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De volta a Hegel?: sobre Menos que nada, de Slavoj Žižek

Resumos

Slavoj Žižek propõe-se oferecer uma versão renovada da dialética materialista e uma teoria crítica ao capitalismo moderno tardio. No entanto, resta saber se sua versão do idealismo alemão oferece o caminho adequado para essa crítica. Neste artigo procura-se sugerir uma maneira diferente de compreender o problema da "negatividade" nessa tradição e de responder à questão de se há algo na sociedade contemporânea que proporciona alguma base material para as aspirações de Hegel sobre os potenciais transformadores e educativos da sociedade civil moderna. É difícil não ser profundamente pessimista a esse respeito, mas a procura por esses possíveis "rastros da razão" parece uma perspectiva mais genuinamente hegeliana.

Slavoj Žežk; G. W. F. Hegel; Idealismo alemão; Modernidade capitalista tardia


Slavoj Žižek proposes to offer a renewed version of dialectical materialism and so a critical theory of late modern capitalism. The path through German Idealism is the path he has chosen and it is important to know if his version is leading us correctly. The article suggests a different way of understanding the problem of "negativity" in that tradition. This forces the question of whether there is much left in contemporary society that provides any sort of material basis for Hegel's aspirations about the potentially transformative and educative potentials of modern civil society. No one can be anything but profoundly pessimistic about this possibility, but the search for such possible "traces of reason" seems to be more genuinely Hegelian.

Slavoj Žižek; G. W. F. Hegel; German idealism; Late capitalist modernity


ARTIGOS

De volta a Hegel?**] Texto originalmente publicado em Mediations: Journal of the Marxist Literary Group, vol. 26, n-º 1-2, 2012-2013 como resenha de Žižek, Slavoj. Less than nothing: Hegel and the shadow of dialectical materialism. Londres: Verso, 2012, 1038 pp. [ed. bras.: Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013, 656 p.] [: sobre Menos que nada, de Slavoj Žižek

Robert Pippin

Professor de Pensamento Social e Filosofia da Universidade de Chicago

RESUMO

Slavoj Žižek propõe-se oferecer uma versão renovada da dialética materialista e uma teoria crítica ao capitalismo moderno tardio. No entanto, resta saber se sua versão do idealismo alemão oferece o caminho adequado para essa crítica. Neste artigo procura-se sugerir uma maneira diferente de compreender o problema da "negatividade" nessa tradição e de responder à questão de se há algo na sociedade contemporânea que proporciona alguma base material para as aspirações de Hegel sobre os potenciais transformadores e educativos da sociedade civil moderna. É difícil não ser profundamente pessimista a esse respeito, mas a procura por esses possíveis "rastros da razão" parece uma perspectiva mais genuinamente hegeliana.

Palavras-Chave: Slavoj Žižek; G. W. F. Hegel; Idealismo alemão; Modernidade capitalista tardia.

ABSTRACT

Slavoj Žižek proposes to offer a renewed version of dialectical materialism and so a critical theory of late modern capitalism. The path through German Idealism is the path he has chosen and it is important to know if his version is leading us correctly. The article suggests a different way of understanding the problem of "negativity" in that tradition. This forces the question of whether there is much left in contemporary society that provides any sort of material basis for Hegel's aspirations about the potentially transformative and educative potentials of modern civil society. No one can be anything but profoundly pessimistic about this possibility, but the search for such possible "traces of reason" seems to be more genuinely Hegelian.

Keywords: Slavoj Žižek; G. W. F. Hegel; German idealism; Late capitalist modernity.

É preciso coragem para dar a um livro de mil páginas o título Menos que nada. Seu autor, Slavoj Žižek, deve saber que a primeira tentação de qualquer resenhista, mesmo antes de ler o livro, é pensar "apropriadamente intitulado". O livro já inspirou resenhas depreciativas em publicações amplamente lidas, resenhas que aparentam ser resenhas (e depreciações) do próprio Žižek (ou do fenômeno Žižek, o Simbólico Žižek), e que acima de tudo ignoram seu livro volumoso. No entanto, ele escreveu uma tentativa séria de reanimar e reatualizar Hegel (à luz da metapsicologia lacaniana e, portanto, em uma forma que ele quer chamar de "materialista"). No limitado espaço disponível a mim, eu gostaria de tentar resumir o que ele propôs e expressar alguns desacordos.

O problema da possível relevância de Hegel ante as preocupações contemporâneas divide-se em duas questões e deve enfrentar imediatamente duas objeções que por bastante tempo provaram-se profundamente persuasivas para muitos. Em primeiro lugar, há a questão sobre o que pode ser dito a respeito do "sistema" de Hegel. Ele é considerado expressão de um holismo hiper-racionalista, cuja afirmação central é que o absoluto (algo parecido com o que Kant chamou de incondicionado) é a Ideia, e tudo o que existe pode ser compreendido como uma atualização, na natureza e pelo tempo histórico, da Ideia. (E, é claro, contra Kant, ele está, com isso, pretendendo conhecer o que Kant negou que poderíamos possivelmente conhecer.) Em segundo lugar, há a questão do Hegel Versöhnungsphilosoph, "filósofo da reconciliação". Segundo algumas descrições desse lado do projeto hegeliano, Hegel acreditou que nós teríamos chegado ao "fim da história", tanto da filosofia (sua posição teria explicado de maneira bem-sucedida todas as possíveis opções filosóficas e suas interconexões umas com as outras) como da política, arte e religião. A liberdade humana teria sido realizada no Estado moderno tal como descrito em sua Filosofia do Direito, no humanismo protestante doutrinariamente tênue que Hegel defendeu e na arte romântica, uma forma de arte em via de transcender a si mesma como arte, realizando a arte de uma maneira que sinalizava seu fim como veículo relevante do autoconhecimento humano. (A conexão entre os dois aspectos da posição hegeliana é considerada sua teodiceia, o papel da autoefetivação do absoluto [ou de Deus] no tempo que explica a racionalidade e culminância da história política e intelectual.)

As objeções a ambas versões de Hegel e do hegelianismo são bem conhecidas. Há um punhado de objeções ao holismo racionalista hegeliano de abordagens empiricistas, científico-naturalistas e analíticas da filosofia (a versão anglófona dessa escola iniciou-se famosamente com uma rejeição a Hegel). Porém, na Europa, as objeções foram com mais frequência dirigidas ao racionalismo intransigente e supostamente "totalizante" de Hegel: sua inabilidade, dizia a acusação, de fazer justiça suficiente à particularidade concreta da existência humana, àquilo que no indivíduo não pode ser reduzido a um conceito, ao papel do irracional na motivação humana, à contingência nas mudanças históricas e aos fenômenos de interesse para a psicanálise, como a repetição e a pulsão de morte. Objeções à segunda dimensão são mais variadas e interessantes, porque Hegel teve êxito em convencer até mesmo muitos de seus críticos (como os "jovens hegelianos") de que a filosofia precisa ter uma tarefa de diagnóstico histórico (ela tem de ser "o próprio tempo compreendido em pensamento"), mesmo que muitos também rejeitassem a versão "idealista" de Hegel desse projeto e suas conclusões sobre "onde estamos". Outros apenas apontam para o fato de que ninguém teve êxito em escrever A fenomenologia do espírito, parte dois. O mundo histórico que se desenvolveu depois de 1831 e do século XX não pode, presume-se, ser compreendido de modo adequado em termos hegelianos, o mundo da sociedade de consumo de massas, dos Estados pós-coloniais, do capitalismo globalizado e, portanto, de Estados nacionais profundamente fragilizados, da indústria cultural, da dependência endêmica da tecnologia em todos os aspectos da vida, e assim por diante. Além disso, argumenta-se, não é possível estender nem mesmo uma análise rudimentarmente hegeliana para tais fenômenos, sobretudo fenômenos avessos à razão e inadmissíveis como o nazismo, o holocausto, os crimes de Stalin ou uma China comunista cheia de bilionários11] Conferir os comentários de Žižek a respeito de Hegel e o capitalismo financeiro contemporâneo (p. 86). Talvez o resumo severo de Zadie Smith seja o melhor: os Estados agora "desregulamentam para privatizar os ganhos e re-regulamentam para nacionalizar as perdas". NYR Blog, http://www.nybooks.com/blogs/nyrblog/2012/jun/02/north-west-london-blues/, 2 jun. 2012. [.

Em uma palavra, o objetivo ambicioso de Žižek é argumentar que essa última caracterização de Hegel ataca um espantalho e que, quando nos damos conta disso de maneira suficientemente detalhada, a pretensa ruptura europeia com Hegel, nas críticas tais como as de Schelling, Kierkegaard, Nietzsche, Deleuze e dos freudianos, parece muito diferente, com muito mais sobreposições do que lacunas, e coloca à nossa disposição um diagnóstico histórico muito diferente do triunfalismo normalmente atribuído a Hegel. (Uma das surpresas do livro é que, apesar do seu tamanho, interessam a Žižek mais os pressupostos teóricos de tal diagnóstico do que seus detalhes22] Há uma afirmação clara e sóbria sobre o que nós, de um ponto de vista hegeliano, precisamos agora: "uma verdadeira ruptura do horizonte capitalista sem cair na armadilha de retornar à noção eminentemente pré-moderna de uma sociedade equilibrada e (auto)contida [...]" (p. 100). Mas quando ele avança para explicar a sua posição, o cerne se revela ser "o sujeito tem de reconhecer em sua alienação da substância a separação da substância de si mesma" (p. 101). Eu não fui capaz de compreender como isso nos ajuda a fazer aquilo que a sóbria afirmação afirma. Essa é uma questão que, adiante, reaparecerá frequentemente. [.)

A estrutura do livro é incomum, baseada no adágio de que a segunda e a terceira coisas mais prazerosas do mundo são a bebida antes e o cigarro depois. Žižek nos oferece "a bebida antes", o contexto pré-hegeliano necessário para entendermos a opção hegeliana (bastante atenção é dedicada ao Parmênides, de Platão, ao cristianismo, à morte de Deus e a Fichte); "A coisa em si" (duas vezes! uma com Hegel, outra com Lacan); e o "cigarro depois" (Heidegger, Levinas, Badiou e um capítulo de conclusão sobre "a ontologia do quantum físico")33] A edição americana utilizada por Pippin nesta resenha é sensivelmente diferente da edição brasileira. Da tradução publicada pela Boitempo foram excluídos, sob orientação do autor, seis capítulos ("1. Vacillating the Semblances"; "2. Where there is nothing, read that I love you"; "3. Fichte's choice"; "8. Lacan as a reader of Hegel"; "9. Suture and Pure Difference"; "12. The foursome of terror, anxiety, courage... and enthusiasm") e três interlúdios ("4. Borrowing from the future, changing the past"; "5. Correlationism and its"; "6. Cognitivism and the loop of self positing"). Os cortes também implicaram uma reestruturação da divisão do livro, que não segue mais a tripartição - "a bebida antes", " a coisa em si" e "o cigarro depois" - a que se refere Pippin. [N. do T.]. [. Como boa parte disso, especialmente as digressões incidentais sobre budismo e a discussão sobre física quântica, para não mencionar as complexidades de Lacan, está bem acima da minha categoria, me concentrarei, no que segue, na interpretação de Hegel e as implicações que Žižek dela retira.

***

Designemos o problema básico que o livro aborda como o problema ontológico da "subjetividade"; o que é ser um sujeito pensante, cognoscente e também agente e interagente em um mundo material? Žižek alega haver quatro tipos principais de respostas possíveis a essa questão no "campo ideológico-filosófico" atual: (i) naturalismo científico (neurologia, darwinismo); (ii) historicismo discursivo (Foucault, desconstrutivismo); (iii) "budismo" ocidental "Nova Era"; (iv) uma espécie de finitude transcendental (culminando em Heidegger)44] Várias sutilezas e qualificações são possíveis aqui. Eu não vejo porque alguém levaria (iii) seriamente. Eu incluiria "desconstrutivismo" em (iv) e não em (ii), reivindicaria mais categorias (pragmatismo, da variedade analítica (brandomiano), rortyano ou habermasiano; monismo anômalo; a fenomenologia ainda está viva em alguns cantos; a abordagem de Wittgenstein) e eu defenderia uma versão hegeliana do compatibilismo. Mas o que importa aqui é o que Žižek defende: sua própria posição. [. A tese de Žižek é que essas opções deixam passar a correta, segundo ele, ideia de uma "fissura ou ruptura pré-transcendental (para a qual o nome freudiano é pulsão)", e que esse quadro efetivamente "designa o núcleo exato da subjetividade moderna"55] Žižek, Menos que Nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, op. cit., pp. 15-16. [.

Isso significa que a discussão tem de prosseguir em um nível muito elevado de abstração e requer um resumo complicado das posições básicas da "camarilha dos quatro" (Kant, Fichte, Schelling e Hegel) que Žižek precisa ter sobre a mesa a fim de apresentar o tema central que pretende discutir. Na linguagem desenvolvida nessa tradição, naquele nível elevado de abstração, o problema é o do status ontológico da "negatividade", não ser, aquilo que não é (ou não é simplesmente a plenitude ou a presença do ser positivo). No sentido mais simples, estamos tratando da consciência intencional, da percepção ou de juízos empíricos, e do estatuto ontológico do agente. Desse ponto de vista, a consciência não é um fenômeno completamente "positivo" (kantiana ou pós-kantiana). Se fosse, seria semelhante a mero aparelho complexo de registro e resposta (do mesmo estatuto ontológico de um termômetro). Mas um juízo empírico sobre o mundo ("há um livro vermelho sobre a mesa") não é simplesmente resultado direto de um episódio perceptivo. Não somos completamente absorvidos pela presença do mundo, e esse "não" é o começo de todos os problemas alemães que Žižek quer rastrear a fim de chegar a uma interpretação própria. Ao fazer tal juízo, "negamos" o caráter meramente imediato ou de "dado" do conteúdo perceptivo, negando-o como imediato e supostamente dado, e assumo alguma posição a respeito do que está ali66] Em uma discussão mais extensa, portanto mais cuidadosa, várias ressalvas seriam necessárias aqui. O caso da consciência perceptiva, enquanto aperceptiva, não é obviamente do mesmo tipo lógico do que um juízo, uma pretensão empírica de conhecimento, e seria necessário maior cuidado para dar conta do papel da espontaneidade. Mas a consciência perceptiva não é meramente capacidade diferencial de resposta e isso é o que precisamos para o problema da "negatividade". Veja minha discussão sobre a questão em "Brandom's Hegel", European Journal of Philosophy, vol. 13, n-º 3, 2006, pp. 381-408. [. E no agir não respondemos causalmente a inclinações e desejos; aqui também não há plenitude de ser positivo. Interrompemos ou negamos o ser meramente positivo (o que nos sentimos inclinados a fazer, a experiência como intenção) pela deliberação e pela decisão a respeito do que fazer. Nenhuma dessas inclinações pode ser considerada motivo para uma ação, excetuando quando "incorporadas" a uma máxima, à nossa uma política geral para ações desse tipo77] A "tese da incorporação", expressão dada pelo especialista em Kant Henry Allison, surgiu, como um tema explícito, relativamente tarde na obra de Kant (em A religião nos limites da simples razão [1793]) e afirma que "causas só me afetam na medida em que eu permito que elas me afetem". "Somente na medida em que eu as considero como motivos razoáveis para fazer algo" seria mais preciso, e as inclinações por certo me afetam causalmente (eu posso ser fortemente inclinado a fazer algo), apenas não se pode afirmar que elas produzam o movimento corporal, se esse movimento deve ser considerado uma ação. Não há muitos desses erros e deslizes, mas eles são irritantes quando ocorrem. A crítica da razão pura foi publicada em 1781, não em 1787 (p. 17); o famoso artigo de Henrich refere-se à "Fichtes ursprüngliche Einsicht", não à sua "Grundeinsicht" (p. 21). E (para mim a mais importante) o editor do jornal ao final de O homem que matou o facínora não diz "quando a realidade não se adequar à lenda, publique a lenda" (p. 272). Ele diz algo muito mais relevante para as preocupações de Žižek "Estamos no Oeste, senhor. Quando a lenda se torna um fato, publique a lenda." [. Portanto, quando Hegel nos recorda no Prefácio à Fenomenologia do espírito que devemos pensar a "substância" também "como sujeito", ele não quer nos fazer pensar o sujeito, aparentemente, só como um atributo da substância ou uma aparência do que permanece basicamente substância, ou um epifenômeno da substância88] Eu digo "pareceria" a fim de reconhecer que, para Žižek, nós deveríamos dizer algo como a "substância" nega a si mesma, cria um tipo de "lacuna" e incompletude, e o "espaço" é o sujeito. (Mas em que sentido também poderia ser dito que o sujeito "substancializa a si mesmo"? Negar a si mesmo como sujeito apenas por ser substância?) De todo modo, Žižek não quer dizer que um sujeito seja apenas um tipo de propriedade da substância material. Eu penso que compreendo o que a lacuna ou o ponto de vista da negação de si significaria em termos freudianos - que a maturação natural mesmo biológica, ela mesma produz um sujeito dividido contra si mesmo, incapaz de perceber e satisfazer os processos primários -, mas isso é verdade somente em relação à substância humana, e eu não penso que isso seja o problema que os pós-kantianos estavam abordando e vou tentar dizer por que a seguir. [. Toda a questão do idealismo especulativo é pensar a substância como "não apenas substância", como negação da mera substância enquanto tal; e pensar o sujeito como substância, como o que é "não apenas sujeito", mas é ainda, de toda forma, substância. Um pedido e tanto. Inicialmente, a aproximação mais rente ao que Žižek pretende é aristotélica: subjetividade (pensamento e ação conforme normas) é o ser em ação específico (energeia, Wirklichkeit hegeliana) da forma de vida biológica que é a substância humana. Isso no mesmo sentido em que Aristóteles diz: se o olho fosse corpo, enxergar seria sua forma, seu ser em ação específico. (Consciência espontaneamente mediada é o ser em ação específico da substância humana, sua atualização.) Esse ser em ação é como essa forma de vida substancial aparece, e não alguma atestação da Fissura que nega a si mesma que é substância. (Isso está em desacordo com a leitura lacaniana de Žižek, como na página 229, inter alia)99] Eu não tenho espaço para discutir a interessante leitura paralela de Žižek da substância-sujeito e id-ego exceptuando concordar com que em nenhum caso "wo es war, soll Ich werden" dá a ideia de uma apropriação racional do, ou de um controle sobre, ou simplesmente de uma reconciliação com o "nicht-Ich". Veja 389 ss/229 ss. [.

A maneira como Žižek coloca a própria questão revela, portanto, uma orientação profundamente schellinguiana no início e ao longo de todo o livro. (Isso não surpreenderá os leitores de Tarrying with the Negative e The parallax view1010] Žižek, Slavoj. Tarrying with the negative: Kant, Hegel and the Critique of Ideology. Durham: Duke University Press, 1993. Idem, A visão em paralaxe. Trad. Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008. [.) Isto é, a questão que essa observação levanta é: o que pode ser um sujeito que possui tal capacidade de negação? E de forma ainda mais radical: o que o ser tem de ser, de maneira que haja, ou possa haver, seres "positivos" e "negativos". Para o jovem Schelling, isso conduz à conclusão de que a distinção entre tais sujeitos e objetos não poderia ser uma distinção objetiva tampouco subjetiva, de modo que o "fundamento" da possibilidade da distinção tem de ser um "ponto de indiferença", nem sujeito nem objeto (dando ensejo ao famoso comentário de Hegel, que custou a amizade de ambos, de que isso seria "a noite em que todos os gatos são pardos")1111] Hegel, G. W. F. The phenomenology of Spirit. Trad. Terry Pinkard. <http://terrypinkard.weebly.com/phenomenology-of-spirit-page.html>, p. 14 (§16) [ed. bras.: Hegel, G. W. Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Menezes.Petrópolis: Vozes, 2003, p. 34 (§16). [. E na tradição que poderia ser chamada de schellinguiana, pressuposto é há muito de que nem Kant nem Fichte tinham, nem poderiam ter, uma resposta adequada a essa questão porque, para eles, "ser" é "secundário" e não primário (um "fenômeno", ou um "não Eu" posto), e o "Absoluto" é um tal sujeito "sem fundamento" ou putativamente (mas impossivelmente) autofundado1212] Uma visão nada desrazoada. Veja Fichte, G. Introductions to the Wissenschaftslehre and other writings. Trad. e ed. Daniel Breazeale, Indianapolis: Hackett, 1994, p. 84; Fichte, G. "Segunda introdução à doutrina da ciência". In: Gil, F. (coord.) Recepção da Crítica da razão pura: antologia de escritos sobre Kant (1786-1844). Trad. Fernanda Portela. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, p. 342. [. A questão interessante desde sempre é como situar o Hegel maduro nesse campo de possibilidades1313] De acordo com Žižek (144/ s.c.), a única posição de Hegel é negar que precisemos de qualquer "terceiro termo" para fundar tanto o subjeito como o objeto. "[...] seu [de Hegel] ponto é precisamente que não há necessidade de um Terceiro elemento, o meio ou fundamento para além do subjeito e objeto-substância. Nós começamos com objetividade e o sujeito não é nada senão a automediação da objetividade". Mas isso é simplesmente idealismo objetivo e ainda não diferenciou o ponto de vista de Hegel, como tentarei mostrar. [. Como já mencionado, para Žižek, aquela posição envolve um comprometimento com uma "fissura" ou "ruptura" no ser. "O discurso (pressu)põe uma falta/buraco na ordem positiva do ser"1414] Žižek, Less than nothing, op. cit., p. 75. Sem correspondência com a tradução brasileira. [. "O vácuo em nosso conhecimento corresponde a um vácuo no próprio ser, à incompletude ontológica da realidade"1515] Ibidem, p. 148. [. O livro está repleto de formulações desse tipo1616] Cf. A pretensão de Žižek de que Marx e Freud só podem entender "antagonismo" como característica da realidade social ou física, de que eles são "incapazes de articulá-la como constitutiva da própria realidade, como a impossibilidade ao redor da qual a realidade é construída" (250/93). Estou com Marx e Freud (e, eu acho que, com Hegel) nesse ponto. Isso toca em um dos mais difíceis tópicos no livro, para mim, o que é anunciado pelo título, que a "realidade" é "menos que nada". A explicação oficial do título ocorre na página 495/348. Discuto aquilo que consigo entender desse conceito de como "subtrair do nada o/a próprio/a nada/(idade)" na última seção deste artigo. [.

Isso tudo tem profundas conexões com os problemas eleatas originais do não ser (como podemos possivelmente dizer "o que não é" quando proferimos falsidades; um problema porque aquilo que "não é" não é, é impossível); daí a atenção contínua de Žižek à segunda parte do Parmênides, de Platão. Mas a versão alemã do problema tem uma única e distinta dimensão e essa dimensão é o começo de meu desacordo mais profundo com Žižek. Para enxergar o problema (ou para enxergar o problema como eu o enxergo), consideremos aquilo a que Hegel chama nossa atenção quando nos explica sua mais profunda conexão com Kant:

Uma das mais profundas e verdadeiras intuições da Crítica da razão pura é que a unidade que constitui a essência do conceito é reconhecida como a unidade sintética original da percepção, a unidade do "eu penso", ou da consciência de si. Essa proposição é tudo o que diz respeito à assim chamada dedução transcendental das categorias, que, desde o começo, foi, no entanto, considerada a parte mais difícil da filosofia kantiana [...]1717] Hegel, G. W. F. Science of logic. Trad. A.V. Miller. Londres: George Allen and Unwin, 1977, p. 515. Essa citação sozinha me parece interditar a explicação dada por Žižek sobre a relação Kant-Hegel-apercepção (p. 130). [

É por esse motivo - a natureza perceptiva do conceber, o fato de que conceber seja aperceber - que a atenção perceptiva, o juízo, a ação ou qualquer consciência intencional determinada, não pode ser compreendida simplesmente como um estado mental (na plenitude ou positividade do ser, da maneira que nos diríamos que um computador "calcula"), pois, ao perceber, também estamos conscientes da percepção, conscientes nós mesmos percebendo. Quando acreditamos em qualquer coisa, estamos conscientes de nossa crença, de nosso comprometimento com uma crença. Quando agimos, não estaríamos agindo se não estivéssemos conscientes do fato de estarmos agindo. (Uma ação não é algo que ocorra, estejamos dela conscientes ou não, como água fervendo. Só é ação se somos conscientes de nós mesmos quando agimos.)

Há dois complicadores dessa visão que necessitam de longa discussão, mas que, aqui, só podem ser indicados. O primeiro: como Sebastian Rödl nota com frequência em seu livro sobre a consciência de si, o que foi dito anteriormente não deveria dar a entender, como a formulação talvez sugira, que há dois atos da mente envolvidos1818] Rödl, Sebastian. Self-consciousness. Cambrigde, MA: Harvard University Press, 2007, pp. 17-64. [. Há apenas um. A ação é consciência da ação; não há consciência a não ser que estejamos conscientes de nossa ação1919] Cf. Rödl sobre um "conhecimento não empírico sobre a realidade material", p. 122. Veja também pp. 131, 133-4, 138. [. O segundo: apercepção não é uma relação intencional de segundo grau. Não somos conscientes de nós mesmos da maneira como somos conscientes de objetos (caso contrário, haveria o risco de uma óbvia regressão). Pode-se dizer que somos conscientes de objetos aperceptivamente ou de maneira autoconsciente; nunca que somos conscientes de objetos e também conscientes nós mesmos como um segundo objeto2020] Dito de outro modo, a consciência de si que é uma condição necessária para qualquer ação ou pensamento humanos adverte em relação a um modo de alguém agir ou pensar, como que adverbialmente, e não envolve nenhuma autoinspeção. Veja meu Kant's theory of form. New Haven: Yale university Press, 1982, capítulo.6, pp. 151-87. Alguém faz o que faz, alguém está cônscio do que está cônscio, alguém pensa o que pensa, tudo sabendo [knowingly]. A propósito da discussão a seguir, cf. a formulação de Fichte na Wissenschaftslehre: "[...] o si e o ato revertendo a si são conceitos perfeitamente idênticos [...]" (p. 37) e "é a consciência imediata de que eu ajo [act] e de que eu atuo [enact]: é por meio disso que eu sei de algo porque eu o faço" (p. 38). Ou: "Sem consciência de si não há de todo consciência; mas consciência de si é possível somente na maneira indicada: eu sou simplesmente ativo" (p. 41). [. (Isso também é o porquê de o conhecimento de si de primeira ordem não ser observacional ou inferencial [não é conhecimento de um objeto "desde sempre lá"], mas constitutivo2121] Žižek levanta o mesmo ponto ele mesmo, corretamente, ao meu ver, em um resumo abonador de Lukács (220/61). Veja também Hegel na Ciência da lógica: "O ponto mais importante para a natureza do espírito não é apenas a relação do que ele é em si mesmo para o que ele é efetivamente, mas a relação do que ele mesmo sabe ser com o que ele efetivamente é; porque espírito é essencialmente consciência, esse conhecimento de si é uma determinação fundamental da sua efetividade". Science of logic, p. 37. [. Sob todos os aspectos relevantes à minha identidade prática [mas a nenhuma característica empírica], somos aquilo que admitimos ser [professor, cidadão, liberal social-democrata]. Ou ao menos o somos provisoriamente; também precisamos desempenhar o que admitimos ser, senão é apenas uma confabulação ou um compromisso abstrato sobre o que faríamos. Em linguagem žižekiana, não há si mesmo exceto como posto e desempenhado, e o aparente paradoxo [quem está pondo?] não é paradoxo2222] Não é paradoxal porque não há um momento original de autocriação [self-origination]. Alguém que sempre já veio a ser por alguma posição da posição de si está sempre se tornando quem se é. Eu penso que é isso o que Hegel quer dizer alegando, em suas Lições sobre a história da filosofia, que "não se pode começar com a unicidade [oneness] e passar para a dualidade", citado por Žižek (470/326), mas antes com "o inerente autodistanciamento do próprio Uno" (471/326). Existe muito mais a ser falado sobre esse problema. Para discussões de pequenos aspectos desses pontos, veja capítulos 3 e 4 de Hegel's idealism: the satisfactions of self-consciousness (Cambridge: Cambrigde University Press, 1989) e capí tulo 3 de Hegel's practical philosophy: rational agency as ethical life (Cambridge: Cambrigde University Press, 2008). [.)

Quando Žižek trata a questão da apercepção em termos próprios2323] Žižek, Menos que nada, op. cit., pp. 194-5. [, nota quão implausível é pensar que todo ato de consciência é um ato da consciência de si. Isso parece empiricamente falso. Mas isso porque a questão diz respeito a dois atos, consciência do objeto e consciência do sujeito ciente do objeto, e o pressuposto mais importante do tratamento idealista da questão é que não é assim. Há apenas um ato. Consciência de si não é consciência de um objeto. Nós não precisamos de "virtualidade" deleuziana ou de uma ontologia da "atualidade do possível" para dar conta disso. E não há ligação entre o tratamento dessa questão por Kant, Fichte e Hegel e a ontologia negativa do próprio Žižek, sua afirmação de que "no limite, o que 'existe' é apenas a absoluta Diferença, a Lacuna que rejeita a si mesma"2424] Ibidem, p. 227. E agora, em outros contextos - quando, por exemplo, ele está discutindo a "consciência de si" do Estado - Žižek me parece afirmar o ponto feito aqui exatamente do jeito que é feito aqui. Cf. 256 ss. [. O que existe, no sentido dessa investigação, é um espaço das razões possível, no qual ingressamos por um processo de socialização, e no interior do qual são possíveis autocorreção e "autonegação" constantes.

Talvez isso já seja "informação demais" para um leitor interessado em como Žižek propõe-se oferecer uma versão renovada da dialética materialista e, portanto, uma teoria crítica do capitalismo moderno tardio. Mas esse caminho pelo idealismo alemão é o percurso que ele escolheu e é importante saber se sua versão nos conduz corretamente. Sendo necessárias várias páginas adicionais para demonstrá-la, o ponto da formulação anterior seria sugerir uma maneira diferente de compreender o problema da "negatividade" nessa tradição, uma maneira que não nos conduz a fissuras, vácuos e buracos no ser (ou a "Atos infundados" na ausência do "grande Outro"). Eu não entendo direito as afirmações a respeito de buracos na fábrica do ser, e nós não precisamos dessa ideia se formos na direção que estou sugerindo. Pois, se aquela formulação da apercepção está correta, nós estamos aptos a explicar a inadequação de explicações psicológicas e naturalistas de tais estados sem uma ontologia lacunar (no sentido, mesmo que não do mesmo modo, que Frege e o primeiro Husserl criticavam o psicologismo sem uma ontologia "alternativa"). Se acreditar é ser consciente do acreditar, então é impossível simplesmente "estar" acreditando. Estar consciente de acreditar em algo é estar consciente das razões para acreditar no que acreditamos (por mais fragmentárias, confusas e desapercebidamente inconsistentes essas razões possam ser). Quando queremos saber no que acreditamos, investigamos que deveríamos acreditar2525] Uma das afirmações e defesas mais conhecidas da condição de "transparência" é o Authority and estrangement: an essay of self-knowledge (Princeton: Princeton University Press, 2000) de Richard Moran. Veja também Rödl, op. cit., cap. 3. [. Essas razões podem ser incompletas e nos levar a aceitar inadvertidamente determinadas proposições, e muitas crenças são resultado do hábito e em larga medida anteriores às reflexivas, mas nunca completamente. Em todo caso, sem conexão ou sem possibilidade de conexão com um fundamento para a crença, seria apenas uma posição que admito, não o que de fato acredito. O mesmo vale para a ação. É constitutivo da ação que um agente seja capaz de responder à questão do "por quê", e isso significa estar em condições de dar uma razão para a ação. (De novo, o diálogo "por que você fez isso?" "Não sei, eu simplesmente fiz" não é possível. Se é o caso, seu corpo pode ter se movido, mas você não fez nada2626] Esse tema, assim como todos os outros do parágrafo, é muito mais complicado do que esse resumo pode fazer jus. Sobre esse último ponto, os admiráveis filmes dos irmãos Dardenne tornam claro quanto mais pode ser dito sobre esse tema. Em todos os seus filmes, as personagens certamente aparentam tal como se estivessem agindo sem capacidade de dizer por quê. O que é especialmente interessante é que eles conseguem sugerir uma ligação entre essa opressiva opacidade e a fábrica do capitalismo tardio de desintegração da vida da classe trabalhadora. Eles integram esses elementos filosófico-psicológicos com os sociais harmoniosa e brilhantemente. Veja especialmente O filho (2002). [.) Opiniões, cognições e intenções estão, portanto, no "espaço de razões" e perguntar por, digamos, causas neuropsicológicas para esse estado é cometer um erro categorial; é ter compreendido mal a questão; é oferecer algo que não podemos usar. Tais causas são irrelevantes para as nossas razões (o "para si" de qualquer desse "em si" na linguagem hegeliana) e para que um terceiro compreenda as nossas razões, pois essas devem ser enunciadas e "sustentadas" em primeira pessoa. Não é necessário recorrer a nenhuma fissura no ser; não mais do que a possibilidade de as pessoas jogarem bridge, seguindo as normas do bridge, e explorando estratégias para vencer, precisa nos comprometer com uma ontologia lacunar incomum para explicar o fato de que somos capazes de jogar bridge seguindo suas regras. Quem joga não apenas reage, mas, ao mesmo tempo em que joga e realiza movimentos, "mantém aberta" a possibilidade de revisar sua estratégia, desafiando alguém conforme as regras, e assim por diante. Seguir uma regra é isso, e não a aplicação de leis2727] Isso também é relevante para abordar como o modo que os animais têm representações é diferente do nosso. O deles é intencional à sua maneira, mas eles não têm o status de "cognições" da maneira que o nosso tem. Um cachorro pode ver uma figura humana bem de longe (a montante, vamos dizer) e, vendo uma pessoa desconhecida, começa a latir, somente para depois balançar o rabo na medida em que a pessoa conhecida que ela realmente é aparece a seus olhos. Mas o cachorro não se corrigiu. Aqui nós queremos dizer que uma sugestão da percepção promoveu uma resposta (que nós podemos mesmo chamar de resposta racional), e depois uma sugestão de percepção diferente (com mais detalhes de características visuais em vista) promoveu uma resposta comportamental diferente. A plenitude de ser, nós podemos dizer. (Eu nunca notei, por exemplo, que minha cachorra tenha alguma vez se mostrado embaraçada por ter feito um desses erros que ela possa corrigir. Isso não é como ela vê; ela vê uma série de sugestões, e depois vê uma outra. Isso seria um modo de dizer que ela não tem unidade de apercepção.) [. Essa competência é possível porque ela é definitivamente real, e isso significa que seres corporificados materialmente são capazes de se engajar em práticas complexas de seguir regras cuja explicação não é aprofundada pela referência às suas propriedades neurológicas. (Em sua Fenomenologia, a formulação de Hegel dessa espécie de negatividade lógica é que a consciência está sempre "para além de si mesma" e, por essa razão, ele frequentemente caracteriza a consciência como uma autonegação2828] No entanto, a consciência é para si mesma seu conceito, e como resultado ela vai imediatamente para além da restrição, e, como essa restrição pertence a si mesma, ela também vai além de si mesma. (Phenomenology 76 [§80]/ Fenomenologia 76 [§80]). Aqui está a formulação "lógica" da questão da assim chamada Fenomenologia de Berlim: o eu é agora essa subjetividade, essa relação infinita consigo mesmo, mas aí, a saber nessa subjetividade, jaz sua relação negativa consigo mesmo, cisão, diferenciação, julgamento. O eu julga, e isso o constitui como consciência; ele repele a si mesmo de si mesmo; isso é uma determinação lógica. G.W.F. Hegel: The Berlin phenomenology. Trad. M. Petry. Dordrecht: Riedel, 1981, p. 2. [.)

Agora, é possível Žižek dizer que apenas isso, que essa possibilidade de responder a normas, na medida em que é uma capacidade incorporada materialmente não explicável em termos materiais, é simplesmente a fissura ou o vácuo que ele quer atribuir à ontologia de Hegel "mais que material, sem ser imaterial"2929] Essa é a formulação de Adrian Johnson em "Slavoj Žižek's Hegelian Reformation: giving a hearing to The parallax view". Diacritics, vol. 37, n-º 1, pp. 3-20. Algo como essa posição está disponível a Žižek se nós compreendemos o espaço do Simbólico (no seu sentido lacaniano) como o espaço do normativo e assim da razão. Veja sua interpretação do controverso comentário de Freud sobre "anatomia" sendo "destino", "em outras palavras, uma formulação simbólica", um destino que nós temos de fazer. (216/57-8) [. Mas isso parece muito anódino para o que ele quer dizer e para a conexão que ele quer fazer com Lacan. Pois, nessa maneira de ver a questão, não há necessidade de uma ontologia negativa paradoxal. É possível e importante que algum dia pesquisadores venham a descobrir por que é que animais com cérebros humanos podem fazer esse tipo de coisa e animais sem cérebro humano não, e alguma combinação de astrofísica e teoria da evolução será capaz de explicar por que eles têm esse cérebro. Mas esses não são problemas filosóficos nem tampouco geram problemas filosóficos3030] Não que essas descobertas não possam ser relevantes para a filosofia. Elas certamente são para Hegel. No §12 da Enciclopédia lógica, Hegel diz que a filosofia "deve seu desenvolvimento às ciências empíricas", e no comentário ao §246 da Filosofia da natureza, ele diz que a filosofia da natureza "pressupõe e é condicionada pela física empírica". Veja também o adendo ao §381 na Introdução à Filosofia do espírito. Essas passagens são relevantes para a questão que Žižek levanta em 458 e 462/308 e 315. [. (Os problemas são: o que é uma razão convincente e por quê? Sob quais condições as razões que as pessoas oferecem para o que fazem são "suas" razões, razões e princípios com os quais podem genuinamente se "identificar"3131] Quando Žižek aborda esse tema, ele adota uma postura nietzschiana que me parece mal argumentada e viciada por uma petição de princípio. Que tipo de poder (ou autoridade) é esse que precisa justificar a si mesmo com referência aos interesses daqueles sobre quem elegoverna [rule], que aceita a necessidade de fornecer razões para seu exercício? Uma tal noção de poder não minaria a si mesma (429/281)? Ele se estende a ponto de chamar um tal regime de "antipolítico" e "tecnocrático". Mas apelos ao interesse próprio são apenas um tipo de razão, e as restrições introduzidas por um tal requerimento, se elas minam alguma coisa, minam a noção de dominação e governo. Eles não são pensados para estar a serviço de tais noções, mas substituem noções de autoridade. [?)

Dito de outro modo, Žižek está certo ao notar a importância do deslocamento do jovem Hegel para o Hegel maduro, que envolve em seu cerne a conscientização de Hegel que a "lógica" não seria uma preparação para a "metafísica", mas que a lógica seria metafísica. Isso, porém, significa que uma consideração do ser em sua inteligibilidade é a única espécie de metafísica possível (ser é ser inteligível, algo como o motto da filosofia grega e, portanto, do começo da filosofia)3232] A angústia [anxiety] cética de que, com isso, nós trataremos o ser somente da maneira que ele é inteligível "pelas nossas luzes finitas" é a angústia ilusória que Hegel acredita ter destruído metodologicamente na Fenomenologia, a "dedução", tal como ele diz, do ponto de vista da Lógica. A angústia heideggeriana extraordinariamente influente de que isso tudo represente a "imposição" da vontade humana "por sobre" a questão do Ser é matéria para uma discussão à parte. Veja Heidegger, Nietzsche, op. cit., e meu "Heidegger on Nietzsche on Nihilism", no prelo. [. Mas isso também significa que o "movimento" de Hegel na Enciclopédia, de uma "lógica da natureza" para uma "lógica do Geist", não tem nada que ver com um "materialismo evolucionista"3333] Žižek, Menos que nada, op. cit., p. 80. [. A metafísica de Hegel é uma lógica, e a inteligibilidade da natureza, falando bem casualmente, "se esgota" a determinada altura, e é incapaz de, em seus próprios termos, dar conta das atividades complexas regidas por normas de que seres materialmente corporificados são capazes. Essa não é uma capacidade nova, não natural, que emerge no tempo; ela emerge a partir de uma consideração sistemática dos recursos de inteligibilidade disponíveis, ainda que limitados a explicações científico-naturais.

Há uma explicação fenomenológica de Hegel do contexto em que seres orgânicos materialmente corporificados, seres vivos com um mínimo de autorrelação (um sentimento de si necessário para a preservação da vida) podem ser imaginados interagindo de um modo que "para eles" transcende a mera autoconservação, um "movimento" que não pode ser compreendido como um movimento das atividades intencionais da mera vida animal. Essa é a famosa explicação no capítulo IV da Fenomenologia do espírito, de 1807. O problema é imaginar tais seres vivos lutando, talvez por recursos, até a morte se necessário, quando é introduzida a possibilidade da indiferença de um participante em relação à própria vida a serviço de uma demanda de ser reconhecido (uma norma "não natural"), quando o que se demanda não é mera submissão, mas compromisso, uma admissão do direito do outro. O "espírito" emerge dessa contestação social imaginada, daquilo que nós venhamos a demandar um do outro, não nos interstícios do ser. Essa é uma explicação fenomenológica (como é ser e vir a ser Geist), e não enciclopédica, mas ela também introduz a explicação hegeliana de razão. Vemos que ela não deve ser entendida como mera capacidade para cálculo ou meramente estratégica, mas como uma prática sócio-histórica, o que Brandom chama de "jogo de dar e pedir razões"3434] Robert Brandom, Making it explicit: reasoning, representing, and discursive commitment. Cambridge, MA.: Harvard University Press, 1994. [, e introduz a questão central da narrativa histórica de Hegel: estamos nos tornando melhores na justificação de nós mesmos uns para os outros, ou não?3535] Em termos kantianos, o papel da razão pode ser dito emergir em qualquer tentativa de conduzir uma vida "justificada" (e, portanto, livre), procurar sempre a "condição" para qualquer coisa "condicionada". Veja minha discussão sobre esse tópico sobre Kant em Hegel on self-consciousness: Desire and death in the Phenomenology of spirit. Princeton: Princeton University Press, 2011, pp. 55-8. [

Podemos ver que essa explicação não é a direção de Žižek em seu tratamento detalhado de Fichte3636] É portanto o caso de que esse tipo de interpretação venha a significar um desacordo com a caracterização de Žižek do começo de tudo isso em Kant. Não é o caso de que Kant e os Idealistas tenham concebido o sujeito como uma "atividade espontânea [...] sintética, a força da unificação, de reunir o múltiplo dos dados sensíveis com os quais nós somos bombardeados em uma representação unificada dos objetos" (106/ s.c.). Veja também Žižek 149/ s.c. Esse certamente não era o caso de Hegel; veja seu Faith and knowledge. Trad. W. Cerf e H. S. Harris. Albany, N. Y.: SUNY Press, 1977, pp. 62-70 [ed. bras.: Hegel, G. W. Fé e saber. Trad. Oliver Tolle. São Paulo: Hedra, 2007. Também não é o caso de que "apercepção [...] muda o confuso fluxo de sensações em 'realidade', que obedece a leis necessárias". Em primeiro lugar, Kant diz com frequência que esse imposicionismo é exatamente a posição que ele rejeita, que daria ao cético o que ele quer (B 168). Veja também B 138, B160 n, e a passagem de "mesma função" em B105/A79. Em segundo lugar, não é o caso de essa atividade sintética "introduzir uma brecha/diferença na realidade substancial" (106/ s.c.). A negatividade ("não apenas ser") em questão é uma matéria da dimensão normativa da experiência aperceptiva e da ação. Alguém poderia, presumo, chamar isso de uma "brecha no ser", mas isso me parece mistificar tudo desnecessariamente. [. Žižek acompanha de perto a explicação de Fichte nos recém-publicados seminários de graduação de Dieter Henrich em Harvard nos anos 19703737] Henrich, D. Between Kant and Hegel. Ed. D. S. Pacini . Cambridge, MA: Harvard University Press, 2008. [, e isso cria dois problemas3838] Uma característica inusual do livro de Žižek é essa forte confiança nas fontes secundárias selecionadas, "à risca", com poucas exceções (Lebrun é um dos quais ele discorda). Henrich, Malabou, Miller, Lebrun são aqueles em que ele se apoia mais fortemente. [. Em primeiro lugar, Henrich confunde o problema da consciência aperceptiva na experiência e na ação com o problema da autoidentificação reflexiva: como encontrar e identificar meu ser único. Esses são dois problemas diferentes; não há qualquer indício de que Fichte os tenha confundido, e há abundância de evidências de que ele estava atento à diferença3939] Eu apresento essa prova no capítulo 3 de Hegel's idealism. [. Em segundo lugar, Žižek aceita a acusação de Henrich de que Fichte confundia oposição "lógica" com oposição "real", alternando uma e outra, e, portanto, não podia oferecer uma explicação satisfatória sobre a relação do Eu com o não Eu. Mas Fichte foi bem claro sobre a diferença e seus comentários acompanham de perto os comentários feitos acima sobre o status do normativo em Kant e nos primeiros idealistas. Uns poucos exemplos devem bastar. Eis Fichte em um típico enunciado de princípios gerais:

A contenda básica do filósofo é a seguinte: ainda que o si possa existir apenas para si mesmo, surge necessariamente para ele, de imediato, uma existência externa a ele; o fundamento dessa jaz naquele e é por meio dele condicionada; consciência de si e consciência de algo que deve ser - não nós mesmos - estão necessariamente ligadas; mas a primeira deve ser considerada um fator "condicionante", e a segunda condicionada4040] Fichte, G. "Second Introduction to the Wissenschaftslehre". In: The science of knowledge with the first and second introductions. Ed. e trad. P. Health e J. Lachs. Cambridge: Cambridge University Press, 1970, p. 33. [.

Mas ficamos sem saber o que "condição" quer dizer e, especialmente, como ela se relaciona com o termo-chave, "pôr" (setzen), o pôr do nicht-Ich [não Eu].

Quando tenta explicar o que quer dizer, contudo, Fichte reverte para a linguagem da "autonomia do normativo" invocada acima. Das "Introduções para a Wissenschaftslehre", de 1797:

Qual é, afinal, em poucas palavras, o conteúdo geral da Doutrina da Ciência? É este: a razão é absolutamente autossuficiente; ela existe por si. Mas nada existe para a razão exceto a própria razão. Por conseguinte, o que tudo que ela é deve estar fundado nela própria e deve poder ser explicado a partir dela e não a partir de qualquer coisa que lhe seja exterior, porque ela não pode sair de si sem renunciar a si mesma. Resumindo: a Doutrina da Ciência é o idealismo transcendental4141] Idem, Introductions to the Wissenschaftslehre and other writings. Trad. e ed. Daniel Breazeale. Indianapolis: Hackett, 1994, p. 59; idem. "Segunda introdução à doutrina da ciência". In: Gil, F. (coord.). Recepção da Crítica da razão pura; antologia de escritos sobre Kant (1786-1844). Trad. Fernanda Portela. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992. [.

Da "Segunda Introdução" para a Wissenschaftslehre (nova methodo), traduzida para o inglês por Foundations of transcendental philosophy: "O idealista observa que a experiência não é nada senão a ação de um ser racional".

E, em seguida, uma explicação a respeito do "ponto de vista do idealismo":

O idealista observa como devem vir a existir coisas para o indivíduo. Portanto, a situação é diferente para o indivíduo [observado] em relação ao filósofo. O indivíduo é confrontado com coisas, homens etc. que lhes são independentes. Mas o idealista diz: "Não existem coisas fora de mim e presentes independentemente de mim". Embora ambos digam coisas opostas, eles não se contradizem. Pois o idealista, do seu ponto de vista, revela a necessidade do ponto de vista do indivíduo. Quando o idealista diz: "fora de mim", ele quer dizer "fora da razão"; quando o indivíduo diz a mesma coisa, ele quer dizer "fora de minha pessoa"4242] Idem. Foundations of transcendental philosophy (Wissenschaftslehre nova methodo). Trad. e ed. Daniel Breazeale. Ithaca: Cornell University Press, [1796-1799] 1992, pp. 105-6. [.

Ou, em uma formulação ainda mais concisa retirada das notas de Fichte: "o Eu é razão"4343] Isso é das notas de sua famosa resenha de Aenesidemus, em G. Fichte, Gesamtausgabe der Bayerischen Akademie der Wissenschaften. Ed. Reinhard Lauth e Hans Jacob. Stuttgart: Frommann-Holzboog, 1965, pp. 11, 1, 287. É importante apreender esse aspecto de Fichte corretamente a fim de evitar as afirmações que Žižek faz na 283/127, onde nós ouvimos de novo sobre o fenômeno da "autolimitação", a "incompletude da realidade fenomenológica" e o fundamento da liberdade na "incompletude ontológica da própria realidade". Na medida em que eu compreendo essas pretensões, elas são regressivas e dogmaticamente metafísicas como as "particularidades inefáveis". [.

Essa autossatisfação racional é algo que só podemos "procurar" infinitamente de acordo com Fichte; no entanto, a questão maior é a que importa para a leitura de Žižek e diz respeito à ligação necessária entre o caráter consciente de si da experiência e da ação, compreendida desse modo, e a razão, uma norma que não desempenha papel proeminente na explicação schellinguiana de Žižek. (O outro tema hegeliano que não desempenha maior papel para Žižek é o da sociabilidade, Geist, e os temas a ele relacionados, como tentarei mostrar na próxima seção.) A condição do ateísmo moderno significa para Žižek, em termos lacanianos, que não há nem pode haver mais nenhum "grande Outro", nenhum fiador da possibilidade sequer de qualquer resolução do ceticismo normativo e de conflitos. Mas nenhum fiador transcendental não é a mesma coisa que nenhuma confiança possível na racionalidade de nossas deliberações e de nossas demandas. Mesmo uma posição (como, digamos, a de Nietzsche) que sustenta que a maioria dos apelos conscientes a razões são sintomas, que a verdadeira razão jaz em outro lugar (não foi o caráter virtuoso do escravo, mas seu ressentimento, que motivou sua submissão), está comprometida com essa ligação. (O ressentimento é a sua razão, tida por ele - em autoengano - como justificativa para a ação, submissão, e condenação moral do Senhor; de outro modo não haveria satisfação no que ele faz). Pretender algo ou fazer algo é dispor-se a dar razões para a pretensão ou para o feito, e se existem razões para rejeitar as razões ou para rejeitar a pretensão de sinceridade, nós ainda estamos no interior do espaço das razões, de onde não podemos sair. Uma consequência imediata: a primeira sentença da conclusão de Žižek ["A suspensão política do ético"] - "O que a inexistência do grande Outro indica é que todo edifício ético e/ou moral tem de estar fundado em um ato abissal, que é, no sentido mais radical que se possa imaginar, político" - não faz nenhum sentido no contexto hegeliano. Algo entendido por um agente como um ato "abissal" é uma ilusão, o pathos do heroísmo fajuto e autoengrandecedor, e o gesto pertence ao zoológico hegeliano com a Bela Alma, o Cavaleiro da Virtude e, especialmente, o Delírio da Presunção4444] Quando é descrito como o é, de maneira aparentemente aprobatória, por Žižek na 427/279, um verdadeiro ato badiouniano, o "Ato", é dito ser uma "simplificação violenta e radical [...] o momento mágico em que o infinito ponderar cristaliza-se em um 'sim' ou 'não'". "Mágico" é a palavra certa; próxima a mistificador e ininteligível. Estremece-se ao pensar quanto esses Atores narcisistas glorificaram o "infinito" cristalizando a si mesmo neles. (A ideia é supostamente que a fundação de uma nova ordem ética precisa ser por força "abissal", infundada e contingente (460/313), de que você não pode ter 1789 sem 1793 (319/163), e daí por diante. Mas isso é uma noção completamente não hegeliana do "novo" bem como do "contingente". [. E se o ato é "abissal", então a "política" significa apenas "poder", poder sustentado por nada a não ser decisão e vontade, igualmente contida por nada, a não ser decisão e vontade.

Para ver a relevância, pelo contrário, da conexão entre consciência de si e razão para o projeto de Žižek, nós precisamos nos voltar para sua longa e explícita discussão sobre Hegel.

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Nesse sentido, a virada pós-hegeliana para a "realidade concreta, irredutível à mediação conceitual", deveria ser lida de preferência como uma desesperada vingança póstuma da metafísica, como uma tentativa de reinstalar a metafísica, ainda que de uma forma invertida da primazia da realidade concreta4545] Žižek, Menos que nada, op. cit., p. 81. [.

Palavras mais verdadeiras jamais foram ditas em nome de Hegel. Ao explicar essa afirmação, Žižek levanta pontos relevantes sobre Hegel. Por exemplo, uma das coisas mais curiosas sobre a posição básica de Hegel é que ela pode resumida pela afirmação de que não há em sua filosofia uma posição positiva e independente. Ela consiste, antes, na correta compreensão das outras posições logicamente possíveis. Žižek capta esse aspecto de Hegel de maneira corretíssima4646] Idem, p. 237 ss. [ e diz coisas úteis sobre suas implicações. Além disso, o interesse de Žižek em Lacan o conduz para três outros aspectos de Hegel, que são bem importantes, embora frequentemente negligenciados tanto nas interpretações convencionais (o que Žižek chama de "apostila") como em reconstruções contemporâneas mais "atuais". Essa é a dimensão, em primeiro lugar, da "retroatividade" ou "retardamento" (Nachträglichkeit), ou o que Žižek descreve corretamente como a insistência de Hegel na lógica de um feito, pretensão ou evento do qual pode se dizer, retroativamente, que ele "põe seus pressupostos". (O significado de um sonho é constituído pelo relato; não é "recuperado". Um trauma torna-se o trauma que ele é retroativamente, por meio de sua interrogação.) Em Hegel, a noção é mais importante em sua explicação de descrições de ações e intenções. Não há causa retroativa literal; o que fizemos e por que fizemos torna-se o que são apenas depois do fato (depois de percebemos o que nos comprometemos a fazer; o que os outros reconhecem, ou não, como o que fizemos)4747] Todas as ações têm essas intenções ex ante, mas elas são provisórias até se verem realizadas em atos. Outro vasto tópico. Veja meu Hegel's practical philosophy, op. cit., cap. 6. [. Em segundo lugar, em uma afirmação parecida, Žižek leva bem mais a sério do que a maioria dos outros comentadores a tese incomum e a princípio paradoxal de que o espírito tem de ser entendido como um "produto de si mesmo". As discussões de Žižek sobre esses tópicos vão, a meu ver, ao ponto e são valiosas4848] Veja especialmente sua rejeição do "modelo orgânico" de mudança histórica hegeliana (272/116) e comentários tais como aqueles à 466/319. (Eu penso que a diferença entre necessidade natural e necessidade racional poderia ser bem mais clara nessas formulações. Tal como em relação às animadversions a "necessidade do contingente" e "autopoesis" na 467/320.) [. Além disso, por ele fazer justiça a esses temas, especialmente o último, ele pode, em terceiro lugar, rejeitar a imagem da ação histórica hegeliana tão familiar ao criticismo da Teoria Crítica, especialmente entre Adorno e adornianos. Essa é a imagem do Geist externalizando a si mesmo em seus produtos (sua "autonegação"), com isso alienado deles, até ele poder "voltar a si mesmo" em sua externalidade, negar essa alteridade, e assim reconciliar-se com si mesmo em uma identidade de si suspendida4949] Seguindo Marcos Müller, utilizo preferencialmente "suspender" para traduzir sublate quando se trata de uma referência ao conceito hegeliano de aufheben (N. do T.). [ (a negação da negação). Essa é, portanto, a imagem de Hegel como "a grande bocarra narcísica devoradora", devorando e negando a alteridade em um projeto maluco de se tornar tudo, a caricatural e grosseiramente injusta imagem tão apreciada por Adorno em seu desprezo de Hegel como o epítome do "pensamento da identidade"5050] Žižek, Menos que nada, op. cit., p. 145. [. No entanto, por mais certo que ele esteja em rejeitar essa caricatura, o retrato do próprio Žižek me parece ser por demais influenciado por seu próprio retrato de Lacan (para não mencionar o Schelling intermediário) e, portanto, em meio a essas possibilidades bastante abstratas, não deixa a verdadeira alternativa hegeliana emergir, especialmente no que diz respeito ao problema da razão (o "grande Outro" de Hegel) e a sociabilidade (eticidade, outra versão do grande Outro hegeliano, "razão realizada").

Podemos resumir esse problema Hegel-Lacan relembrando a extraordinária afirmação de Hegel (e, alguém poderia dizer, lacaniana) de que o Geist é uma "ruptura" ou "ferida", mas autoinfligida (i.e., é um resultado; não um rasgo ontológico no tecido do ser enquanto tal), e que o Geist pode curar, sem deixar "cicatrizes"5151] Hegel, G. W. F. Aesthetics: lectures on fine arts. Trad. T. M. Knox. Oxford: Oxford University Press, 1975, p. 8. Veja também a Phenomenology, §669/Fenomenologia, §669. [. (Um pensamento de modo algum freudiano. Muito mais precisa ser dito sobre a noção hegeliana de reconciliação do que seria possível aqui.) Mais genericamente, ingressar no domínio da significação, no espaço do sentido, é para Hegel necessariamente ao mesmo tempo entrar no espaço das razões por conta do caráter profundamente social dos significados: circulam em uma economia social mais ampla, uma economia sempre de pretensões, rejeições, contestação, lutas e resoluções (feridas autoinfligidas), não apenas uma economia pessoal ou libidinal. E essa é uma economia profundamente histórica, uma economia não capturável em uma metapsicologia mítica/arquetípica limitada a uma ontogênese primordialmente individual5252] Nada nesse quadro precisa ser qualificado, mesmo se admitimos que também é o caso de que qualquer dessa significação produza seu "excesso", seu "resto" imediato e disruptivo. Isso pode ser, mas esse é outro problema em relação às práticas humanas significantes, não todo o problema. [.

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Isso nos leva, em outras palavras, à questão mais prática e "crítica", tal como Žižek a coloca, sobre "como ser hegeliano hoje em dia", se é possível e quais as implicações da interpretação de Žižek do conceito que ele coloca no centro do hegelianismo - uma realidade fenomenológica "autonegadora" ou "lacunar". Com tal ontologia como pano de fundo, a filosofia deve ser o próprio tempo apreendido no pensamento. Nosso tempo ainda é o tempo do capitalismo burguês e suas instituições centrais: propriedade privada, repúblicas comerciais, instituições jurídicas baseadas nos direitos individuais, a privatização da religião e o ideal de tolerância religiosa, amor romântico, casamentos baseados no amor, famílias nucleares, e a (suposta) separação entre Estado e sociedade civil. O que a "compreensão de pensamento" - nesse caso, pensamento "dialético" - "compreende"?

Um ponto de partida geral para esse hegelianismo partilhado por Žižek e a maioria dos "hegelianos": comprometimento com a historicidade das normas, mas sem relativismo histórico, tal como se estivéssemos presos dentro de suposições específicas de onde não somos capazes de sair. O "universal" para Hegel - cujo nome mais claro seria "liberdade" - é sempre acessível de algum modo, mas como "universal concreto", um universal modulado por tempo e lugar, parcial e incompleto, requisitando interpretação e reinterpretação e progressão dialética. Por exemplo, se quisermos entender por que a divisão sexual do trabalho tornou-se uma norma de muito menor credibilidade no último terço do século XX, e exclusivamente nas repúblicas comerciais do Ocidente tecnologicamente avançadas, adotamos uma perspectiva hegeliana quando nos damos conta de quão implausível seria insistir que a injustiça de tal princípio da divisão do trabalho, e as razões para rejeitar essa prática, estava disponível desde o começo das tentativas humanas de justificar suas práticas, e foi "descoberta" em algum momento do começo do século XVII. E, no entanto, nosso compromisso com essa rejeição é bem mais forte do que "um novo desenvolvimento de como levamos as coisas". A prática passada é irracional e injusta, por mais historicamente enraizado que o "apelo" de tal pretensão seja.

Žižek propõe defender um Hegel para quem qualquer afirmação da racionalidade histórica (como essa) seja sempre retrospectiva, nunca prospectiva e preditiva, e considerando esse Hegel "aberto", ele está certo. (Muito frequentemente passa despercebido que a famosa afirmação de Hegel de que a coruja de Minerva só alça voo ao alvorecer, que a filosofia pode começar a pintar com sua paleta apenas quando uma forma de vida envelheceu, significa que ele está anunciando que a forma de vida "compreendida pelo pensamento" na Filosofia do Direito já envelheceu, está morrendo, e apenas por conta disso pode ser compreendida. Não é a imagem que alguém proporia se estivesse tentando nos convencer de que chegamos a uma utopia da realização da razão5353] Žižek, Menos que nada, op. cit., p. 106. [.) Além disso, a dimensão retrospectiva é bem importante. Somente depois da influência histórico-mundial do cristianismo, a filosofia grega passou a parecer incapaz de oferecer os recursos para explicar aquilo que por fim se tornou a "interioridade cristã", ou subjetividade, e portanto uma visão muito diferente da ação. Não há nenhum Espírito do Mundo controlando as marionetes nesse quadro.

Mas a alternativa à "sombra de materialismo dialético" tem de ter certo "idealismo dialético". Isso significa que não existem "contradições materiais"5454] Eu não vejo nada no que Žižek disse que contrarie a tradicional insistência de que qualquer pretensão sobre uma tal contradição material não poderia estar pretendendo nada, não seria uma pretensão sobre nada. O argumento me parece: tanto pior para a lógica que haja essas contradições. No entanto, isso não resolve a dificuldade. Veja Charles Taylor, "Dialektik Heute, oder: Strukturen der Selbstnegation". In: Hegels Wissenschaft der Logik: Formation und Rekonstruktion. Ed. D. Henrich. Stuttgart: Klett-Cotta, 1986, pp. 141-53. [. Contradições resultam de auto-oposições em uma ação ou prática dirigida por um sujeito. Isso pode acontecer na forma de "contradições performativas" em um ato de fala ou contradições práticas em meio à ação. (Hobbes nos confere um ótimo exemplo da última: no estado de natureza, o resultado da soma de todas as ações otimamente racionais do ponto de vista individual - o ataque mútuo preventivo - é o pior possível. Os agentes contradizem a si mesmos ao agir de modo racional.) Pela suposição da existência de uma subjetividade coletiva (Geist), podemos mostrar que algumas práticas institucionais de uma forma de vida "contradizem", pelos meios que escolhe racionalmente, os fins gerais perseguidos de maneira genuína pela mesma sociedade. E isso depende daquilo que se pode ou não mostrar; se pode ser dito de uma forma social subsequente que ela atinge exitosa o que uma forma social anterior estava buscando, ou não: ou seja, negação determinada, crítica interna, todos os desideratos hegelianos. (A divisão sexual do trabalho veio a ser entendida como inconsistente com o ideal já existente de igual proteção legal [igualdade perante a lei] e mobilidade social meritocrática, em um tempo em que mudanças na tecnologia da produção e a necessidade de muito mais trabalhadores no melhor período de prosperidade econômica na história tornaram isso possível.)

Porém estaríamos suficientemente longe da forma histórica particular ("morta") da sociedade burguesa que Hegel acreditou ter compreendido, e poderíamos afirmar que nossa própria forma de vida está "envelhecendo" (ou se tornando disfuncional) perante nossos olhos, a ponto de podermos perguntar: qual é a explicação hegeliana do colapso da distinção entre Estado e sociedade civil para ele tão crucial, a desintegração dos Stände, ou estamentos, central para sua explicação da participação política, a emergência das sociedades de consumo de massa completamente dessemelhante a qualquer coisa na filosofia política de Hegel, as mudanças na tecnologia bélica que tornaram suicida a noção de uma guerra ocasional para nos chacoalhar de nossas complacências prosaicas (para não mencionar o fim dos exércitos voluntários), a criação de um sistema financeiro globalizado que torna obsoleta até mesmo a noção de "proprietários" de meios de produção, e assim por diante?

A resposta de Žižek não é surpreendente e levanta a maior de todas as questões, e que me parece insatisfatoriamente abordada. Como tantos outros, Žižek quer dizer que a sociedade burguesa é fundamentalmente autocontraditória, e eu tomo isso como significando "irreformável". Nós necessitamos de uma ordem ética completamente nova e isso significa "o Ato". A pretensão de racionalidade daquela sociedade é minada pela existência de um particular meramente contingente, um testa de ferro no topo, o monarca5555] O verdadeiro problema com a filosofia política de Hegel é a ausência de qualquer explicação da vontade política e das políticas de formação da vontade. A legislatura apenas afirma "o que já foi decidido". Veja o inestimável e negligenciado livro de Michael Beresford Foster, The political philosophies of Plato and Hegel. Oxford: The Clarendon Press, 1935. [. E, seguindo muitos outros autores, Žižek admite que a aporia do "populacho" (der Pöbel) de Hegel, aparentemente uma subclasse permanente dos pobres, é outra marca da irracionalidade fundamental da imagem hegeliana da eticidade (Sittlichkeit) moderna. Žižek concorda com a análise de um autor recente, Frank Ruda, e diz que Ruda "tem razão de interpretar as curtas passagens de Hegel sobre o populacho em sua Filosofia do Direito como um ponto sintomático de sua filosofia do direito como um todo, quiçá de seu sistema como um todo"5656] Žižek, Menos que nada, op. cit., p. 283. [. Em outros contextos, Žižek afirma que a cultura secular moderna e o capitalismo tardio produzem seu oponente, o fundamentalismo evangélico, por exemplo, para o qual não há Aufhebung, nenhum retorno a uma forma elevada da política burguesa e do capitalismo reformado. (Tudo isso da maneira lacaniana em que o que é reprimido é "criado" pelo próprio ato da repressão.)

Se esses interlúdios relativamente breves provam que a sociedade burguesa e o sistema capitalista de produção são na essência contraditórios (mesmo no sentido idealista esboçado acima), para os quais, portanto, apelos para reforma seriam tão absurdos quanto seria para Hobbes reivindicar permanecer num estado de natureza "reformado", é um tópico muito amplo para a presente discussão. Mas se a norma básica de tal sociedade é, de acordo com Hegel, algum estado institucionalmente seguro de status igualitário de reconhecimento, com atenção política direta às condições materiais (familiares, culturais e econômicas) para essa igualdade, ou alguma ideia igualitária de liberdade (ninguém pode ser livre a menos que todos o sejam), eu não vejo razão para concordar com Žižek. O fato de haver uma vontade política cada vez mais fraca, por exemplo, nos Estados Unidos em favor de qualquer atenção ao bem comum (mesmo escolas públicas estão se tornando alvo de uma extrema direita cada vez mais poderosa) é muito provavelmente uma patologia que precisa de explicação5757] Quando Žižek dá a sua lista "do que Hegel não pode pensar" (qualificada por um número de sugestões "sim, mas [...]"), consistindo em tais coisas como repetição, o inconsciente, luta de classes, diferença sexual, e assim por diante (455/307). Eu não vejo motivo para pensar que Hegel teria qualquer problema com tais temas e questões a mais do que ele tem para fornecer análises e diagnoses de várias patologias individuais e sociais. Elas não são suas questões. Uma praga pode arruinar completamente a vida ética de algumas comunidades e ela pode permanecer arruinada por séculos. Assim o pode fazer um consumismo cada vez mais histérico e frenético; assim o pode o que pode ser a espiral da morte do capitalismo (veja David Harvey. The enigma of capital and the crises of capitalism. Oxford: Oxford University Press, 2010, e assim o pode o começo de uma catástrofe ambiental de séculos de duração. [. Talvez nós precisemos da ajuda de lacanianos para fazê-lo (apesar de Hegel se dar por satisfeito com meramente apontar o risco e a irracionalidade dos nacionalistas românticos de seus dias), mas esse grande sonho dos sociais-democratas de todos os lugares - "Suécia 1960!" - não parece ser algo que inevitavelmente produza sua Desrazão irracional e irreconciliável, ou seu Outro. Mais advogados para os pobres no Texas, creches acessíveis, sistema de saúde universal, menos porta-aviões, maior controle dos trabalhadores sobre as próprias condições de trabalho, bancos regulados, quiçá nacionalizados, são extensões razoáveis desse ideal burguês, por mais doente, e com frequência até mesmo tresloucada, em que a sociedade moderna burguesa tenha se tornado. (O caso Citizens United não foi um resultado logicamente inescapável da lógica capitalista. Ele foi o resultado do desvario de vários juízes lunáticos. Nós somos a única democracia capitalista avançada na Terra que permite suborno legítimo.) Mas isso são tópicos para outro contexto (e um palanque). Encerro com uma reflexão no espírito žižekiano.

***

Žižek oferece duas imagens, uma literária e outra cinematográfica, para nos ajudar a entender a ginástica dialética envolvida em sua tentativa de reatulizar Hegel para propósitos contemporâneos. A primeira diz respeito ao problema da "reconciliação" hegeliana, e o exemplo é o misterioso e comovente final do romance Desonra, de J. M. Coetzee5858] Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. [. Žižek invoca a estrutura básica que ele usa ao longo de todo o seu livro a fim de tornar a "negatividade" inteligível. David Lurie parece ter negado o status quo, o grande Outro da prudência, a confiança na polícia, a crença na responsabilidade dos indivíduos por seus atos e na obrigação de corrigirem malfeitos a outros (justiça), porque se deu conta da inadequação dessa fé ante a realidade vigente na África do Sul pós-apartheid. Tudo isso é "negado" por meio de ele simplesmente fazer tudo o que está ao seu alcance para minimizar o sofrimento de cachorros sacrificados, satisfazendo-se com o gesto de se responsabilizar por uma morte digna. Isso, infelizmente, não é exatamente um caminho para a reconciliação. Ele parece ter aceitado a aquiescência culpada de sua filha em relação à cumplicidade de seu vizinho em seu estupro e internalizado isso de seu modo, como o preço que alguém tem de pagar para continuar a viver com alguma "dignidade ética" (expressão de Žižek) na África do Sul. No mundo de inexorável cumplicidade nos crimes sul-africanos, a perda de tudo é uma "aposta" de que "essa perda total seja convertida em algum tipo de dignidade ética"5959] Žižek, Menos que nada, op. cit., p. 170. [.

Porém as alegações de Žižek de que "falta alguma coisa" nesse desfecho, algum gesto de insubordinação e revolta que pudesse ser chamado de "negação dessa negação", algum "um gesto repetitivo e quase imperceptível de resistência [...] uma pura figura da pulsão morta-viva"6060] Ibidem, p. 170. [, ou seja, uma Versagung, uma recusa, da negação inicial, ou primeira negação, que não nos faria retornar para o status quo ex ante, mas que originaria a realização do "estatuto fantasmático do objeto a (a moldura fantasiosa que sustentava o desejo do sujeito), de modo que a Versagung, que se iguala ao ato de atravessar a fantasia, abra espaço para a emergência da pura pulsão para além da fantasia [...]"6161] Ibidem, p. 171. [. A resposta natural a essa sugestão é que qualquer gesto que satisfaria o que Žižek procura pressuporia que tudo relacionado à posição original de David era uma "moldura fantasiosa", que não existe um grande Outro, e ao nos desvencilharmos dessa desilusão estaríamos em uma posição de abrir esse espaço para a emergência de uma pulsão "pura" para além da fantasia. Mas isso, justamente esse último preceito, soa como a própria fantasia romântica original de David: ser um servo byronista de Eros que pode ver através da hipocrisia e da falsa moralidade convencional do grande Outro. Essa é a fantasia da qual ele se desvencilha, porque seu gesto de generosidade completamente simbólica é a um só tempo tão afirmativo e dignificante quanto patético e limitado. Não existe um gesto žižekiano de insubordinação porque David viu através do perigoso autoengano de presumir que ele é "aquele que deveria saber". Seu auxílio a Bev em submeter os cachorros à eutanásia e cuidar de seus restos mortais se dá de um modo diferente daquele esperado por Žižek - uma "negação da sua primeira negação", uma recusa da mera aceitação de seu destino e do destino de sua filha. No último gesto do romance, ele "desiste" do cachorro que Bev esperava que ele salvasse, da mesma forma como se "entregou" ao seu destino e não o sofreu meramente. Por fim, dito de outro modo, não há nada mais não hegeliano do que a ideia da "emergência da pura pulsão para além da fantasia". O gesto de David significa que ele permanece o sujeito de suas pulsões, e não sujeitado a elas. A ideia de pulsões "puras" (de qualquer coisa "pura") pertence ao zoológico hegeliano mencionado anteriormente.

O segundo exemplo é do mesmo modo interessante. É Um corpo que cai, de Hitchcock. Aqui a ideia de uma negação, e de uma negação da negação, é mais fácil de rastrear. Scottie perde Madeleine, ou a mulher que ele pensava ser Madeleine; ela morre. Mas tudo não passou de um complô de Elster para matar a sua mulher. Madeleine não era Madeleine, mas Judy, uma mulher simples que Elster alistou para o complô. Quando Scottie descobre tudo isso, pode-se dizer que ele perdeu a própria perda, perdeu o significado de sua primeira perda. Ele não perdera Madeleine porque Madeleine era Judy. Ele descobriu a verdade amargamente irônica de que a mulher que ele estava tentando "disfarçar" para parecer uma falsa Madeleine era (é), na verdade, a Madeleine real, uma vez que sua Madeleine original era uma farsa. Assim, como em Desonra, o final ambíguo é: Scottie contemplando "o fundo do abismo", olhando para baixo onde Judy havia caído, ou um homem arruinado, desvencilhado de todas as idealizações e fantasias que sustentam o amor, ou um "novo" homem, libertado de suas ilusões e reconciliado com esse novo realismo. Žižek faz uso dessa estrutura para sugerir uma limitação por meio de uma "negação da negação" hegeliana: ambas as leituras de Scottie deixam escapar alguma coisa, compreendem o "antagonismo" em questão de maneira muito "formal" (o que eu chamei e defendi como "idealismo dialético"). Aqui Žižek insiste que nós precisamos fazer jus àquilo que permanece "fora" de ambas soluções, um "excesso", um "resto contingente", um "pequeno pedaço da realidade".

A explicação de Žižek parece chegar perto de reverter para um tipo de metafísica positivista, pseudorrealista que ele corretamente rejeitara. (Veja a citação no começo da seção II acima.) E a conversa de excesso e resto torna irrelevante o fato de Žižek não procurar alguma coisa que "simplesmente elude a mediação dialética", mas é um "produto dessa mediação"6262] Ibidem, p. 332. [. Tal excesso ou resto ainda funciona em sua crítica como "não mediado" e aquela noção permanece profundamente não hegeliana, pelas razões que tentei apresentar.

Porém há algo bem correto sobre a relevância da estrutura de Um corpo que cai para a tradição alemã tal como, acredito, Hegel a veria. Pois nessa tradição certamente há a noção da modernidade como "perda". Hölderlin e Schiller vêm à cabeça, e o luto pela "beleza" perdida do mundo grego pode certamente espelhar a tristeza de Scottie diante da versão perdida de Madeleine encarnada por Judy. Podemos dizer que Hegel se torna Hegel quando, para ele, essa perda foi perdida, aquela negação negada, por meio de uma visão mais prosaica dos feitos gregos. Ou seja, quando, sob a influência dos pensadores do iluminismo escocês, ele veio a perceber que não houve uma simples perda com o fim do ideal grego, e perder aquela noção de perda foi um ganho, na medida em que ele compreendeu o desenvolvimento da sociedade civil moderna e o erro de fantasiar a perda de uma harmonia mais natural6363] A explicação indispensável disso está em Laurence Dickey, Hegel: religion, economics, and the politics of spirit 1770-1807. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. [. A "Madeleine" parecida com Helena era na realidade "Judy" o tempo todo (isso confirma a insistência de Žižek de que a mediação hegeliana não resulta em uma "terceira" posição sintetizadora, mas na correta compreensão de um antagonismo entre a "negação" e a "negação da negação"). Isso pode ser até mesmo traduzido nos termos secularizados do cristianismo de Hegel - Madeleine era realmente Judy, ou Judy tornou-se exitosamente Madeleine para Scottie, gerando seu lamento: "por que você não pode apenas me amar por quem eu sou?" Toda "Judy" também é uma "Madeleine"; toda "Madeleine" é realmente uma "Judy" nessa visão igualitária e cristã.

Isso, evidentemente, é algo que Scottie não pode apreciar, e por razões também relevantes para Hegel. Pois a própria estrutura da aparição de Judy como Madeleine fora manipulada para vantagem de Elster, de um modo paralelo às pretensões ideologicamente distorcidas e falsas para atingir a igualdade nas sociedades burguesas contemporâneas ("trocas justas entre capital e trabalho no mercado"). A verdade da identidade foi arruinada, tornada uma inverdade, porque ela era encenada. O que Hegel pensara ser o maior feito da sociedade civil moderna - sua habilidade de educar (como Bildung) seus cidadãos para seu igual status e profunda dependência um em relação ao outro, e assim educá-los para as virtudes da civilidade e da confiança - tornou-se uma mentira (se é que alguma vez fora verdade), e os grandes magnatas e chefões como Elster conduzem essa Bildung de um modo completamente teatral, como no "teatro de Madeleine" montado para Scottie e para manipulá-lo. Ele não pode ser educado para a verdade da sentença especulativa "Judy é Madeleine"; essa essência é sua aparição, por conta dessa distorção. No mesmo sentido, as tentativas de Scottie de retransformar Judy em Madeleine, mais do que existir uma maneira de perceber que Judy já é Madeleine, revela-se tão manipulativo e tão reificante quanto as tentativas de Elster. (Outra identidade, mais deprimente: Scottie e Elster, criadores de uma Madeleine falsa.)

Isso impõe a questão de se sobrou algo na sociedade contemporânea que proporciona qualquer tipo de base material para as aspirações de Hegel sobre esses potenciais transformadores e educativos da sociedade civil moderna. É difícil não ser profundamente pessimista a esse respeito, mas a procura por esses possíveis "rastros da razão" parece uma perspectiva mais genuinamente hegeliana e ainda possível do que qualquer coisa que resulte de "Atos abissais"6464] A frase de Rüdiger Bübner em "What is critical theory?". In: Essays in hermeneutics and critical theory. Nova York: Columbia University Press, 1988. .

Recebido para publicação em 14 de maio de 2013.

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TRADUÇÃO DE RICARDO CRISSIUMA

  • [*] Texto originalmente publicado em Mediations: Journal of the Marxist Literary Group, vol. 26, n-º 1-2, 2012-2013 como resenha de Žižek, Slavoj. Less than nothing: Hegel and the shadow of dialectical materialism Londres: Verso, 2012, 1038 pp.
  • [6] Em uma discussão mais extensa, portanto mais cuidadosa, várias ressalvas seriam necessárias aqui. O caso da consciência perceptiva, enquanto aperceptiva, não é obviamente do mesmo tipo lógico do que um juízo, uma pretensão empírica de conhecimento, e seria necessário maior cuidado para dar conta do papel da espontaneidade. Mas a consciência perceptiva não é meramente capacidade diferencial de resposta e isso é o que precisamos para o problema da "negatividade". Veja minha discussão sobre a questão em "Brandom's Hegel", European Journal of Philosophy, vol. 13, n-º 3, 2006, pp. 381-408.
  • [11] Hegel, G. W. F. The phenomenology of Spirit. Trad. Terry Pinkard. <http://terrypinkard.weebly.com/phenomenology-of-spirit-page.html>, p. 14 (§16) [ed.
  • [17] Hegel, G. W. F. Science of logic. Trad. A.V. Miller. Londres: George Allen and Unwin, 1977, p. 515.
  • [18] Rödl, Sebastian. Self-consciousness. Cambrigde, MA: Harvard University Press, 2007, pp. 17-64.
  • [22] Não é paradoxal porque não há um momento original de autocriação [self-origination]. Alguém que sempre já veio a ser por alguma posição da posição de si está sempre se tornando quem se é. Eu penso que é isso o que Hegel quer dizer alegando, em suas Lições sobre a história da filosofia, que "não se pode começar com a unicidade [oneness] e passar para a dualidade", citado por Žižek (470/326), mas antes com "o inerente autodistanciamento do próprio Uno" (471/326). Existe muito mais a ser falado sobre esse problema. Para discussões de pequenos aspectos desses pontos, veja capítulos 3 e 4 de Hegel's idealism: the satisfactions of self-consciousness (Cambridge: Cambrigde University Press, 1989) e capí
  • tulo 3 de Hegel's practical philosophy: rational agency as ethical life (Cambridge: Cambrigde University Press, 2008).
  • [25] Uma das afirmações e defesas mais conhecidas da condição de "transparência" é o Authority and estrangement: an essay of self-knowledge (Princeton: Princeton University Press, 2000) de Richard Moran.
  • [28] No entanto, a consciência é para si mesma seu conceito, e como resultado ela vai imediatamente para além da restrição, e, como essa restrição pertence a si mesma, ela também vai além de si mesma. (Phenomenology 76 [§80]/ Fenomenologia 76 [§80]). Aqui está a formulação "lógica" da questão da assim chamada Fenomenologia de Berlim: o eu é agora essa subjetividade, essa relação infinita consigo mesmo, mas aí, a saber nessa subjetividade, jaz sua relação negativa consigo mesmo, cisão, diferenciação, julgamento. O eu julga, e isso o constitui como consciência; ele repele a si mesmo de si mesmo; isso é uma determinação lógica. G.W.F. Hegel: The Berlin phenomenology. Trad. M. Petry. Dordrecht: Riedel, 1981, p. 2.
  • [34] Robert Brandom, Making it explicit: reasoning, representing, and discursive commitment. Cambridge, MA.: Harvard University Press, 1994.
  • [35] Em termos kantianos, o papel da razão pode ser dito emergir em qualquer tentativa de conduzir uma vida "justificada" (e, portanto, livre), procurar sempre a "condição" para qualquer coisa "condicionada". Veja minha discussão sobre esse tópico sobre Kant em Hegel on self-consciousness: Desire and death in the Phenomenology of spirit. Princeton: Princeton University Press, 2011, pp. 55-8.
  • [37] Henrich, D. Between Kant and Hegel. Ed. D. S. Pacini . Cambridge, MA: Harvard University Press, 2008.
  • [40] Fichte, G. "Second Introduction to the Wissenschaftslehre". In: The science of knowledge with the first and second introductions. Ed. e trad. P. Health e J. Lachs. Cambridge: Cambridge University Press, 1970, p. 33.
  • [41] Idem, Introductions to the Wissenschaftslehre and other writings. Trad. e ed. Daniel Breazeale. Indianapolis: Hackett, 1994, p. 59;
  • idem. "Segunda introdução à doutrina da ciência". In: Gil, F. (coord.). Recepção da Crítica da razão pura; antologia de escritos sobre Kant (1786-1844) Trad. Fernanda Portela. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992.
  • [42] Idem. Foundations of transcendental philosophy (Wissenschaftslehre nova methodo). Trad. e ed. Daniel Breazeale. Ithaca: Cornell University Press, [1796-1799] 1992, pp. 105-6.
  • [51] Hegel, G. W. F. Aesthetics: lectures on fine arts. Trad. T. M. Knox. Oxford: Oxford University Press, 1975, p. 8.
  • [54] Eu não vejo nada no que Žižek disse que contrarie a tradicional insistência de que qualquer pretensão sobre uma tal contradição material não poderia estar pretendendo nada, não seria uma pretensão sobre nada. O argumento me parece: tanto pior para a lógica que haja essas contradições. No entanto, isso não resolve a dificuldade. Veja Charles Taylor, "Dialektik Heute, oder: Strukturen der Selbstnegation". In: Hegels Wissenschaft der Logik: Formation und Rekonstruktion. Ed. D. Henrich. Stuttgart: Klett-Cotta, 1986, pp. 141-53.
  • [55] O verdadeiro problema com a filosofia política de Hegel é a ausência de qualquer explicação da vontade política e das políticas de formação da vontade. A legislatura apenas afirma "o que já foi decidido". Veja o inestimável e negligenciado livro de Michael Beresford Foster, The political philosophies of Plato and Hegel. Oxford: The Clarendon Press, 1935.
  • [57] Quando Žižek dá a sua lista "do que Hegel não pode pensar" (qualificada por um número de sugestões "sim, mas [...]"), consistindo em tais coisas como repetição, o inconsciente, luta de classes, diferença sexual, e assim por diante (455/307). Eu não vejo motivo para pensar que Hegel teria qualquer problema com tais temas e questões a mais do que ele tem para fornecer análises e diagnoses de várias patologias individuais e sociais. Elas não são suas questões. Uma praga pode arruinar completamente a vida ética de algumas comunidades e ela pode permanecer arruinada por séculos. Assim o pode fazer um consumismo cada vez mais histérico e frenético; assim o pode o que pode ser a espiral da morte do capitalismo (veja David Harvey. The enigma of capital and the crises of capitalism. Oxford: Oxford University Press, 2010,
  • [63] A explicação indispensável disso está em Laurence Dickey, Hegel: religion, economics, and the politics of spirit 1770-1807. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
  • [64] A frase de Rüdiger Bübner em "What is critical theory?". In: Essays in hermeneutics and critical theory. Nova York: Columbia University Press, 1988.
  • *
    ] Texto originalmente publicado em
    Mediations: Journal of the Marxist Literary Group, vol. 26, n-º 1-2, 2012-2013 como resenha de Žižek, Slavoj.
    Less than nothing: Hegel and the shadow of dialectical materialism. Londres: Verso, 2012, 1038 pp. [ed. bras.:
    Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013, 656 p.]
    [
  • 1
    ] Conferir os comentários de Žižek a respeito de Hegel e o capitalismo financeiro contemporâneo (p. 86). Talvez o resumo severo de Zadie Smith seja o melhor: os Estados agora "desregulamentam para privatizar os ganhos e re-regulamentam para nacionalizar as perdas". NYR Blog,
    [
  • 2
    ] Há uma afirmação clara e sóbria sobre o que nós, de um ponto de vista hegeliano, precisamos agora: "uma verdadeira ruptura do horizonte capitalista sem cair na armadilha de retornar à noção eminentemente pré-moderna de uma sociedade equilibrada e (auto)contida [...]" (p. 100). Mas quando ele avança para explicar a sua posição, o cerne se revela ser "o sujeito tem de reconhecer em sua alienação da substância a separação da substância de si mesma" (p. 101). Eu não fui capaz de compreender como isso nos ajuda a fazer aquilo que a sóbria afirmação afirma. Essa é uma questão que, adiante, reaparecerá frequentemente.
    [
  • 3
    ] A edição americana utilizada por Pippin nesta resenha é sensivelmente diferente da edição brasileira. Da tradução publicada pela Boitempo foram excluídos, sob orientação do autor, seis capítulos ("1. Vacillating the Semblances"; "2. Where there is nothing, read that I love you"; "3. Fichte's choice"; "8. Lacan as a reader of Hegel"; "9. Suture and Pure Difference"; "12. The foursome of terror, anxiety, courage... and enthusiasm") e três interlúdios ("4. Borrowing from the future, changing the past"; "5. Correlationism and its"; "6. Cognitivism and the loop of self positing"). Os cortes também implicaram uma reestruturação da divisão do livro, que não segue mais a tripartição - "a bebida antes", " a coisa em si" e "o cigarro depois" - a que se refere Pippin. [N. do T.].
    [
  • 4
    ] Várias sutilezas e qualificações são possíveis aqui. Eu não vejo porque alguém levaria (iii) seriamente. Eu incluiria "desconstrutivismo" em (iv) e não em (ii), reivindicaria mais categorias (pragmatismo, da variedade analítica (brandomiano), rortyano ou habermasiano; monismo anômalo; a fenomenologia ainda está viva em alguns cantos; a abordagem de Wittgenstein) e eu defenderia uma versão hegeliana do compatibilismo. Mas o que importa aqui é o que Žižek defende: sua própria posição.
    [
  • 5
    ] Žižek,
    Menos que Nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, op. cit., pp. 15-16.
    [
  • 6
    ] Em uma discussão mais extensa, portanto mais cuidadosa, várias ressalvas seriam necessárias aqui. O caso da consciência perceptiva, enquanto aperceptiva, não é obviamente do mesmo tipo lógico do que um juízo, uma pretensão empírica de conhecimento, e seria necessário maior cuidado para dar conta do papel da espontaneidade. Mas a consciência perceptiva não é meramente capacidade diferencial de resposta e isso é o que precisamos para o problema da "negatividade". Veja minha discussão sobre a questão em "Brandom's Hegel",
    European Journal of Philosophy, vol. 13, n-º 3, 2006, pp. 381-408.
    [
  • 7
    ] A "tese da incorporação", expressão dada pelo especialista em Kant Henry Allison, surgiu, como um tema explícito, relativamente tarde na obra de Kant (em
    A religião nos limites da simples razão [1793]) e afirma que "causas só me afetam na medida em que eu permito que elas me afetem". "Somente na medida em que eu as considero como motivos razoáveis para fazer algo" seria mais preciso, e as inclinações por certo me afetam causalmente (eu posso ser fortemente inclinado a fazer algo), apenas não se pode afirmar que elas produzam o movimento corporal, se esse movimento deve ser considerado uma ação. Não há muitos desses erros e deslizes, mas eles são irritantes quando ocorrem.
    A crítica da razão pura foi publicada em 1781, não em 1787 (p. 17); o famoso artigo de Henrich refere-se à "Fichtes ursprüngliche Einsicht", não à sua "Grundeinsicht" (p. 21). E (para mim a mais importante) o editor do jornal ao final de
    O homem que matou o facínora não diz "quando a realidade não se adequar à lenda, publique a lenda" (p. 272). Ele diz algo muito mais relevante para as preocupações de Žižek "Estamos no Oeste, senhor. Quando a lenda se torna um fato, publique a lenda."
    [
  • 8
    ] Eu digo "pareceria" a fim de reconhecer que, para Žižek, nós deveríamos dizer algo como a "substância" nega a si mesma, cria um tipo de "lacuna" e incompletude, e o "espaço" é o sujeito. (Mas em que sentido também poderia ser dito que o sujeito "substancializa a si mesmo"? Negar a si mesmo como sujeito apenas por ser substância?) De todo modo, Žižek não quer dizer que um sujeito seja apenas um tipo de propriedade da substância material. Eu penso que compreendo o que a lacuna ou o ponto de vista da negação de si significaria em termos freudianos - que a maturação natural mesmo biológica, ela mesma produz um sujeito dividido contra si mesmo, incapaz de perceber e satisfazer os processos primários -, mas isso é verdade somente em relação à substância humana, e eu não penso que isso seja o problema que os pós-kantianos estavam abordando e vou tentar dizer por que a seguir.
    [
  • 9
    ] Eu não tenho espaço para discutir a interessante leitura paralela de Žižek da substância-sujeito e id-ego exceptuando concordar com que em nenhum caso "
    wo es war, soll Ich werden" dá a ideia de uma apropriação racional do, ou de um controle sobre, ou simplesmente de uma reconciliação com o "
    nicht-Ich". Veja 389 ss/229 ss.
    [
  • 10
    ] Žižek, Slavoj.
    Tarrying with the negative: Kant, Hegel and the Critique of Ideology. Durham: Duke University Press, 1993. Idem,
    A visão em paralaxe. Trad. Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.
    [
  • 11
    ] Hegel, G. W. F.
    The phenomenology of Spirit. Trad. Terry Pinkard. <
    Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Menezes.Petrópolis: Vozes, 2003, p. 34 (§16).
    [
  • 12
    ] Uma visão nada desrazoada. Veja Fichte, G.
    Introductions to the Wissenschaftslehre and other writings. Trad. e ed. Daniel Breazeale, Indianapolis: Hackett, 1994, p. 84; Fichte, G. "Segunda introdução à doutrina da ciência". In: Gil, F. (coord.)
    Recepção da Crítica da razão pura
    : antologia de escritos sobre Kant (1786-1844). Trad. Fernanda Portela. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, p. 342.
    [
  • 13
    ] De acordo com Žižek (144/ s.c.), a única posição de Hegel é negar que precisemos de qualquer "terceiro termo" para fundar tanto o subjeito como o objeto. "[...] seu [de Hegel] ponto é precisamente que
    não há necessidade de um Terceiro elemento, o meio ou fundamento para além do subjeito e objeto-substância. Nós começamos com objetividade e o sujeito não é nada senão a automediação da objetividade". Mas isso é simplesmente idealismo objetivo e ainda não diferenciou o ponto de vista de Hegel, como tentarei mostrar.
    [
  • 14
    ] Žižek,
    Less than nothing, op. cit., p. 75. Sem correspondência com a tradução brasileira.
    [
  • 15
    ] Ibidem, p. 148.
    [
  • 16
    ] Cf. A pretensão de Žižek de que Marx e Freud só podem entender "antagonismo" como característica da realidade social ou física, de que eles são "incapazes de articulá-la como constitutiva da própria realidade, como a impossibilidade ao redor da qual a realidade é construída" (250/93). Estou com Marx e Freud (e, eu acho que, com Hegel) nesse ponto. Isso toca em um dos mais difíceis tópicos no livro, para mim, o que é anunciado pelo título, que a "realidade" é "menos que nada". A explicação oficial do título ocorre na página 495/348. Discuto aquilo que consigo entender desse conceito de como "subtrair do nada o/a próprio/a nada/(idade)" na última seção deste artigo.
    [
  • 17
    ] Hegel, G. W. F.
    Science of logic. Trad. A.V. Miller. Londres: George Allen and Unwin, 1977, p. 515. Essa citação sozinha me parece interditar a explicação dada por Žižek sobre a relação Kant-Hegel-apercepção (p. 130).
    [
  • 18
    ] Rödl, Sebastian.
    Self-consciousness. Cambrigde, MA: Harvard University Press, 2007, pp. 17-64.
    [
  • 19
    ] Cf. Rödl sobre um "conhecimento não empírico sobre a realidade material", p. 122. Veja também pp. 131, 133-4, 138.
    [
  • 20
    ] Dito de outro modo, a consciência de si que é uma condição necessária para qualquer ação ou pensamento humanos adverte em relação a um modo de alguém agir ou pensar, como que adverbialmente, e não envolve nenhuma autoinspeção. Veja meu
    Kant's theory of form. New Haven: Yale university Press, 1982, capítulo.6, pp. 151-87. Alguém faz o que faz, alguém está cônscio do que está cônscio, alguém pensa o que pensa, tudo
    sabendo [
    knowingly]. A propósito da discussão a seguir, cf. a formulação de Fichte na
    Wissenschaftslehre: "[...] o si e o ato revertendo a si são conceitos perfeitamente idênticos [...]" (p. 37) e "é a consciência imediata de que eu ajo [
    act] e de que eu atuo [
    enact]: é por meio disso que eu sei de algo porque eu o faço" (p. 38). Ou: "Sem consciência de si não há de todo consciência; mas consciência de si é possível somente na maneira indicada: eu sou simplesmente ativo" (p. 41).
    [
  • 21
    ] Žižek levanta o mesmo ponto ele mesmo, corretamente, ao meu ver, em um resumo abonador de Lukács (220/61). Veja também Hegel na
    Ciência da lógica: "O ponto mais importante para a natureza do espírito não é apenas a relação do que ele é em si mesmo para o que ele é efetivamente, mas a relação do que ele mesmo sabe ser com o que ele efetivamente é; porque espírito é essencialmente consciência, esse conhecimento de si é uma determinação fundamental da sua efetividade".
    Science of logic, p. 37.
    [
  • 22
    ] Não é paradoxal porque não há um momento original de autocriação [
    self-origination]. Alguém que sempre já veio a ser por alguma posição da posição de si está sempre se tornando quem se é. Eu penso que é isso o que Hegel quer dizer alegando, em suas
    Lições sobre a história da filosofia, que "não se pode começar com a unicidade [
    oneness] e passar para a dualidade", citado por Žižek (470/326), mas antes com "o inerente autodistanciamento do próprio Uno" (471/326). Existe muito mais a ser falado sobre esse problema. Para discussões de pequenos aspectos desses pontos, veja capítulos 3 e 4 de
    Hegel's idealism: the satisfactions of self-consciousness (Cambridge: Cambrigde University Press, 1989) e capí tulo 3 de
    Hegel's practical philosophy: rational agency as ethical life (Cambridge: Cambrigde University Press, 2008).
    [
  • 23
    ] Žižek,
    Menos que nada, op. cit., pp. 194-5.
    [
  • 24
    ] Ibidem, p. 227. E agora, em outros contextos - quando, por exemplo, ele está discutindo a "consciência de si" do Estado - Žižek me parece afirmar o ponto feito aqui exatamente do jeito que é feito aqui. Cf. 256 ss.
    [
  • 25
    ] Uma das afirmações e defesas mais conhecidas da condição de "transparência" é o
    Authority and estrangement: an essay of self-knowledge (Princeton: Princeton University Press, 2000) de Richard Moran. Veja também Rödl, op. cit., cap. 3.
    [
  • 26
    ] Esse tema, assim como todos os outros do parágrafo, é muito mais complicado do que esse resumo pode fazer jus. Sobre esse último ponto, os admiráveis filmes dos irmãos Dardenne tornam claro quanto mais pode ser dito sobre esse tema. Em todos os seus filmes, as personagens certamente aparentam tal como se estivessem agindo sem capacidade de dizer por quê. O que é especialmente interessante é que eles conseguem sugerir uma ligação entre essa opressiva opacidade e a fábrica do capitalismo tardio de desintegração da vida da classe trabalhadora. Eles integram esses elementos filosófico-psicológicos com os sociais harmoniosa e brilhantemente. Veja especialmente
    O filho (2002).
    [
  • 27
    ] Isso também é relevante para abordar como o modo que os animais têm representações é diferente do nosso. O deles é intencional à sua maneira, mas eles não têm o status de "cognições" da maneira que o nosso tem. Um cachorro pode ver uma figura humana bem de longe (a montante, vamos dizer) e, vendo uma pessoa desconhecida, começa a latir, somente para depois balançar o rabo na medida em que a pessoa conhecida que ela realmente é aparece a seus olhos. Mas o cachorro não se corrigiu. Aqui nós queremos dizer que uma sugestão da percepção promoveu uma resposta (que nós podemos mesmo chamar de resposta racional), e depois uma sugestão de percepção diferente (com mais detalhes de características visuais em vista) promoveu uma resposta comportamental diferente. A plenitude de ser, nós podemos dizer. (Eu nunca notei, por exemplo, que minha cachorra tenha alguma vez se mostrado embaraçada por ter feito um desses erros que ela possa corrigir. Isso não é como ela vê; ela vê uma série de sugestões, e depois vê uma outra. Isso seria um modo de dizer que ela não tem unidade de apercepção.)
    [
  • 28
    ] No entanto, a consciência é para si mesma seu conceito, e como resultado ela vai imediatamente para além da restrição, e, como essa restrição pertence a si mesma, ela também vai além de si mesma. (
    Phenomenology 76 [§80]/
    Fenomenologia 76 [§80]). Aqui está a formulação "lógica" da questão da assim chamada
    Fenomenologia de Berlim: o eu é agora essa subjetividade, essa relação infinita consigo mesmo, mas aí, a saber nessa subjetividade, jaz sua relação negativa consigo mesmo, cisão, diferenciação, julgamento. O eu julga, e isso o constitui como consciência; ele repele a si mesmo de si mesmo; isso é uma determinação lógica. G.W.F. Hegel:
    The Berlin phenomenology. Trad. M. Petry. Dordrecht: Riedel, 1981, p. 2.
    [
  • 29
    ] Essa é a formulação de Adrian Johnson em "Slavoj Žižek's Hegelian Reformation: giving a hearing to
    The parallax view".
    Diacritics, vol. 37, n-º 1, pp. 3-20. Algo como essa posição está disponível a Žižek se nós compreendemos o espaço do Simbólico (no seu sentido lacaniano) como o espaço do normativo e assim da razão. Veja sua interpretação do controverso comentário de Freud sobre "anatomia" sendo "destino", "em outras palavras, uma formulação simbólica", um destino que nós temos de fazer. (216/57-8)
    [
  • 30
    ] Não que essas descobertas não possam ser relevantes para a filosofia. Elas certamente são para Hegel. No §12 da
    Enciclopédia lógica, Hegel diz que a filosofia "deve seu desenvolvimento às ciências empíricas", e no comentário ao §246 da
    Filosofia da natureza, ele diz que a filosofia da natureza "pressupõe e é condicionada pela física empírica". Veja também o adendo ao §381 na Introdução à
    Filosofia do espírito. Essas passagens são relevantes para a questão que Žižek levanta em 458 e 462/308 e 315.
    [
  • 31
    ] Quando Žižek aborda esse tema, ele adota uma postura nietzschiana que me parece mal argumentada e viciada por uma petição de princípio. Que tipo de poder (ou autoridade) é esse que precisa justificar a si mesmo com referência aos interesses daqueles sobre quem elegoverna [
    rule], que aceita a necessidade de fornecer razões para seu exercício? Uma tal noção de poder não minaria a si mesma (429/281)? Ele se estende a ponto de chamar um tal regime de "antipolítico" e "tecnocrático". Mas apelos ao interesse próprio são apenas um tipo de razão, e as restrições introduzidas por um tal requerimento, se elas minam alguma coisa, minam a noção de dominação e governo. Eles não são pensados para estar a serviço de tais noções, mas substituem noções de autoridade.
    [
  • 32
    ] A angústia [
    anxiety] cética de que, com isso, nós trataremos o ser somente da maneira que ele é inteligível "pelas nossas luzes finitas" é a angústia ilusória que Hegel acredita ter destruído metodologicamente na
    Fenomenologia, a "dedução", tal como ele diz, do ponto de vista da
    Lógica. A angústia heideggeriana extraordinariamente influente de que isso tudo represente a "imposição" da vontade humana "por sobre" a questão do Ser é matéria para uma discussão à parte. Veja Heidegger,
    Nietzsche, op. cit., e meu "Heidegger on Nietzsche on Nihilism", no prelo.
    [
  • 33
    ] Žižek,
    Menos que nada, op. cit., p. 80.
    [
  • 34
    ] Robert Brandom,
    Making it explicit: reasoning, representing, and discursive commitment. Cambridge, MA.: Harvard University Press, 1994.
    [
  • 35
    ] Em termos kantianos, o papel da razão pode ser dito emergir em qualquer tentativa de conduzir uma vida "justificada" (e, portanto, livre), procurar sempre a "condição" para qualquer coisa "condicionada". Veja minha discussão sobre esse tópico sobre Kant em
    Hegel on self-consciousness: Desire and death in the Phenomenology of spirit. Princeton: Princeton University Press, 2011, pp. 55-8.
    [
  • 36
    ] É portanto o caso de que esse tipo de interpretação venha a significar um desacordo com a caracterização de Žižek do começo de tudo isso em Kant. Não é o caso de que Kant e os Idealistas tenham concebido o sujeito como uma "atividade espontânea [...] sintética, a força da unificação, de reunir o múltiplo dos dados sensíveis com os quais nós somos bombardeados em uma representação unificada dos objetos" (106/ s.c.). Veja também Žižek 149/ s.c. Esse certamente não era o caso de Hegel; veja seu
    Faith and knowledge. Trad. W. Cerf e H. S. Harris. Albany, N. Y.: SUNY Press, 1977, pp. 62-70 [ed. bras.: Hegel, G. W.
    Fé e saber. Trad. Oliver Tolle. São Paulo: Hedra, 2007. Também não é o caso de que "apercepção [...] muda o confuso fluxo de sensações em 'realidade', que obedece a leis necessárias". Em primeiro lugar, Kant diz com frequência que esse imposicionismo é exatamente a posição que ele rejeita, que daria ao cético o que ele quer (B 168). Veja também B 138, B160 n, e a passagem de "mesma função" em B105/A79. Em segundo lugar, não é o caso de essa atividade sintética "introduzir uma brecha/diferença na realidade substancial" (106/ s.c.). A negatividade ("não apenas ser") em questão é uma matéria da dimensão normativa da experiência aperceptiva e da ação. Alguém poderia, presumo, chamar isso de uma "brecha no ser", mas isso me parece mistificar tudo desnecessariamente.
    [
  • 37
    ] Henrich, D.
    Between Kant and Hegel. Ed. D. S. Pacini . Cambridge, MA: Harvard University Press, 2008.
    [
  • 38
    ] Uma característica inusual do livro de Žižek é essa forte confiança nas fontes secundárias selecionadas, "à risca", com poucas exceções (Lebrun é um dos quais ele discorda). Henrich, Malabou, Miller, Lebrun são aqueles em que ele se apoia mais fortemente.
    [
  • 39
    ] Eu apresento essa prova no capítulo 3 de
    Hegel's idealism.
    [
  • 40
    ] Fichte, G. "Second Introduction to the Wissenschaftslehre". In:
    The science of knowledge with the first and second introductions. Ed. e trad. P. Health e J. Lachs. Cambridge: Cambridge University Press, 1970, p. 33.
    [
  • 41
    ] Idem,
    Introductions to the Wissenschaftslehre and other writings. Trad. e ed. Daniel Breazeale. Indianapolis: Hackett, 1994, p. 59; idem. "Segunda introdução à doutrina da ciência". In: Gil, F. (coord.).
    Recepção da Crítica da razão pura
    ; antologia de escritos sobre Kant (1786-1844). Trad. Fernanda Portela. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992.
    [
  • 42
    ] Idem.
    Foundations of transcendental philosophy (
    Wissenschaftslehre nova methodo). Trad. e ed. Daniel Breazeale. Ithaca: Cornell University Press, [1796-1799] 1992, pp. 105-6.
    [
  • 43
    ] Isso é das notas de sua famosa resenha de
    Aenesidemus, em G. Fichte,
    Gesamtausgabe der Bayerischen Akademie der Wissenschaften. Ed. Reinhard Lauth e Hans Jacob. Stuttgart: Frommann-Holzboog, 1965, pp. 11, 1, 287. É importante apreender esse aspecto de Fichte corretamente a fim de evitar as afirmações que Žižek faz na 283/127, onde nós ouvimos de novo sobre o fenômeno da "autolimitação", a "incompletude da realidade fenomenológica" e o fundamento da liberdade na "incompletude ontológica da própria realidade". Na medida em que eu compreendo essas pretensões, elas são regressivas e dogmaticamente metafísicas como as "particularidades inefáveis".
    [
  • 44
    ] Quando é descrito como o é, de maneira aparentemente aprobatória, por Žižek na 427/279, um verdadeiro ato badiouniano, o "Ato", é dito ser uma "simplificação violenta e radical [...] o momento mágico em que o infinito ponderar cristaliza-se em um 'sim' ou 'não'". "Mágico" é a palavra certa; próxima a mistificador e ininteligível. Estremece-se ao pensar quanto esses Atores narcisistas glorificaram o "infinito" cristalizando a si mesmo
    neles. (A ideia é supostamente que a fundação de uma nova ordem ética precisa ser por força "abissal", infundada e contingente (460/313), de que você não pode ter 1789 sem 1793 (319/163), e daí por diante. Mas isso é uma noção completamente não hegeliana do "novo" bem como do "contingente".
    [
  • 45
    ] Žižek,
    Menos que nada, op. cit., p. 81.
    [
  • 46
    ] Idem, p. 237 ss.
    [
  • 47
    ] Todas as ações têm essas intenções
    ex ante, mas elas são provisórias até se verem realizadas em atos. Outro vasto tópico. Veja meu
    Hegel's practical philosophy, op. cit., cap. 6.
    [
  • 48
    ] Veja especialmente sua rejeição do "modelo orgânico" de mudança histórica hegeliana (272/116) e comentários tais como aqueles à 466/319. (Eu penso que a diferença entre necessidade natural e necessidade racional poderia ser bem mais clara nessas formulações. Tal como em relação às
    animadversions a "necessidade do contingente" e "
    autopoesis" na 467/320.)
    [
  • 49
    ] Seguindo Marcos Müller, utilizo preferencialmente "suspender" para traduzir
    sublate quando se trata de uma referência ao conceito hegeliano de
    aufheben (N. do T.).
    [
  • 50
    ] Žižek,
    Menos que nada, op. cit., p. 145.
    [
  • 51
    ] Hegel, G. W. F.
    Aesthetics: lectures on fine arts. Trad. T. M. Knox. Oxford: Oxford University Press, 1975, p. 8. Veja também a
    Phenomenology, §669/
    Fenomenologia, §669.
    [
  • 52
    ] Nada nesse quadro precisa ser qualificado, mesmo se admitimos que também é o caso de que qualquer dessa significação produza seu "excesso", seu "resto" imediato e disruptivo. Isso pode ser, mas esse é outro problema em relação às práticas humanas significantes, não todo o problema.
    [
  • 53
    ] Žižek,
    Menos que nada, op. cit., p. 106.
    [
  • 54
    ] Eu não vejo nada no que Žižek disse que contrarie a tradicional insistência de que qualquer pretensão sobre uma tal contradição material não poderia estar pretendendo nada, não seria uma pretensão sobre nada. O argumento me parece: tanto pior para a lógica que haja essas contradições. No entanto, isso não resolve a dificuldade. Veja Charles Taylor, "Dialektik Heute, oder: Strukturen der Selbstnegation". In: Hegels
    Wissenschaft der Logik: Formation und Rekonstruktion. Ed. D. Henrich. Stuttgart: Klett-Cotta, 1986, pp. 141-53.
    [
  • 55
    ] O verdadeiro problema com a filosofia política de Hegel é a ausência de qualquer explicação da vontade política e das políticas de formação da vontade. A legislatura apenas afirma "o que já foi decidido". Veja o inestimável e negligenciado livro de Michael Beresford Foster,
    The political philosophies of Plato and Hegel. Oxford: The Clarendon Press, 1935.
    [
  • 56
    ] Žižek,
    Menos que nada, op. cit., p. 283.
    [
  • 57
    ] Quando Žižek dá a sua lista "do que Hegel não pode pensar" (qualificada por um número de sugestões "sim, mas [...]"), consistindo em tais coisas como repetição, o inconsciente, luta de classes, diferença sexual, e assim por diante (455/307). Eu não vejo motivo para pensar que Hegel teria qualquer problema com tais temas e questões a mais do que ele tem para fornecer análises e diagnoses de várias patologias individuais e sociais. Elas não são suas questões. Uma praga pode arruinar completamente a vida ética de algumas comunidades e ela pode permanecer arruinada por séculos. Assim o pode fazer um consumismo cada vez mais histérico e frenético; assim o pode o que pode ser a espiral da morte do capitalismo (veja David Harvey.
    The enigma of capital and the crises of capitalism. Oxford: Oxford University Press, 2010, e assim o pode o começo de uma catástrofe ambiental de séculos de duração.
    [
  • 58
    ] Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
    [
  • 59
    ] Žižek,
    Menos que nada, op. cit., p. 170.
    [
  • 60
    ] Ibidem, p. 170.
    [
  • 61
    ] Ibidem, p. 171.
    [
  • 62
    ] Ibidem, p. 332.
    [
  • 63
    ] A explicação indispensável disso está em Laurence Dickey,
    Hegel: religion, economics, and the politics of spirit 1770-1807. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
    [
  • 64
    ] A frase de Rüdiger Bübner em "What is critical theory?". In:
    Essays in hermeneutics and critical theory. Nova York: Columbia University Press, 1988.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014
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