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Nobel de química 2012: receptores acoplados à proteína G

EDITORIAL

Nobel de química 2012: receptores acoplados à proteína G

O Prêmio Nobel de Química de 2012 foi atribuído, pela Academia Real Sueca de Ciências, aos pesquisadores americanos Robert J. Lefkowitz, do Centro Médico da Universidade Duke (Carolina do Norte, EUA) e Brian K. Kobilka, da Escola de Medicina da Universidade Stanford (Califórnia, EUA), por seus estudos sobre os receptores acoplados à proteína G (GPCRs, sigla em inglês para G-protein–coupled receptors).

As pesquisas de Lefkowitz e Kobilka levaram à elucidação de como as células se comunicam umas com as outras e percebem os estímulos provenientes do ambiente. Os GPCRs são proteínas inseridas nas membranas biológicas e auxiliam na transmissão de sinais externos para o interior das células, atuando na regulação de diversas funções fisiológicas que variam da detecção de sensações físicas (e.g. luz) até a regulação hormonal. Os GPCRs desempenham funções centrais em processos bioquímicos e celulares, agindo como alvos moleculares de vários fármacos, compreendendo receptores muscarínicos, adrenérgicos, dopaminérgicos, serotonérgicos, opióides e purinérgicos, entre outros.

Cerca de 50% de todos os medicamentos disponíveis na terapêutica se ligam a algum dos diversos subtipos de GPCRs. Exemplos importantes incluem o antiulceroso ranitidina (Zantac)®, antagonista do receptor histamínico H2; o antipsicótico olanzapina (Zyprexa)®, antagonista do receptor serotonértico 5-HT2 e o antialérgico desloratadina (Desalex)®, antagonista do receptor histamínico H1.

Diversos avanços importantes foram registrados desde a descoberta dos GPCRs, com destaque para a elucidação das estruturas 3D de diversos subtipos e seus complexos, por métodos experimentais como a cristalografia de raios X.

O conhecimento estrutural permitiu uma melhor compreensão dos mecanismos bioquímicos dessa classe de receptores e o estabelecimento de bases moleculares que levaram à descoberta de novos fármacos. Os GPCRs possuem um enovelamento 3D similar conservado da cadeia polipeptídica, constituído por um domínio N-terminal extracelular, sete hélices transmembrana e um domínio C-terminal intracelular.

Os GPCRs interagem com proteínas localizadas na face interna da membrana celular. Essas proteínas específicas, conhecidas como proteínas G, são heterotrímeros constituídos de subunidades α, β e γ. Em 1980, Lefkowitz e colaboradores propuseram um mecanismo de ativação envolvendo a formação de um complexo ternário do ligante extracelular (agonista), o GPCR transmembrânico e a proteína G intracelular atuando como a ativadora do sinal.

Na ausência de um sinal externo, uma molécula de GDP (guanosina difosfato) se liga à subunidade α da proteína G. O complexo formado interage com o GPCR, que permanece inalterado até que uma molécula sinalizadora externa se ligue ao sítio de interação do GPCR, levando a uma mudança conformacional na estrutura 3D do receptor que ativa a proteína G. Uma molécula de GTP (guanosina trifosfato) substitui a de GDP (ligada à subunidade a) e as subunidades da proteína G se dissociam formando um complexo constituído pela subunidade a ligada ao GTP e um complexo dimérico, constituído pelas subunidades β e γ.

Os dois complexos permanecem ancorados à membrana plasmática e são capazes de interagir com outras proteínas envolvidas na transdução de sinal. Alvos específicos de interação das proteínas G incluem enzimas que sintetizam segundos mensageiros e canais iônicos (e.g. Na+, K+, Ca2+, Cl-).

Devido a sua atividade GTPase, o GTP ligado à subunidade a, quando a proteína G está na forma ativa, é hidrolisado gerando GDP, o que leva a uma nova mudança conformacional. Assim, o complexo trimérico α, β e γ da proteína G é reestabelecido, favorecendo a sua interação com o GPCR.

Esse modelo foi extensivamente estudado por métodos termodinâmicos e coroado por Kobilka e colaboradores, com a determinação da estrutura em alta resolução, por difração de raios X em monocristais, do receptor isolado e do complexo ternário funcional do receptor β-adrenérgico com o ligante agonista e a proteína G. (Rasmussen et al. and Kobilka. Crystal structure of the b2 adrenergic receptor–Gs protein complex. Nature 2011, 477, 549).

Os impactos dos resultados pioneiramente elucidados por Lefkowitz e posteriormente por Kobilka são evidenciados pelas inovações alcançadas no planejamento de novos compostos que se ligam especificamente aos múltiplos sítios moleculares que determinam a atividade funcional alostérica dos receptores GPCR. Esse é um exemplo emblemático da fina regulação molecular-estrutural que caracteriza a atividade das moléculas constituintes dos seres vivos.

Lefkowitz nasceu na cidade de Nova Iorque (Nova Iorque, EUA) em abril de 1943 e Kobilka em Little Falls (Minnesota, EUA) em maio de 1955.

Graduado em Medicina pela Universidade de Columbia, Lefkowitz completou sua residência médica no Hospital Geral de Massachusetts em Boston (Massachusetts, EUA). Atualmente é professor titular de medicina, patologia e bioquímica da Universidade Duke e pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes (Maryland, EUA).

Graduado em biologia e bioquímica pela Universidade de Minnesota e medicina pela Universidade Yale (Connecticut ,EUA), Kolbika completou sua residência médica no Hospital Barnes em St. Luis (Missouri, EUA) e passou um período como pesquisador no laboratório de Lefkowitz na Universidade Duke. É atualmente professor titular do Departamento de Medicina e Fisiologia Molecular e Celular da Escola de Medicina da Universidade Stanford.

Lefkowitz e Kobilka compartilharão uma premiação de 8 milhões de coroas suecas (SEK), o equivalente a US$ 1,2 milhão. Além disso, receberão uma medalha de ouro e um diploma.

É oportuno conhecermos um pouco mais sobre a história do Prêmio Nobel e, em particular, alguns detalhes sobre o Nobel de Química.

O Prêmio Nobel foi criado atendendo a um desejo do químico Alfred Nobel, manifestado em seu testamento. Nobel nasceu em outubro de 1833 em Estocolmo, na Suécia e faleceu em San Remo, na Itália, em dezembro de 1896. Em 1867, seus trabalhos na área de química o levaram à invenção da dinamite, explosivo à base de nitroglicerina misturado com material poroso absorvente e inerte, que iria ter grande impacto na construção de estradas e ferrovias, na abertura de túneis e canais, nas minerações e nas guerras, entre outros.

Desde 1901, o Prêmio Nobel é concedido nos campos de atividade da Química, Física, Fisiologia ou Medicina, Literatura e Paz. Em 1968, o Banco Central da Suécia (Sveriges Riksbank) estabeleceu o prêmio em Ciências Econômicas, que foi concedido pela primeira vez em 1969. Os prêmios são anunciados anualmente em outubro e entregues no dia 10 de dezembro, data do aniversário da morte de seu criador.

O Prêmio Nobel de Química foi concedido 104 vezes para 162 cientistas entre 1901 e 2012. Em oito ocasiões, o Nobel de Química não foi concedido (nos anos de 1916, 1917, 1919, 1924, 1933, 1940, 1941 e 1942). O prêmio foi concedido 63 vezes para um único laureado, 23 vezes foi compartilhado por dois e em outras 18 por três pesquisadores. Segundo os estatutos da Fundação Nobel, o Prêmio Nobel não poderá ser concedido a mais do que três pessoas.

Jacobus Henricus van’t Hoff foi o primeiro ganhador, em 1901. Frederick Sanger foi o único laureado duas vezes, em 1958 e 1980. A média de idade de todos os laureados com o Nobel de Química, entre 1901 e 2011, é de 57 anos. O mais jovem foi Frédéric Joliot, que recebeu o prêmio com 35 anos de idade em 1935, juntamente com a sua esposa Irène Joliot-Curie. O mais velho foi John B. Fenn, que foi agraciado em 2002 com 85 anos.

Entre os 162 laureados, quatro são mulheres: Marie Curie em 1911, Irène Joliot-Curie (filha de Marie Curie) em 1935, Dorothy Crowfoot Hodgkin en 1964 e, mais recentemente, Ada Yonath, em 2009. Marie Curie também foi agraciada com o Nobel de Física em 1903, sendo a única mulher na história a receber o Prêmio Nobel duas vezes.

Vale ainda destacar que Linus Pauling foi premiado duas vezes como único laureado, fato inédito até hoje. Pauling recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1954 e o Prêmio Nobel da Paz em 1962.

As pesquisas científicas, em geral, podem ser divididas entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. Essencialmente, a pesquisa básica trata da investigação de novos fenômenos e de seus fundamentos para que possamos avançar o conhecimento em determinado campo. A pesquisa aplicada utiliza o conhecimento acumulado da pesquisa básica para gerar resultados em termos econômicos ou para resolver problemas relacionados a outras necessidades.

Os trabalhos que levaram os pesquisadores americanos ao Nobel de Química deste ano são um grande exemplo da integração e do intercâmbio de conhecimentos e, fundamentalmente, do caráter interdisciplinar das pesquisas de elevada complexidade e alto valor científico nas áreas de Ciências. Assim se construiu essa história: de meados de 1980, quando Lefkowitz e seus colaboradores clonaram o primeiro gene para o receptor b-adrenérgico, até que, mais tarde, esse conhecimento, agregado a inúmeros outros, fosse usado para o desenvolvimento de várias outras pesquisas, com investigações e aplicações de grande importância, trazendo benefícios à sociedade.

Por fim, a cada ano, descobertas científicas fascinantes entram para a história tendo como palco de inspirações o Prêmio Nobel, que encanta e desperta a curiosidade das pessoas. As lições são muitas e valiosas. Construir, com excelência, o conhecimento e o saber é fundamental para garantir o amanhã de uma nação mais próspera e justa. Formar os nossos jovens, com qualidade e responsabilidade, priorizando os valores éticos, acadêmicos e científicos é a esperança de que os profissionais do futuro serão capazes de pintar este palco de inspirações de verde e amarelo. Que o futuro seja breve!

Adriano D. Andricopulo, IFSC-USP

Presidente Sucessor da SBQ

Glaucius Oliva, IFSC-USP

Presidente do CNPq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2012
  • Data do Fascículo
    Out 2012
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