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Narrativas de Trabalhadoras Rurais: a Construção da Subalternidade, os Espaços Hierarquizados e a Dominação Colonial

Resumo

O objetivo geral desta pesquisa é analisar as heranças do colonialismo expressas nas narrativas de mulheres trabalhadoras rurais da cafeicultura na região do Cerrado Mineiro. É uma pesquisa qualitativa, cujo material empírico é composto por entrevistas narrativas realizadas com quatorze trabalhadoras rurais da cafeicultura dos municípios de Patrocínio, Carmo do Paranaíba e Monte Carmelo, no estado de Minas Gerais. O material empírico foi submetido à técnica de análise temática. Os resultados sugerem que as heranças do colonialismo são expressas nas temáticas identificadas da subalternidade construída, dos espaços hierarquizados e da dominação colonial.

trabalhadoras rurais; cafeicultura; relações de gêneros; pós-colonialismo

Abstract

In this research, our aim is to analyze how gender relations are manifested in the narratives of women rural workers, in coffee farming in the Cerrado Mineiro Region, in a post-colonial perspective. It is a qualitative research, the empirical material of which consists of narrative interviews conducted with 14 rural coffee workers in the municipalities of Patrocínio, Carmo do Paranaíba and Monte Carmelo, in the state of Minas Gerais. The empirical material was submitted to the thematic analysis technique. The results suggest that gender relations are expressed through inheritances of colonialism, which constitute the themes identified: (1) constructed subordination; (2) hierarchical spaces; and (3) colonial domination.

rural women workers; coffee cultivation; gender relations; post-colonialism

Introdução

Por mais longe que se volte no tempo, na maior parte da história da humanidade as mulheres sempre estiveram subordinadas aos homens, não partilhando o mundo em condições de igualdade com eles ( Beauvoir, 1970Beauvoir, S. (1970). O segundo sexo: fatos e mitos . São Paulo, SP: Difusão Europeia do Livro. ; Tedeschi & Colling, 2014Tedeschi, L. A., Colling, A. M. (2014). Os Direitos Humanos e as questões de gênero. História Revista , 19 (3), 33-58. doi:10.5216/hr.v19i3.32992 ). Os contextos de desigualdades em que vivem as mulheres não são resultantes de uma diferença biológica, mas sim de construções sociais oriundas das relações sociais entre homens e mulheres, cuja base material, o trabalho, manifesta-se por meio da divisão sexual do trabalho, caracterizada por uma distinção e hierarquização de espaços que destina aos homens as esferas produtivas e às mulheres as esferas reprodutivas ( Kergoat, 2009)Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico feminino (pp. 67-76). São Paulo, SP: Editora Unesp. .

Questionamentos sobre a restrição das mulheres aos espaços privados e às ocupações de mães, esposas e cuidadoras começaram a surgir fomentados por mudanças socioeconômicas e demográficas. Alterações contextuais, como o aumento do acesso à escolaridade e a maior participação de mulheres no mercado de trabalho, possibilitaram a construção de identidades femininas reconfiguradas ( Couto & Schraiber, 2013Couto, M. T., Schraiber, L. B. (2013). Machismo hoje no Brasil: uma análise de gênero das percepções dos homens e das mulheres. In G. Venturi, T. Godinho (Orgs.), Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado: uma década de mudanças na opinião pública (pp. 47-61). São Paulo, SP: Fundação Perseu Abramo; Edições Sesc SP. ). Entretanto, ainda que esses avanços estejam acontecendo, prevalecem os ambientes polarizados e hierarquizados ( Scott & Cordeiro, 2013)Scott, P., Cordeiro, R. M. (2013). Mulheres no campo: polarização de gênero e sinais de ascensão. In G. Venturi, T. Godinho (Orgs.), Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos e privados: uma década de mudanças na opinião pública (pp. 129-139). São Paulo, SP: Fundação Perseu Abramo; Edições Sesc SP. .

A inserção das mulheres no mercado de trabalho ocorreu com maior destaque em ambientes domésticos, industriais, da saúde e da educação. Porém, uma categoria de trabalhadoras não é alvo de interesse com muita frequência: as trabalhadoras rurais ( Bruschini, 2007Bruschini, M. C. A. (2007). Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de Pesquisa , 37 (132), 537-572. doi:10.1590/S0100-15742007000300003 ; Camargos, Riani, & Marinho, 2014; Daniel, 2011)Daniel, C. (2011). O trabalho e a questão de gênero: a participação de mulheres na dinâmica do trabalho. O Social em Questão , 14 (25/26), 323-344. Recuperado de https://bit.ly/3r9f8f1
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. Isso pode ser constatado, por exemplo, ao analisar a produção historiográfica brasileira sobre as mulheres, que reconstruiu a estrutura ocupacional feminina apenas nos meios urbanos ( Matos, 2009)Matos, M. I. (2009). História das Mulheres e Gênero: usos e perspectivas. In A. Piscitelli, H. P. Melo, S. W. Maluf, V. L. Puga (Orgs.), Olhares feministas (pp. 276-289). Brasília, DF: MEC; Unesco. Recuperado de https://bit.ly/317zrz6
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. Além disso, a literatura que trata sobre o mercado de trabalho no Brasil não volta sua atenção para os trabalhadores e trabalhadoras rurais (Guimarães, Brito, & Barone, 2016).

Legalmente, trabalhadores e trabalhadoras rurais são reconhecidos como pessoas físicas que prestam serviços a empregadores(as), mediante remuneração, em propriedades rurais. Estamos cientes desta definição, mas, para a construção desta pesquisa, consideramos como trabalhadoras rurais as mulheres que prestam serviços diretamente nas lavouras de café, na área operacional. A atividade cafeeira foi escolhida devido a sua representatividade no Brasil e à ausência de estudos sobre as mulheres na cafeicultura brasileira. Especificamente, foi considerada a região do Cerrado Mineiro, segunda maior região produtora de café do estado de Minas Gerais, o maior estado produtor do país ( Companhia Nacional de Abastecimento, 2016Companhia Nacional de Abastecimento. (2016). Safra 2016. Acompanhamento da Safra Brasileira de Café, 3 (4), 1-77. ), e primeira região no país a ter uma denominação de origem (Expocaccer, 2021).

Considerando a lacuna nos estudos sobre trabalhadoras rurais apontada por Matos (2009)Matos, M. I. (2009). História das Mulheres e Gênero: usos e perspectivas. In A. Piscitelli, H. P. Melo, S. W. Maluf, V. L. Puga (Orgs.), Olhares feministas (pp. 276-289). Brasília, DF: MEC; Unesco. Recuperado de https://bit.ly/317zrz6
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e Guimarães et al. (2016)Guimarães, N. A., Brito, M. M. A., Barone, L. S. (2016). Mercantilização no feminino: a visibilidade do trabalho das mulheres no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais , 31 (90), 17-39. doi:10.17666/319017-38/2016 e movidas pelo intuito de contribuir para seu preenchimento, desenvolvemos esta pesquisa utilizando uma perspectiva pós-colonial, buscando conhecer mais sobre essas mulheres e suas realidades. Nosso objetivo foi analisar as heranças do colonialismo expressas nas narrativas de mulheres trabalhadoras rurais da cafeicultura na região do Cerrado Mineiro. Para tanto, realizamos uma pesquisa qualitativa, sendo o corpus de pesquisa composto por entrevistas com trabalhadoras rurais, o qual foi submetido à análise temática, conforme Braun e Clark (2006)Braun, V., Clark, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology , 3 (2), 77-101. doi:10.1191/1478088706qp063oa .

Ao utilizar a abordagem pós-colonial para analisar as relações de gênero, este artigo contribui para o campo dos estudos organizacionais, pois traz o conhecimento sobre e das margens para o centro, oferecendo ao feminismo possibilidades para vislumbrar outros locais de opressão e rejeitar os universalismos em torno das experiências de gênero de homens e mulheres ( Parashar, 2016Parashar, S. (2016). Feminism and postcolonialism: (en)gendering encounters . Postcolonial Studies , 19 (4), 371-377. doi:10.1080/13688790.2016.1317388 ). A reprodução de heranças coloniais nas narrativas das mulheres entrevistadas permite reconhecer o passado colonial nos contextos políticos e sociais contemporâneos.

Este artigo apresenta quatro seções, além desta introdução. De início apresentamos a revisão da literatura, que abrange os feminismos e o pós-colonialismo. Em seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa, a discussão dos resultados, e, por fim, são apresentadas as considerações finais.

Mulheres e relações sociais

A submissão das mulheres aos homens é uma das primeiras formas de opressão da história da humanidade e o surgimento do capitalismo possibilitou a continuidade do processo de opressão. As mulheres passaram a ser ainda mais submissas, oprimidas e exploradas. Ao vender sua força de trabalho, foi negado a elas o direito à cidadania e de sindicalização, além do acesso às leis trabalhistas que garantiam salário e limitavam as jornadas de trabalho, bem como as mesmas condições de trabalho ofertadas aos homens ( Costa & Sardenberg, 2008Costa, A. A. A., & Sardenberg, C. M. B. (Orgs.). (2008). O Feminismo no Brasil: reflexões teóricas e perspectivas . Salvador, BA: UFBA. ).

Enquanto as mulheres trabalhavam em condições precárias e insalubres, os homens gozavam de condições mais vantajosas, salários mais altos e maiores oportunidades, além de ocuparem maior número de postos de elevado prestígio ( Beauvoir, 1970Beauvoir, S. (1970). O segundo sexo: fatos e mitos . São Paulo, SP: Difusão Europeia do Livro. ). A partir do século XVII, começaram a surgir consciências críticas feministas sobre os contextos de desigualdades e opressões femininas. As mulheres passaram, então, a assumir posturas incômodas, resultando em inquietações e fazendo aflorar os feminismos no final do século XVIII, que somente tomaram corpo no século XIX em países da Europa e nos Estados Unidos ( Costa & Sardenberg, 2008Costa, A. A. A., & Sardenberg, C. M. B. (Orgs.). (2008). O Feminismo no Brasil: reflexões teóricas e perspectivas . Salvador, BA: UFBA. ; Teles, 1999)Teles, M. A. A. Trabalhadora Rural. (1999). In M. A. A. Teles, Breve História do Feminismo no Brasil . (pp. 139-142). São Paulo, SP: Brasiliense. .

Especificamente sobre os feminismos latino-americanos, esses não podem ser equiparados aos europeus ou norte-americanos, que derivam de condições externas às realidades das colônias e dos países de capitalismo dependente. Uma peculiaridade a ser tratada no tocante à América Latina é a especificidade de uma sociedade resultante da colonização, escravidão e dominação por potências europeias com o intuito de impulsionar o capitalismo mercantil. Durante esse processo, mulheres indígenas, negras e mestiças protagonizaram os sofrimentos das violências, dominações e explorações, representando a força motriz de formação das nações da região, ainda que de forma imposta ( Bittencourt, 2015Bittencourt, N. A. (2015). Movimentos Feministas. Revista InSURgência , 1 (1), 198-210. doi:10.26512/insurgncia.v1i1.18804 ).

O Brasil faz parte do contexto latino-americano em que, historicamente, assim como em outras sociedades, as mulheres foram subalternizadas, a começar pela educação diferenciada e pela avaliação das mulheres como seres inferiores predestinados e obrigados à maternidade, e aos cuidados com ambientes domésticos, filhos(as), idosos(as) e doentes ( Lopes, 2013Lopes, I. (2013). O caminho da invisibilidade ao empoderamento feminino. In G. Venturi, T. Godinho (Orgs.), Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Públicos e Privado: uma década de mudanças na opinião pública (pp. 393-401). São Paulo, SP: Fundação Perseu Abramo. ). Enquanto na Europa, e mais tarde nos Estados Unidos, dava-se continuidade a uma revolução em todas as esferas da vida social, resultante do capitalismo ali estabelecido, no Brasil, assim como nos demais países da América Latina, vivia-se sob o regime colonial, escravocrata e patriarcal ( Costa & Sardenberg, 2008Costa, A. A. A., & Sardenberg, C. M. B. (Orgs.). (2008). O Feminismo no Brasil: reflexões teóricas e perspectivas . Salvador, BA: UFBA. ).

No caso de trabalhadores(as) rurais, percebe-se que tanto homens quanto mulheres enfrentam dificuldades, principalmente com relação ao reconhecimento social. Muitos(as) estão inseridos(as) em regimes de trabalho com assalariamento informal e instável, permanecendo fora da reciprocidade contratual e tendo, então, de aguardar vários anos para conseguir seus direitos previdenciários ( Giuliani, 2004Giuliani, P. C. (2004). Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. In M. Del Priore (Org.), História das Mulheres no Brasil (7a ed., pp. 640-667). São Paulo, SP: Contexto. ).

As trabalhadoras rurais uniram-se a grupos feministas e a algumas organizações sindicais para se mobilizarem ( Giuliani, 2004Giuliani, P. C. (2004). Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. In M. Del Priore (Org.), História das Mulheres no Brasil (7a ed., pp. 640-667). São Paulo, SP: Contexto. ), e, durante a década de 1980, no Brasil, passaram a promover encontros regionais e nacionais para discutir os problemas de seu trabalho e fazer suas reivindicações quanto a dificuldades derivadas da gravidez, como a conciliação da maternidade com o trabalho de cortadora de cana, colhedora de café, catadora de laranja, dentre outros. Muitas mulheres sofriam violência física por parte dos maridos, outras eram abandonadas com os(as) filhos(as) pequenos(as) e tinham que trabalhar para sustentá-los(as), sendo ainda mais discriminadas. Além disso, somente conseguiam se aposentar aos sessenta anos de idade, isso quando não eram casadas, pois, nesses casos, somente os maridos tinham direito à aposentadoria. Outro problema estava no fato de que muitas trabalhadoras rurais não tinham carteira de trabalho assinada por seus patrões, impedindo-as de usufruir de seus direitos trabalhistas ( Teles, 1999Teles, M. A. A. Trabalhadora Rural. (1999). In M. A. A. Teles, Breve História do Feminismo no Brasil . (pp. 139-142). São Paulo, SP: Brasiliense. ).

Pesquisas sobre trabalhadoras rurais abordam a luta pela terra em assentamentos e movimentos sociais (Costa, Dimenstein, & Leite, 2014; Garcia, 2002Garcia, M. F. (2002). Trabalhadoras rurais e luta pela terra: interlocução entre gênero, trabalho e território. Pegada , 3 , 1-16. doi:10.33026/peg.v3i0.796 ; Salvaro, Lago, & Wolff, 2014; z Van Der Schaaf, 2003)Van Der Schaaf, A. (2003). Jeito de mulher rural: a busca de direitos sociais e da igualdade de gênero no Rio Grande do Sul. Sociologias , (10), 412-442. doi:10.1590/S0104-026X2014000100004 , as relações sociais de gênero e a valorização diferenciada do trabalho realizado por homens e mulheres na agricultura familiar ( Sales, 2007Sales, C. M. V. (2007). Mulheres Rurais: tecendo novas relações e reconhecendo direitos. Revista Estudos Feministas, 22 (1), 437-443. doi:10.1590/S0104-026X2007000200010 ; Silva & Ribeiro, 2004)Silva, M. A. M. M., Ribeiro, A. E. M. (2004). As mulheres de Cachoeirinha: família, produção e gênero numa comunidade rural do Sul Mineiro. Organizações Rurais & Agroindustriais, 6 (2), 22-31. Recuperado de https://bit.ly/3lH17E5
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e no extrativismo sustentável ( Lisboa & Lusa, 2010Lisboa, T. K., Lusa, M. G. (2010) Desenvolvimento sustentável com perspectiva de gênero – Brasil, México e Cuba: Mulheres Protagonistas no meio rural. Revista Estudos Feministas 16 (3), 871-887. doi:10.1590/S0104-026X2010000300013 ; Mendes & Vaz, 2014), e também tratam sobre o êxodo rural de mulheres jovens ( Brumer, 2004)Brumer, A. (2004). Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do Rio Grande do Sul. Estudos Feministas , 12 (1), 205-227. doi:10.1590/S0104-026X2004000100011 .

As pesquisas apontam contextos marcados por lutas de gênero e classe social, em que as mulheres buscam o reconhecimento profissional e a conquista de direitos trabalhistas e previdenciários. A falta de perspectiva de valorização do trabalho rural, as dificuldades e a profunda desigualdade entre homens e mulheres, além da discriminação, da desvalorização e da rotina desgastante de trabalho, somam-se à constatação da prevalência de transtornos mentais comuns em mulheres de um assentamento rural ( Costa et al., 2014Costa, M. G. S. G., Dimenstein, M. D. B., Leite, J. F. (2014). Condições de vida, gênero e saúde mental entre trabalhadoras rurais assentadas. Estudos de Psicologia , 19 (2), 145-154. doi:10.1590/S1413-294X2014000200007 ). De modo geral, as características e peculiaridades dos contextos e situações em que as trabalhadoras rurais estão inseridas denotam uma situação de subalternidade, uma das noções centrais na abordagem pós-colonial. Ling (2016)Ling, L. H. M. (2016). Postcolonial-Feminism: transformative possibilities in thought and action, heart and soul. Postcolonial Studies , 19 (4), 478-480. doi:10.1080/13688790.2016.1317399 chama a atenção para que as análises pós-coloniais feministas integrem raça ao sexo e ao gênero de modo que outras categorias analíticas possam emergir.

É nesse ponto que destacamos as contribuições de Kergoat (2010)Kergoat, D. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais . Novos estudos CEBRAP , (86), 93-103. doi:10.1590/S0101-33002010000100005 para a análise das relações sociais, pois ela aponta em sua pesquisa como as mulheres se constituem em sujeitos coletivos de sua própria história, ou seja, “como sujeito sempre em transformação e irredutível a uma única categoria” (p. 96). A autora trabalha as noções de consubstancialidade e de coextensividade para compreender como as relações sociais são estruturadas não apenas pela classe, mas também pelas categorias raça e gênero, e que essas relações sociais “interagem umas sobre as outras, se reproduzem e se coproduzem mutuamente” (p. 18).

Dessa forma, a compreensão das relações sociais e de seus entrelaçamentos permite analisar as mulheres trabalhadoras como sujeitos políticos e não como vítimas de múltiplas dominações. Para Kergoat (2010)Kergoat, D. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais . Novos estudos CEBRAP , (86), 93-103. doi:10.1590/S0101-33002010000100005 , trata-se de um esforço para pensar “tanto a pluralidade dos regimes de poder como a alquimia que transforma, em mais ou menos longo prazo, esta dominação interiorizada em práticas de resistência” (p. 103). As noções de consubstancialidade e de coexistência permitem vislumbrar, portanto, que os indivíduos das lutas se transformam em um sujeito coletivo produtor de sentido e agente de sua própria história.

O pós-colonialismo como lente para entender o feminismo

O colonialismo pode ser definido como um momento histórico ( Mignolo, 1996Mignolo, W. D. (1996). Herencias coloniales y teorías postcoloniales. In B. Gonzáles Stephan (Org.), Cultura y tercer mundo: câmbios em el saber académico (pp. 265-290). Caracas: Editorial Nueva Sociedade. ) em que, por meio de uma política, é exercido controle ou autoridade sobre alguns territórios, as colônias, sendo estes ocupados por um grupo de indivíduos detentores de poder, chamados de colonizadores. Os(as) nativos(as) desses territórios dominados, por sua vez, são chamados(as) de colonizados(as) ( Lugones, 2014Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas , 22 (3), 935-952. doi:10.1590/S0104-026X2014000300013 ).

Nessas colônias, a linha divisória são os quartéis e delegacias de polícia, onde os soldados apresentam-se como os interlocutores legais e institucionais dos colonizadores sendo porta-vozes dos colonizadores e do regime. Os contatos que os soldados mantêm com os colonizados se dão por meio de linguagens de pura violência, fomentando a dominação ( Fanon, 1968Fanon, F. (1968). Da violência. In F. Fanon, Os condenados da terra (pp. 24-74). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. ).

Sobre as colônias latino-americanas, Taylor (2007)Taylor, C. (2007). Latin American. In J. Mcleod (Ed.), The Routledge companion to postcolonial studies (pp. 46-58). Londres: Routledge. destaca as diferenças entre as vivências dos colonizadores e dos colonizados. De um lado, havia o padrão cultural europeu da família branca, heteroafetiva, católica e patriarcal e, do outro lado, uma diversidade enorme de culturas retiradas de seus contextos originais pela força do império e trazidas para serem exploradas e subjugadas como força de trabalho nas colônias latino-americanas.

No início da colonização nas Américas e no Caribe houve uma distinção dicotômica e hierárquica entre humanos – civilizados(as), colonizadores – e não humanos – indígenas, africanos(as), ex-escravizados(as) – imposta pelos homens ocidentais sobre os(as) colonizados(as), sendo esta acompanhada por outras distinções, como aquelas entre homens e mulheres. Os homens europeus burgueses, heterossexuais e cristãos eram vistos como sujeitos e agentes da civilização e capazes de tomar decisões. As mulheres europeias burguesas, apesar de também serem consideradas humanas, não eram vistas como os homens, mas sim como indivíduos a serviço deles, que deviam satisfazer-lhes, sendo passivas e atadas às tarefas do ambiente doméstico ( Lugones,2014Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas , 22 (3), 935-952. doi:10.1590/S0104-026X2014000300013 ).

Com o passar do tempo, a classificação “colonizado” passou a incluir mulheres, classes subjugadas e oprimidas, minorias nacionais e até subespecialidades acadêmicas que eram marginalizadas. O status de povo colonizado também foi utilizado em análises de zonas de dependência e periferia estigmatizadas pelas designações que utilizam as noções de país subdesenvolvido, menos desenvolvido e/ou em desenvolvimento e que foram governados por países colonizadores desenvolvidos ou metropolitanos ( Said, 1989Said, E. W. (1989). Representing the colonized: anthropology’s interlocutors. Critical Inquiry , 15 (2), 205-225. Recuperado de https://bit.ly/2Piq1y1
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).

As diferenças entre europeus e nativos devem ser entendidas, sobretudo, como uma diferença racial: a “raça branca” era considerada um atributo dos europeus – dominadores, colonizadores – e as “raças de cor” um atributo dos nativos – dominados(as), colonizados(as) – ( Rosa, 2016Rosa, A. R. (2016). Gênero e pós-colonialismo. In A. P. Carrieri, J. C. Teixeira, M. C. R. Nascimento (Orgs.), Gênero e trabalho: perspectivas, possibilidades e desafios no campo dos estudos organizacionais (pp. 57-94). Salvador, BA: Edufba. ). Essas diferenças raciais, conforme afirma Rosa, segregavam e hierarquizavam os grupos subalternos, entretanto, não eram encontradas entre os próprios europeus, uma vez que todos já eram considerados brancos, ainda que existissem diferenças de classe e gênero. Foi a partir dessas duas diferenças que o colonialismo organizou a dominação intragrupal.

Ao considerar as classes sociais, o colonialismo foi uma maneira de expandir o capitalismo, fundando as bases da divisão entre centro e periferia do capital ( Lazarus, 2011Lazarus, N. (2011). What postcolonial theory doesn’t say. Race & Class , 53 (1), 7-19. doi:10.1177/0306396811406778 ), com o predomínio de dois tipos de relação capital-trabalho: no centro, estavam os brancos assalariados, e, na periferia, os não brancos, ex-escravos ou ex-servos. As relações entre centro e periferia e entre trabalho assalariado e trabalho de ex-escravos foram responsáveis por dar visibilidade às diferenças de classe social, criando mecanismos eficientes de acumulação de capital em benefício da Europa – centro – e fomentando as desigualdades sociais e raciais que marcaram as relações entre os grupos dentro das colônias – periferia – ( Quijano, 2000Quijano, A. (2000). Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research , 6 (2), 342-386. doi:10.5195/jwsr.2000.228 ).

Os intelectuais e a academia têm defendido a ideia de que a herança ocidental, considerada por alguns como pós-moderna e por outros como advinda da conturbada história dos colonizadores e colonizados(as), precisa ser revista, reelaborada e reescrita. No caso do Brasil, país colonizado por mais de três séculos, a herança advém dos ex-colonizadores e dos povos que resistiram ao processo colonial ( Gomes, 2007Gomes, H. T. (2007). Quando os outros somos nós: o lugar da crítica Pós-Colonial na universidade brasileira. Acta Scientiarum Human and Social Sciences , 29 (2), 99-105. doi:10.4025/actascihumansoc.v29i2.725 ) e envolve mazelas, como o trabalho de ex-escravos, a exclusão social e diversas dependências econômicas e culturais ( Mignolo, 1996Mignolo, W. D. (1996). Herencias coloniales y teorías postcoloniales. In B. Gonzáles Stephan (Org.), Cultura y tercer mundo: câmbios em el saber académico (pp. 265-290). Caracas: Editorial Nueva Sociedade. ), além do patriarcalismo, um sistema marcado pela posição de submissão da mulher, resultado de uma sociedade em que o homem detinha o poder sobre ela ( Freyre, 2004Freyre, G. (2004). Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime patriarcal . São Paulo, SP: Global. ).

O tempo histórico após o processo de descolonização do Terceiro Mundo, iniciado na segunda metade do século XX, foi denominado de pós-colonial. Essa expressão também pode ser compreendida como um conjunto de contribuições teóricas dos estudos literários e culturais, evidentes em algumas universidades dos Estados Unidos e da Inglaterra a partir dos anos 1980 ( Ballestrin, 2013Ballestrin, L. (2013). América Latina e giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política , (11), 89-117. doi:10.1590/S0103-33522013000200004 ). Outra forma de entender o termo é proposta por Ashcroft, Griffiths e Tiffin (2007) que o definem como uma abordagem de todos os aspectos do processo colonial, desde o início do contato com a colonização, considerando sempre seus antecedentes e as consequências desse processo.

Nesta pesquisa, adotamos a expressão pós-colonial nos referindo ao tempo histórico posterior ao processo de descolonização do Terceiro Mundo, bem como entendemos que a expressão também pode ser vinculada às contribuições teóricas dos estudos literários e culturais, conforme apontam Calás e Smircich (1999)Calás, M. B., Smircich, L. (1999). Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In S. R. Clegg, C. Hardy, N. Phillips (Orgs.), Handbook de Estudos Organizacionais (pp. 276-314). São Paulo, SP: Atlas. ao discorrerem sobre a teoria terceiro-mundista ou pós-colonial. Estamos, assim, adotando os dois entendimentos definidos por Ballestrin (2013)Ballestrin, L. (2013). América Latina e giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política , (11), 89-117. doi:10.1590/S0103-33522013000200004 , mas sem desconsiderar a relevância da visão de Ashcroft et al. (2007)Ashcroft, B., Griffiths, G., Tiffin, H. (2007). Feminism and post-colonialism. In B. Ashcroft, G. Griffiths, H. Tiffin, Post-colonial studies: the key concepts (pp. 93-96). Nova York: Routledge. , visto a importância de não descartar os aspectos envolvidos ao longo do processo de colonização.

O pós-colonialismo consiste em um esforço intelectual para gerenciar as consequências do passado colonial em uma era em que as relações políticas oficiais do colonialismo parecem ter findado ( During, 1998During, S. (1998). Postcolonialism and globalisation: a dialectical relation after all? Postcolonial Studies , 1 (1), 31-47. doi:10.1080/13688799890228 ). Quando se fala em pós-colonialismo, o termo “subalternos(as)” aparece com frequência em estudos sobre a África, a América Latina e a Europa ( Prakash, 1994Prakash, G. (1994). Subaltern studies as postcolonial criticism. American Historical Review , 99 (5), 1475-1490. doi:10.1086/ahr/99.5.1475 ). Spivak (2010)Spivak, G. C.(2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Editora UFMG. descreve os(as) subalternos(as) como as camadas inferiores da sociedade, compostas pelas maneiras específicas de exclusão dos mercados, bem como das representações políticas e legais. Rosa e Alcadipani (2013)Rosa, A. R., Alcadipani, R. (2013). A terceira margem do rio dos estudos críticos sobre administração e organizações no Brasil: (re)pensando a crítica a partir dos pós-colonialismo. Revista de Administração Mackenzie , 14 (6), 185-215. doi:10.1590/S1678-69712013000600009 definem como subalternos(as) os países periféricos e as minorias que vivem no centro, como mulheres, especialmente as mulheres negras, negros e homossexuais, ou seja, aqueles(as) que vivem em condições de silêncio, uma vez que sua legitimidade é dada por pessoas que assumem seus lugares no espaço público, de maneira a representá-los(as).

O encontro dos feminismos e do pós-colonialismo como abordagem crítica examina a violência discursiva das representações literárias e culturais coloniais que forçaram a categorização de gênero de mulheres colonizadas e desconsideraram suas vozes ( Fernando, 2016Fernando, N. (2016). The discursive violence of postcolonial asylum in the Irish Republic. Postcolonial Studies , 19 (4), 393-408. doi:10.1080/13688790.2016.1317390 ). Especificamente sobre as mulheres subalternas, essas encontram-se em uma posição ainda mais periférica que os demais subalternos, visto os impasses relacionados às questões de gênero. Spivak (2010)Spivak, G. C.(2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Editora UFMG. desconstruiu as representações monolíticas de uma mulher do chamado Terceiro Mundo, criticando a indizibilidade dos textos dos subalternos: “se no contexto da produção colonial, o sujeito subalterno não tem história e não pode falar, o sujeito subalterno feminino está ainda mais profundamente na obscuridade” (p. 28).

Nos estudos pós-coloniais, os sujeitos subalternos ganham espaço para que possam falar e ser ouvidos. Esses estudos apresentam diversas semelhanças com os estudos feministas, como a atenção voltada para as teorias da marginalização e da exclusão, e para as construções dos sujeitos considerados como subalternos, seja pelas divergências coloniais entre centros e periferias ou pelas diferenças entre masculinos e femininos ( Ashcroft, 1989Ashcroft, W. D. (1989). Intersecting marginalities: post-colonialism and feminism. Kunapipi , 11 (2), 23-35. Recuperado de https://bit.ly/3c8KH4k
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; Harding, 2009Harding, S. (2009). Postcolonial and feminist philosophies of science and technology: convergences and dissonances. Postcolonial Studies , 12 (4), 401-421. doi:10.1080/13688790903350658 ). Outro aspecto em comum é o questionamento do sujeito universal “mulher” e a rejeição às estruturas binárias impostas pelo patriarcado e pelo colonialismo ( Freyre, 2004Freyre, G. (2004). Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime patriarcal . São Paulo, SP: Global. ; Quijano, 2000Quijano, A. (2000). Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research , 6 (2), 342-386. doi:10.5195/jwsr.2000.228 ).

No Brasil, considerado um dos primeiros países da América Latina em que os estudos feministas foram consolidados ( Piscitelli, 2013Piscitelli, A. (2013). Atravessando fronteiras: teorias pós-coloniais e leituras antropológicas sobre feminismos, gênero e mercados do sexo no Brasil. Contemporânea , 3 (2), 377-404. Recuperado de https://bit.ly/3rcskzE
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), há uma confluência de avaliações sobre a situação do país com relação aos feminismos e ao pós-colonialismo. No caso dos feminismos, as preocupações giram em torno da sua falta de inserção no debate teórico no país. Com relação ao pós-colonialismo, existe a necessidade de refletir sobre um pensamento pós-colonial que esteja baseado na experiência e na vivência histórica do país ( Almeida, 2013Almeida, S. R. G. (2013). Intervenções feministas: pós-colonialismo, poder e subalternidade. Estudos Feministas , 21 (2), 689-700. doi:10.1590/S0104-026X2013000200019 ).

Para utilizar as duas linhas teóricas, sejam elas feministas ou pós-coloniais, é relevante considerar as localizações e posicionamentos de seus campos teóricos no contexto brasileiro. Para tanto, deve-se partir de uma reflexão local que dialogue com as discussões de âmbito global, buscando desfazer as assimetrias históricas que propiciaram as estruturas interligadas e excludentes de poder e conhecimento ( Almeida, 2013Almeida, S. R. G. (2013). Intervenções feministas: pós-colonialismo, poder e subalternidade. Estudos Feministas , 21 (2), 689-700. doi:10.1590/S0104-026X2013000200019 ).

Ashcroft et al. (2007)Ashcroft, B., Griffiths, G., Tiffin, H. (2007). Feminism and post-colonialism. In B. Ashcroft, G. Griffiths, H. Tiffin, Post-colonial studies: the key concepts (pp. 93-96). Nova York: Routledge. argumentam que os feminismos consistem em um importante campo de interesse para os discursos pós-coloniais, por três razões: (a) as políticas feministas e pós-coloniais se opõem à dominação exercida pelo patriarcado e pelo imperialismo; (b) existem muitos debates em sociedades colonizadas sobre o fator político mais relevante na vida das mulheres, se o gênero ou a opressão colonial; e (c) os feminismos e o pós-colonialismo se preocupam com as maneiras e as extensões com as quais as representações e linguagens tornam-se cruciais na formação de identidades e na construção das subjetividades.

Uma das linguagens capazes de expor as críticas pós-coloniais é a das narrativas dos(as) colonizados(as), pois, como estes vivenciaram a experiência colonial e os processos por ela impostos, quais sejam “a dominação, a desumanização, . . . perda de identidade, o preconceito racial. . ., enfim, toda a insensatez que a natureza humana em desequilíbrio pode acionar, eles se tornam porta-vozes legítimos do pós-colonial” ( Pezzodipane,2013Pezzodipane, R. V. (2013). Pós-colonial: a ruptura com a história única. Simbiótica , 1 (3), 87-97. Recuperado de https://bit.ly/3cab0XM
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, p. 89).

As narrativas dos(as) colonizados(as) são chamadas por Bhabha (1998)Bhabha, H. K. (1998). O pós-colonial e o Pós-Moderno: a questão da agência. In H. K. Bhabha, O local da cultura (pp. 239-273). Belo Horizonte, MG: Editora UFMG. de testemunho colonial e as perspectivas pós-coloniais surgem do “testemunho colonial dos países do Terceiro Mundo e dos discursos das ‘minorias’ dentro das divisões geopolíticas do Leste, Oeste, Norte e Sul”. Dessa forma, as revisões críticas do autor são construídas em torno de diferenças culturais, das autoridades sociais e da discriminação política “a fim de revelar os momentos antagônicos e ambivalentes no interior das ‘racionalizações’ da modernidade” (p. 239).

A utilização das experiências, das narrativas e, de maneira geral, dos conhecimentos dos(as) colonizados(as) também é defendida por Rosa (2016)Rosa, A. R. (2016). Gênero e pós-colonialismo. In A. P. Carrieri, J. C. Teixeira, M. C. R. Nascimento (Orgs.), Gênero e trabalho: perspectivas, possibilidades e desafios no campo dos estudos organizacionais (pp. 57-94). Salvador, BA: Edufba. , que defende que essa utilização deve constar entre os pressupostos metodológicos das pesquisas que utilizam a teoria pós-colonial. Para o autor, trata-se da adoção de posturas críticas em relação às práticas das culturas dominantes, sempre com base no conhecimento marginalizado, objetivando elaborar narrativas que retratem as situações em que estão inseridos.

Spivak (2010)Spivak, G. C.(2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Editora UFMG. tem como núcleo de suas análises a possibilidade dos(as) subalternos(as), que vivem em condições de silêncio, falarem por si. Sobre essa possibilidade de fala, a autora mostra uma preocupação com os intelectuais que julgam poder falar pelos(as) subalternos(as), mantendo-os silenciados, considerando-os apenas objetos de conhecimento e reproduzindo, assim, as estruturas de poder e opressão. Logo, os intelectuais não podem falar pelos(as) subalternos(as), mas devem trabalhar contra a subalternidade, criando espaços para que estes(as) possam falar e ser ouvidos.

Ao adotarmos a perspectiva pós-colonial neste trabalho, assim como defendido por Spivak (2010)Spivak, G. C.(2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Editora UFMG. , não temos a intenção de falar pelo grupo de mulheres consideradas subalternas, neste caso, as trabalhadoras rurais da cafeicultura na região do Cerrado Mineiro, mas sim criar um espaço para que elas falem por si, contem suas trajetórias, experiências e expectativas. Na visão de Pezzodipane (2013)Pezzodipane, R. V. (2013). Pós-colonial: a ruptura com a história única. Simbiótica , 1 (3), 87-97. Recuperado de https://bit.ly/3cab0XM
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, criar esse espaço por meio de um estudo pós-colonial traz como principal contribuição a ruptura com uma história considerada única e sustentada por metanarrativas legitimadoras de ideologias do processo de colonização e responsáveis por naturalizar a dominação de determinados homens sobre outros homens e mulheres, cuja justificativa é o processo civilizatório. Portanto, apontamos para a importância de adotar uma perspectiva pós-colonial para descontruir os discursos dominantes.

Procedimentos metodológicos da pesquisa

Esta pesquisa é de natureza qualitativa ( Flick, 2004Flick, U. (2004). Uma introdução à pesquisa qualitativa . Porto Alegre, RS: Bookman. ) e tem como participantes quatorze trabalhadoras rurais da cafeicultura na região do Cerrado Mineiro, aqui representada pelos municípios de Patrocínio, Carmo do Paranaíba e Monte Carmelo, todos reconhecidos pela produção de café e localizados mais ao centro da região do Cerrado Mineiro.

Para selecionar as entrevistadas, não adotamos a classificação proposta pela legislação ( Brasil, 1973Brasil (1973, 8 de junho). Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973. Estatui normas reguladoras do trabalho rural. Brasília, DF. Recuperado de https://bit.ly/3uVtv9b
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) para definir uma trabalhadora rural. Consideramos como trabalhadoras rurais as mulheres que prestam serviços diretamente nas lavouras de café, na área operacional, logo, para participar da pesquisa, as mulheres deveriam atender a esse critério. Utilizamos a técnica snowball , um método de seleção de participantes para pesquisas baseado nas indicações de potenciais entrevistados(as) feitas por pessoas que partilham de algumas características que são de interesse da pesquisa (Biernacki, & Waldorf, 1981). Partimos, inicialmente, de contatos com funcionários(as) de cooperativas e associações, bem como com cafeicultores(as) e outras pessoas ligadas à cafeicultura, como as próprias trabalhadoras rurais, contatadas por meio de e-mails e telefonemas que explicavam a pesquisa e solicitavam, posteriormente, indicações de outras participantes.

O número de trabalhadoras rurais que participariam da pesquisa seguiu a orientação de Gaskell (2002)Gaskell, G. (2002). Entrevistas individuais e grupais. In M. W. Bauer, G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (pp. 64-89). Petrópolis, RJ: Vozes. , que considera necessário entre 15 e 25 entrevistas individuais para atingir a saturação dos dados. Entretanto, obtivemos essa saturação com um total de quatorze entrevistadas, apresentadas na Tabela 1 .

Tabela 1
: Informações gerais sobre as entrevistadas

As quatorze entrevistas foram realizadas presencialmente por uma das pesquisadoras entre setembro e novembro de 2017, nas fazendas produtoras de café em que as entrevistadas prestam seus serviços, por escolha delas, nos municípios de Patrocínio, Carmo do Paranaíba e Monte Carmelo.

Para reunir o material empírico foi utilizado o modelo de entrevista narrativa com as trabalhadoras rurais, seguindo as orientações de Jovchelovitch e Bauer (2008)Jovchelovitch, S., Bauer, M. W. (2008). Entrevista Narrativa. In M. W. Bauer, G. Gaskell (Eds.), Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático (7a ed., pp. 90-113). Petrópolis, RJ: Vozes. , que propõem quatro etapas, além da preparação: (a) a iniciação; (b) a narração central; (c) a fase de perguntas; e (d) a fala conclusiva. O tópico-guia utilizado nas entrevistas foi composto por cinco blocos de questionamentos, elaborados conforme a revisão da literatura e os objetivos da pesquisa. Na etapa de iniciação da entrevista narrativa, foi explicado para cada entrevistada o objetivo da pesquisa, assim como foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme aprovado no Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia. Onze entrevistadas, após lerem e concordarem com as especificações contidas no TCLE, assinaram-no em duas vias, e, em seguida, foi avisado que o gravador seria ligado e iniciava-se, então, a próxima fase. Três das entrevistadas são consideradas analfabetas. Duas delas nunca frequentaram o ambiente escolar, não conseguem ler, nem escrever; a terceira entrevistada estudou por um período de seis meses, não consegue ler, mas consegue escrever seu nome. Nesses casos, além da apresentação, também foi feita a leitura do TCLE para as entrevistadas, tendo essas concordado com os termos nele descritos.

Os quatorze áudios resultantes das entrevistas foram transcritos pelas autoras, na íntegra, sem a utilização de software. A duração média das entrevistas foi de cerca de trinta minutos, resultando no total de 81 páginas transcritas. Em seguida, realizou-se a análise temática desse material, conforme Braun e Clark (2006)Braun, V., Clark, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology , 3 (2), 77-101. doi:10.1191/1478088706qp063oa , para quem a flexibilidade analítica é uma característica que permite aplicar esse tipo de análise com uma variedade de abordagens epistemológicas e teóricas. Além dessa característica, consideramos essa técnica adequada a esta pesquisa pelo fato de ser indicada para trabalhos que envolvem a identificação de sentidos ou padrões comuns de significado compartilhados por um conjunto de entrevistas, em que a análise semântica não seria suficiente (Vaismoradi, Jones, Turunen, & Snelgrove, 2016).

Os procedimentos da análise temática iniciaram com a familiarização com o material empírico, quando transcrevemos as entrevistas, fizemos sua leitura e releitura, anotando as ideias iniciais, por exemplo, aquelas que apontavam para a colonialidade. Em seguida estabelecemos os primeiros códigos de análise, quando identificamos recursos (trechos, palavras, associações) nos textos das entrevistas que pareciam ser relevantes para cada código criado, utilizando um arquivo para separar os códigos. Os primeiros códigos criados foram quatro: hierarquia, identidade, dominação e resistência. Posteriormente, revisitamos o arquivo em busca de potenciais assuntos a serem abordados, quando identificamos três temáticas que nos permitiram seguir para a produção de um mapa temático da análise. Foi então que nomeamos as temáticas, inspiradas nas principais questões discutidas na teoria pós-colonial que nos serviram de orientação para identificar três categorias analíticas: (a) a construção da subalternidade; (b) os espaços hierarquizados; e (c) a dominação colonial. Essa tarefa consistiu em uma análise contínua, com recorrente consulta ao material empírico, e permitiu refinar os temas e as histórias que seriam abordadas. Por fim, produzimos o texto deste artigo, selecionando os trechos que exemplificam as nossas interpretações e que colaboram na resposta às questões da pesquisa, à luz da teoria pós-colonial.

Heranças coloniais nas narrativas das trabalhadoras rurais

Nesta seção, apresentamos três categorias temáticas delimitadas com base na problemática e nos objetivos traçados para esta pesquisa, bem como na revisão da literatura. Em conjunto, essas análises mostram como as heranças do colonialismo estão expressas nas narrativas das trabalhadoras rurais entrevistadas.

A construção da subalternidade

Trajetórias de dificuldades e sofrimento são destacadas nas narrativas das entrevistadas, levando à interpretação de uma construção da posição de subalternidade, em que as mulheres vivem em condições de silêncio ( Spivak, 2010Spivak, G. C.(2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, MG: Editora UFMG. ). Para relacionarmos este apontamento com o período colonial, é necessário relembrar que naquele momento apenas os homens usufruíam da liberdade sexual, no caso específico dos colonizadores e ainda que formalmente inseridos em um casamento monogâmico, enquanto as mulheres brancas, por sua vez, deveriam ser fiéis aos seus maridos ( Freyre, 2004Freyre, G. (2004). Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime patriarcal . São Paulo, SP: Global. ). No caso da entrevistada Maria Tereza, que relata o nascimento de uma filha quando era solteira, fruto de um relacionamento com um homem casado, assim como no período colonial a discriminação foi direcionada a ela, mulher, inclusive por sua própria mãe, conforme pode ser interpretado em seu discurso: “ Minha mãe colocava minhas coisas todas na rua pra que eu saísse de casa , mas aí eu ia, pegava minhas coisas na rua, e voltava pra dentro de casa, porque eu não tinha outro lugar que pudesse ir ” (2017, grifo nosso).

Esse trecho da narrativa de Maria Tereza revela também uma relação de poder protagonizada por ela e sua mãe, representando um exemplo de reprodução da colonialidade, das relações de poder entre mulheres, ou seja, aspectos de um passado colonial que ainda resiste ( Gomes, 2007Gomes, H. T. (2007). Quando os outros somos nós: o lugar da crítica Pós-Colonial na universidade brasileira. Acta Scientiarum Human and Social Sciences , 29 (2), 99-105. doi:10.4025/actascihumansoc.v29i2.725 ; Lugones, 2014Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas , 22 (3), 935-952. doi:10.1590/S0104-026X2014000300013 ; Said, 1989Said, E. W. (1989). Representing the colonized: anthropology’s interlocutors. Critical Inquiry , 15 (2), 205-225. Recuperado de https://bit.ly/2Piq1y1
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). Relações entre mulheres, como essa, são enfatizadas no trabalho de Lugones que trata das classificações e relações entre homens brancos burgueses, mulheres brancas burguesas e mulheres colonizadas.

Algumas entrevistadas, como Maria Tereza, Márcia, Guerreira e Maria II (2017), afirmam-se como “ guerreira ”, utilizando expressões com sentido conotativo como “ não abaixo a cabeça fácil não ”, “ não me deixar vencer fácil ” e “ passei por trancos e barrancos ”. Maria I, Lutadora, Batalhadora I e Maria II (2017) utilizam o termo “ batalhadora ” que também remete à “ guerreira ”. Ambos os termos estão relacionados com as trajetórias de dificuldades enfrentadas por elas. Lúcia, por outro lado, define-se como quem luta, que “ luta como todo mundo ”, ou seja, afirma que não são somente aquelas pessoas que têm trajetórias marcadas por dificuldades que lutam, mas todos.

Maria Tereza, diferentemente das outras entrevistadas, identifica-se como detentora de múltiplas identidades: “ Tem a trabalhadora , a sofredora , a dona de casa , a mãe , a menina . . . tem, tem. . . eu. . . eu me acho muito guerreira ” (2017, grifo nosso), e recorre à intertextualidade constitutiva, trazendo a expressão “ como se diz ” para fazer referência ao julgamento que algumas pessoas fazem de que ela não seria modesta por afirmar algo bom em relação a si própria, no caso, ser uma “ guerreira ”.

Entre os substantivos utilizados para descrever as diferentes formas como se reconhecem, Maria Tereza e Maria utilizam “ dona de casa ” e “ mãe ”, sendo este último também utilizado por Guerreira I (2017). Esse reconhecimento nos remete ao passado histórico, em que no Brasil, assim como em outros países latino-americanos, as mulheres foram subalternizadas, começando pela educação diferenciada e pela avaliação como seres inferiores, predestinados e obrigados à maternidade, aos cuidados com ambientes domésticos, filhos(as), idosos(as) e doentes. Identificar-se como donas de casa e mães pode retomar esse passado, em que os ambientes domésticos e o cuidado com os filhos(as) eram considerados responsabilidade das mulheres, e os ambientes públicos dedicados aos homens ( Kergoat, 2009Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico feminino (pp. 67-76). São Paulo, SP: Editora Unesp. ).

Kergoat (2009)Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico feminino (pp. 67-76). São Paulo, SP: Editora Unesp. destaca essa distinção que destina aos homens as esferas produtivas e às mulheres as esferas reprodutivas. A autora afirma que essa distinção é resultante das condições desiguais em que as mulheres estão inseridas, fruto de construções sociais provenientes das relações sociais entre homens e mulheres, em que impera o princípio da separação – há trabalhos para homens e para mulheres – e da hierarquização – os trabalhos dos homens são mais valorizados que os trabalhos das mulheres.

Essa mesma distinção entre homens e mulheres já era percebida desde o Brasil colonial, logo, o “ serviço de mulher ” narrado pela entrevistada Batalhadora I (2017) mostra outro aspecto da colonialidade. Nas colônias, conforme destacou Rosa (2016)Rosa, A. R. (2016). Gênero e pós-colonialismo. In A. P. Carrieri, J. C. Teixeira, M. C. R. Nascimento (Orgs.), Gênero e trabalho: perspectivas, possibilidades e desafios no campo dos estudos organizacionais (pp. 57-94). Salvador, BA: Edufba. , as mulheres negras, ex-escravas, tinham como principais responsabilidades as atividades da cozinha, da casa-grande e os cuidados com os(as) filhos(as) de seus senhores. As mulheres brancas burguesas eram educadas para serem mães e donas de casa, isto é, para desenvolverem “ serviço de mulher ”.

Com base na análise das trajetórias, que, conforme compreendemos, interferem na forma como as trabalhadoras rurais da cafeicultura na região do Cerrado Mineiro se identificam individualmente e perante a sociedade, concluímos que as trabalhadoras rurais entrevistadas ainda não apresentam as identidades femininas reconfiguradas defendidas por Couto e Schraiber (2013)Couto, M. T., Schraiber, L. B. (2013). Machismo hoje no Brasil: uma análise de gênero das percepções dos homens e das mulheres. In G. Venturi, T. Godinho (Orgs.), Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado: uma década de mudanças na opinião pública (pp. 47-61). São Paulo, SP: Fundação Perseu Abramo; Edições Sesc SP. , pelo contrário. Notam-se aspectos oriundos do período colonial em suas trajetórias e identidades, como a divisão sexual do trabalho, o sofrimento de discriminações, a vivência de exclusões sociais, a reprodução de discursos dominantes em que prevalecem as desigualdades ente homens e mulheres, silêncios, submissões e subalternidades.

Os espaços hierarquizados

A segunda categoria de análise, cuja configuração central é a hierarquização dos espaços, discute como alguns espaços são considerados superiores a outros e, portanto, sua ocupação determina uma relação de colonialidade, pois a hierarquização sintetiza a noção de padrão de poder ( Quijano, 2000Quijano, A. (2000). Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research , 6 (2), 342-386. doi:10.5195/jwsr.2000.228 ). Embora algumas entrevistadas, como Maria Tereza, afirmem que não existem mais desigualdades, suas narrativas e os exemplos que mencionam apontam o contrário. Por exemplo, Maria Tereza afirma que “ Hoje não tem mais essa diferenciação de mulher e homem . Acho que já teve... assim, agora não tem isso mais ! Acho que já teve muito... Hoje em dia não tem isso mais não! ” (2017, grifo nosso). Mas, ela se contradiz ao mencionar que ainda há em uma fazenda, no município de Carmo do Paranaíba, a separação entre homens e mulheres:

Tem fazenda que ainda tem ... não digo separação em termos de preconceito, mas, assim, tipo uma rotina que a fazenda já tem... “ Ah, nóis tem o tratorista ”, “ Ah, essas mulher tá fazendo isso, tá fazendo aquilo ”. Mas eu acho que nem assim é preconceito. Não é dizer “ Ela não dá conta de fazer ”. (Maria Tereza, 2017, grifo nosso)

A entrevistada utiliza a intertextualidade manifesta para se referir à fala de outras pessoas, como “A h, essas mulher tá fazendo isso, tá fazendo aquilo ”, e afirma que tais comentários não são preconceituosos, embora sejam, pois igualdade de gênero implica em igualdade de oportunidades, sem adotar práticas discursivas como as mencionadas.

Guerreira também afirma não haver mais diferenças entre homens e mulheres: “ Hoje em dia todo mundo trabalha igual , tanto faz homem como mulher, faz o mesmo serviço. Hoje em dia é tudo igual ” (2017, grifo nosso). Não apenas hoje, mas desde sempre mulheres e homens são capazes de realizar os mesmos “ serviços ”, entretanto, ainda persistem as desigualdades de oportunidades entre eles, assim como a divisão sexual do trabalho, em que há trabalhos atribuídos a homens e outros a mulheres.

Outra entrevistada, Maria Aparecida, que é a mais velha entre as quatorze entrevistadas, afirma que não há mais desigualdades entre homens e mulheres:

Eu acho que nóis convivemos com pessoas que tem um pensamento diferente de anos atrás , hoje, por exemplo, não existe mais isso de que homem pode faze aquilo e mulher não pode ... É lógico que tem umas coisa que mais depende é do homem e outras é da mulher , mais que não pode, que não deve eu acho que isso aí não tem mais não. (Maria Aparecida, 2017, grifo nosso)

A fala da entrevistada não condiz com os contextos de desigualdades entre homens e mulheres que interpretamos e que são destacados por diversos autores tanto no mercado de trabalho ( Camargos et al., 2014Camargos, M. C. S., Riani, J. L. R., Marinho, K. R. L. (2014). Mercado de trabalho e gênero: uma análise das desigualdades em Minas Gerais. Pretexto , 15 (2), 41-57. doi:10.21714/pretexto.v15i2.1971 ), quanto no ambiente doméstico ( Sousa & Guedes, 2016Sousa, L. P., Guedes, D. R. (2016). A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Revista Estudos Avançados, 30 (87), 123-140. doi:10.1590/S0103-40142016.30870008 ; Hirata, 2015)Hirata, H. (2015). Mudanças e permanências nas desigualdades de gênero: divisão sexual do trabalho numa perspectiva comparada. Análise , (7), 1-22. Recuperado de https://bit.ly/395E40P
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. Mesmo no campo, local onde as trabalhadoras rurais desempenham suas atividades na cafeicultura, prevalecem as desigualdades marcadas pela imbricação das questões de gênero, classe social e raça/etnia (Gomes, Nogueira, & Toneli, 2016).

No final de sua fala sobre não haver mais desigualdades entre homens e mulheres, Maria Aparecida mostra certa reflexão ao dizer que “em casa, aqui... se bem que aqui eu não tenho muita participação dos homens na cozinha não (risos) , mais eu e a minha filha ” (2017, grifo nosso). A expressão “ se bem que ”, utilizada por ela, dá a entender algo como: “Pensando melhor, ainda há sim desigualdades”. Na sua casa, por exemplo, o cuidado com as atividades domésticas fica a cargo da trabalhadora e de sua filha, havendo pouca participação de seu filho e do marido.

Maria (2017) afirma que ainda há um pouco de desigualdade entre homens e mulheres: “ ainda somos um pouco desigual dos homem ”. O léxico “ nóis ” faz referência a todas as mulheres, que segundo a entrevistada, são “ um pouco ” desiguais dos homens. Em termos biológicos, existem sim diferenças, mas não estamos tratando aqui dessas diferenças, mas sim daquelas de natureza social. E, nesses termos, mulheres e homens devem ter, por exemplo, acesso às mesmas oportunidades, o que não ocorreu em tempos passados e ainda persiste na atualidade ( Beauvoir, 1970Beauvoir, S. (1970). O segundo sexo: fatos e mitos . São Paulo, SP: Difusão Europeia do Livro. ; Kergoat, 2009Kergoat, D. (2009). Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In H. Hirata, F. Laborie, H. Le Doaré, D. Senotier (Orgs.), Dicionário crítico feminino (pp. 67-76). São Paulo, SP: Editora Unesp. ; Tedeschi & Colling, 2014Tedeschi, L. A., Colling, A. M. (2014). Os Direitos Humanos e as questões de gênero. História Revista , 19 (3), 33-58. doi:10.5216/hr.v19i3.32992 ).

A entrevistada Guerreira I (2017) fala, especificamente, sobre a comunidade que frequenta, Chapadão de Ferro, recorrendo à intertextualidade manifesta para exemplificar o posicionamento de algumas pessoas, por meio da prática discursiva, quanto à diferenciação entre homens e mulheres. De acordo com ela, “acaba o mundo e vai tê isso, o machismo, a discriminação ”. O léxico “ isso ” faz referência à diferenciação entre homens e mulheres na referida comunidade e, ao recorrer a uma analogia entre o mundo acabar e a continuação dessa diferenciação, a entrevistada mostra não acreditar na possibilidade de mudança. É algo que sempre existiu e sempre existirá.

Maria II e Guerreira I empregam em suas narrativas a flexão verbal do verbo ajudar, importante para nossa análise no que tange às desigualdades. Ambas a empregam referindo-se ao trabalho das mulheres fora dos ambientes domésticos, especificamente na pecuária e na cafeicultura, como uma ajuda aos maridos, reproduzindo, novamente, o discurso dominante sobre a divisão sexual do trabalho. Além disso, ao reproduzirem esse discurso, estão concordando e reforçando a ideia de que são subalternas a eles. Garcia (2002)Garcia, M. F. (2002). Trabalhadoras rurais e luta pela terra: interlocução entre gênero, trabalho e território. Pegada , 3 , 1-16. doi:10.33026/peg.v3i0.796 , em pesquisa sobre trabalhadoras rurais assentadas, mostra que o fato de serem mulheres automaticamente as vincula às esferas privadas e reprodutivas, cujas atividades não são consideradas trabalho, uma vez que não são remuneradas. Já as tarefas desenvolvidas no âmbito produtivo, que são passíveis de remuneração, são consideradas subalternas e complementares, ou seja, uma ajuda.

Um aspecto importante nas análises sobre as desigualdades está na interseccionalidade entre classe social, sexo/gênero e raça/etnia. Ao evidenciar as dinâmicas dessas intersecções, é possível buscar explicações para as desigualdades existentes entre homens e mulheres, como o limitado acesso delas aos empregos menos precários, aos salários mais altos, a uma vida sem violência, bem como aos cargos mais elevados nas hierarquias das organizações. Duas entrevistadas recorrem à interseccionalidade para falar sobre a discriminação com as mulheres. Lutadora (2017) refere-se à interseccionalidade entre classe e gênero: “ E quando ainda é mulher e pobre, aí que discrimina mesmo ”. A entrevistada Maria II (2017) recorre à interseccionalidade entre classe, gênero e raça/etnia: “ Discrimina se é pobre, se é muié, se é mãe solteira, se ni é negra ”. Isso revela que as desigualdades relatadas pelas entrevistadas vão além da questão de gênero, estando relacionadas com outras categorias, como raça, etnia e classe social.

Com relação aos proprietários das fazendas e aos patrões das trabalhadoras rurais, com exceção daquelas que trabalham na agricultura familiar, duas importantes colocações são feitas por duas entrevistadas, Lutadora e Batalhadora I. Lutadora (2017) diz que “ graças a Deus ”, na fazenda em que trabalha, seus patrões lhe deram um trabalho e que, em determinadas atividades, como na desbrota e no cuidado com as pragas, eles preferem as mulheres, por julgarem que elas têm mais cuidado que os homens. Entendemos, neste caso, que os patrões também reproduzem o discurso e os estereótipos sobre a atribuição de tarefas apropriadas para homens e mulheres.

Lutadora (2017) ainda ressalta que, em uma fazenda próxima, os proprietários oferecem trabalho apenas para homens, porque, para eles, o lugar que as mulheres devem ocupar se limita ao ambiente doméstico: “ Os patrão acha que lugar de mulher é só na cozinha, ou cuidando do marido e dos filhos ”. Nesse caso, os patrões adotam uma prática discursiva com a presença do bordão “Lugar de mulher é na cozinha”, carregado de preconceito, discriminação, divisão sexual do trabalho e estereótipos. Na primeira onda dos feminismos no Brasil, no início do século XIX, tanto em famílias mais abastadas como de classes populares, uma das principais preocupações quanto à educação das mulheres era ensinar-lhes a cozinhar e realizar outros afazeres domésticos ( Mendes & Vaz, 2015Mendes, R. S., Vaz, B. J. O. (2015). O movimento feminista e a luta pelo empoderamento da mulher. Gênero & Direito , 4 (3), 88-99. doi:10.18351/2179-7137/ged.2015n3p88-99 ).

Na narrativa de Maria II (2017), entendemos que o respeito que ela afirma ter nas relações de trabalho é, de fato, uma discriminação velada: “ Todo mundo me trata bem e respeita, mas eu vejo que tem gente que oia com os zóio meio torto pras muié que trabaiá aqui, faz brincadeira falando que nóis num vai dá conta ” (grifo nosso). O emprego da conjunção “ mas ” introduz uma frase que denota oposição ou restrição à frase anterior, ou seja, introduz uma oposição ao “ todo mundo me trata bem e respeita ”.

A utilização da metáfora “ oia com os zóio meio torto ”, revela que há preconceito e discriminação para com as mulheres, pois significa olhar com desdém, com desconfiança, desprezo. O fazer “ brincadeira ”, dizendo que as mulheres não conseguirão realizar uma atividade é uma forma velada de preconceito, de machismo, e, a partir do momento em que a trabalhadora utiliza o termo “ brincadeira ”, ela está concordando e reforçando o machismo.

As entrevistadas utilizam os léxicos “ nóis ” e “ a gente ” para fazer referência a elas e às outras trabalhadoras rurais. Essa utilização pode ser explicada pelo fato de elas estarem trabalhando em grupo no dia que as entrevistas foram realizadas. Ao chegar no lugar em que estavam na lavoura, trabalhando juntas e separadas dos homens, que trabalhavam em outro local, foi questionado ao técnico de segurança que levou a pesquisadora até ali sobre qual atividade elas estavam realizando. Ele respondeu que elas estavam retirando os canos que fazem a irrigação nos pés de café, porque um tratorista iria passar por entre as becas de café e poderia danificá-los.

Entendemos que esses contextos de desigualdades em que as trabalhadoras rurais entrevistadas estão inseridas interferem na maneira como elas se identificam. Apresentam, também, relações diretas com as generalizações que homens, outras mulheres e até elas mesmas, assim como a sociedade, fazem sobre determinados comportamentos ou características das mulheres trabalhadoras rurais entrevistadas.

A dominação colonial

Essa categoria temática se refere à reprodução de valores coloniais, mesmo que, às vezes, eles sejam ligeiramente modificados. Foram analisados nas entrevistas alguns aspectos do modo colonial de organização da vida social, o que nos levou a interpretar que essa categoria está entrelaçada com as duas outras anteriores, pois vislumbramos usos estratégicos de classificações visando a reprodução do sistema colonial ( Rosa, 2016Rosa, A. R. (2016). Gênero e pós-colonialismo. In A. P. Carrieri, J. C. Teixeira, M. C. R. Nascimento (Orgs.), Gênero e trabalho: perspectivas, possibilidades e desafios no campo dos estudos organizacionais (pp. 57-94). Salvador, BA: Edufba. ).

Maria II (2017) se reconhece como negra e conta, com certa tristeza – perceptível pela mudança em seu tom de voz, e por ter desviado seu olhar para o chão –, o posicionamento de alguns de seus colegas: “ tem uns que me chama de negona . Eu num gosto disso, é brincadeira que faz mal pra gente. Meu nome num é negona , e as muié é capaz que nem homem ” (grifo nosso).

No caso de Maria II (2017), ela usa o léxico “ uns ” para se referir àqueles que a denominam como “ negona ”, sem dizer se essa discriminação da cor da pele parte de homens e/ou mulheres. A entrevistada considera ser assim chamada como “ brincadeira que faz mal pra gente ”. Porém, essa é uma forma de discriminação velada, pois como a entrevistada diz: “ Meu nome num é negona ”. Quando ela menciona que “ as muié é capaz que nem homem ”, revela a discriminação de gênero. Ou seja, por meio da fala da entrevistada, identifica-se a presença da interseccionalidade entre gênero e raça.

Nesse caso, há a reprodução dos estereótipos das mulheres como mães e cuidadoras de idosos, bem como do estereótipo de que as mulheres devem estar limitadas à esfera reprodutiva. Silva e Ribeiro (2004)Silva, M. A. M. M., Ribeiro, A. E. M. (2004). As mulheres de Cachoeirinha: família, produção e gênero numa comunidade rural do Sul Mineiro. Organizações Rurais & Agroindustriais, 6 (2), 22-31. Recuperado de https://bit.ly/3lH17E5
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referem-se a essa questão em sua pesquisa, afirmando que os trabalhadores e as trabalhadoras rurais entrevistados consideravam obrigação das mulheres cuidar da casa e dos filhos e dos homens colocar o que for necessário para o sustento dentro de casa.

Ao falar sobre suas expectativas para o futuro, identifica-se no relato de Maria II a reprodução desses estereótipos:

No pessoal eu penso mais é no filho , nim igual te falei, quero dar pra ele o que não tive, quero vê ele estudar, formar, ter um bom emprego pra não precisar sofrer igual nóis, e quero tentá dar um conforto pra mãe tamém . Ela já sofreu muito, agora tá doente e só tem eu por ela. No lado profissional ficar por aqui mesmo tá bom . Igual falei procê, é difícil pra mim que num tem estudo, é mulher, “negona” como eles diz, né?, mãe sorteira , então é pegar firme aqui, colocar as mão pro céu e agradece que tenho serviço e trabaiá até ver meu fio bem, encaminhado. (Maria II, 2017, grifo nosso)

Apesar de considerar a denominação de “ negona ” como uma “ brincadeira que faz mal ”, Maria II faz menção a ela ao reproduzir o estereótipo de que por ser mulher, mãe solteira, “ negona ” e não ter estudo não resta outra alternativa além de ser trabalhadora rural, logo, ela se sente na obrigação de agradecer por ter um trabalho, utilizando para isso a metáfora que remete à ideologia religiosa de agradecer a Deus: “ colocar as mão pro céu e agradece ”. A entrevistada Lutadora (2017) também faz referência à falta de alternativas de trabalho para quem é mulher e não tem estudo.

Essa análise nos remete ao estereótipo de que, para as mulheres que trabalham fora do ambiente doméstico, devem ser destinados os trabalhos mais precários, nos menores níveis hierárquicos das organizações e de menor prestígio social, conforme ressaltam Bruschini (2007)Bruschini, M. C. A. (2007). Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de Pesquisa , 37 (132), 537-572. doi:10.1590/S0100-15742007000300003 e Camargos et al. (2014)Camargos, M. C. S., Riani, J. L. R., Marinho, K. R. L. (2014). Mercado de trabalho e gênero: uma análise das desigualdades em Minas Gerais. Pretexto , 15 (2), 41-57. doi:10.21714/pretexto.v15i2.1971 . Além disso, quando estão inseridas no ambiente público, as mulheres não podem, por exemplo, tomar decisões. Lúcia (2017) faz referência ao fato de que os homens ditam as ordens e as mulheres as acatam sem questionar. Ela ilustra a reprodução desse estereótipo ao contar sobre como era a situação na cooperativa da qual fazia parte, recorrendo à intertextualidade manifesta:

“Ah, é mulher e tá mandando? ”. Exatamente essa conversa. Eu tinha que ter toda cautela para não passar... eu ficava por trás do meu marido, ensinando ele pra não passar na frente dele pra não chamar ele de marica . Que é sua muié que manda ”, e se falasse perto de mim eu falava “É eu que mando mesmo, cê tá falando mentira não. Eu que mando mesmo!”. (Lúcia, 2017, grifo nosso)

Entendemos que nessa situação há a reprodução dos discursos dominantes sobre as mulheres não poderem falar, nem opinar, pois são os homens os tomadores de decisões ( Costa & Sardenberg, 2008Costa, A. A. A., & Sardenberg, C. M. B. (Orgs.). (2008). O Feminismo no Brasil: reflexões teóricas e perspectivas . Salvador, BA: UFBA. ; Silva & Ribeiro, 2004)Silva, M. A. M. M., Ribeiro, A. E. M. (2004). As mulheres de Cachoeirinha: família, produção e gênero numa comunidade rural do Sul Mineiro. Organizações Rurais & Agroindustriais, 6 (2), 22-31. Recuperado de https://bit.ly/3lH17E5
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. Lúcia afirma que as mulheres que não participam e não se manifestam não o fazem por receio de serem julgadas ou de que seus maridos sejam julgados, chamados de “ maricas ” por estarem sob ordens das esposas. Contextos como esses, em que os maridos são aqueles que devem dar as ordens e tomar as decisões, já são observados desde o período colonial ( Lugones, 2014Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas , 22 (3), 935-952. doi:10.1590/S0104-026X2014000300013 ; Rosa, 2016)Rosa, A. R. (2016). Gênero e pós-colonialismo. In A. P. Carrieri, J. C. Teixeira, M. C. R. Nascimento (Orgs.), Gênero e trabalho: perspectivas, possibilidades e desafios no campo dos estudos organizacionais (pp. 57-94). Salvador, BA: Edufba. , o que nos permite afirmar que situações como a de Lúcia, que são vivenciadas na atualidade, representam heranças do colonialismo.

Na fazenda em que a Trabalhadora I mora e trabalha, moram outras duas famílias. Segundo a entrevistada:

Alguns dos maridos acham que lavoura é serviço deles e não das mulheres , outros não... alguns ainda pensam assim, que lugar de mulher é dentro de casa , mas tem os que não... tem uma das mulher que mora aqui que tem um bebezinho, não tem como ela trabalhar. Agora a outra... ela já não... acho que não trabalha assim também porque um pouco falta força de vontade também. (Trabalhadora I, 2017, grifo nosso)

Nesse trecho, identifica-se a presença de um dos aspectos da colonialidade: “ lugar de mulher é dentro de casa ”. A entrevistada também reproduz um estereótipo ao dizer que se a mulher não trabalha é por “falta de vontade ”, mesmo tendo afirmado anteriormente qual é a prática discursiva de alguns dos maridos. Garcia (2002)Garcia, M. F. (2002). Trabalhadoras rurais e luta pela terra: interlocução entre gênero, trabalho e território. Pegada , 3 , 1-16. doi:10.33026/peg.v3i0.796 apresenta situação semelhante em sua pesquisa. As trabalhadoras rurais assentadas, atuantes na luta pela terra, afirmam que as mulheres não atuantes não participam por não quererem. Ao assumir esse posicionamento, essas trabalhadoras, assim como a Trabalhadora I, não reconhecem as limitações de gênero a que as mulheres estão expostas e que seus companheiros são os principais responsáveis por essas limitações.

Algumas entrevistadas, ao reproduzirem estereótipos da mulher como um sujeito universal, dos quais os discursos dominantes estão carregados, estão concordando com a ideia da subordinação presente em diferentes contextos desde o período colonial, ou seja, as mulheres devem ser submissas aos homens, estando presas a um ciclo de dominação. Enquanto solteiras vivem sob as ordens dos pais e, após casarem-se, devem ser submissas às ordens dos maridos, dedicando-se aos cuidados com a casa, os filhos e os companheiros ( Rosa, 2016Rosa, A. R. (2016). Gênero e pós-colonialismo. In A. P. Carrieri, J. C. Teixeira, M. C. R. Nascimento (Orgs.), Gênero e trabalho: perspectivas, possibilidades e desafios no campo dos estudos organizacionais (pp. 57-94). Salvador, BA: Edufba. ).

As análises dos estereótipos apresentam relações diretas com a colonialidade, e também com os contextos de desigualdades e identidades aqui analisados. Esses contextos evidenciados estão saturados de reproduções de valores coloniais, afetando as maneiras como as entrevistadas se reconhecem e se identificam, uma vez que a maioria delas tem naturalizado essas desigualdades e estereótipos, assumindo-os para si e reproduzindo-os na relação com as outras mulheres.

Considerações finais

Nesta pesquisa analisamos as heranças do colonialismo expressas nas narrativas das mulheres trabalhadoras rurais da cafeicultura na região do Cerrado Mineiro a partir da identificação das ideias centrais dos estudos pós-coloniais: a subalternidade, a hierarquização do espaço e a manutenção da colonialidade.

A perspectiva pós-colonial nos possibilitou vislumbrar que as narrativas das trabalhadoras rurais entrevistadas remetem a uma herança colonial, ou seja, à colonialidade, destacada em trabalhos como o de Said (1989)Said, E. W. (1989). Representing the colonized: anthropology’s interlocutors. Critical Inquiry , 15 (2), 205-225. Recuperado de https://bit.ly/2Piq1y1
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, Mignolo (1996)Mignolo, W. D. (1996). Herencias coloniales y teorías postcoloniales. In B. Gonzáles Stephan (Org.), Cultura y tercer mundo: câmbios em el saber académico (pp. 265-290). Caracas: Editorial Nueva Sociedade. , Quijano (2000)Quijano, A. (2000). Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-Systems Research , 6 (2), 342-386. doi:10.5195/jwsr.2000.228 , Gomes (2007)Gomes, H. T. (2007). Quando os outros somos nós: o lugar da crítica Pós-Colonial na universidade brasileira. Acta Scientiarum Human and Social Sciences , 29 (2), 99-105. doi:10.4025/actascihumansoc.v29i2.725 , e Lugones (2014)Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas , 22 (3), 935-952. doi:10.1590/S0104-026X2014000300013 . Primeiramente, a construção da subalternidade das mulheres , marcada pela submissão dessas aos homens, é uma das formas de opressão presente nos tempos coloniais ( Costa & Sardenberg, 2008Costa, A. A. A., & Sardenberg, C. M. B. (Orgs.). (2008). O Feminismo no Brasil: reflexões teóricas e perspectivas . Salvador, BA: UFBA. ). Os espaços hierarquizados , que encontramos hoje em diversas esferas da vida social, constituem-se também em heranças coloniais, em que os homens ocupavam lugares e postos de prestígio ( Beauvoir, 1970)Beauvoir, S. (1970). O segundo sexo: fatos e mitos . São Paulo, SP: Difusão Europeia do Livro. . A dominação colonial , que sintetiza o pensamento colonial, se constitui pela hierarquização e pela subalternidade, estando tais categorias analíticas imbricadas.

No entanto, não se pode negligenciar que as mulheres entrevistadas são sujeitos coletivos de sua própria história ( Kergoat, 2010Kergoat, D. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais . Novos estudos CEBRAP , (86), 93-103. doi:10.1590/S0101-33002010000100005 ) e, como sujeitos políticos que são, produzem suas histórias de luta, ora interiorizando práticas de resistência, ora reproduzindo as narrativas coloniais. Recorrendo às noções de consubstancialidade e coextensividade, apontadas por Kergoat, as categorias temáticas revelam como a estrutura social, em que classe, raça e gênero se relacionam, imprime conteúdos concretos às relações sociais das entrevistadas, pois essas narraram experiências sociais diferentes.

A partir da análise das narrativas das trabalhadoras rurais entrevistadas, entendemos que, nos contextos específicos em que essas mulheres estão inseridas, o colonialismo apresenta algumas fissuras, ou seja, apesar de termos alcançando a Independência, o colonialismo deixou marcas, como a colonialidade dos gêneros, a hierarquização dos espaços que devem ser ocupados por homens e por mulheres e a relação entre centro e periferia, sendo esta ocupada por elas.

As relações de gênero encontradas se manifestam por meio da naturalização e da reprodução de estereótipos, de desigualdades, de diferenças de gênero, raça e classe social, que estão presentes em seus cotidianos de trabalho, nos ambientes domésticos e na sociedade. As maneiras pelas quais as relações desiguais entre os gêneros são manifestadas são naturalizadas e incorporadas nas práticas discursivas e sociais das próprias trabalhadoras que, em alguns momentos de suas narrativas, acabam por reproduzir os discursos dominantes e em outros os negam. Essas relações de gênero são ditadas pelo poder que os homens e a sociedade exercem sobre as mulheres, tal como era no colonialismo.

Nossa contribuição principal está relacionada à lacuna nas produções científicas quanto aos trabalhos desenvolvidos sobre a questão de gênero em contextos rurais e, especificamente, adotando a perspectiva pós-colonialista. O pós-colonialismo e o feminismo são perspectivas que navegam por terrenos conceituais complexos e ambos procuram dar sentido ao mundo. Dessa forma, conversações dentro e entre essas perspectivas são caminhos para o avanço dos estudos sobre essas temáticas no campo das organizações. Entendemos que esta pesquisa pode incentivar a produção de espaços em que seja possível reconhecer o compromisso com discursos e conhecimentos alternativos.

A contribuição social que destacamos está diretamente relacionada às trabalhadoras rurais entrevistadas. Durante a realização das entrevistas, percebemos que alguns dos questionamentos fizeram aflorar nelas sentimentos de alegria e tristeza, bem como momentos de reflexão. Ao falar sobre os(as) filhos(as), suas falas ganhavam um tom de alegria, sendo o momento em que mais sorrisos surgiram. Narrar quais são suas expectativas para o futuro trouxe uma entonação de voz que sugeriu um misto de alívio, ao falar da espera pela aposentadoria, por exemplo, e de esperança, ao contar sobre um novo emprego, sobre a mudança para outra cidade etc.

O momento de narrar suas trajetórias foi quando todas as quatorze entrevistadas assumiram um semblante de tristeza, o tom de voz era mais baixo e em alguns casos notamos que lágrimas vieram aos olhos das trabalhadoras rurais. Momentos de reflexão também estiveram presentes nas entrevistas. Maria Tereza (2017), por exemplo, ao contar como é sua rotina no trabalho, após um instante de pausa, retoma sua fala com um tom de voz que sugere dúvida, dizendo que nunca tinha parado para pensar por que ela é a única mulher na fazenda que trabalha na cafeicultura. Maria Aparecida (2017), ao falar sobre como ela percebe a sociedade, diz não haver mais diferenças entre homens e mulheres, mas, ao parar por um instante sua fala, ela diz que em casa são apenas as mulheres que cuidam dos afazeres domésticos. Considerando essas exposições, entendemos que este artigo contribuiu, também, para promover reflexões nas trabalhadoras rurais quanto as suas condições e aos contextos em que estão inseridas.

Como contribuição prática, ao ter criado um espaço para que as trabalhadoras rurais da cafeicultura na região do Cerrado Mineiro narrem suas trajetórias, relatem como se reconhecem, os contextos em que estão inseridas, bem como as tensões existentes entre vida social, pessoal e de trabalho, esta pesquisa poderá contribuir com a formulação de políticas públicas que atendam a suas necessidades e demandas, além de poder contribuir com mudanças na postura gerencial das fazendas, de maneira a tentar promover uma equidade de oportunidades na cafeicultura.

Entre as limitações encontradas ao longo dos percursos seguidos para a construção desta pesquisa, destacamos os poucos trabalhados na área de administração que relacionam mulheres e pós-colonialismo. Essa lacuna dificulta um dos aspectos da perspectiva pós-colonial, que é a desconstrução da produção colonial, conforme Calás e Smircich (1999)Calás, M. B., Smircich, L. (1999). Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais. In S. R. Clegg, C. Hardy, N. Phillips (Orgs.), Handbook de Estudos Organizacionais (pp. 276-314). São Paulo, SP: Atlas. afirmam. Outra limitação, desta vez relacionada ao trabalho de campo, implica em contornar a timidez de algumas das entrevistadas durante a realização das entrevistas. Houve casos em que, ao serem questionadas sobre como eram suas relações no ambiente de trabalho, as entrevistadas davam respostas como “ É boa ”. Outra dificuldade relacionada à realização das entrevistas foi o acesso aos locais escolhidos pelas entrevistadas para a realização da conversa, pois todas foram feitas nas fazendas em que as trabalhadoras rurais moram ou trabalham, em suas casas ou nas lavouras de café durante seus horários de serviço. Destacamos também os casos em que as trabalhadoras rurais não mais se disponibilizarem a participar da pesquisa.

Como desdobramento deste artigo, sugerimos uma agenda de pesquisa que contemple o aprofundamento das categorias analíticas aqui identificadas. Por exemplo, estudos que se orientem para explorar como a subalternidade de trabalhadoras rurais foi construída no contexto latino-americano, considerando discussões teóricas de autores dessa área como bases para as possíveis explicações. Ainda, considerando que as análises feministas pós-coloniais são vitais para a compreensão da subalternidade das mulheres, sugerimos a realização de pesquisas que revelem a violência discursiva e que exponham como o discurso é performativo.

Agradecimentos

Agradecemos às(aos) revisoras(es) pelas contribuições valiosas que nos ajudaram a aprimorar o artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2018
  • Aceito
    30 Jun 2020
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