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Editorial

EDITORIAL

Claudia Regina Furquim de Andrade

Professora Titular Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo

Prezados leitores,

O segundo Editorial de 2009 procura compartilhar uma discussão sobre os fatores que influenciam mais ou menos a decisão de um fonoaudiólogo em cursar e concluir um curso de pós graduação estrito senso (mestrado e doutorado) na área. Todos sabemos que a formação de doutores - em campo específico - implica no futuro da Fonoaudiologia, quer quanto à autonomia na geração de conhecimento (pesquisas), quer quanto na prática clínica baseada em evidências (fundamentos que venham de encontro à demanda dos serviços).

Dados americanos do Conselho de Programas Acadêmicos em Ciências e Distúrbios da Comunicação Humana (CAPCSD) indicam que num estudo retrospectivo de 20 anos, existe - na América - um perfil de estabilidade do número de fonoaudiólogos que buscam a titulação de doutores. Este número não acompanha o número crescente de profissionais que terminam a graduação e nem refletem as demandas populacionais pelos serviços de Fonoaudiologia.

Segundo o CAPCSD, os fatores considerados positivos - ou seja, as razões para quem busca um programa de mestrado e doutorado - são:

. gosto e interesse acadêmico e pela pesquisa;

. desejo de ter um foco de expertise, respeito e credibilidade confiados pela sociedade ao profissional que se titula;

. desejo de crescimento profissional que é refletido pela ascensão aos graus da carreira.

Para este conselho, os fatores considerados negativos - ou seja, as razões para quem não busca um programa de mestrado e doutorado - são:

. considerações familiares;

. fatores financeiros (ganha-se menos na vida acadêmica do que na prática clínica);

. falta de interesse e disponibilidade pessoal para estudar;

. tempo despendido para a formação;

. medo da dissertação e tese;

. falta de interesse em ensinar pessoas.

Pelos dados do CAPCSD, 58% dos fonoaudiólogos americanos nunca consideraram seriamente cursar um programa de mestrado e doutorado, contra 42% que consideram seriamente essa formação. Do grupo que seriamente considerou a formação estrito senso, 33% chegou a se submeter aos processos de seleção, e destes, 95% foram aceitos.

Uma abordagem interessante foi a análise sobre a evasão dos alunos, efetivamente matriculados nos programas, sob diferentes pontos de vista: dos alunos e dos professores.

As cinco principais razões dos alunos, segundo significância estatística, foram:

1. O trabalho clínico é mais satisfatório.

2. A identificação com o ambiente acadêmico. 3. Não ter completado a dissertação ou tese.

4. Insuficiência de recursos financeiros.

5. Tempo de dedicação exigido pelo programa.

As cinco principais razões para os professores/ orientadores foram:

1. O trabalho clínico é mais satisfatório.

2. Disponibilidade de recursos financeiros.

3. Não identificação com o ambiente acadêmico.

4. Perda ou incompatibilidade com o orientador.

5. Desilusão com a pesquisa.

No Brasil, os cursos de Pós-Graduação estrito senso estão em grande desenvolvimento, atingindo patamares de excelência, referenciados pelas avaliações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Poderíamos considerar esse momento para iniciarmos algumas reflexões para o planejamento e gerenciamento do nosso crescimento como formadores de alunos e, nós mesmos, como pesquisadores.

Com base na experiência americana e pelos dados apresentados no início do texto e comparando com o perfil de procura e crescimento do envolvimento dos pesquisadores como massa crítica que ascende no Conselho Nacional de Pesquisa, onde dos quase 500 fonoaudiólogos doutorados do país, menos de 10% desses doutores se tornam realmente pesquisadores, deixo aqui, como disse no início, para reflexão, algumas variáveis que poderiam ser discutidas em fóruns internos dos novos cursos de Pós-Graduação:

1. Favorecer que o aluno que entra na formação estrito senso realmente tenha modelos de suporte para iniciarem nas linhas de pesquisa definidas pelos programas, propostas de pesquisas independentes.

2. Que dentro dos modelos que fundamentam os programas sejam priorizadas as pesquisas, com design compatível e semi estruturado (quer qualitativamente quer quantitativamente).

3. Os programas podem trocar metas temáticas entre si e incentivar os alunos de diferentes instituições a desenvolver dentro de um único projeto, diferentes perspectivas desse projeto, segundo a vertente de enfoque (compatível com o programa).

4. Que os programas estejam mais atentos para o grande número de propostas de internacionalização disponíveis, oferecendo aos alunos oportunidade de pesquisas multiculturais.

Assim, vale considerar e nos preparar para:

1. Formar doutores suficientemente embasados para iniciarem linhas de pesquisas independentes.

2. Incentivar a realização de pós-doutoramentos.

3. Incentivar a internacionalização na formação dos alunos (doutorados, pós-doutorados) para maximizar a exposição em diferentes centros educacionais e, conseqüentemente, às diferentes modalidades teóricas, de pesquisa e de ensino.

4. Incentivar as oportunidades para promover pesquisas multicêntricas (dois ou mais programas unidos num projeto de pesquisa) principalmente com parceiros internacionais.

Este segundo número de 2009 apresenta doze artigos de pesquisa, um estudo de caso, uma carta sobre pesquisa e um relato de seção especial.

No primeiro estudo, Angrisani et al. (2009) apontam que os potenciais evocados auditivos (PEA) são testes eletrofisiológicos que têm sido utilizados como instrumento para determinar o diagnóstico de diversas desordens, assim como para avaliar os resultados de processos terapêuticos. Baseadas nesta justificativa, as autoras propõem um estudo cujo objetivo foi caracterizar os PEA de oito indivíduos gagos, comparando os resultados destes aos de oito indivíduos fluentes e verificar a evolução dos resultados destes potenciais frente à terapia fonoaudiológica. Cada grupo foi submetido a duas avaliações do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE), de Média Latência (PEAML) e Potencial Cognitivo (P300), com intervalo de três meses entre elas. Os resultados indicaram que o PEAML e o P300 foram os que melhor diferenciaram os dois grupos e os três PEA manifestaram a plasticidade neuronal pós-terapia fonoaudiológica.

Tendo como pressuposto a afirmação de que os potenciais evocados auditivos de longa latência (PEALLs) fornecem dados objetivos sobre a funcionalidade das estruturas centrais auditivas, o objetivo do estudo apresentado por Ventura et al. (2009) foi caracterizar a maturação do sistema auditivo central em 56 crianças com audição normal. Os resultados obtidos sugerem que o processo maturacional do sistema auditivo central acontece de maneira gradativa, sendo as maiores modificações observadas ao se comparar crianças e adultos. Os resultados apontam ainda que não foi observada diferença estatisticamente significante entre os sexos.

A pesquisa apresentada por Rossi et al. (2009) tem como tema a Síndrome de Williams-Beuren (SWB) e suas implicações na fala de seus portadores. Segundo os autores, a ocorrência de disfluências de fala pode ser decorrente de prejuízos léxico-semânticos. Desta forma, o objetivo desta pesquisa foi obter o perfil da fluência da fala de indivíduos com a SWB e comparar com um grupo controle pareado por gênero e idade mental semelhante. Os resultados apontaram que o perfil da fluência da fala apresentado pelos indivíduos com a SWB mostrou a maior ocorrência de disfluências comuns (principalmente hesitações e repetições de palavras) quando comparados aos indivíduos com idade mental semelhante e com desenvolvimento típico de fala e linguagem. A maior ocorrência de disfluências comuns encontrada nos indivíduos com a SWB pode ser decorrente de um prejuízo no processamento léxico-semântico e sintático da informação verbal nestes indivíduos.

O objetivo do estudo apresentado por Mousinho e Correa (2009) foi avaliar o desempenho de leitores e não-leitores em tarefas relacionadas com diversas habilidades lingüístico-cognitivas estabelecendo a implicação desses resultados para a clínica fonoaudiológica e para a educação. Participaram do estudo 35 crianças em processo de alfabetização, destas, 15 crianças foram consideradas leitoras e 20 crianças consideradas não-leitoras. Os resultados obtidos apontaram que as crianças consideradas como leitoras apresentaram melhor desempenho nas tarefas de avaliação de consciência fonológica quando comparadas às crianças não leitoras. As autoras ressaltam que o desempenho de crianças leitoras e não-leitoras nas avaliações de consciência fonológica mostra a importância de se considerar o nível de segmentação lingüística requerido e a demanda cognitiva exigida pela natureza da tarefa.

Mota e Melo Filha (2009) apresentaram um estudo sobre as habilidades de consciência fonológica de crianças com histórico de desordens fonoaudiológicas. O objetivo do estudo foi comparar o desempenho das habilidades em consciência fonológica de um grupo de crianças com histórico de transtorno fonológico, após sua superação, através de terapia fonológica com indivíduos em desenvolvimento fonológico típico. Os resultados demonstraram que, mesmo após a intervenção fonológica, o grupo de crianças com histórico de transtorno fonológico (mesmo após a superação do quadro inicial) apresentou desempenho inferior nas habilidades de consciência fonológica.

Avaliar a qualidade vocal e a qualidade de vida relacionada com a voz em 103 mulheres idosas (com idades entre 60 a 103 anos) foi o objetivo da pesquisa apresentada por Gama et al. (2009). Os resultados apontaram que, apesar da maioria das idosas apresentarem algum grau de disfonia, a alteração vocal não impactou sua qualidade de vida. No entanto, os valores dos escores físicos e o total do Questionário de Qualidade de Vida Relacionada à Voz se correlacionaram com o grau de severidade da disfonia, indicando que quanto mais grave é a disfonia, menor é a qualidade de vida relacionada à voz.

Rissatto e Novaes (2009) propuseram a caracterização de um protocolo de verificação da adaptação dos aparelhos de amplificação sonora individual (AASI) em crianças e o impacto da adequação das características acústicas em tarefas de percepção de fala. Os resultados indicaram que as porcentagens médias de acertos melhoraram após as modificações das características eletroacústicas. As autoras concluem ser necessária a utilização de um protocolo de verificação e validação na adaptação do AASI em crianças.

Na introdução do seu estudo, Baggio et al. (2009) apontam que a gentamicina é um antibiótico que atua nas infecções causadas por bacilos Gram-negativos, sendo que seu efeito colateral mais importante é a ototoxicidade. Baseados nesta afirmativa, os autores realizaram um estudo cujo objetivo foi verificar a ocorrência de lesão às células ciliadas externas (CCE) causada pela gentamicina em 26 cobaias albinas, por meio de um estudo anatômico por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e estudo funcional através das emissões otoacústicas por produto de distorção (OEAPD). Os resultados indicaram que não foram observadas lesões ou alterações no funcionamento das células ciliadas externas mediante a dosagem aplicada em cobaias albinas.

Cera e Ortiz (2009) propuseram uma pesquisa onde foi realizada uma análise fonológica dos erros presentes na fala de 20 indivíduos adultos com apraxia de fala, falantes do Português Brasileiro. De acordo com os resultados obtidos, as autoras concluíram que os erros presentes na fala dos indivíduos com apraxia de fala parecem sofrer interferência específica da língua, uma vez que os fonemas mais freqüentemente produzidos com erro diferiram dos descritos em estudos internacionais.

O objetivo do estudo apresentado por Prates et al. (2009) foi avaliar o índice percentual de reconhecimento de fala (IPRF) utilizando compressão de freqüências em três razões diferentes. Para isso, palavras monossílabas foram gravadas utilizando um algoritmo de compressão de freqüências em três razões: 1:1, 2:1, 3:1, gerando três listas de palavras. Os resultados indicaram que a compressão de freqüências dificultou o reconhecimento da fala, sendo que, quanto maior a razão de compressão, maior foi a dificuldade. Além disso, os autores sugerem que a familiaridade com as palavras facilita o seu reconhecimento em qualquer condição de escuta.

Comparar a linguagem expressiva de crianças nascidas pré-termo com a de crianças nascidas a termo aos dois anos de vida foi o objetivo proposto no estudo realizado por Isotani et al. (2009). Os resultados do estudo mostraram que as crianças nascidas pré-termo e de baixo peso apresentam maior ocorrência de atraso na linguagem expressiva. Além disso, estas crianças nascidas pré-termo apresentam vocabulário expressivo significantemente menor que crianças nascidas a termo na mesma idade. A partir destes resultados, as autoras concluem que as crianças nascidas prematuras de baixo peso apresentaram risco para o desenvolvimento do vocabulário.

Schwarz e Cielo (2009) propuseram uma pesquisa cujo objetivo foi investigar o impacto vocal e laríngeo e as sensações surgidas frente à execução da técnica de vibração sonorizada de língua (TVSL). Os resultados obtidos indicaram que após a execução da TVSL, evidenciou-se diferença estatisticamente significativa para: a melhora do tipo de voz; foco de ressonância vertical; da qualidade vocal; o predomínio de sensações positivas; a manutenção dos parâmetros das imagens laríngeas e o aumento da freqüência fundamental, entre outros parâmetros.

O relato de caso apresentado por Barreto et al. (2009) teve o objetivo de caracterizar as alterações perceptivo-auditivas e acústicas da fala de três pacientes com ataxia espinocerebelar e verificar a presença de manifestações comuns entre os casos. As autoras concluem que manifestações fonatórias e dos padrões temporais da fala parecem ser características de pacientes disártricos com ataxia espinocerebelar.

Béfi-Lopes et al. (2009) apresentaram uma carta sobre pesquisa cujo objetivo foi verificar a compreensão e a produção do singular e do plural em crianças em desenvolvimento normal de linguagem falantes do Português Brasileiro. Os resultados obtidos mostraram que a produção do plural foi a variável com menor índice de acertos, mas apresentou aumento significativo dos 3:0 aos 5:0 anos. A partir deste achado, as autoras concluíram que esta habilidade aprimorou-se com o desenvolvimento, estando produtiva a partir dos 5:0 anos.

Para finalizar, Maldonade (2009) apresenta um relato de seção especial sobre a organização do trabalho fonoaudiológico realizado por estagiários em Unidade Básica de Saúde (UBS).

Abraço, Claudia

  • Angrisani RMG, Matas CG, Neves IF, Sassi FC, Andrade CRF. Avaliação eletrofisiológica da audição em gagos, pré e pós terapia fonoaudiológica. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):95-100.
  • Baggio CL, Silveira AF, Hyppolito MA. Estudo experimental anatômico-funcional da cocleotoxicidade da gentamicina com doses habituais para recém-nascidos. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):137-42.
  • Barreto SS, Mantovani J, Martins FC, Ortiz KZ. Ataxia espinocerebelar: análise perceptivo-auditiva e acústica da fala em três casos. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):167-70.
  • Befi-Lopes DM, Rodrigues A, Puglisi ML. Aquisição do morfema de número em crianças em desenvolvimento normal de linguagem. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):171-4.
  • Cera ML, Ortiz KZ. Análise fonológica dos erros da apraxia adquirida de fala. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):143-8.
  • Gama ACC, Alves CFT, Cerceau JSB, Teixeira LC. Correlação entre dados perceptivo-auditivos e qualidade de vida em voz de idosas. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):125-30.
  • Isotani SM, Azevedo MF, Chiari BM, Perissinoto J. Linguagem expressiva de crianças nascidas pré-termo e termo aos dois anos de idade. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):155-60.
  • Maldonade IR. Enfrentar a realidade metodologicamente: o Zopp e a organização do trabalho fonoaudiológico por estagiários em UBS. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):175-7.
  • Mota HB, Melo Filha MGC. Habilidades em consciência fonológica de sujeitos após realização de terapia fonológica. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):119-24.
  • Mousinho R, Correa J. Habilidades lingüístico-cognitivas em leitores e não-leitores. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):113-8.
  • Prates LPCS, Silva FJF, Iório MCM. Compressão de freqüências e suas implicações no reconhecimento de fala. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):149-54.
  • Rissatto MR, Novaes BCAC. Próteses auditivas em crianças: importância dos processos de verificação e validação. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):131-6.
  • Rossi NF, Souza DH, Moretti-Ferreira D, Giacheti CM. Perfil da fluência da fala na síndrome de Williams-Beuren: estudo preliminar. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):107-12.
  • Schwarz K, Cielo CA. Modificações laríngeas e vocais produzidas pela técnica de vibração sonorizada de língua. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):161-6.
  • Ventura LMP, Costa Filho OA, Alvarenga KF. Maturação do sistema auditivo central em crianças ouvintes normais. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2009 abr-jun;21(2):101-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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