunto de plantas, denominadas aromáticas, são substâncias derivadas do metabolismo secundário. Entre as diversas funções dos óleos essenciais incluem-se a defesa contra predadores e a atração de polinizadores. São considerados óleos por serem, geralmente, líquidos de aparência oleosa à temperatura ambiente. Por apresentarem volatilidade, recebem também o nome de óleos voláteis.

A produção de substâncias bioativas pelas plantas ocorre através de diferentes vias metabólicas, gerando grande número de compostos, muitos dos quais somente identificados em determinados grupos de plantas e em concentrações variáveis. Porém, a produção desses compostos não é homogênea, mesmo em se tratando de plantas de uma mesma espécie. A variação qualitativa e quantitativa que observamos na composição química dos óleos essenciais de plantas semelhantes é devida, entre outras razões, à variação genética entre diferentes populações, ao estádio de desenvolvimento, à parte da planta e, também, a fatores ambientais, como localização geográfica e características de solo e clima.

No Brasil, dentre as plantas do semiárido que habitam a caatinga, seu principal bioma, estão várias espécies do gênero Lippia (Verbenaceae), popularmente conhecidas como alecrins. Plantas do gênero Lippia são espécies próprias da região, de terrenos bem drenados, sendo comum sua presença nos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe. O gênero Lippia, cujo nome deriva de August Lippi, um botânico italiano, não é exclusivo do Brasil. Cerca de 200 espécies de Lippia já foram descritas, correspondendo a ervas, arbustos e pequenas árvores, frequentemente aromáticas, distribuídas nas Américas Central e do Sul e na África Central.

Lippia gracilis, popularmente conhecida como alecrim-de-tabuleiro ou alecrim-da-chapada, que ilustra a nossa capa, é um arbusto caducifólio, ramificado, de até 2 m de altura, de caule quebradiço, com folhas pequenas, aromáticas e picantes, simples, cartáceas, de pouco mais que um centímetro de comprimento. As flores são miúdas e amarelo-esbranquiçadas, reunidas em espigas de eixo curto. A Universidade Federal de Sergipe (UFS) conserva a variabilidade de L. gracilis em seu Banco Ativo de Germoplasma. As caracterizações agronômica, química e molecular estão em andamento e já estão sendo desenvolvidas na UFS formulações com atividade carrapaticida, inseticida e fungicida. Porém, como fazemos para tirar esses produtos da Academia e colocá-los nas prateleiras, à disposição do consumidor?

Esta espécie aromática é um dos vários exemplos de plantas nativas que podem se tornar uma espécie cultivada se receberem os devidos investimentos para pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Contudo o país criou mecanismos para "evitar" o uso de seus recursos genéticos. A Medida Provisória nº 2.186/2001 foi criada para "atrasar" as pesquisas científicas e tecnológicas com espécies nativas. Caso esta medida provisória existisse e fosse aplicada em escala global no século 19, nosso país não seria hoje um grande produtor de soja e milho. O que é mais justo: impedir no nascedouro a realização de pesquisas voltadas para o desenvolvimento de produtos tecnológicos em virtude de incertezas sobre a repartição dos benefícios ou deixar que essas pesquisas avancem, remunerando posteriormente a quem de direito, com impostos cobrados sobre a comercialização final dos produtos eventualmente desenvolvidos? A aplicação correta dos impostos é responsabilidade do governo, mas a medida provisória transfere esta responsabilidade para os pesquisadores e instituições que realizam pesquisas com espécies nativas. Por que a medida provisória não definiu como os impostos recolhidos deveriam ser aplicados nas comunidades envolvidas? Com certeza o trabalho do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) seria em muito simplificado. E a quem interessa o atraso nas pesquisas científicas e tecnológicas com as espécies nativas? Com certeza, os brasileiros têm grande interesse em desenvolver, por exemplo, pesticidas a partir de óleos essenciais e extratos de plantas nativas do país. Mas, para isto a legislação deve ser mais amigável, principalmente com aqueles que podem efetivamente transformar nossos recursos genéticos em novos produtos: nossos pesquisadores.

(Arie Fitzgerald Blank, professor da UFS-CCAA, Depto. de Engenharia Agronômica, afblank@ufs.br)

As ideias aqui expressas e as informações apresentadas são de responsabilidade do autor.

  • Transformação de recursos genéticos de plantas aromáticas nativas em riqueza: o potencial do alecrim-de-tabuleiro (Lippia gracilis)

    Transformation of genetic resources of native aromatic plants into wealth: the potential of Lippia gracilis
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013
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