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Por Dentro do Campo: uma Narração Reflexiva dos Estudos Críticos em Políticas Públicas

Resumo

Este artigo objetiva apresentar uma narração dos Estudos Críticos em Políticas Públicas ( Critical Policy Studies ) como uma escola de pensamento que se constrói, reflexivamente, dentro do próprio campo de estudos em políticas públicas, consolidando-o e pluralizando-o. Esta abordagem, embora pouco conhecida no Brasil, representa cada vez mais um caminho alternativo e consistente de estudos, que se distingue pela assunção da centralidade da linguagem como principal dimensão de análise nos processos de políticas públicas; pela escolha da interpretação como método; tendo os argumentos como principal material de pesquisa e o pós-positivismo como propósito. Metodologicamente, este artigo foi construído por meio de revisão narrativa da literatura, adotando, como ponto de partida, o fórum de discussão sobre “o que é crítico?”, publicado em 2016, pela Revista Critical Policy Studies e o próprio Handbook of Critical Policy Studies (Fischer, Torgerson, Durnová, & Orsini, 2016). Em cinco seções, narramos a conformação dos Critical Policy Studies passando, sobretudo, pelas abordagens interpretativista e argumentativa, buscando estabelecer diálogos férteis com analistas, burocratas, gestores e pesquisadores deste campo de estudos. Bem como com todos aqueles interessados em enfrentar os desafios da produção de outras narrativas e do desenvolvimento de novos processos de investigação e de ensino, com o objetivo de tornar os estudos em políticas públicas mais diversos e mais condizentes com a realidade brasileira. Concluímos que, paradoxalmente, a pluralidade – disciplinar, epistemológica, metodológica, teórica e temática – que caracteriza o desenvolvimento do campo de estudos em políticas públicas, no Brasil, ainda não se traduz, necessariamente, em políticas públicas mais participativas, inclusivas e democráticas. Nesse sentido, acreditamos que o esforço de contribuir para a introdução desta literatura no campo brasileiro não apenas pressupõe a adoção de uma postura de pesquisa crítico-reflexiva, como também representa um primeiro passo em direção à adoção de práticas mais democratizantes no campo das políticas públicas.

campo de políticas públicas; estudos críticos em políticas públicas; pós-positivismo; argumentação; interpretação

Abstract

This article aims at presenting a narrative of Critical Policy Studies as a school of thought that is built, reflexively, within the Policy Studies field, consolidating and pluralizing it. This approach, although little known in Brazil, represents, increasingly, an alternative and a consistent path of studies, that distinguishes itself by assuming the centrality of language as an unit of analysis in policy processes; choosing interpretation as a method; taking the arguments as the main research material and post-positivism as its purpose. Methodologically, this article has been built through a narrative review of the literature and it adopted, as a starting point, the discussion forum on “what is critical?”, published in the Critical Policy Studies Review (2016 edition), and the Handbook of Critical Policy Studies itself (Fischer, Torgerson, Durnová & Orsini, 2016). In five sections, we narrate the development of Critical Policy Studies School passing, mainly, through interpretative and argumentative approaches, seeking to establish fertile dialogues with analysts, bureaucrats, managers and researchers. As well as with all those interested in facing the challenges of producing other narratives and developing new research and teaching processes in this field of studies, with the objective of making the Policy Studies field more diverse and more consistent with the Brazilian reality. We conclude that, paradoxically, the plurality - disciplinary, epistemological, methodological, theoretical and thematic - that characterizes the development of the Policy Studies field, in Brazil, still falls short of meaning more participatory, inclusive and democratic public policies. In this sense, we believe that the effort to contribute to the introduction of this literature in the Brazilian Policy Studies field not only presupposes the adoption of a critical-reflexive research stance, but also represents a first step towards the adoption of increasingly democratizing practices in the Policy field.

policy field critical policy studies; postpositivism; argumentation; interpretation

Introdução

O campo de estudos em políticas públicas vive um momento fértil no Brasil. Por um lado, um número crescente de estudiosos vem desencadeando importantes diálogos teórico-metodológicos com outros campos disciplinares ou interdisciplinares, produzindo um conjunto cada vez mais plural e interessante de estudos aplicados em políticas públicas; por outro, estes mesmos diálogos ainda são pontuais em percorrer caminhos reflexivos, com dificuldades de retorno ao campo em questão, o que pode acabar por frear seu necessário processo de expansão e de aprofundamento. Por caminhos reflexivos compreendemos, sobretudo, os esforços de narração da história e da estruturação do campo em si, já iniciados por autores como Brasil e Capella (2016)Brasil, F. G., Capella, A. C. N. (2016). Os Estudos das Políticas Públicas no Brasil: passado, presente e caminhos futuros da pesquisa sobre análise de políticas. Revista Política Hoje, 25(1), 71-90. Recuperado de https://bit.ly/3tTxe6D
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, Capella (2006)Capella, A. C. N. (2006). Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, (61), 25-52. Recuperado de https://bit.ly/3w5FW3p
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, Farah (2016)Farah, M. F. (2016). Análise de políticas públicas no Brasil: de uma prática não nomeada à institucionalização do “campo de públicas”. Revista de Administração Pública, 50(6), 959-979. doi:10.1590/0034-7612150981 , Faria (2003)Faria, C. A. P. (2003). Ideias, Conhecimento e Políticas Públicas: um inventário sucinto das principais vertentes analíticas recentes. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(51), 21-30. doi:10.1590/S0102-69092003000100004 e Souza (2006)Souza, C. (2006). Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, 8(16), 20-45. doi:10.1590/S1517-45222006000200003 , bem como as iniciativas voltadas à pluralização do policy field a partir da inclusão de novos atores, novas temáticas ou agendas de pesquisa e novas abordagens teórico-metodológicas nos estudos em políticas públicas. É o caso de Rebecca Abers, Marcelo Kunrath Silva e Luciana Tatagiba (2018), em seu recente trabalho sobre as relações entre movimentos sociais e políticas públicas ou, ainda, das pesquisas desenvolvidas acerca dos repertórios de interação estado-sociedade (Abers, Serafim & Tatagiba, 2014), do ativismo institucional ( Abers & Tatagiba, 2015)Abers, R. N., Tatagiba, L. (2015). Institutional Activism: Mobilizing for Women's Health from Inside the Bureaucracy. In F. Rossi, M. Von Bülow, Social movement dynamics: new perspective on theory and research from Latin America (pp. 73-101). Londres: Ashgate. e do ativismo burocrático no campo ambiental ( Abers, 2019)Abers, R. N. (2019, maio). Bureaucratic Activism: pursuing environmentalism inside the Brazilian State. Conference of the Latin American Studies Association, Boston, MA. . Nessa mesma direção apontam os trabalhos de Roberto Pires (2017)Pires, R. R. C. (2017). Implementando desigualdades? Introdução a uma agenda de pesquisa sobre agentes estatais, representações sociais e (re)produção de desigualdades. Boletim de Análise Político-Institucional, 13, 7-14. Recuperado de https://bit.ly/3tWBIJB
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sobre a reprodução de desigualdades nas agendas de pesquisa acerca de agentes estatais e representações sociais e os trabalhos reunidos na obra “Teoria e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil”, organizada por Lotta (2019)Lotta, G. (Org.). (2019). Teoria e análises sobre implantação de políticas públicas no Brasil. Brasília: ENAP. , de que são exemplo os textos de Gomes (2019)Gomes, S. (2019). Sobre a viabilidade de uma agenda de pesquisa coletiva integrando implementação de políticas, formulação e resultados. In G. Lotta (Org.), Teoria e análises sobre implantação de políticas públicas no Brasil (pp. 39-65). Brasília, DF: Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). , Koga, Viana, Camões e Filgueiras (2019) e Spink e Burgos (2019)Spink, P. K., Burgos, F. (2019). Os limites da abordagem de implementação: vulnerabilidade urbana a partir do outro lado da rua. In G. Lotta (Org.), Teoria e análises sobre implantação de políticas públicas no Brasil (pp. 99-125). Brasília: ENAP. .

Esse conjunto de esforços aponta para uma crescente busca por novidades teóricas, epistemológicas e metodológicas dentro de um campo de estudos e práticas que já não se limita mais às amarras iniciais da policy orientation proposta por Harold Lasswell (1951)Lasswell, H. (1951). The Policy Orientation. In D. Lerner, H. Lasswell, The Policy Sciences (pp. 3-15). Stanford: Stanford University Press. , em sua primeira versão. Desenvolvida inicialmente sob a declarada influência do pragmatismo ( Lasswell, 1951Lasswell, H. (1951). The Policy Orientation. In D. Lerner, H. Lasswell, The Policy Sciences (pp. 3-15). Stanford: Stanford University Press. , 1971Lasswell, H. (1971). A Pre-View of Policy Sciences. Nova York: Elsevier. ), esta primeira versão caracteriza-se por assumir uma compreensão fortemente estadocêntrica das políticas públicas, como também: por defender a primazia da racionalidade instrumental, por assumir a dissociação entre valor e fato, por realizar um forte apelo à multidisciplinaridade, por propor uma compreensão das políticas públicas em ciclos ou etapas e por defender que a projetação de soluções para os problemas públicos se dê por processos de decomposição linear a ser realizada por especialistas ( policymakers ) tecnicamente preparados para tal tarefa ( Lasswell, 1951Lasswell, H. (1951). The Policy Orientation. In D. Lerner, H. Lasswell, The Policy Sciences (pp. 3-15). Stanford: Stanford University Press. , 1960Lasswell, H. (1960). Technique of Decision Seminars. Midwest Journal of Political Science, 4(3), 213-236. doi:10.2307/2108975 , 1968Lasswell, H. (1968). Policy sciences. International Encyclopedia of the Social Sciences, 12, 181-189.doi:10.1007/s11077-017-9291-3
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, 1970Lasswell, H. (1970). The Emerging Conception of the Policy Science. Policy Sciences, 1, 3-14. doi:10.1007/BF00145189 , 1971Lasswell, H. (1971). A Pre-View of Policy Sciences. Nova York: Elsevier. ).

Da policy orientation de Lasswell (1951)Lasswell, H. (1951). The Policy Orientation. In D. Lerner, H. Lasswell, The Policy Sciences (pp. 3-15). Stanford: Stanford University Press. para cá, o campo de estudos em políticas públicas teve a sua arquitetura e suas possibilidades de ação radicalmente alteradas, resultando em um campo marcado pela pluralidade. De fato, diante de uma arquitetura cada vez mais complexa, começaram a emergir, já nas décadas sucessivas à Lasswell, os primeiros esforços de interpretação dos desenvolvimentos do campo, dentre os quais destacamos os de Bernstein (1976)Bernstein, R. J. (1976). The Restructuring of social and political Theory. New York: Harcourt Brace Jovanovich. , Capano e Giuliani (1996)Capano, G., Giuliani, M. (1996). Dizionario di politiche pubbliche. Roma: Carocci. , De Leon (1988), De Leon e Martell (2006), Dye (1972)Dye, T. (1972). Understanding Public Policy. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. , Faria (2003)Faria, C. A. P. (2003). Ideias, Conhecimento e Políticas Públicas: um inventário sucinto das principais vertentes analíticas recentes. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(51), 21-30. doi:10.1590/S0102-69092003000100004 , Heclo (1972) e Regonini (2001)Regonini, G. (2001). Capire le politiche pubbliche. Bolonha: Il Mulino. . Para compreender um pouco mais tal pluralidade, importante para posteriormente situarmos os objetivos deste artigo, recorreremos a três diferentes imagens: uma primeira monocêntrica, já descrita anteriormente, que representa o início do campo, tendo sido descrita, basicamente, pelo próprio Lasswell; uma segunda, tricêntrica, que representa uma das suas leituras possíveis da arquitetura do campo entre os anos de 1970 e 1980; e uma terceira, policêntrica, que é representativa de uma leitura possível do campo, no começo dos anos 2000 ( Boullosa, 2018Boullosa, R. F. (2018, junho). A história do estudo das políticas públicas a partir do pragmatismo. Colóquio Crítica e Pragmatismo nas Ciências Sociais: diálogos entre Brasil e França, Brasília, DF. ; Regonini, 2001Regonini, G. (2001). Capire le politiche pubbliche. Bolonha: Il Mulino. ).

Nesta linha de raciocínio por imagens, é possível dizer que a arquitetura que emerge nos anos 1980 – relativa à imagem tricêntrica – parece ser consequência de três diferentes polos criados até então. Um primeiro, o mais amplo e mais consolidado – razoavelmente fiel aos princípios lasswellianos – desenvolveu-se dentro de um racionalismo mais estreito, fortemente marcado pela influência da filosofia analítica, aproximando-se cada vez mais da economia e da inteligência artificial. Mas por ser fiel, também, à dissociação entre fato e valor, continua a reafirmar a centralidade do estado e, metodologicamente, declara-se cada vez mais empiricista. Um segundo (menos consolidado) que, embora reconhecesse as políticas públicas ( policy ) como um objeto distinto da política ( politics ), criticava o excesso de racionalidade instrumental na definição dos problemas públicos e no desenho de suas soluções, buscando alternativas mais inclusivas do ponto de vista das referências teóricas e aproximando-se de uma compreensão mais normativa dos processos de políticas públicas. Aqui se destacam o incrementalismo e os primeiros estudos sobre burocracia ( Dahl & Lindblom, 1953Dahl, R., Lindblom, C. (1953). Politics, Economics, and Welfare: Planning and Politico- Economic Systems Resolved into Basic Social Processes. Londres: Harper & Row. ; Easton, 1965Easton, D. (1965). Framework for Political Analysis. Englewood Cliffs: Prentice Hall. ; Lindblom, 1959Lindblom, C. (1959). The science of “muddling through”. Public Administration Review, 19(2), 79-88. Recuperado de https://bit.ly/31nOm8c
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; Wildavsky, 1979)Wildavsky, A. (1979). Speaking Truth to Power. The Art and Craft of Policy Analysis. Boston: Little Brown. . E um terceiro polo, ainda em preliminar desenvolvimento, que se caracteriza por apresentar críticas ainda mais contundentes ao racionalismo-empiricista, ancorando-se em discordâncias epistemológicas em torno do próprio conceito de conhecimento e de seus processos de produção. Esse centro advogava, principalmente, pela repolitização dos processos de políticas públicas, enfatizando que todo conhecimento estaria implicado em quadros valorativos específicos e que a finalidade das políticas públicas deveria estar direcionada à democratização da gestão da sociedade e de seus problemas ( Bernstein, 1971, 19Bernstein, R. J. (1971). Praxis and Action: Contemporary Philosophies of Human Activity. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press. , 1976Bernstein, R. J. (1976). The Restructuring of social and political Theory. New York: Harcourt Brace Jovanovich. ; Dye, 1972Dye, T. (1972). Understanding Public Policy. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. ; Heclo, 1972; Lindblom, 1979Lindblom, C. (1979). Still muddling, not yet through. Public Administration Review, 39(6), 517-526. doi:10.2307/976178 ; Rein & Schön, 1977Rein, M., Schön, D. (1977). Problem Setting in Policy Research. In C. H. Weiss, Using Social Research in Public Policy Making (pp. 235-51). Lexington: D.C. Heath. ; Tribe, 1972Tribe, L. H. (1972). Policy Science: Analysis or Ideology? Philosophy & Public Affairs, 2(1), 66-110. ; Weiss, 1972)Weiss, C. H. (1972). Evaluation Research: Methods for Assessing Program Effectiveness. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. . A terceira configuração do campo, além de ser mais densa, passava a acolher e a permitir o desenvolvimento de novos quadros analíticos, etiquetas ( labels ), teorias, abordagens ou escolas responsáveis pela ampliação daquela primeira versão lasswelliana.

Para conformar a terceira imagem do campo, recorreremos à italiana Gloria Regonini (2001)Regonini, G. (2001). Capire le politiche pubbliche. Bolonha: Il Mulino. , uma das autoras que mais avançam na proposição de uma classificação do campo por escolas. Sua proposta emerge a partir do cruzamento entre as categorias prescritiva e descritiva, de um lado, e normativa e empírica, de outro. Como resultado, classifica os movimentos de construção do campo em quatro macroescolas: a escola racional ( rational policy analysis ), a da investigação de políticas públicas ( policy inquiry ), a dos ciclos ( policy making studies ) e a da escolha pública ( public choice ). Sua classificação por escolas, que consideramos como polos de atração para o desenvolvimento de novas abordagens e teorias, nos ajuda a construir uma terceira imagem do desenvolvimento do campo de estudos em políticas públicas no começo da primeira década dos anos 2000. Isso pois Regonini (2001)Regonini, G. (2001). Capire le politiche pubbliche. Bolonha: Il Mulino. mesmo direcionando seus esforços de classificação somente para o que ela chama de tradição mais racionalista, reconhece que esta não abarca todas as possibilidades emergentes, porque ela mapeia três “novas” (p. 89) abordagens que negariam tal tradição, identificadas como: pós-positivista, pragmatista e argumentativa, mas que, justamente por isto, ela preferia deixar sem classificação ( Regonini, 2001Regonini, G. (2001). Capire le politiche pubbliche. Bolonha: Il Mulino. ).

Em perspectiva, portanto, a primeira imagem do campo, que nasceu fortemente monocêntrica, apresentou-se, três décadas depois, em uma segunda imagem, tricêntrica, conformada por três diferentes polos de atração (com diferentes dimensões e forças). Duas décadas depois, transformou-se em uma terceira imagem ainda mais plural, conformada por pelo menos cinco polos distintos, se incluirmos o polo “sem-classificação” de Regonini (2001)Regonini, G. (2001). Capire le politiche pubbliche. Bolonha: Il Mulino. . Destes cinco polos, porém, quatro se desenvolveram a partir dos dois maiores presentes na imagem anterior, enquanto o quinto associava-se diretamente ao terceiro e menor polo da segunda imagem ( Boullosa, 2018Boullosa, R. F. (2018, junho). A história do estudo das políticas públicas a partir do pragmatismo. Colóquio Crítica e Pragmatismo nas Ciências Sociais: diálogos entre Brasil e França, Brasília, DF. ; Regonini, 2001Regonini, G. (2001). Capire le politiche pubbliche. Bolonha: Il Mulino. ). E é justamente sobre este último polo, desde o começo de difícil classificação, que este artigo se debruça, buscando ajudar a compreender melhor seu desenvolvimento e sua arquitetura interna do que já há algum tempo acabou sendo chamado de estudos críticos em políticas públicas (Fischer, Torgerson, Durnová & Orsini, 2016). Foi assim denominado por causa da aproximação com a Teoria Crítica de base habermasiana e também porque se apresenta, desde sempre, como uma alternativa à tradição racional-empiricista.

Para narrar a história dos estudos críticos em políticas públicas ( Critical Policy Studies ) e para contribuir com sua difusão no campo brasileiro de estudos em políticas públicas, realizamos uma revisão narrativa da literatura ( Rother, 2007Rother, E.T. (2007). Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta paulista de enfermagem, 20(2), v-vi. doi:10.1590/S0103-21002007000200001 ) a partir de dois loci teóricos principais: (a) o fórum de discussão proposto pelo décimo volume da revista Critical Policy Studies , que amplia uma discussão iniciada na 9ª Conferência Internacional em Análise Interpretativa de Políticas Públicas, em Wageningen, em 2014, sobre “O que é crítico?” (Fischer, Braun, & Plehwe, 2016); e (b) o próprio Handbook of Critical Policy Studies (Fischer, Torgerson, Durnová, & Orsini, 2016), um manual com foco exclusivo em abordagens críticas em políticas públicas – sejam elas culturais, históricas, pós-estruturais, construtivistas, argumentativas, interpretativas etc. – que objetiva reunir e apresentar o estado da arte dos estudos críticos em políticas públicas a partir de 25 ensaios que, atentos a pressupostos tradicionais e inovadores, chamam atenção para a necessidade urgente de mais democracia e de maior adequação às diferentes realidades, bem como na produção de conhecimento sobre e par a políticas públicas.

A partir dos seis artigos publicados no Fórum da Critical Policy Studies , em 2016, mapeamos sessenta obras escritas por 54 autores. Com este mapa em mãos, debruçamo-nos sobre os autores mais referenciados, o que nos fez chegar a uma lista encabeçada por nomes como Frank Fischer, David Howarth, Antonio Gramsci, Jürgen Habermas, Jennifer Dodge, Terry Eagleton, Max Horkheimer, Bruno Latour e Karl Marx, por exemplo. Mais interessados, porém, no desenvolvimento dos Critical Policy Studies e não na Teoria Crítica em si, detivemo-nos nos autores que dialogam mais diretamente com o campo de estudos em políticas públicas, o que nos fez conferir maior atenção a pesquisadores como Fischer, Habermas, Dodge e Howarth. A esses somamos aqueles que contribuíram para o Handbook of Critical Policy Studies , com destaque para a obra do próprio Frank Fischer – que remonta ao livro The Argumentative Turn on Policy Analysis and Planning ( Fischer & Forester, 1993Fischer, F., Forester, J. (1993). The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning. Londres: Duke University Press. ) -, mas também, para os ensaios de Anna Durnová, David Howarth e Steven Griggs, Douglas Torgerson, Dvora Yanow, Kathrin Braun, Raul Lejano, Ricardo Fabrino Mendonça e Vivien Schmidt. Por fim, adotamos a técnica “bola de neve” ( snowball sampling ) utilizando os capítulos do manual como base, isso nos legou um conjunto de aproximadamente cinquenta obras e 32 autores vinculads ao nascimento ou ao desenvolvimento da abordagem dos Critical Policy Studies . Neste artigo, nossas reflexões, análises, resultados e conclusões derivam desse conjunto bibliográfico plural, que dialoga com a teoria crítica habermasiana, mas que adota novos marcos teóricos, caminhos metodológicos múltiplos, estruturas de análise complexas e materiais de pesquisa diversos, tendo a linguagem como elemento singularizante.

Olhando em retrospectiva e a partir da linguagem, autores como David Edelman (1971)Edelman, M. (1971). Politics as Symbolic Action. Nova York: Academic Press. , Richard Bernstein (1971)Bernstein, R. J. (1971). Praxis and Action: Contemporary Philosophies of Human Activity. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press. , Laurence Tribe (1972)Tribe, L. H. (1972). Policy Science: Analysis or Ideology? Philosophy & Public Affairs, 2(1), 66-110. , Carol Weiss (1972)Weiss, C. H. (1972). Evaluation Research: Methods for Assessing Program Effectiveness. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. , Frank Fischer (1980)Fischer, F. (1980). Politics, Values and Public Policy: The Problem of Methodology. Boulder: Westview Press. , Callahan e Jennings (1983)Callahan, D., Jennings, B. (1983). Ethics, the Social Sciences, and policy analysis. Londres: Plenum Press. , Douglas Torgerson (1985)Torgerson, D. (1985). Contextual orientation in policy analysis: The contribution of Harold Lasswell. Policy Sciences, 18(3), 241-261. doi:10.1007/BF00138911 , Deborah Stone (1988)Stone, D. (1988). Policy Paradox and Political Reason. Glenview: Scott Foresman. , John Dryzek (1989Dryzek, J. (1989). Policy Sciences of Democracy. Polity, 22(1), 97-118. doi:10.2307/3234848 , 1990Dryzek, J. (1990). Discursive Democracy: Politics, Policy, and Political Science. New York: Cambridge University Press. ), Giandomenico Majone (1981Majone, G. (1981). Policy as Theories. Policy Studies Review Annual, 5(1), 15-26. , 1989Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. ), Frank Fischer e John Forester (1993); Donald Schön e Martin Rein (1994) e, mais recentemente, Mary Hawkesworth (1994)Hawkesworth, M. (1994). Policy Studies with a Feminist Frame. Policy Sciences, 27(3), 97-118. doi:10.1007/BF00999883 , Dvora Yanow (1996)Yanow, D. (1996). How does a policy mean? interpreting policy and organizational actions. Washington, DC: Georgetown University Press. ; Dvora Yanow e Peregrine Schwartz-Shea (2006), Ana Durnová e Philippe Zittoun (2010) e Rosana Boullosa (2013Boullosa, R. F. (2013). Mirando ao revés as políticas públicas: notas sobre um percurso de pesquisa. Pensamento & Realidade, 28(3), 68-86. Recuperado de https://bit.ly/39glymq
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, 2018Boullosa, R. F. (2018, junho). A história do estudo das políticas públicas a partir do pragmatismo. Colóquio Crítica e Pragmatismo nas Ciências Sociais: diálogos entre Brasil e França, Brasília, DF. ) assumiram o relevante desafio de adotar a reflexividade como elemento organizador de um novo modo de pensar e de fazer políticas públicas. Tal postura possibilitou a construção de uma base diferente de conhecimentos e de práticas e estabeleceu, inclusive politicamente, uma alternativa possível à tradição racional-empiricista. Este movimento apresentou, pelo menos, dois importantes reflexos: por um lado, impulsionou a construção de uma arena mais plural, em que outros agentes, até então invisibilizados, sentiram-se estimulados pelas novidades aportadas pelos estudos críticos; por outro, foi responsável pela própria consolidação do campo de estudos em políticas públicas como um campo científico, no sentido bourdiesiano ( Bourdieu, 1966Bourdieu, P. (1966). Champ intellectuel et projet créateur. Les Temps modernes, 246, 865-906. ).

Assim, o objetivo deste artigo é colaborar com a reconstrução reflexiva da história recente dos estudos críticos, como parte do campo de estudos em políticas públicas. Este esforço se diferencia dos precedentes por dois motivos principais, que podem ser lidos como objetivos específicos: em primeiro lugar, por situar o nosso olhar dentro do próprio campo de estudos em políticas públicas, buscando produzir uma narrativa que articule ambos os desenvolvimentos, o do campo e o dos estudos críticos. Isto aponta, em certa medida, para uma reconstrução da história do campo em si, bem como para nossa própria reconstrução como sujeitos inseridos neste campo. Depois, porque busca introduzir, no contexto brasileiro, a pluralidade temática e de abordagens de que os estudos críticos são representativos, lançando luz sobre a necessidade de ampliar o campo de estudos em políticas públicas.

Este artigo está estruturado em cinco partes, incluindo esta introdutória, que apresenta uma lacuna de pesquisa, os interlocutores e os objetivos, contextualiza o campo de estudos em políticas públicas e a emergência dos estudos críticos. A segunda parte dedica-se à formação da crítica à tradição racional-empiricista no embrionário campo de estudos em políticas públicas, com especial atenção às primeiras contradições e interditos, com críticas ao excesso de racionalidade instrumental que caracterizou a versão inicial da policy orientation . Na terceira parte, percorremos o caminho que leva às abordagens interpretativistas e argumentativas, a partir do que pode ser considerado como uma virada linguística em políticas públicas, com fortes reverberações sobre os planos da análise e da empiria. E, por fim, apresentamos a construção dos Estudos Críticos em Políticas Públicas ( Critical Policy Studies ) como uma escola de estudos em políticas públicas que reúne um conjunto considerável de abordagens que assumem a dimensão do poder nas estruturas mais profundas da linguagem, a saber: os argumentos e os valores. Resultante de uma forte reflexividade crítica, tais estudos desnaturalizam os processos de significação e evidenciam os quadros normativos que, em constante disputa, validam os significados construídos. Com isto, concluímos problematizando algumas das potencialidades de tal “etiqueta” no contexto brasileiro, particularmente no que concerne o ensino de graduação em políticas públicas.

A emergência da crítica à tradição racional-empiricista no começo da formação do campo de estudos em políticas públicas

A ideia de que as políticas públicas pudessem constituir-se como um campo de estudos já nasceu sob críticas contundentes. A mais combativa delas começou a ser delineada no final dos anos 1960, a partir dos esforços de construção de novos fundamentos teórico-analíticos para além dos contornos inicialmente propostos por Harold Lasswell (1951Lasswell, H. (1951). The Policy Orientation. In D. Lerner, H. Lasswell, The Policy Sciences (pp. 3-15). Stanford: Stanford University Press. , 1960Lasswell, H. (1960). Technique of Decision Seminars. Midwest Journal of Political Science, 4(3), 213-236. doi:10.2307/2108975 ) e posteriormente influenciados pela filosofia analítica (Boullosa, 2019). Naquele momento prevaleciam os modelos cientificistas, fortemente enraizados na economia, que tentavam explicar a sociedade, seus problemas e os caminhos para solucioná-los de modo racional-linear. Ao lado desta crença, porém, estudiosos e praticantes de políticas públicas começavam a duvidar de tal racionalidade que nunca chegara efetivamente a resolver, como prometido, os principais problemas públicos com os quais a sociedade já estava cansada de lidar. Além de cada vez mais complexos e transversais, muitos problemas transbordavam a dimensão local e alguns ultrapassavam, inclusive, as fronteiras nacionais, como era (e ainda é) o caso do problema da pobreza urbana ( Fischer, 1998Fischer, F. (1998). Beyond Empiricism: policy inquiry in post positivist perspective. Policy Studies Journal, 26(1), 129-146. doi:10.1111/j.1541-0072.1998.tb01929.x /2016a; Jennings & Callahan, 1983; Tribe, 1972Tribe, L. H. (1972). Policy Science: Analysis or Ideology? Philosophy & Public Affairs, 2(1), 66-110. ; Weiss, 1976).

Esta busca por novos fundamentos inspirava-se em autores que já vinham chamando atenção para a existência de diferentes tipos de racionalidade para além da econômica, problematizando, ainda que em diferentes medidas e fora do campo de estudos em políticas públicas, a dimensão discursiva e normativa das relações sociais. Estes autores expunham as disputas entre os modelos de racionalidade por meio de instrumentos de poder e controle. Dentre os trabalhos que conformaram tal base crítica citamos os de Stephen Toulmin (1950Toulmin, S. (1950). An Examination of the Place of Reason in Ethics. Nova York: Cambridge University Press. , 1958Toulmin, S. (1958). The Uses of argument. Nova York: Cambridge University Press. ) sobre lógicas e campos de argumentação (importantes, sobretudo, por reafirmarem o argumento como unidade fundamental de análise das relações sociais e políticas); de Hannah Arendt (1958/2007) sobre os limites da condição humana, bem como da dimensão ética da vita activa (por chamar a atenção sobre a necessidade de desnaturalizar processos que são assumidos como óbvios na estruturação e na reprodução das sociedades e de seus valores); de Jürgen Habermas (1962/1994, 1973/1976) sobre racionalidade, linguagem e comunicação (por terem estabelecido uma ponte entre as ciências sociais, a investigação normativa e, posteriormente, as políticas públicas, no contexto da teoria crítica); de Michel Foucault (1966Foucault, M. (1966). Les mots et les choses. Paris: Gallimard. , 1970Foucault, M. (1970). L’ordre du discours. Paris: Gallimard. , 1975Foucault, M. (1975). Surveiller et Punir. Paris: Gallimard. ) sobre poder, dispositivos de coerção e sociedade (por chamar atenção, principalmente, para o fato de que o poder não emana apenas de autoridades governamentais ou de instituições, mas está impregnado nos próprios dispositivos ou, mais precisamente, nos discursos); e os de Pierre Bourdieu (1966Bourdieu, P. (1966). Champ intellectuel et projet créateur. Les Temps modernes, 246, 865-906. , 1976Bourdieu, P. (1976). Le champ scientifique: Actes de la recherche en sciences sociales. Paris: Ed. du Seuil. ) sobre as relações de poder inerentes ao campo científico e às condições de produção do conhecimento (por introduzir conceitos relevantes como prática, habitus e campo científico).

Ancorados nas discussões sobre outras racionalidades, novos trabalhos, que se aproximavam do campo de estudos em políticas públicas – por afinidade ou por oposição – ou que já estavam inseridos nele, começaram, nos anos 1970, a evidenciar os limites das policy sciences . Richard Bernstein (1971Bernstein, R. J. (1971). Praxis and Action: Contemporary Philosophies of Human Activity. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press. , 1976Bernstein, R. J. (1976). The Restructuring of social and political Theory. New York: Harcourt Brace Jovanovich. ), filósofo estadunidense, ofereceu uma contribuição importante ao problematizar, primeiro, a relação entre praxis e ação e, posteriormente, as possibilidades analíticas oferecidas pela linguagem, pela fenomenologia e pela teoria crítica. Assumindo Karl Marx e Friedrich Hegel como backgrounds , Bernstein (1971)Bernstein, R. J. (1971). Praxis and Action: Contemporary Philosophies of Human Activity. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press. discute a praxis a partir dos conceitos de ação e consciência (Søren Kierkegaard), existência (Jean Paul Sartre), ação lógica (Charles S. Peirce) e conduta (John Dewey), chegando à crítica da filosofia analítica, que já vinha substituindo o pragmatismo clássico na cena acadêmica estadunidense desde o começo dos anos 1960 (Boullosa, 2019).

Com sensibilidade hermenêutica, a seleção de autores apresentada por Bernstein apontava, claramente, para a existência de outras racionalidades contrapostas à analítica-linear, trazendo esta discussão para o campo da Ciência Política, já que ele considerava as policy sciences como a própria concretização do projeto de racionalidade que ele tanto criticava. O apelo de Bernstein voltava-se para a assunção da “prática” como o lócus de construção de significados sociais. Sua obra seguinte (1976) propõe uma reestruturação das teorias social e política, apresentando e discutindo, filosoficamente, quatro novos caminhos de estudos: empiria, linguagem, fenomenologia alternativa e teoria crítica da sociedade. Com estas duas obras, em somente meia década, ele reorganizou os limites da filosofia para as ciências sociais e ofereceu algumas novas bases teórico-analíticas que viriam a ser rapidamente assumidas por um grupo de estudiosos em políticas públicas que começava a ganhar consistência. Mesmo nunca reconhecendo a independência do campo de estudos em políticas públicas, ele acaba por contribuir para a sua expansão.

Outra obra fundamental no processo de ampliação e de pluralização do campo de estudos em políticas públicas foi a do pesquisador e professor de Direito na Universidade de Harvard Laurence Tribe (1972)Tribe, L. H. (1972). Policy Science: Analysis or Ideology? Philosophy & Public Affairs, 2(1), 66-110. , sobretudo por evidenciar que caso houvesse, de fato, um campo específico de estudos em políticas públicas, este seria um campo em disputa. As críticas contundentes de Tribe marcam o início da construção do que chamamos de “contraditório” do campo, justamente por denunciarem de forma consistente a obediência do “novo” campo a “velhos” princípios – os princípios positivistas de transparência, verificabilidade empírica, objetividade e neutralidade. Ancorado nos trabalhos de Michel Foucault sobre instituições e poder, o autor insiste na correlação entre fato e valor e na explicitação dos conteúdos valorativos que subjazem à própria análise racional de políticas públicas – como, por exemplo, problematiza a subjetividade intrínseca ao que se entende por “ganho” ou “melhoria” (Tribe, 1972). Com isto, ele defendia que não era mais possível ignorar que toda ação se projeta sob e sobre um quadro de valores específico.

É importante ressaltar, porém, que, ao duvidar da existência de um campo, Tribe (1972)Tribe, L. H. (1972). Policy Science: Analysis or Ideology? Philosophy & Public Affairs, 2(1), 66-110. não nega a importância das políticas públicas como objeto de estudo. Ao contrário, ele critica suas bases por considerá-las demasiadamente limitantes e, portanto, equivocadas. Para este autor, a ciência das políticas públicas não deveria estar direcionada aos problemas (ou resultados), mas aos processos; e, nesse sentido, o policymaker não deveria estar preocupado em responder perguntas pré-formuladas, mas em moldar alternativas sequer concebidas, desafiando, inclusive, os valores postulados pelos tradicionais tomadores de decisão. Para Tribe (1972)Tribe, L. H. (1972). Policy Science: Analysis or Ideology? Philosophy & Public Affairs, 2(1), 66-110. , era o excesso de economicismo que alimentava a ilusão de que os policymakers seriam sujeitos capazes de maximizar, racionalmente, as satisfações coletivas. Sua crítica ecoava fortemente entre aqueles que não viam avanços na resolução dos principais problemas públicos, contradizendo, inclusive, avaliações que, paradoxalmente, mostravam bons resultados em termos de eficácia e eficiência, mas que não se sustentavam fora de seus específicos quadros de valores.

Ainda nos anos 1970, uma autora emerge com uma obra vigorosa sobre a importância dos valores e dos significados envolvidos em processos de políticas públicas. Carol Weiss (1972Weiss, C. H. (1972). Evaluation Research: Methods for Assessing Program Effectiveness. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. , 1979Weiss, C. H. (1979). The many meanings of research utilization. Public Administration Review, 39(5), 426-431. doi:10.2307/3109916 ), cientista social, aponta suas críticas e proposições para o campo da avaliação, desenvolvendo-o com um olhar que privilegia a explicitação dos quadros normativos que produzem os significados em tais contextos – por ela considerados como contextos de pesquisa. Diferentemente dos demais, a autora procura dialogar com referências que já faziam parte do campo de estudos em políticas públicas, como eram os casos dos trabalhos de Charles Lindblom, Robert Dahl e Aaron Wildavsky ( Dahl & Lindblom, 1953Dahl, R., Lindblom, C. (1953). Politics, Economics, and Welfare: Planning and Politico- Economic Systems Resolved into Basic Social Processes. Londres: Harper & Row. ; Lindblom, 1965Lindblom, C. (1965). The Intelligence of Democracy: decision making through mutual adjustment. Nova York: Free Press. ; Wildavsky, 1979)Wildavsky, A. (1979). Speaking Truth to Power. The Art and Craft of Policy Analysis. Boston: Little Brown. , que criticavam tanto a exclusividade da racionalidade linear, quanto a dissociação entre política e políticas públicas. Problematizando as tipologias de uso dos estudos em políticas públicas, particularmente das avaliações, Weiss (1972, 19Weiss, C. H. (1972). Evaluation Research: Methods for Assessing Program Effectiveness. Englewood Cliffs: Prentice-Hall. , 1979Weiss, C. H. (1979). The many meanings of research utilization. Public Administration Review, 39(5), 426-431. doi:10.2307/3109916 ) aprofunda a discussão sobre os significados envolvidos em tais estudos, trazendo para a crítica à tradição racional-empiricista a necessidade de se pensar novos caminhos para a ação consciente do burocrata.

Os esforços de Tribe e de Weiss apontam para o início da reflexividade do campo de estudos em políticas públicas para com o próprio campo, que começava a se pluralizar a partir da construção de visões contrapostas à racionalidade analítica dos estudos de policy . Marcando tal disputa, o trabalho escrito por Martin Rein e Donald Schön (1977), Problem setting in policy research , confere centralidade à configuração dos problemas e seus enquadramentos valorativos e critica a noção advogada por Lasswell (1951)Lasswell, H. (1951). The Policy Orientation. In D. Lerner, H. Lasswell, The Policy Sciences (pp. 3-15). Stanford: Stanford University Press. , defendendo que a análise de políticas públicas não pode ter a solução de problemas como principal objetivo. Para eles ( Rein & Schön, 1977Rein, M., Schön, D. (1977). Problem Setting in Policy Research. In C. H. Weiss, Using Social Research in Public Policy Making (pp. 235-51). Lexington: D.C. Heath. ), a finalidade da policy não reside na decisão, pois importam mais os processos criativos e a capacidade de refletir no decorrer da ação, imputando-lhes as dimensões de aprendizagem e emancipação sociais.

Richard Rose (1976)Rose, R. (1976). Disciplined Research and Undisciplined Problems. International Social Science Journal, 28(1), 99-121. Recuperado de https://bit.ly/2P3szjQ
https://bit.ly/2P3szjQ...
, cientista político inglês, também contribui com este movimento ao discutir a difícil relação entre cientistas sociais e policymakers evidenciada pelo crescente número de instituições mediadoras de tais grupos de atores ( think tanks e outros formatos de agência). Utilizando as metáforas da “pesquisa disciplinada” e dos “problemas indisciplinados”, o autor identifica os limites da pesquisa social aplicada, reforçando as lacunas de incerteza e de complexidade existentes entre a conformação dos problemas e o desenho das soluções de policy . Em outros termos, critica-se a apresentação de soluções técnicas reducionistas para problemas de uma sociedade que clamava por maior participação na resolução de suas próprias questões. Sem desconsiderar os problemas políticos, Rose (1976)Rose, R. (1976). Disciplined Research and Undisciplined Problems. International Social Science Journal, 28(1), 99-121. Recuperado de https://bit.ly/2P3szjQ
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foca suas preocupações nos problemas organizacionais e em como cada grupo de atores percebe o outro, apontando as dificuldades dos cientistas sociais em orientar seus achados de pesquisa para fins práticos, mas incentivando os policymakers a explicitarem os quadros de valor associados à compreensão dos problemas e da construção de alternativas de solução, em termos de políticas públicas. Um dos caminhos para sair deste impasse seria, justamente, a problematização dos quadros valorativos em que a política e as políticas públicas operariam.

Em meio a estas férteis contribuições, Frank Fischer (1980)Fischer, F. (1980). Politics, Values and Public Policy: The Problem of Methodology. Boulder: Westview Press. , cientista político estadunidense que viria a se tornar um dos principais representantes dos estudos críticos em políticas públicas, associa definitivamente as dimensões da política, dos valores e das políticas públicas. Apropriando-se da crítica habermasiana ao cientificismo racionalista, Fischer enfatiza a dimensão normativo-avaliativa do processo social de construção de conhecimento, defendendo que políticas públicas seriam quadros normativos em ação, carregados de valores e de um modo de ver e de conduzir a sociedade, refutando, de uma vez por todas, a tese da neutralidade. Para ele, seria a forte obsessão por esta pretensa neutralidade a responsável por impedir que os policymakers percebessem a indissociabilidade entre fato e valor. Enfatiza, por fim, que tal perspectiva se afastava muito do que já podia ser chamado de racional-empiricista, em uma evidente disputa pela construção, ainda inicial, das contradições e dos interditos do campo de estudos em políticas públicas. De alguma forma, sua obra sedimenta um caminho alternativo para a refundação das análises de políticas públicas e indica que o espaço para a crítica à tradição racional-empiricista estava politicamente posto.

Da crítica à tradição racional-empiricista às abordagens interpretativistas e argumentativas

Assim que os primeiros trabalhos de Habermas foram traduzidos para o inglês, encontraram grande receptividade entre autores que estavam em busca de novos percursos para o campo de estudos em políticas públicas, particularmente nos Estados Unidos ( Fischer, 1998Fischer, F. (1998). Beyond Empiricism: policy inquiry in post positivist perspective. Policy Studies Journal, 26(1), 129-146. doi:10.1111/j.1541-0072.1998.tb01929.x ; Fischer & Forester, 1987Fischer, F., Forester, J. (1987). Confronting Values in Policy Analysis: The Politics of Criteria. Nova York: Sage Pub. ). Entre as décadas de 1960 e 1970, Habermas, que naquele momento já se apresentava como o novo grande nome da Escola de Frankfurt, sob a influência do marxismo, construiu uma consistente crítica sobre o papel da ciência, problematizando inclusive os limites do capitalismo e apresentando o conceito de esfera pública (Habermas, 1974). As contribuições da teoria crítica de Habermas foram fundamentais para a formação da crítica à tradição racional-empiricista, mas foi o seu conceito de esfera pública – lócus de discussão e de construção de discursos – que mais contribuiu para a pavimentação de um novo caminho que assumia a centralidade da linguagem como a dimensão relacional mais importante entre os atores públicos. Habermas trazia, assim, as contribuições da virada linguística da filosofia (Wittgenstein, 1921/1968) para a teoria social, permitindo seus desdobramentos no campo de estudos em políticas públicas.

A virada linguística, rótulo popularizado pelos trabalhos de Richard Rorty (1967)Rorty, R. (Ed.). (1967). The Linguistic Turn: Essays in Philosophical Method. Chicago: University of Chicago Press. , consistiu neste novo olhar para a linguagem. Ao compreender as relações sociais como textos , os filósofos da virada linguística chamavam a atenção para as relações de poder e de modelagens da ação social subjacentes às suas estruturas. Isto permitiu, sobretudo pelos avanços do estruturalismo francês, problematizar matrizes de significado mais profundas – que modelariam, por sua vez, as matrizes mais superficiais, as únicas visíveis até então. Habermas também colaborou com esta virada enfatizando a dimensão da comunicação na linguagem, inclusive no que concerne a projetação da vida social democrática (Habermas, 1986) construída sobre o lugar ideal de fala. Ao eleger a racionalidade comunicativa como a ideal, Habermas defendia uma ciência engajada diferenciando a ação comunicativa (voltada para o processo decisório) da estratégica (voltada para a produção de decisões), o que conferia maior ênfase à dimensão normativo-avaliativa como organizadora da dimensão empírica.

Trazida para o campo de estudos em políticas públicas, a virada linguística permitiu o reconhecimento de novos materiais de pesquisa, incluindo os textos e seus análogos ( Taylor, 1971Taylor, C. (1971). Interpretation and the Sciences of Man. The Review of Metaphysics, 25(1), 3-51. ), como as comunicações verbais e não verbais durante encontros, os trechos de discursos políticos, as avaliações de políticas públicas, dentre outros, desencadeando importantes implicações metodológicas. Tudo isso influenciou diretamente no desenvolvimento não só de novos trabalhos, mas também de novas categorias classificatórias destes, como a narrativa, a discursiva, a interpretativa e a argumentativa – estas duas últimas encontram desdobramentos mais permanentes e consistentes no campo. Dentre os autores que começam a explorar a interpretação e a argumentação no cenário dos anos 1980, destacam-se os trabalhos de Jennings e Callahan (1983), John Forester (1987)Forester, J. (Ed.). (1987). Critical Theory and Public Life. Cambridge: The MIT Press. , Frank Fischer e John Forester (1987)Forester, J. (Ed.). (1987). Critical Theory and Public Life. Cambridge: The MIT Press. , Deborah Stone (1988)Stone, D. (1988). Policy Paradox and Political Reason. Glenview: Scott Foresman. , Mary Hawkesworth (1994)Hawkesworth, M. (1994). Policy Studies with a Feminist Frame. Policy Sciences, 27(3), 97-118. doi:10.1007/BF00999883 , Giandomenico Majone (1989)Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. , dentre outros.

Bruce Jennings foi um dos primeiros a introduzir o termo interpretativismo no estudo das políticas públicas. Em seu capítulo seminal “Ciências Sociais Interpretativas e análise de políticas públicas” (Jennings, 1983) ele defende a ênfase interpretativista em detrimento do domínio positivista, por ele considerado como uma página virada. Nesta nova direção, ele assume que o comportamento humano, as relações sociais e os artefatos simbólicos (linguagem, atos, objetos…) também seriam textos carregados de significados, tanto para os agentes que os constituem, como para aqueles que estão localizados fora do contexto de sua produção. Assim, não faria mais sentido idealizar um modelo único de análise de políticas públicas, pois seriam os significados que modelariam as fontes de produção textual em ações, intenções e convenções (bem como seriam, também, modelados por elas). Em seu interpretativismo, Jennings (1983)Jennings, B. Interpretative Social Science and Policy Analysis. In D. Callahan, B. Jennings. (1983). Ethics, the Social Sciences, and policy analysis . (pp. 3-36). Londres: Plenum Press. propõe, desse modo, a reorganização de categorias importantes – como contestabilidade, insight , criatividade, retórica e persuasão – e a discussão dos limites da pesquisa social, reorientando os estudos sobre o estilo e o ethos dos processos de governo, bem como sobre as relações entre cientistas sociais, policymakers e cidadãos.

Em suas obras, Jennings (1983)Jennings, B. Interpretative Social Science and Policy Analysis. In D. Callahan, B. Jennings. (1983). Ethics, the Social Sciences, and policy analysis . (pp. 3-36). Londres: Plenum Press. recorre com frequência a autores como Jürgen Habermas, Hannah Arendt, Richard Bernstein e Carol Weiss, mas também Anthony Giddens, Stephen Toulmin, Charles Taylor e Frank Fischer. Seguro de que os princípios do positivismo lógico e do empiricismo aproximavam-se do colapso, defende uma nova justificação epistemológica que não apenas enfatizasse as diferenças entre ciências naturais e ciências sociais, mas que também apontasse caminhos alternativos. Em diferentes momentos, ele examina em que medida a abordagem interpretativista poderia representar esse caminho, tornando-se um componente das análises de políticas públicas – em uma clara postura reflexiva em relação ao campo. O interpretativismo de Jennings (1983)Jennings, B. Interpretative Social Science and Policy Analysis. In D. Callahan, B. Jennings. (1983). Ethics, the Social Sciences, and policy analysis . (pp. 3-36). Londres: Plenum Press. já ecoava sobre o campo, alargando-o significativamente, mas, quando somado a novas contribuições provenientes da teoria crítica, projetou-se com ainda mais intensidade a partir da ênfase na dimensão política da análise de políticas públicas e na imprescindibilidade do engajamento democrático do analista.

Na obra organizada por John Forester (1987)Forester, J. (Ed.). (1987). Critical Theory and Public Life. Cambridge: The MIT Press. , Critical Theory and Public Life , explica-se, por meio de um conjunto variado de ensaios de diferentes autores, como a teoria crítica poderia e deveria ser aplicada a questões da chamada vida pública com base em uma ancoragem explícita nos trabalhos de Habermas, que também assina um dos capítulos. A primeira mudança importante, portanto, diz respeito à firme assunção de novos materiais de análise (os textos e as ações práticas) pautada na compreensão de que as estruturas visíveis nos significados sociais são construídas no curso de tais discursos e ações. Esta nova virada crítica transforma até mesmo categorias clássicas de análise, como “poder”, por exemplo, que passa a ser compreendido como um conjunto de relações estruturada em que diversos sujeitos, historicamente situados, constroem significados e possibilidades de ação ( Forester, 1987Forester, J. (Ed.). (1987). Critical Theory and Public Life. Cambridge: The MIT Press. ). Na essência, Forester propunha que uma verdadeira reorganização do campo (até então dominado pelas escolas da Análise Racional e da Escolha Racional) deveria passar pela desnaturalização dos processos de construção de conhecimento, inclusive no que concerne à própria linguagem utilizada na análise de políticas públicas.

Este movimento ascendente de estudiosos interessados na perspectiva interpretativista afirma-se, definitivamente, com a publicação da coletânea Confronting Values In Public Policy: the politics of criteria , organizada por Fischer e Forester (1987)Fischer, F., Forester, J. (1987). Confronting Values in Policy Analysis: The Politics of Criteria. Nova York: Sage Pub. . Este foi o primeiro volume de uma reconhecida série anual da Sage Publications em parceria com a Policy Studies Organization a lidar com questões normativas em políticas públicas, revelando que o campo se abria a novos caminhos. Tratou-se de uma conquista que reuniu diferentes nomes já bem projetados, tendo per primis os próprios organizadores que discutem, em doze capítulos, os novos princípios e práticas em políticas públicas, as perspectivas profissionais dos analistas, além da aplicação de novas metodologias em estudos de casos de políticas públicas. Embora os temas abordados sejam os mais variados, todos assumem que os processos de políticas públicas são permeados e modelados por valores. Tais valores, quando vistos como estruturas normativas, acabam por ressaltar sua dimensão argumentativa ( Fischer, 1980Fischer, F. (1980). Politics, Values and Public Policy: The Problem of Methodology. Boulder: Westview Press. ; Fischer & Forester, 1987Fischer, F., Forester, J. (1987). Confronting Values in Policy Analysis: The Politics of Criteria. Nova York: Sage Pub. ), validando a argumentação como caminho próximo da interpretação.

É neste contexto que Jennings (1983)Jennings, B. Interpretative Social Science and Policy Analysis. In D. Callahan, B. Jennings. (1983). Ethics, the Social Sciences, and policy analysis . (pp. 3-36). Londres: Plenum Press. assume, de modo mais direto ainda, o interpretativismo, utilizando repetidas vezes expressões como: “abordagem interpretativista” ( interpretative approach ), “análise interpretativa de políticas públicas” ( interpretative policy analisys ), pesquisa social interpretativa ( interpretative social inquiry ) e “analista interpretativo de políticas públicas” ( interpretative policy analyst ). Estes podem ser considerados como os primeiros passos para reunir, sob um mesmo “guarda-chuva”, a interpretação e os autores que buscavam, em outras tradições, as bases para se contrapor ao positivismo e ao empiricismo dominantes no campo de estudos em políticas públicas. Além do mais, em seu capítulo, Jennings (1983)Jennings, B. Interpretative Social Science and Policy Analysis. In D. Callahan, B. Jennings. (1983). Ethics, the Social Sciences, and policy analysis . (pp. 3-36). Londres: Plenum Press. problematiza o papel do analista de políticas públicas e, concentrando-se nas bases epistemológica e metodológica da policy analysis , compara três modelos práticos: o da análise como ciência, da análise como advocacy e da análise como conselho, defendendo que a escolha por um modelo em detrimento de outro possui implicações éticas e democráticas. O autor conclui com uma ampla argumentação em favor do último modelo por compreendê-lo como um texto que estaria inserido em um conjunto mais amplo de textos, ou seja, de significados produzidos por um conjunto de sujeitos. O analista interpretativista de políticas públicas deveria, para ele, assumir o papel de conselheiro ao longo de todo o processo, reforçando a dimensão interpretativa da própria produção de conhecimento, bem como das escolhas nele realizadas.

A década de 1980 terminou, ainda, com duas outras importantes contribuições para o campo: Policy Analysis and Political Argument de Deborah Stone (1988)Stone, D. (1988). Policy Paradox and Political Reason. Glenview: Scott Foresman. e Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process de Giandomenico Majone (1989)Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. . Como os anteriores, ambos criticaram o projeto de racionalidade que engendrava as análises de políticas públicas e ressaltaram a noção de argumento, crucial para os primeiros desenvolvimentos da década seguinte, só que de modo ainda mais contundente, em um possível desdobramento do interpretativismo para a argumentação. Stone (1988)Stone, D. (1988). Policy Paradox and Political Reason. Glenview: Scott Foresman. , com sua linguagem direta, propõe um modelo de análise que, em lugar de demonizar a dimensão política dos processos de políticas públicas, assume-a como sua principal dimensão criativa. Para a autora, os processos de policy são mais bem modelizados como lutas políticas por valores e ideias, motivo pelo qual se contrapõe frontalmente às análises puramente positivistas construídas sobre categorias que, embora travestidas de neutralidade, impõe um ponto de vista excludente, inclusive no que concerne a sua estrutura e às possibilidades de participação para quem agia sob outras racionalidades. Desnuda, assim, a relação de mútua determinação entre o modelo de raciocínio, o modelo de sociedade e o modelo de formulação de políticas públicas e a faz fortemente sustentada pela noção de argumento ( policy argument ), termo que condensa tanto as qualidades de criatividade quanto de estratégia no diálogo tenso da disputa política.

Assumindo, também, o argumento como unidade fundamental de análise, Majone (1989)Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. , além de criticar o modelo tecnocrático e de rechaçar a ideia de um sujeito técnico-racional que toma decisões racionais, intensifica o destaque à natureza política e avaliativa do argumento defendendo-o como o elemento constitutivo da democracia ou, como ele mesmo ressalta, de um “sistema de governo por discussão” (p. 3, tradução nossa). Para ele “políticas públicas são linguagem” e, seja na forma escrita ou oral, a peça mais fundamental, em todos os estágios do processo de formulação de políticas públicas, é a argumentação, sobretudo porque nenhum problema de políticas públicas é puramente técnico ou puramente político. Pautado nisso, além de identificar a dimensão argumentativa da análise de políticas públicas, ele busca promovê-la em contraposição ao decisionismo da racionalidade instrumental tanto em termos de análise, quanto de projetação. Para ele: “cidadãos e policymaker s constroem julgamentos morais e fazem escolhas de políticas públicas” ( Majone, 1989Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. , p. 8, tradução nossa) regulados por regras específicas e por procedimentos ou instrumentos institucionalizados e inseridos, nesse sentido, em um processo mais permeável de políticas públicas, como a persuasão.

Alinhar-se a Majone (1989)Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. , portanto, significava assumir que é o argumento que dá sentido e significado às evidências, às informações e aos dados utilizados na análise das políticas públicas. Significava, ainda, concordar que o processo de deliberação pública sempre se concretiza no âmbito de processos mais amplos de argumentação: atores distintos partem de seus pontos de vista e constroem, individual e coletivamente, arquiteturas de persuasão e de valoração que vão se reorganizando em arenas públicas de debate. Com isso, Majone (1989)Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. colabora para precisar as diferenças que viriam a marcar o subconjunto da argumentação no mundo, cada vez mais amplo, da análise interpretativa. A argumentação de Majone diz respeito à interpretação, organizada para revelar as estruturas de poder presentes na linguagem.

Essencialmente, a partir de Majone (1989)Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. já é possível assumir que os avanços nos processos de políticas públicas dependem, muitas vezes, da mudança de atitudes e de valores, bem como de aceitar que tais processos não podem ser reduzidos ao compromisso ou objetivo de produzir consensos. A esse ponto já estava claro que a unidade fundamental de análise já não dizia respeito a um rol estreito de evidências – problematizadas em termos de objetividade e consequencialidade – mas que passava a ser construída em termos de valores, de subjetividade e de juízo. Este deslocamento desafiou tanto os modelos rígidos ou herméticos, quanto abriu a possibilidade de valorização de um conjunto de conhecimentos que, por muito tempo, foi negligenciado ou marginalizado no estudo das políticas públicas. Esta nova relação aproxima-se do que propunham os estudos críticos habermasianos, abrindo espaço para o que viria logo depois: os estudos críticos em políticas públicas.

A construção dos “Estudos Críticos em Políticas Públicas” como uma escola do campo de estudos em políticas públicas

Estrutura, conteúdos e significados do campo de estudos em políticas públicas foram ampliados pela grande efervescência intelectual dos anos 1980. E foi diante desta nova configuração, marcada por crescentes preocupações com a configuração de fronteiras e de delimitações dentro do próprio campo, que a argumentação encontrou, definitivamente, ancoragem nos estudos críticos. Esta nova agenda pode ser representada pela publicação, na década de 1990, da obra The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning (ainda sem tradução para o português), organizada por Fischer e Forester (1993)Fischer, F., Forester, J. (1993). The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning. Londres: Duke University Press. . Dividido em três partes, este livro reuniu um conjunto plural, mas afinado, de autores, dentre os quais destacamos, além dos próprios organizadores, Bruce Jennings, Martin Rein and Donald Schön, John Dryzek e William N. Dunn. Este livro assume, em seu conjunto, a centralidade dos argumentos político-normativos situados nas camadas mais profundas de significado, evidenciando a indissociabilidade entre fato e valor e conferindo especial importância ao contexto ou à situação. Seria esta a grande contribuição de uma ciência social crítica: orientar-se para a problematização de padrões normativos e de suposições ainda não examinadas, desnaturalizando-os. Para este grupo, já não bastava ser interpretativo. Era preciso ser, também, crítico, o que, naquele momento, significava ser argumentativo.

Permeando toda a obra ( Fischer & Forester, 1993Fischer, F., Forester, J. (1993). The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning. Londres: Duke University Press. ), os organizadores advertem que a proposta de uma virada argumentativa levaria os pesquisadores a estudarem criticamente as políticas públicas, observando as propostas dos policymakers como verdades que somente se legitimariam em estruturas normativas específicas. Assim, o analista de políticas públicas deixaria de ser apenas um prescritor para se tornar parte de uma “multiatorialidade” ( Boullosa, 2013, pBoullosa, R. F. (2013). Mirando ao revés as políticas públicas: notas sobre um percurso de pesquisa. Pensamento & Realidade, 28(3), 68-86. Recuperado de https://bit.ly/39glymq
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, p. 74), transformando-se em um facilitador do debate, do diálogo e da aprendizagem ou, ainda, em um conselheiro imbricado em processos argumentativos e interpretativos mais amplos fundamentais à construção coletiva (e democrática) de políticas públicas. Foi, sobretudo, a partir da obra de Fischer e Forester (1993)Fischer, F., Forester, J. (1993). The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning. Londres: Duke University Press. que o campo de estudos em políticas públicas começou a lidar com a emergência de uma abordagem – a da virada argumentativa. Argumentação, interpretação e discursividade começavam a traçar, entre si, seus primeiros contornos, mas ainda sem associação a um rótulo (ou uma etiqueta) maior que as reunisse sem desrespeitar suas diferenças epistemológicas em um primeiro esboço do que mais tarde poderia ser chamado de escola.

A primeira tentativa de construir uma etiqueta mais ampla, capaz de abrigar estas e outras abordagens, foi oferecida por Frank Fischer, no ano de 1998, com a publicação do artigo Beyond Empiricism: policy inquiry in postpositivist perspective , sua única obra traduzida para o português (Fischer, 2016a). Nele, além de denunciar o fracasso das ciências sociais em sua tarefa de solucionar os problemas da sociedade contemporânea, o autor também enfatiza que é possível pesquisadores e analistas de políticas públicas se engajarem em processos pós-positivistas para além do empiricismo. O pós-positivismo é descrito, portanto, mais como uma orientação epistemológica contrária à compreensão objetivista da realidade social do que como uma filosofia da ciência (Fischer, Miller & Sidney, 2007). Ao enfatizar que os fatos são carregados de interpretações socialmente construídas, Fischer (2016a) reforça sua crítica à racionalidade técnica e propõe uma integração entre caminhos normativos e empíricos. Ao assumir métodos interpretativos para o estudo das políticas públicas, o autor problematiza o papel crucial do poder e da argumentação nos processos de policy por meio da linguagem, dos discursos e das assunções normativas que os permeiam.

Para seguir os caminhos propostos por Frank Fischer, porém, são necessárias mudanças epistemológicas, metodológicas e, sobretudo, deontológicas, uma vez que tal deslocamento – do positivismo ao pós-positivismo – depende do reconhecimento dos equívocos difundidos pela tradição positivista acerca do papel da ciência e depende, consequentemente, da adoção de uma nova postura por parte dos cientistas. Além de retomar a importância da interpretação e da argumentação e de situar a virada argumentativa dentro desta alternativa pós-positivista, Fischer (2016a) examina as implicações dessa forma alternativa de fazer ciência para o desenvolvimento do campo de estudos em políticas públicas, defendendo uma interpretação crítica e marcando, definitivamente, a assunção dos estudos críticos como uma nova escola de estudos em políticas públicas. Sob esta nova alcunha, os fatos transformam-se em escolhas de pesquisa e as verdades científicas transformam-se em interpretaçõe s científicas diretamente vinculadas a quem observa, como observa e de onde observa o objeto em análise.

Nos anos seguintes, foi ficando cada vez mais claro que os estudos críticos, ainda em forte sintonia com os estudos interpretativistas, já se firmavam como escola importante para o campo de estudos em políticas públicas. Como parte desse movimento de afirmação, emergiu, com maior vigor, na primeira metade da década de 2000, a ideia de construção de espaços institucionais que abrigassem tais estudos, bem como a necessidade de criação de uma agenda mais precisa que conferisse densidade a esta rede de pesquisadores que já vinha se caracterizando por sua forte viscosidade. Quase contemporaneamente e, mais ou menos, com os mesmos atores, surgiram dois importantes espaços: em 2006, foi realizado o primeiro grande encontro desta rede, intitulado Interpretative Policy Analysis Conference (IPA) , realizada em Birmingham, na Inglaterra; e, no ano seguinte, foi publicado o primeiro número da Critical Policy Analysis , uma revista trimestral voltada à publicação de trabalhos do campo de estudos em políticas públicas, em funcionamento até os dias de hoje (on-line e impressa).

Estes dois novos espaços, cada um a seu modo, buscavam consolidar os estudos críticos e marcar sua oposição à tradição racional-empiricista no campo de estudos em políticas públicas. Mesmo que o termo crítico não figure no título das Conferências, ele apareceu no tema geral da primeira delas, The Interpretive Practitioner: From Critique to Practice in Public Policy Analysis , o que evidencia que a relação entre a produção científica de conhecimento e as práticas dos processos de políticas públicas já pairavam entre as preocupações dos pesquisadores. Estas Conferências expressavam, ainda, as preocupações indicadas por Fischer (2016b) acerca da assunção do “interpretativismo” como rótulo mais amplo do que o crítico, uma vez que, para este autor, era o qualitativo crítico que funcionava como delimitador do interpretativismo puro. A revista, por sua vez, já assumiu de modo muito mais direto esta alcunha, trazendo-o não somente para seu título, como para seu primeiro editorial e demais textos, assinados por nomes que até hoje continuam fortemente associados à rede de pesquisadores que desenvolvem estudos críticos em políticas públicas, com destaque para os pesquisadores Frank Fischer, Dvora Yanow e Douglas Torgerson.

No primeiro número da revista, o artigo de Fischer (2007), Policy Analysis in Critical Perspective: the epistemics of discursive practices , é o que assume mais diretamente a alcunha estudos críticos, enquanto os demais versam sobre o interpretativismo, a discursividade e a reflexividade. A partir de uma revisão da construção do campo de estudos em políticas públicas, o autor centra suas críticas sobre o positivismo retomando, de seu texto de 1998, a importância da alternativa pós-positivista. É interessante notar que a criticidade buscada por ele se aproxima muito da consciência crítica de Paulo Freire (1973)Freire, P. (1973). Education for Critical Consciousness. Nova York: Seabury Press. , bem como da postura reflexiva do profissional defendido por Donald Schön (1983)Schön, D. (1983). The Reflective Practitioner: How Professional Think in Action. Nova York: Basic Books. em um processo de produção científica que deveria ser assumido como uma “ learned conversation ”, uma conversa voltada à aprendizagem (Fischer, 2016b) e um processo de políticas públicas que deveria ser assumido como de esclarecimento público, segundo Carol Weiss (1993)Weiss, C. H. (1993). Where politics and evaluation research meet. Evaluation Practice, 14(1), 93-106. doi:10.1177/109821409301400119 . Trazendo para a discussão temas como participação e deliberação, Fischer (2007) argumenta que estes só teriam sentido crítico quando relacionados à construção da democracia, unindo, portanto, aprendizagem e emancipação social.

Ao longo dos anos 2000, um número crescente de autores, já apoiados em uma sólida base teórica – tanto de crítica ao positivismo, como de ancoragem na teoria crítica, pelo caminho da linguagem – começou a propor frames de análise crítica com possibilidades mais amplas de aplicação. No primeiro caso, tais estudos caracterizam-se por seu alto poder de reflexividade em relação ao campo, aportando ganhos relevantes, sobretudo de método. No segundo caso, assumiram o próprio método como objeto de estudo, propondo estruturas de análise crítica. David Howarth (2010)Howarth, D. (2010). Power, discourse, and policy: articulating a hegemony approach to critical policy studies. Critical Policy Studies, 3(3-4), 309-335. doi:10.1080/19460171003619725 incluiu-se neste grupo quando propôs uma abordagem crítica para o estudo das políticas públicas, baseada nos conceitos de poder (sob a forte influência de Michel Foucault), de hegemonia (apoiando-se em Antonio Gramsci) e na compreensão de discursos como práticas articulatórias (recorrendo a Laclau & Mouffe, 1985Laclau, E., Mouffe, C. (1985). Hegemony and socialist strategy. Londres: Verso. ). Outro esforço ilustrativo dessa intenção de propor novos percursos metodológicos é o trabalho de Karen West (2012), para quem as práticas sociais deveriam ser adotadas como material principal de análise, por entender que este tipo de material teria maior aderência com o pós-positivismo – preocupada com uma eventual nova virada marxista nas ciências sociais aplicadas.

Ainda em 2012, diante desse conjunto fértil de contribuições, foi publicada a obra The Argumentative Turn Revisited: Public Policy as Communicative Practice ( Fischer & Gottweis, 2012Fischer, F., Gottweis, H. (2012). The Argumentative Turn Revisited: public policy as communicative practice. Durham: Duke University Press. ) quase vinte anos depois do livro sobre a virada argumentativa, considerado um sucesso editorial. No novo livro, assume-se mais explicitamente a perspectiva crítica, desta vez reconhecendo, ao lado da argumentação, a discursividade reflexiva como mais um caminho possível para as análises de políticas públicas. Não obstante que a relação com a argumentação permanecesse forte, sobretudo devido à ampla receptividade de The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning ( Fischer & Forester, 1993)Fischer, F., Forester, J. (1993). The Argumentative Turn in Policy Analysis and Planning. Londres: Duke University Press. entre os pesquisadores, os textos reunidos em 2012 reconhecem a importância do label “crítico” a que dedica toda a última parte do livro. Com isso, esclarecem que mais do que uma adjetivação que caracterizava um determinado tipo de estudo, o termo crítico representava um conjunto de escolhas epistemo-metodológicas e, sobretudo, uma nova postura científico-analítica em que se assumia a não neutralidade dos argumentos e dos discursos conformadores dos processos de políticas públicas, bem como se conferia maior centralidade à ação (ou deliberação) reflexiva – entendendo a reflexividade como o caminho da emancipação (Fischer, 201b). É como se para ser crítico, em termos de classificação, fosse preciso ser nesta ordem: interpretativo no método, argumentativo nos materiais e pós-positivista nos propósitos.

A obra organizada por Fischer e Gottweis (2012)Fischer, F., Gottweis, H. (2012). The Argumentative Turn Revisited: public policy as communicative practice. Durham: Duke University Press. destaca-se, ainda, pelo esforço de trazer novos nomes para o debate, atraindo autores que se sentiam pouco confortáveis com as abordagens alinhadas à tradição racional-empiricista ou que não se viam como parte do campo de estudos em políticas públicas, de modo a incorporar temas e abordagens emergentes do século 21. Para ilustrar o primeiro caso destaca-se o esforço de trazer para os estudos críticos a proposta de um quarto tipo de institucionalismo: o discursivo, expandido por Vivian Schmidt em 2008Schmidt, V. (2008). Discursive Institutionalism: The Explanatory Power of Ideas and Discourse. Annual Review of Political Science, 11, 303-326. , que assumia as noções de ideia ( policies , programas ou filosofia) e de discurso (comunicativos ou de coordenação) das instituições como parte de um modelo que interpretava as políticas públicas como êxitos de processos interativos de argumentação, evidenciando, mas também distinguindo, suas dimensões cognitiva e normativa. Para ilustrar o segundo caso destaca-se Mary Hawkesworth, autora que já havia reconstruído a história dos estudos feministas de políticas públicas em um artigo anterior (Hawkesworth, 1994), mas que nesta obra propõe, a partir de uma abordagem e de uma metodologia pós-positivista, formas alternativas de interpretação e de análise (discursiva) das políticas específicas de desenvolvimento. A pensadora lança luz sobre as hierarquias de raça, classe e gênero e desbanca as noções de neutralidade, de racionalidade descorporificada e de expertise técnica.

Desse modo, os esforços de delimitar o que é crítico vão ganhando, cada vez mais, novas adesões, consolidando-o como escola que permite a investigação das estratégias retórica e comunicativa dos atores nos processos de políticas públicas. Emergem, ainda, evidentes preocupações metodológicas quanto à escala das análises críticas, com fortes sugestões de que tais análises se situam em pontes a serem construídas entre as escalas macro e micro – prenunciando um caminho para explorações mais aplicadas da mesoescala. Neste sentido, em 2015, Michael Farrelly publica o livro Discourse and Democracy: Critical Analysis of the Language of Government , no qual identifica e discute a lacuna existente entre os discursos políticos sobre democracia (na escala macro) e as experiências vividas de democracia (na escala micro). Tais questões são debatidas por meio de discursos, textos políticos e um longo estudo de caso em uma cidade do Reino Unido que se propunha a “revigorar a democracia” dentro de uma perspectiva neoliberal. Farrelly (2015)Farrelly, M. (2015). Discourse and democracy: critical analysis of the language of government. Oxon: Routledge. observou que os discursos implícitos contidos nos instrumentos de políticas públicas eram muito diferentes de seus conteúdos explícitos. Com isto, ampliou a oferta de percursos metodológicos para a análise de políticas públicas, demonstrando a possibilidade de aplicação dos estudos críticos em estudos de caso longitudinais.

Assim como Michael Farrelly (2015)Farrelly, M. (2015). Discourse and democracy: critical analysis of the language of government. Oxon: Routledge. , os analistas críticos continuaram a recorrer a instrumentos de método desenvolvidos na rede interpretativista, como os apresentados por Dvora Yanow e Peregrine Schwartz-Shea (2006), mas sem considerarem-se meramente interpretativos. A rede de pesquisadores críticos se adensava muito mais lentamente do que a interpretativista. Esta, sobretudo pelas possibilidades de expansão trazidas pelas International Policy Analysis (IPAs Conferences), buscava acolher trabalhos ancorados no interpretativismo e que se utilizassem de instrumentos qualitativos de análise mesmo que tais trabalhos não possuíssem nenhuma relação com a perspectiva crítica ou, até mesmo, que não se aproximassem da tradição racional-empiricista (Fischer, 2016b). A percepção desta importante diferença de configuração entre as duas redes acabou reforçando a singularidade do que é crítico , o que se evidenciou na Conferência de 2015, quando esta pergunta emergiu na plenária suscitando questionamentos análogos acerca do que é ser crítico e das razões pelas quais devemos ser críticos.

Após deliberação do corpo editorial da revista CPS , a resposta a tais questionamentos chegou por meio da publicação, no primeiro número de 2016, de textos diversos de autores como Kathrin Braun, Frank Fischer, Timothy W. Luke, David Howarth, Jason Glynos e Steven Griggs, Bob Jessop e Ngai-Ling Sum. As respostas caminhavam todas para a ideia de que os estudos críticos se distinguem pelo exame reflexivo dos argumentos, dos discursos, dos enunciados e das ações em processos de políticas públicas, problematizando-os em seus quadros normativos implícitos e explícitos a partir de um quadro multimetodológico – sem excluir a dimensão empírica, mas situando-a dentro dos próprios pressupostos normativos. A reflexividade, neste caso, ultrapassa os limites da episteme, chegando a deontologia. O analista crítico é um sujeito que se vê implicado, também normativamente, nos processos que pesquisa. Comprometidos com a construção da democracia e reconhecendo que a linguagem é uma estrutura de poder, reiteram que quem é crítico se coloca atento às mudanças da sociedade, buscando “explorar e interpretar discursivamente seus significados através de processos de deliberação crítica e argumentação” (Fischer, 2016b, p. 98).

Este movimento de reafirmação dos limites internos e externos dos estudos críticos, mesmo sem uma clara preocupação de demarcação identitária dentro do campo de estudos em políticas públicas, emergiu contemporaneamente à publicação da obra Handbook of Critical Policy Studies . De natureza enciclopédica, rivalizando com a obra Handbook of Public Policy (2006) e potencializada pelo peso de uma importante editora, a Edward Elgar Pub , essa pode ser considerada o marco definitivo na consolidação dos estudos críticos como uma escola dentro do campo de estudos em políticas públicas. Além dos organizadores Frank Fischer, Douglas Torgerson, Anna Durnová e Michael Orsini (2016), que também são autores, este extenso livro reúne contribuições de outros 32 estudiosos, dentre os quais destacamos: Vincent Dubois, David Howarth e Steven Griggs, Hendrik Wagenaar, H. Ingram, Raul Lejano e Sung Jin Park, Timothy W. Luke, Ricardo Fabrino Mendonça e Selen Ercan, além de Dvora Yanow. Todos estes autores mostram-se solidamente alinhados com a crítica pós-positivista em relação à concepção racionalista do conhecimento (incluindo seus processos de problematização e construção de soluções) e defendem a compreensão crítica dos processos de políticas públicas em termos de interesses, valores e assunções normativas, considerando que seriam esses a informar os processos de policy .

Atualmente, com estes últimos desenvolvimentos, os estudos críticos, ainda que pouco conhecidos e, consequentemente, pouco adotados no Brasil, encontram-se solidamente estabelecidos no campo de estudos em políticas públicas, constituindo-se provavelmente como a principal alternativa aos estudos de base positivista. Um importante indício tem sido o crescente reconhecimento da sua importância na conformação geral do campo, pois ao mesmo tempo em que evidencia o seu pluralismo interno e o comprometimento com a construção democrática, ajuda também na conformação dos seus interditos, marcando posição em relação à ciência política – que, em grande parte, ainda considera que o estudo das políticas públicas seja apenas uma de suas subáreas. Este reconhecimento concretiza-se, ainda, na criação de loci institucionais para a difusão do contraditório dentro da própria International Public Policy Association (IPPA) , tais como: a criação de painéis e tópicos específicos para tratar deste tema no âmbito da International Conference on Public Policy (ICPP) ; a incorporação de representantes dos estudos críticos na composição editorial da revista International Review of Public Policy (IRPP ), bem como a inclusão de cursos específicos no restrito catálogo de ofertas da própria IPAs.

Estas conquistas foram resultados de uma agenda de pesquisa que, explorando a sua dimensão reflexiva, sobretudo a partir da década de 2010, direcionou parte de seus esforços à inserção no campo de estudos em políticas públicas, alargando-o. Tratou-se de uma mudança gradual, consistente e historicamente construída a partir de uma crítica madura aos limites do projeto racional de construção da sociedade ( Stone, 1988Stone, D. (1988). Policy Paradox and Political Reason. Glenview: Scott Foresman. ) – não obstante a criticidade que pode haver em Lasswell ( Torgerson, 2019Torgerson, D. (2019, agosto). Lasswell in the looking glass: a ‘mirror’ for critical policy studies. Critical Policy Studies, 13 (1), 122-130. doi:10.1080/19460171.2018.1512877 ) – e do esgotamento de suas possibilidades de ação sobre problemas sociais cada vez mais complexos e transdisciplinares ( Fischer, 1998Fischer, F. (1998). Beyond Empiricism: policy inquiry in post positivist perspective. Policy Studies Journal, 26(1), 129-146. doi:10.1111/j.1541-0072.1998.tb01929.x ). Mas também se deu na busca por estruturas mais profundas de argumentação ( Majone, 1989Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. ), com suas múltiplas racionalidades ( Hawkesworth, 1994Hawkesworth, M. (1994). Policy Studies with a Feminist Frame. Policy Sciences, 27(3), 97-118. doi:10.1007/BF00999883 ), em que se embasam pressupostos normativos em disputa ( Howarth, 2010Howarth, D. (2010). Power, discourse, and policy: articulating a hegemony approach to critical policy studies. Critical Policy Studies, 3(3-4), 309-335. doi:10.1080/19460171003619725 ) que precisam ser interpretados ( Jennings, 1983Jennings, B. Interpretative Social Science and Policy Analysis. In D. Callahan, B. Jennings. (1983). Ethics, the Social Sciences, and policy analysis . (pp. 3-36). Londres: Plenum Press. ) a partir de uma nova instrumentalidade ( Yanow & Schwartz-Shea, 2006Yanow, D, & Schwartz-Shea, P. (2006). Interpretation and Method: Empirical Research and the Interpretative Turn. Armonk: M. E. Sharpe. ), diante da qual o analista crítico deve desenvolver uma postura reflexiva ( Schön & Rein, 1994)Schön, D., Rein, M. (1994). Frame Reflection: Towards the Resolution of Intractable Policy Controversies. Nova York: Basic Books. . A descoberta desta dimensão reflexiva vem sendo, provavelmente, o grande fio condutor da construção identitária dos estudos críticos em políticas públicas, funcionando também como dimensão modeladora da e modelada pela democracia.

Conclusões

Os estudos críticos em políticas públicas, embora já consolidados como uma escola de estudos em tal campo, ainda são apenas parcialmente conhecidos e, consequentemente, pouco adotados no Brasil enquanto campo de pesquisa. Neste artigo buscamos reconstruir sua trajetória de desenvolvimento, desde o que chamamos como segunda imagem do campo, enfatizando, por um lado, sua coerência interna – consequência da reflexividade que lhe é característica – e, por outro, apresentando um pouco das variações que foram emergindo dentro dele com diferentes abordagens. Nesse sentido, é importante relembrar que estas diferentes abordagens dos estudos críticos compartilham singularidades importantes que podem ser, metaforicamente, representadas como os lados de um mesmo triângulo: em uma perspectiva, emergem de uma crítica consistente ao cientificismo relacionado à tradição racional-empiricista, particularmente no que considera como obsessão pela neutralidade, pela racionalidade instrumental, pela supremacia do conhecimento especializado sobre os demais, pela tendência à separação entre política e políticas públicas e por um modelo elitista de democracia liberal-tecnocrática; de outra, adotam a linguagem e as práticas comunicativas como materiais centrais de pesquisa; e, por fim, oportunizam múltiplos caminhos de análise que se afastam da lógica formal aprisionante e se aproximam de lógicas informais da razão prática, ou do que Fischer (2016a) chamou de raciocínio-no-contexto. Esta triangulação se reverbera em diferentes planos de pesquisa, evidenciando ganhos em termos ontológicos, epistemológicos, analíticos, metodológicos, empíricos e, consequentemente, deontológicos. Nesta conclusão apresentaremos alguns destes ganhos, relacionando-os com o contexto brasileiro, particularmente no que concerne ao ensino em políticas públicas.

Em termos ontológicos e epistemológicos, colocamos a crítica à própria natureza do conhecimento como principal benefício, particularmente no que concerne à correlação entre políticas públicas e política , porque a essa se vincula todo questionamento do que vem sendo, em grande medida, naturalizado – tomado como óbvio – desde o nascimento deste campo de estudos, sobretudo no Brasil. É esta desnaturalização que singulariza a dimensão ontológica dos estudos críticos e estrutura as demais dimensões, começando pela da episteme que assume, como novas unidades fundamentais de análise, a linguagem concretizada em estruturas comunicativas: de fala, de narração, de argumento e de valor. Nos níveis mais profundos de análise, em que os significados, os valores e as estruturas de poder se tornam mais evidentes, torna-se também maior seu potencial transformador tanto em termos de constituição de objetos de pesquisa (por reconhecer novos saberes – ordinários ou populares), quanto de novas gramáticas que modelam novos caminhos de pesquisa e são modeladas por eles.

Estes caminhos, por sua vez, desdobram-se em pelo menos três fortes implicações projetuais: uma primeira, metodológica, diz respeito aos desafios de construção de uma escala intermediária que consiga colocar em relação os achados de um olhar micro sobre a linguagem e suas estruturas, com as macroteorias que, tradicionalmente, pareciam explicar as políticas públicas e seus processos. Isso implica, em grande medida, na necessidade de renunciar a perspectivas monometodológicas para que se possam construir interpretações e instrumentos que deem conta de um olhar crítico, conforme proposto. A segunda, teórica, refere-se à reavaliação da postura normativa da pesquisa, liberando-a da imposição prescritiva que predomina no campo de estudos em políticas públicas. Isso reorganiza a dimensão empírica na medida em que seus resultados passam a ser interpretados dentro de quadros específicos de valores, exigindo um olhar novamente cuidadoso para as premissas normativas das análises. Por fim, a terceira concerne às implicações deontológicas do analista crítico, que passa a se ver como parte do processo de policy, problematizando suas próprias matrizes de valor. Este confrontar-se , em termos de valores, desemboca em uma necessária e fundamental reflexão acerca do papel do analista e dos significados de suas análises, em um movimento de reflexividade que é imprescindível aos estudos críticos.

Neste sentido, os estudos críticos podem oferecer “abrigo” teórico àqueles analistas de políticas públicas desconfortáveis com as abordagens relacionadas à tradição racional-empiricista, não obstante suas variações, e inquietos com resultados de pesquisas predominantemente quantitativas e objetivistas. Estas, claramente insuficientes, não dão conta, por exemplo, nem de explicar problemas públicos cada vez mais complexos, como as crescentes desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira, nem de propor modelos alternativos de desenvolvimento que incluam as crescentes demandas de participação e de transversalidade. Diante da percepção desta limitação, sobretudo no contexto brasileiro, alguns poucos analistas e um grupo de pesquisadores já recorrem, com certa frequência, a autores críticos como Raul Lejano, Frank Fischer, Donald Schön, Chris Argyris e Phillipe Zittoun. Contudo, o fazem quase que exclusivamente de modo instrumental, inseridos em quadros de análise muito específicos, sem desdobrar tal criticidade para outros planos de pesquisa. Consequentemente, acabam, muitas vezes, não abarcando a reflexividade como elemento organizador de suas próprias práticas – profissionais ou de pesquisa –, contribuindo para que o campo de estudos em políticas públicas se mantenha, infelizmente, relativamente estreito aqui no país.

A falta desta reflexão-na-ação produz consequências ainda mais graves no âmbito da formação, pois é a reflexividade que garante que sigamos pensando enquanto agimos nos processos de políticas públicas, é também o que permite que as experiências passadas informem e transformem as experiências futuras, enriquecendo sua qualidade. O desenvolvimento de tal criticidade entre os analistas de políticas públicas depende, porém, de um processo formativo mais amplo. Nesse sentido, o alargamento dos currículos dos cursos do chamado “campo de públicas” no Brasil – que inclui administração pública, gestão pública, políticas públicas, gestão de políticas públicas, serviço social, gestão social, entre outros – bem como das ementas das disciplinas que os compõem, poderiam se alicerçar ainda mais na pluralidade e na multidisciplinaridade, passando a incluir os estudos críticos dentre os seus conteúdos. A partir do contato com abordagens críticas ao longo de suas experiências formativas, os profissionais de políticas públicas reconheceriam papéis e responsabilidades, inclusive éticos, mais amplos. Em lugar de se perceberem como sujeitos racionais decisionistas, em busca dos meios mais adequados para se alcançar um determinado fim pré-estabelecido ou, ainda, como pessoas que fornecem dados “duros” para políticos ou formuladores de políticas públicas, se enxergariam inseridos em processos críticos de aprendizagem, em que arrogariam o papel de facilitadores do diálogo; de produtores de argumentos e de evidências que embasam o debate público; de conselheiros, capazes de distinguir a boa da má construção discursiva: o papel de verdadeiros atores políticos em ação , conformadores de uma multiatorialidade ( Boullosa, 2014Boullosa, R. F. (Org.). (2014). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador, BA: Editora CIAGS/UFBA. ).

Cientes da importância e da força transformadora da construção coletiva de conhecimentos e de significados buscamos reconstruir, ao longo deste artigo, como os estudos críticos alargaram, definitivamente, as fronteiras do campo de estudos em políticas públicas. Ainda que não tenha sido o foco deste artigo, apontamos em alguns momentos para a sua importância, para sua própria confirmação, haja vista que a construção dos campos científicos depende, em grande medida, da existência de um contraditório denso e consistente ( Bourdieu, 1966Bourdieu, P. (1966). Champ intellectuel et projet créateur. Les Temps modernes, 246, 865-906. ), o que só é possível a partir de um conjunto plural de agentes em movimento em uma arena de alta viscosidade. Assumindo a dimensão crítica desta tarefa, a nossa narrativa, dentre outras possíveis, buscou – em termos teóricos, epistemológicos, temáticos e, inclusive, geográficos – salientar o processo de significação das estruturas mais profundas da linguagem, nas quais subjazem as compreensões de democracia, poder, hegemonia e reflexividade. Por isto consideramos que tal diversidade não é apenas desejável, mas inevitável, como recorda Majone (1989)Majone, G. (1989). Evidence, Argument and Persuasion in the Policy Process. New Haven: Yale University Press. , para a vitalidade de qualquer sociedade e de qualquer governo que se pretendam regidos pelo livre debate de ideias e que esteja comprometido com um futuro democrático em que a experiência em políticas públicas possa ser considerada como um bem público. Os estudos críticos, em sua reflexividade, assumem por completo estes desafios.

Agradecimentos

Os autores agradecem fortemente ao Grupo de Pesquisa “Processos de Inovação e Aprendizagem em Políticas Públicas e Gestão Social” por constituir o principal lócus de discussões e reflexões sobre os estudos críticos em políticas públicas. Agradecem também a cada um de seus participantes pelas leituras e considerações atentas às primeiras versões do texto.

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Editado por

Editora Associada: Maria Elisabete P. dos Santos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2019
  • Aceito
    02 Jun 2020
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