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O ano internacional da química a meio caminho

EDITORIAL

O ano internacional da química a meio caminho

Estamos no meio de 2011, ano em que celebramos o Ano Internacional da Química-AIQ. A necessária solicitação foi feita pela União Internacional de Química Pura e Aplicada-IUPAC- às Nações Unidas, que, em sua declaração de 30 de dezembro de 2008, colocou a IUPAC e a UNESCO à frente do evento.

Antes de mais nada, se a ONU e a UNESCO são instituições bem conhecidas, a IUPAC precisa ser apresentada. Além das Sociedades Nacionais de Química e das Federações Regionais de Química, a IUPAC é uma ONG científica internacional, ligada oficialmente à UNESCO, porém totalmente independente e objetiva. Ela participa do ICSU - Conselho Internacional de Sociedades Científicas, cuja missão é coordenar atividades interdisciplinares com o objetivo de fortalecer internacionalmente a ciência para o benefício da sociedade. O ICSU tem dois tipos de participantes: 121 Organizações Científicas nacionais e multidisciplinares, geralmente as Academias de Ciências dos países, e 30 Sociedades Científicas, internacionais e unidisciplinares. IUPAC é a Sociedade da Química.

2011 é particularmente apropriado para ser o Ano Internacional da Química porque nele se completa o centésimo aniversário da criação, pela Société Chimique de France, pela Deutsche Chemische Gesellshaft e pela Chemical Society (Londres), da IACS, a Associação Internacional de Sociedades de Química, cujo objetivo era estimular a cooperação internacional entre os químicos e a padronização internacional da nomenclatura , dos pesos atômicos , das constantes físicas e da comunicação científica, bem como estabelecer uma linguagem comum dentre os químicos de todo o mundo. Em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, a IACS tornou-se a IUPAC. Além disso, 2011 é também o ano do centenário do recebimento do Prêmio Nobel de Química por Marie Sklodowska Curie. É, portanto, uma oportunidade para homenagear essa extraordinária cientista e todas as mulheres da Química.

A IUPAC e a UNESCO estabeleceram quatro objetivos para o Ano Internacional da Química:

• aumentar a apreciação pública do papel da Quimica no atendimento das necessidades mundiais;

• estimular o interesse pela química entre os jovens;

• gerar entusiasmo para um futuro criativo da Quimica;

• celebrar os principais eventos históricos da química, o centenário de criação da Associação Internacional de Sociedades de Química, a futura IUPAC, as realizações de Marie Curie e a contribuição das mulheres à Química.

Assim, o Ano Internacional da Química pretende estabelecer um diálogo entre a Química e a Sociedade sobre a futura contribuição da química para a sustentabilidade no contexto de suas conquistas.

Como foi organizado o Ano Internacional da Química? A IUPAC e a UNESCO decidiram organizar apenas um pequeno número de atividades e eventos de abrangência global, permitindo que a maior parte das atividades fosse desenvolvida a nível nacional e abertas a todos. A IUPAC e a UNESCO gostariam que as indústrias e outras organizações interessadas participassem. As atividades do Ano serão acompanhadas pelo website www.chemistry2011.org. Naturalmente, a maior parte dos países terá seus próprios websites, ligados ao internacional. Os parceiros são UNESCO, ONU, EuCheMS, FACS, FASC, FLAQ, NAOs (as Organizações Nacionais afiliadas à IUPAC), as Sociedades Nacionais de Química, indústrias, instituições educacionais e de pesquisa e pessoas físicas.

Até agora, foi realizada a cerimônia de abertura, em 27-28 de janeiro na sede da UNESCO em Paris. O Congresso e Conselho Internacionais da IUPAC acontecerão de 30 de julho a 7 de agosto, em San Juan, Porto Rico e o encerramento será em Bruxelas no dia 1º de dezembro. Duas manifestações internacionais foram organizadas: "mulheres compartilhando um momento da química", na qual, uma semana antes da cerimônia de abertura, mulheres se reuniram no mesmo dia (assim, durante as 36 horas que constituíram essa data ao redor do mundo, houve uma sequência de "cafés da manhã", começando na Ásia, na região do Pacífico, e terminando na Costa Oeste/Havaí). Alguns eventos conseguiram ligar-se, através do Skype, com outros, de modo que o "café da manhã" fosse simultâneo. Os vídeos de vários desses "cafés da manhã" foram mostrados na cerimônia de abertura. A outra manifestação internacional foi um Experimento Global: "Água: uma solução química", para que alunos e professores de todo o mundo explorassem a química da água e o papel da água na sociedade e no meio ambiente. O fornecimento de água pura é um dos maiores benefícios para os seres humanos feitas pela química. O Experimento Global mostra, de forma clara e simples, os conceitos de qualidade da água e do tratamento da água por meio de quatro atividades que podem ser realizadas por crianças de todas as idades. Foi oficialmente lançado no dia 22 de março na Cidade do Cabo, África do Sul, como parte das comemorações do Dia da Água.

No que diz respeito às comemorações nacionais, a maior parte dos países parece estar ansiosa para participar. Isso pode ser visto na IUPAC, assim como nos web sites nacionais do AIQ, mas, como sou convidada a participar de muitos eventos desde o início do ano, posso atestar a realidade dessa afirmação. Aprendi muito durante os últimos cinco meses e gostaria de compartilhar minhas impressões com os leitores do Journal of the Brazilian Chemical Society. Dois pontos têm de ser ressaltados: 1) será que nossos esforços, as manifestações que têm sido organizadas, são a melhor maneira de atingir os objetivos do Ano Internacional da Química? 2) após 2011, o que podemos, como químicos, fazer para manter o AIQ vivo?

Respondendo a primeira pergunta, o mais importante é aumentar o reconhecimento público de que a Química é capaz de responder às necessidades da sociedade. Por público, eu quero dizer os cidadãos, os tomadores de decisão, os políticos, os jornalistas. A melhor maneira não é defender a química, mas explicá-la. O uso do argumento de que "a química está em tudo" deve ser cauteloso, se não quisermos ver a química desaparecer sob todas as ciências para as quais ela é vital e perder sua identidade como ciência em si mesma para ser considerada como uma ciência à disposição de outras. Talvez devêssemos usar o fato de que a química, como Janus, o deus romano que guardava as portas, tem dupla face: ela é uma ciência exata, mas é também experimental; ela é uma ciência fundamental, mas é também a mais importante ciência industrial. Devemos ter consciência de que a imagem da ciência de um modo geral não é boa; a imagem da química é negativa e as pessoas não confiam nos cientistas. O público usa uma definição errada da química: o químico sintetiza o artificial; em consequência, muito provavelmente, produtos tóxicos. Assim, a química significa perigo, poluição, toxicidade e se opõe ao que é natural, inofensivo, limpo.

Então, quando falarmos em público, temos de:

- não mentir e, sim, admitir que a química, como qualquer grande empreendimento, tem um lado positivo e um lado negativo;

- explicar que ela é a ciência que mostra como nosso mundo é feito;

- que a mudança global traz desafios enormes no que diz respeito à energia, alimentação, saúde, sustentabilidade e mudança climática e que os químicos utilizam algumas ferramentas capazes de ajudar a humanidade;

- discutir a oposição "natural/artificial", explicando que as tão defendidas substâncias naturais são 100% química e que, para usá-las corretamente, precisamos dos químicos; que os químicos ajudam a preservar a biodiversidade, por meio da síntese das substâncias naturais extraídas das espécies em risco de extinção;

- temos de ser simples e criativos: explicar sem ou com o mínimo de fórmulas. A representação das moléculas, que, para nós, parece tão simples e informativa é terrivelmente obscura para os não-químicos. Encontrem argumentos convincentes: para o desafio da energia, por exemplo, conversão e estocagem de energia podem não ser completamente entendidos, mas a conservação de energia pelo uso de materiais isolantes é fácil de compreender;

- não se esqueçam de dizer que a química é também análise, purificação e processamento.

A tendência é, talvez, ter eventos organizados para os próprios químicos em excesso. Claro, é muito bom ver que compartilhamos as mesmas idéias, mas não devemos pregar apenas para os convertidos. Por que não, para cada encontro científico, organizar uma (ou mais) conferência para o público em geral? Por que não aproveitar a presença de um grande nome da química (um estrangeiro, se possível: ninguém é profeta em seu próprio país) e pedir-lhe para visitar uma faculdade e falar para jovens e talvez até para seus pais?

Por que não organizar eventos em cidades pequenas, onde todos sabem o que acontece e onde as distrações não são tão numerosas a ponto de evitar que as pessoas assistam a "algo sobre química"? Tive uma experiência extraordinária numa cidadezinha - menos de 3000 habitantes - no sul da França: muitas pessoas participaram, assistiram a duas conferências e a uma pequena peça sobre Marie Curie e depois discutiram livremente tomando uma taça de vinho. É maravilhoso saber exatamente que problemas as pessoas realmente têm, pois aí vocês compreendem que não sabiam o que vocês deviam lhes dizer, mas que agora vocês podem aproveitar a oportunidade e tirar suas dúvidas reais.

Outro ponto crucial é atingir a mídia, a fim de que jornais, TV, rádio divulguem também a opinião dos químicos e não só a dos jornalistas ou daqueles que são contra a química, pois a audiência é sempre maior quando se fala dos perigos a que a comunidade está exposta pela ação da química do que quando se trata dos progressos que a química trouxe e ainda trará para a humanidade.

E após 2011, o que nós, químicos, podemos fazer para manter o AIQ vivo?

Poucas pessoas, inclusive os químicos, lembram-se de que 2009 foi o ano da astronomia. Se quisermos que o AIQ não enfrente a mesma obscuridade relativa que caiu sobre o AIA e seja esquecido, temos de ter consciência que um ano não é suficiente. Temos que dar continuidade a nossos esforços e a divulgar a química nos próximos anos, como se estivéssemos ainda no AIQ. Mas palavras e promessas não são suficientes: temos que estar ativos e realmente responder às necessidades do mundo, temos de mudar nosso modo de fazer química, não partir das questões e disciplinas já familiares, mas começar a partir dos problemas práticos. "Reescrever o contrato social - livrar-se das velhas estruturas disciplinares - mantenhamos o foco nos pontos positivos da química - ensinemos aos alunos ao invés de usá-los... os químicos ainda podem ser curiosos, a caminho de fazer frente aos grandes desafios sociais de nosso tempo".1

Nicole J. Moreau

IUPAC President

Referência

  • 1. Whitesides, G. M.; Nature 2011,469,21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011
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