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Design e agricultura familiar: proposta de estrutura para cultivo protegido

Design and family-based agriculture: proposal of a structure for protected cultivation

Conception et l'agriculture basée sur la famille: proposition d'une structure pour la culture protégée

El diseño y la agricultura basada en la familia: propuesta de una estructura de cultivos protegidos

Resumos

Analisando-se as estruturas para cultivo protegido de hortaliças utilizadas na cidade de Santa Maria e região, constatou-se que a maioria dos produtores utilizam estruturas artesanais, muitas vezes inadequadas às suas necessidades, por falta de instalações industriais adequadas. A partir dessas informações, foi projetada uma nova estrutura para cultivo protegido, demonstrando o promissor papel do design como facilitador do desenvolvimento local.

Design; Agricultura familiar; Cultivo protegido


Analyzing the structures for protected cultivation of vegetables used in the city of Santa Maria and region, it was found that most producers use artisan structures, often inappropriate to their needs, lacking of adequate industrial facilities. From this information, was designed a new structure for protected cultivation, demonstrating the promising role of design as a facilitator of local development.

Design; Family farming; Protected vegetable growing


L'analyse des structures pour la culture protégée de légumes utilisés dans la ville de Santa Maria et de la région, il a été constaté que la plupart des producteurs utilisent des structures artisanales, souvent inadapté à leurs besoins, qui n'ont pas d'installations adéquates pour l'industrie. De cette information, a été conçu une nouvelle structure pour la culture protégée, ce qui démontre le rôle prometteur de la conception en tant que facilitateur du développement local.

Design; Agriculture familiale; Culture protégée


En la análisis de las estructuras para cultivos protegidos de hortalizas utilizadas en la ciudad de Santa María y sus alrededores, se encontró que la mayoría de los productores utilizan las estructuras artesanales, a menudo inadecuadas a sus necesidades, la falta de adecuadas instalaciones industriales. A partir de esta información, se diseñó una nueva estructura para cultivos protegidos, lo que demuestra el papel prometedor del diseño como un facilitador del desarrollo local.

Diseño; Agricultura familiar; Cultivo protegido


ARTIGOS

Design e agricultura familiar: proposta de estrutura para cultivo protegido

Design and family-based agriculture: proposal of a structure for protected cultivation

Conception et l'agriculture basée sur la famille: proposition d'une structure pour la culture protégée

El diseño y la agricultura basada en la familia: propuesta de una estructura de cultivos protegidos

Danieli Maehler NejeliskiI; Carolina Iuva de MelloII

IBacharel em Desenho Industrial - Projeto de Produto pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: danielinejeliski@yahoo.com.br

IIProfessora assistente do curso de Desenho Industrial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestre em Engenharia de Produção. E-mail: carolinaiuva@gmail.com

RESUMO

Analisando-se as estruturas para cultivo protegido de hortaliças utilizadas na cidade de Santa Maria e região, constatou-se que a maioria dos produtores utilizam estruturas artesanais, muitas vezes inadequadas às suas necessidades, por falta de instalações industriais adequadas. A partir dessas informações, foi projetada uma nova estrutura para cultivo protegido, demonstrando o promissor papel do design como facilitador do desenvolvimento local.

Palavras-chave: Design. Agricultura familiar. Cultivo protegido.

ABSTRACT

Analyzing the structures for protected cultivation of vegetables used in the city of Santa Maria and region, it was found that most producers use artisan structures, often inappropriate to their needs, lacking of adequate industrial facilities. From this information, was designed a new structure for protected cultivation, demonstrating the promising role of design as a facilitator of local development.

Key words: Design. Family farming. Protected vegetable growing.

RÉSUMÉ

L'analyse des structures pour la culture protégée de légumes utilisés dans la ville de Santa Maria et de la région, il a été constaté que la plupart des producteurs utilisent des structures artisanales, souvent inadapté à leurs besoins, qui n'ont pas d'installations adéquates pour l'industrie. De cette information, a été conçu une nouvelle structure pour la culture protégée, ce qui démontre le rôle prometteur de la conception en tant que facilitateur du développement local.

Mots-clés: Design. Agriculture familiale. Culture protégée.

RESUMEN

En la análisis de las estructuras para cultivos protegidos de hortalizas utilizadas en la ciudad de Santa María y sus alrededores, se encontró que la mayoría de los productores utilizan las estructuras artesanales, a menudo inadecuadas a sus necesidades, la falta de adecuadas instalaciones industriales. A partir de esta información, se diseñó una nueva estructura para cultivos protegidos, lo que demuestra el papel prometedor del diseño como un facilitador del desarrollo local.

Palabras claves: Diseño. Agricultura familiar. Cultivo protegido.

Introdução

O design permeia o nosso cotidiano. É uma profissão multifacetada, interdisciplinar, que paira no limiar das engenharias e das artes, aliando funcionalidade e estética. Em meio a um universo de possibilidades, é possível identificar a sua essência projetual. O caráter interdisciplinar do design possibilita sua interface em todas as esferas da sociedade, incluindo a agricultura.

Contrastando com a origem da profissão, direcionada à disseminação do consumo, os rumos contemporâneos do design incitam a solução de problemas sociais e ambientais, com a consciência da necessidade de ações sustentáveis para um desenvolvimento pleno da sociedade. Projetos voltados a nichos específicos constituem uma alternativa para impulsionar o progresso regional de forma sustentável, pois reduzem o contraste das diferenças sociais.

Na conjuntura nacional e, especialmente no Rio Grande do Sul, a agricultura familiar se enquadra nesse contexto: com altos índices de produção e participação econômica é considerada pelo governo meio de desenvolvimento sustentável. No entanto carece de investimentos financeiros e tecnológicos, os meios que utiliza para a produção são –primitivos e falta iniciativa por parte de empresas de investir nesse nicho tão promissor.

Dentre as áreas de produção –agrícola, a horticultura se destaca. É constituída majoritariamente por empreendimentos de agricultura familiar e possui uma demanda crescente, devido aos novos padrões de vida, que valorizam a saúde e a alimentação saudável. Tem no cultivo protegido o principal meio para suprir a demanda e garantir uma produção de qualidade.

As estufas e os túneis plásticos são a base tecnológica do cultivo protegido, no entanto, por fatores distintos, são inapropriados aos produtores familiares, o que dificulta e, muitas vezes, inviabiliza a obtenção do produto por parte deles. Nesse contexto, se divisou uma oportunidade de aliar design e agricultura familiar, mais especificamente da horticultura, enfatizando o papel do design como promotor do desenvolvimento local sustentável.

Com base no exposto, o presente artigo apresenta o desenvolvimento do projeto de uma estrutura para cultivo protegido de hortaliças adequada às necessidades dos produtores da agricultura familiar, especialmente de Santa Maria e região, demonstrando a possibilidade de interfaces entre design e agricultura e divulgando o design como possível promotor do desenvolvimento local.

1 Revisão de literatura

1.1 Design e desenvolvimento local

A configuração do design como atividade profissional é um fenômeno relativamente recente, do final do século XIX, quando a maioria das profissões já estava consolidada. Para Magalhães (1998, p. 12),

[...] trata-se de uma atividade contemporânea e, como tal, nasceu da necessidade de se estabelecer uma relação entre diferentes saberes. Nasceu, portanto, naturalmente interdisciplinar".

Essa interdisciplinaridade que diferencia o design das demais atividades acaba, por vezes, dificultando um consenso sobre o conceito e a definição da profissão.

No contexto nacional, segundo Back et al. (2008), foi somente na década de 1990, com a abertura da economia, que houve, por parte da indústria brasileira, uma grande procura por profissionais com competência para o desenvolvimento de produtos. Até então, as indústrias nacionais adaptavam ou copiavam produtos do exterior. O ato de importar soluções afetou ao design nacional e, de modo mais subjetivo, mas não menos intenso, aos próprios usuários, já que esses produtos não atendiam efetivamente suas necessidades, pois eram direcionados a outro público, com outra cultura e outras carências.

Segundo Papanek (1995), a compreensão e apreciação do design foi gravemente afetada pela concentração quase exclusiva nos aspectos visuais. Passado o deslumbre inicial, há uma preocupação crescente por parte de profissionais da área, especialmente nos países em desenvolvimento, em se valer do design na busca de soluções para problemas de ordem social, aproveitando-se do caráter interdisciplinar da profissão para atuar nas mais diversas esferas, considerando o todo cultural. O foco do processo de projeto deixa de ser o produto ou serviço em si, e passa a ser as motivações e as consequências sociais desse processo.

O design, portanto, possui o potencial de contribuir para o desenvolvimento local. Para ser consistente e sustentável, o desenvolvimento local deve explorar as potencialidades locais e contribuir para elevar as oportunidades sociais e a viabilidade da economia local, ao mesmo tempo, deve asse–gurar a conservação dos recursos naturais locais, que são a base de suas potencialidades e condição para a qualidade de vida da população (BUARQUE, 2002).

1.2 Horticultura e cultivo protegido

O desenvolvimento agrícola é uma das principais preocupações dos governos de todo o mundo, pois dele depende o abastecimento de alimentos para toda a população. O Brasil é um país com vocação agrícola: possui 40% das terras agriculturáveis do mundo.

No Brasil, em 1996, foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agri–cultura Familiar (PRONAF), principal política de incentivo ao setor, cuja finalidade é promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores e seus familiares, de modo a propiciar-lhes o –aumento da capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda. Segundo o PRONAF (BRASIL, 1996) e a Lei da Agricultura Familiar (BRASIL, 2006), para um estabelecimento ser considerado de agricultura familiar, sua área não pode exceder quatro módulos fiscais (hectares), e a renda familiar deve ser predominantemente originada das atividades vinculadas ao próprio estabelecimento.

Apesar de ocupar 24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários, a agricultura familiar é responsável por 38% do VBP gerado. Contrariando a tendência de redução de pessoas empregadas na agropecuária brasileira desde 1985, foi capaz de reter um número maior de ocupações que a agricultura não familiar: 15,3 pessoas por 100 ha, contra 1,7 pessoas por 100 ha nos estabelecimentos patronais. Mesmo cultivando uma área menor com lavoura, a agricultura familiar é a principal fornecedora de alimentos básicos para a população brasileira. Schneider (2003) explica o desempenho da agricultura familiar a partir de um elemento central, fundamental: a própria natureza familiar das unidades agrícolas.

Em todos os sistemas de produção agrícola, inclusive na agricultura familiar, o aumento da produtividade vem associado ao consumo de tecnologias. Entretanto, conforme Souza Filho et al. (200-), no Brasil metade dos estabelecimentos de tipo familiar dependem exclusivamente da força física de seus integrantes para realizar as tarefas agrícolas necessárias para a produção, como arar, semear, capinar e colher, utilizando-se praticamente apenas dois instrumentos: foice e enxada. Muitas tentativas de promover a modernização tecnológica e mudanças nos sistemas de produção dos agricultores familiares têm fracassado por não reconhecerem as condições reais dos agricultores – disponibilidade de recursos, nível de qualificação – e o contexto no qual estão inseridos (SOUZA FILHO et al., 200-).

Outro elemento fundamental na dinâmica da agricultura familiar é a diversificação da produção, o investimento em mais de um tipo de cultivo e/ou criação é um dos principais diferenciais entre a agricultura familiar e a patronal, alicerçada na monocultura. A horticultura é uma opção para esse dinamismo. Responsável pelo cultivo de plantas conhecidas como hortaliças, cujas folhas, flores, caules, raízes ou frutos são consumidos in natura e sem industrialização, tem por objetivo principal o fornecimento regular para atender à demanda e à produção com qualidade o ano inteiro.

A arrancada mundial da horticultura se deu após a segunda metade do século XX, em função de modificações profundas nos hábitos de vida e nos padrões da saúde física da população, com a valorização de hábitos alimentares mais saudáveis (ANDRIOLO, 2002). No Brasil, o desenvolvimento da horticultura foi heterogêneo, herança da colonização exploratória em que não havia o interesse do desenvolvimento da agricultura. O hábito do cultivo de hortaliças veio com a chegada dos imigrantes europeus, que cultivavam hortas domésticas para a subsistência. A horticultura como segmento de economia propriamente dito tem início em São Paulo, com os imigrantes japoneses.

Grandes variações climáticas são comuns no Brasil, mas ocorrem com maior intensidade no Rio Grande do Sul, com isso muitas culturas, especialmente as hortaliças, são afetadas e os produtores sofrem severos prejuízos econômicos. A prática do cultivo protegido visa controlar as variáveis ambientais e se proteger do acaso. Conforme Cermeño (1990), a estrutura para cultivo protegido é uma instalação subordinada a determinadas condições, como transparência, impermeabilidade, economia, entre outras, sem as quais se torna impossível a realização das funções para que foi construída.

Segundo Purquerio e Tivelli (2006), além do controle parcial das condições climáticas, o cultivo protegido permite a produção em épocas que normalmente não seriam adequadas à produção a campo. Somados esses fatores, os índices de produção resultantes do cultivo em ambiente protegido podem ser duas a três vezes superiores aos observados no campo.

Analisando-se as estruturas atualmente empregadas para o cultivo protegido, constata-se que a construção artesanal é uma alternativa aos altos custos de aquisição das estufas industrializadas. É comum, nas pequenas propriedades, que os produtores construam suas próprias estruturas, aproveitando materiais disponíveis como restos de madeira e barbante, adquirindo apenas o filme plástico. A disseminação dessa técnica foi tamanha que existem manuais para montagem de vários tipos de instalações.

Existem dois tipos básicos de –estruturas artesanais para cultivo protegido: os túneis e os abrigos. O túnel é basicamente uma proteção de filme plástico sobre uma estrutura ao longo de canteiros com cultivos em desenvolvimento, são exclusivamente destinados à horticultura e podem ser baixos ou altos. Em função das dimensões, os túneis baixos não permitem a entrada de pessoas e são destinados a cultivos rasteiros, ao passo que, nos túneis altos, é possível a entrada de pessoas e também o cultivo de espécies de maior porte.

Os abrigos, localmente denominados estufas, são instalações fixas com base de concreto e estrutura em madeira. Possuem dimensões maiores que os túneis altos, sendo que a entrada de pessoas é feita através de uma porta. Conforme Müller (2003), o gasto com materiais na construção de um abrigo com 8 metros de comprimento, 5 metros de largura e 3 metros de altura, é de aproximadamente R$ 1.000,00, fora os gastos com mão de obra.

Conversou-se com produtores de hortaliças das cidades de Horizontina, Cachoeira do Sul e Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul, e constatou-se que a utilização dos túneis baixos é unanimidade, sendo abrigos utilizados eventualmente para a produção de mudas. A opção pela estrutura deve-se a vários fatores, como o custo reduzido em relação às demais, a possibilidade de os próprios produtores montarem suas estruturas, sem dependerem de terceiros, as dimensões apropriadas ao porte das hortaliças e a disponibilidade dos materiais necessários para a manutenção no comércio.

1.2.1 Túneis baixos – análises

Os túneis baixos são normalmente constituídos por uma estrutura simplista (Figura 1), formada por uma série de arcos metálicos (ferro galvanizado ou arame n. 6), com distância entre si de 1,2 a 1,5 m, de acordo com a incidência dos ventos. As extremidades dos arcos são enterradas 20 cm abaixo do solo. À meia altura dos arcos, em ambos os lados, existem reentrâncias para segurar o plástico durante a ventilação. Nas duas extremidades do túnel, existem esteios de madeira, nos quais as extremidades do material de cobertura são fixadas. O material de cobertura geralmente empregado é o polietileno de baixa densidade (PEBD). Uma extremidade do filme plástico é presa em um dos esteios e estendido sobre a estrutura de arcos metálicos até chegar ao outro extremo, onde a outra extremidade do plástico é presa ao outro esteio.


A ventilação nos túneis é realizada através do soerguimento manual da lateral do filme (Figura 2). Segundo Sganzerla (1986), o arejamento do túnel não apenas reduz a temperatura, mas também diminui o excesso de umidade do ar, que, conjugada com o calor excessivo, cria condições favoráveis para o desenvolvimento de doenças. A ventilação também evita a condensação do ar no interior do túnel, quando gotículas se acumulam sobre a superfície do plástico, impedindo a penetração dos raios solares e o aquecimento do solo.


Quanto ao controle da umidade relativa do ar nas estruturas de cultivo protegido, este é realizado através da ventilação e da irrigação. No Brasil, são utilizados basicamente dois mecanismos de irrigação: por gotejamento ou por aspersão. Ambas são abastecidas por caixas de água ou, o mais comum nas propriedades familiares, por açudes. Na irrigação por gotejamento, a canalização ligada ao reservatório é conectada a "tubos mestres", localizados na cabeceira dos canteiros, equipados com conexões "T", onde são fixadas as mangueiras flexíveis, filmes tubulares plásticos, com 6 cm de largura e dois pares de furos a cada 15 cm, que, quando em funcionamento, tomam o formato cilíndrico em função da pressão da água. A vazão é controlada por meio de um registro instalado no tubo matriz. Já na irrigação por aspersão, a canalização fica suspensa, e a vazão da água ocorre por meio de esguichos, que podem ser suspensos, junto ao solo ou feitos na própria canalização.

Entretanto, por se tratar de estruturas artesanais, os túneis apresentam uma série de inconvenientes. Entre os mais citados estão a baixa resistência aos ventos e o processo manual de soerguimento das laterais para ventilação, lento e trabalhoso por não dispor de mecanismos auxiliares. O próprio processo de montagem dos túneis despende muito trabalho dos produtores, já que o arame e os canos de PVC utilizados para a confecção dos arcos são vendidos em perfis retilíneos, difíceis de transportar devido às suas dimensões, e exigem que o próprio produtor modele os arcos.

A partir de análises, constatou-se que um dos maiores inconvenientes dos túneis é a alta exigência de mão de obra para a ventilação, realizada através do soerguimento das laterais do filme de polietileno. O processo se torna trabalhoso por não haver mecanismo auxiliar para o soerguimento, sendo que a elevação da cortina plástica é realizada manualmente, em pequenas etapas, empurrando e amontoando segmentos do plástico, em torno da estrutura. Nos períodos mais quentes do ano, o processo é realizado duas vezes ao dia, sendo que pela manhã as laterais são soerguidas para evitar a elevação excessiva da temperatura e para reduzir a umidade do ar, e no final da tarde são abaixadas novamente, para a manutenção da temperatura durante a noite. O soerguimento do filme plástico pode ser realizado em apenas uma das laterais ou em ambas, dependendo da posição do sol e da intensidade do vento, sendo imprescindível, para isso, a independência das laterais.

Outro inconveniente advindo do soerguimento lateral do plástico é a perda gradual da transparência do filme de polietileno, em função de ser amassado e amontoado durante o processo de ventilação. Esse fator reduz a vida útil do material e obriga a trocas mais frequentes do material, além de interferir na captação de luz da estrutura e no desenvolvimento dos cultivos. Constatou-se também que, durante o verão, alguns produtores substituem o filme de polietileno pelo filme de TNT, mais opaco, que não deixa os raios solares penetrarem com tanta intensidade, reduzindo a temperatura no interior do túnel. Já em épocas de alta umidade relativa do ar, o filme de TNT é colocado sob o filme de polietileno, absorvendo as gotículas de umidade formadas na cobertura plástica, ressaltando a necessidade de uma estrutura que facilite a troca do material de cobertura, facilitando o processo.

Quanto aos canteiros, a maioria não utiliza suportes para conter a erosão da terra e, quando o utilizam, é em função de o terreno ser irregular. Alguns desses produtores vêm utilizando estruturas semelhantes aos canteiros de produção de mudas de fumo, formados por um muro de concreto com cerca de 15 cm de altura.

Quanto à irrigação, nem todos os produtores dispõem de um sistema integrado para o procedimento. Dentre aqueles que o possuem, predomina a irrigação por gotejamento. O processo é realizado duas vezes ao dia, geralmente, uma pela manhã e outra, ao entardecer. A irrigação é acionada diretamente no registro, onde é definida também a intensidade e a quantidade de água despendida. Nessa etapa, os produtores encontram dificuldades em acoplar a canalização dentro da estrutura dos túneis, já que estes não possuem suporte apropriado para o mecanismo, e acabam improvisando uma estrutura, o que acarreta problemas como vazamentos e desperdício de água.

2 Proposta de estrutura para cultivo –protegido

A opção pelo desenvolvimento de uma proposta para um túnel baixo se deu por dois fatores principais: por ser a estrutura mais difundida entre os produtores de hortaliças e a mais adequada às suas necessidades. O fato de ser uma estrutura conhecida, familiar aos produtores, facilita a sua aceitação no mercado. Quanto à sua adequação, esta se dá em função de suas dimensões, propícias para o cultivo de hortaliças, plantas de pequeno porte, ao mesmo tempo em que despende menor quantidade de materiais para a sua fabricação, tornando-a financeiramente mais acessível.

O desenvolvimento de um mecanismo auxiliar no processo de ventilação surge como um requisito primordial do novo produto, já que essa necessidade foi a mais referida, tanto nas bibliografias consultadas, quanto dos próprios produtores. Junto a isso, estão os mecanismos responsáveis por fixar o plástico sobre a estrutura e por fixar a estrutura no solo, fundamentais para a funcionalidade e a estabilidade do conjunto. Como necessidades secundárias, estão o suporte para o mecanismo de irrigação e o suporte para os canteiros, para evitar a erosão da terra, os quais, por não serem considerados indispensáveis pelos produtores, serão apresentados como componentes alternativos.

A partir dos requisitos de projeto, teve início a geração de alternativas. Primeiramente, foram realizados esboços de ideias gerais, constantemente avaliados e filtrados, posteriormente foram confeccionados modelos para testes e, finalmente, foi feita a avaliação e a escolha da solução a ser desenvolvida.

O modelo de estrutura semicircular tradicional provou ser o mais adequado em todos os aspectos. A disposição linear dos arcos não implica desperdício de material, a superfície arredondada com base retangular proporciona o caimento perfeito do filme plástico, com aproveitamento total do material, e a forma semicircular, como já citado anteriormente, é autoportante e fornece resistência às intempéries. Definida a estrutura formal do produto, partiu-se para a definição do mecanismo para ventilação. A partir dos mecanismos disponíveis, foram realizados testes com modelos funcionais. Optou-se, portanto, por aproveitar o próprio eixo dos arcos como eixo deslizante para as corrediças, responsáveis pelo soerguimento alternado das laterais.

A estrutura do produto, portanto, ficou composta por módulos que juntos, cobertos com filme plástico e fechados em suas extremidades, formam a nova proposta de túnel baixo. As peças foram projetadas para serem produzidas em PVC, através dos processos de injeção e usinagem. Os encaixes são do tipo macho-fêmea, para evitar o uso de colas, parafusos ou outros mecanismos de união que possam prejudicar o desmonte e a posterior reciclagem do produto, bem como complicar o processo de montagem e manutenção do produto. Cada módulo da estrutura do novo produto é composto, basicamente, pelas seguintes peças: duas peças que formam um arco; duas corrediças, uma para cada peça do arco; três peças para prender o filme plástico; duas peças para perfurar o solo e dois módulos para fechar as extremidades da estrutura.

As duas peças que formam o arco (Figura 3) diferem em si apenas no encaixe que as une: uma tem encaixe macho, a outra, encaixe fêmea, como mostra o detalhe. Possuem perfil retangular, com 40 mm de largura e 30 mm de altura. Quando encaixado, o arco mede 1,40 m de largura por 0,70 m de altura, dimensões definidas para o aproveitamento integral da largura mínima do filme de PEBD encontrado no mercado: 2,20 m, e, adequadas também para as dimensões médias utilizadas nos canteiros, que são de aproximadamente 0,60 m de largura. A parte interna do arco possui uma reentrância, conforme mostra o detalhe da imagem, no qual são encaixados os módulos para o fechamento das extremidades e também peças complementares para suporte dos canteiros e irrigação. Na superfície externa, na parte superior, há uma reentrância em que outra peça é encaixada para prender o plástico, e, nas laterais, existem dois níveis, conforme o detalhe, que servem como trava para as corrediças.


A corrediça (Figura 4) é encaixada no perfil do arco, sendo que, para cada arco, são necessárias duas corrediças, uma posicionada em cada extremidade. A peça possui uma folga com relação ao perfil do arco, movimentando-se livremente e com facilidade ao longo do trajeto. Quando surge a necessidade de travar a corrediça, basta encaixá-la na reentrância externa do arco. O filme plástico é colocado sobre a estrutura após o encaixe das corrediças no arco, sobre as quais se assenta. Na parte superior da corrediça, há uma reentrância, na qual se encaixa a peça que prende o plástico. Essa peça (Figura 4) possui a mesma angulação e o mesmo comprimento da corrediça, sendo encaixada uma em cada corrediça e uma no topo do arco, conforme dito anteriormente.


Para facilitar a perfuração do arco no solo e garantir a fixação e a estabilidade da estrutura mesmo em dias de ventos fortes, foi desenvolvida uma peça para perfurar o solo (Figura 5). A peça é encaixada por pressão nas extremidades do arco. Possui essa forma cruzada para aumentar a aderência ao solo, ficando presa por todos os lados. O módulo tem 20 cm de altura, e cada braço do "X" tem 80 mm de comprimento, dimensão estabelecida para que o produtor pise sobre as ramificações, facilitando o processo de perfuração.


O módulo para fechar as extremidades do túnel é composto por um recorte de filme plástico, no formato e nas dimensões (140 cm x 70 cm) das extremidades, e por dois conjuntos de peças com a mesma angulação do arco, uma em cada lado do plástico, que é preso entre as peças através de encaixe macho-fêmea. O módulo já vem montado, com o filme plástico cortado, com o intuito de facilitar a montagem do produto e também a troca do plástico que por ventura rasgar, servindo como um molde para o posterior corte do filme de PEBD. As peças que prendem o filme plástico encaixam-se na reentrância interna do arco, fechando assim, as extremidades. São duas peças, e não apenas uma, para possibilitar o dobramento do módulo ao meio, compactando-o e facilitando a armazenagem e o transporte.

Depois de montados os módulos da estrutura, enterradas as extremidades dos arcos no solo, colocado o filme plástico sobre os arcos, encaixadas as peças que prendem o filme plástico, a estrutura está pronta para ser utilizada. Quando as corrediças são elevadas em um primeiro nível, as extremidades do filme plástico que estão soltas dobram-se. Quando elas alcançam o topo do arco, onde o plástico também está preso, este se aloja entre as peças que o prendem e as corrediças, dobrando-se, sem perder suas propriedades físicas.

Como peças complementares, foram desenvolvidos módulos de suporte para canteiro e módulos de suporte para o mecanismo de irrigação (Figura 6). O primeiro apresenta, de um lado, um encaixe para a reentrância interna do arco, e do outro, um encaixe macho-fêmea, para encaixar entre si. O módulo de suporte para canteiro das extremidades possui dimensões diferenciadas, para possibilitar o encaixe, mas o mesmo princípio. Sobre esse módulo, fica posicionado o suporte para a irrigação por gotejamento, no qual as extremidades dos canos também encaixam-se nas reentrâncias internas dos arcos. Na extremidade oposta dos canos, encaixa-se uma peça com quatro saídas: uma é para o cano que conduz a água, outra, voltada para o interior da estrutura, é para o encaixe da mangueira flexível para a irrigação propriamente dita, que ficará sobre o canteiro, e as outras duas são para o encaixe dos canos modulares.


Na Figura 7, a estrutura completa, com os módulos básicos e complementares, de suporte para canteiro e de suporte para irrigação. No detalhe, a vista da parte interna da estrutura, com destaque para os encaixes.


Considerações finais

A agricultura familiar no Brasil ainda recebe pouca atenção do design e da indústria em geral e, justamente por isso, constitui um campo promissor para o desenvolvimento de projetos de produtos, já que o setor é representativo, e as necessidades e carências são inúmeras. Nesse contexto, apresenta-se uma possibilidade de o design contribuir, de modo direto, com os produtores familiares e, de maneira mais subjetiva, com o desenvolvimento local e a melhoria da qualidade de vida de toda a comunidade.

Assim como existem áreas nas quais o trabalho do designer já está consolidado, como é o caso dos setores de mobiliário, calçados, vestuário, entre outros, ainda há muito que se fazer, basta olhar ao redor para constatar uma série de problemas passíveis de soluções, nas mais diversas áreas. É preciso, para tanto, aproveitar-se do caráter solucionador de problemas do design para melhorar o que está em nossa volta.

Com relação ao cultivo protegido, é uma área com muito potencial a ser explorado. Percebe-se uma estagnação no setor desde a disseminação da plasticultura no país, na década de 1980. A partir de então, não houve investimentos e inovações significativas nas estruturas utilizadas para o cultivo protegido, sendo que as mais utilizadas ainda são estruturas totalmente artesanais. Esse contexto de estagnação e descrédito faz com que muitos produtores acabem abandonando o cultivo protegido, retrocedendo a evolução natural do processo. Em contraponto, percebe-se uma abertura dos produtores, uma ânsia por produtos inovadores e industrializados, já que dispõem de programas de crédito para aquisição destes.

Os resultados alcançados com relação à estética e a funcionalidade do produto foram satisfatórios, atendendo às necessidades elencadas pelos produtores, valorizando os princípios do design aliado à sustentabilidade, difundindo a imagem do design como promotor do desenvolvimento local. A solução formal, o semicírculo, não é inovadora, sendo a mais difundida nas estruturas de cultivo protegido, entretanto a disposição dos elementos nos túneis baixos utilizados pelos produtores acabam por sobrecarregar, ou mesmo anular, os atributos dessa forma. No novo produto, as linhas simples e harmoniosas da estrutura semicircular são realçadas através da estética limpa e simplista dos componentes do produto, seja no filme plástico totalmente estendido, seja na estrutura dos módulos.

Quanto à solução funcional, dentro das condições de ser um mecanismo simples, de acionamento manual e passível de ser instala–do facilmente pelos próprios usuários, atende–ram-se os objetivos. Os módulos, bem como cada peça, são arredondados, remetendo às formas orgânicas da natureza. A simplicidade está não só na estética formal, mas também na quantidade de peças que compõem cada módulo, reduzidas ao máximo, para –simplificar a estrutura e a funcionalidade do produto.

Por fim, ressalta-se que apenas a primeira etapa do processo está concluída: o desenvolvimento de uma proposta para uma estrutura de cultivo protegido de hortaliças. Até a materialização efetiva do produto, há uma série de etapas a serem desenvolvidas. Testes de viabilidade de materiais, refinamento do produto para a produção industrial, projeto do ferramental necessário e estimativa do custo industrial e do custo de venda são imprescindíveis para a colocação do produto no mercado.

Recebido em 16/10/2011; revisado e aprovado em 20/11/2011; aceito em 1/2/2012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2011
  • Aceito
    01 Fev 2012
  • Revisado
    20 Nov 2011
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