Acessibilidade / Reportar erro

Estudo experimental anatômico-funcional da cocleotoxicidade da gentamicina com doses habituais para recém-nascidos

Resumos

TEMA: a gentamicina é um antibiótico que atua nas infecções causadas por bacilos Gram-negativos. Seu efeito colateral mais importante é a ototoxicidade. As ototoxicoses são afecções iatrogênicas provocadas por fármacos que alteram a orelha interna, podendo afetar o sistema coclear e/ou vestibular, alterando duas funções importantes: a audição e o equilíbrio. Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recém-nascidos com infecções graves na UTI neonatal. OBJETIVOS: verificar a ocorrência de lesão às células ciliadas externas (CCE) pela gentamicina com os esquemas de dose única de 4mg/Kg/dia e de 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas, por meio de um estudo anatômico por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e estudo funcional através das emissões otoacústicas por produto de distorção (OEAPD). Forma de estudo experimental. MÉTODO: foram avaliadas 26 cobaias albinas através das EOAPD pré e pós-tratamento com gentamicina. Para a avaliação anatômica por MEV, as cobaias foram sacrificadas em tempo programado após a administração das drogas via intramuscular. RESULTADOS: a avaliação do estado funcional das CCE mostrou preservação das OEAPD em todas as cobaias. Os resultados da MEV, depois de fotografados foram analisados através da contagem do número de CCE da espira basal da cóclea em determinado campo fotográfico. CONCLUSÃO: não foram observadas lesões ou alterações no funcionamento das células ciliadas externas mediante a dosagem aplicada em cobaias albinas, de 4mg/Kg/dia (dose única) e 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas, utilizadas por 10 e 14 dias.

Gentamicina; Microscopia Eletrônica de Varredura; Ototoxicidade


BACKGROUND: gentamicin is an antibiotic that acts in Gram-negative bacilli infections, having as a side effect ototoxicity. Ototoxicity is an iatrogenic disturb provoked by drugs that modify the internal ear, affecting the cochlear and/or vestibular system and causing alterations in two important functions: equilibrium and audition. The main pediatric groups that receive aminoglicosides antibiotics are newborns who present serious infections in Neonate intensive care units. AIM: to verify the occurrence of external cilliary cells (ECC) caused by gentamicin with single dose schemas of 4mg/kg/day and 2,5mg/kg/day every 12 hours, through a morphological - scanning electronic microscopy (SEM) and functional - distortion product otoacoustic emissions (DPOAE) experimental study. METHOD: 26 albino guinea pigs were evaluated through DPOAE pre and post gentamicin treatment. The guinea pigs were sacrificed in the programmed time after the intramuscular administration of the drugs for anatomic analysis using MEV. RESULTS: the evaluation of the functional state of the ECC indicated preservation of the DPOAE in all of the guinea pigs. The SEM results, after being photographed were analyzed in terms of the number of the ECC in the cochlear basal turn in a specific photographic field. CONCLUSION: lesions or alterations in the functioning of the ECC of albino guinea-pigs after the use of 4mg/Kg/day and 2,5mg/Kg/day every 12 hours for a period 10 and 14 days were not observed.

Gentamicin; Electronic Microscopy; Ototoxicity


ARTIGOS ORIGINAIS DE PESQUISA

Estudo experimental anatômico-funcional da cocleotoxicidade da gentamicina com doses habituais para recém-nascidos* * Trabalho Realizado no Biotério de Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Carla Luiza BaggioI; Aron Ferreira SilveiraII; Miguel Angelo HyppolitoIII

IFonoaudióloga. Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Fonoaudióloga do Hospital das Forças Armadas de Brasília

IIMédico Veterinário. Doutor em Medicina Veterinária pela UFSM. Professor do Departamento de Morfologia da UFSM

IIIMédico Otorrinolaringologista. Professor Doutor em Ciências Médicas pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e CCP da Divisão de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: SQS 115 -Bloco E - Apto. 402 Brasília DF - CEP 70385-050 ( cabaggio@ig.com.br)

RESUMO

TEMA: a gentamicina é um antibiótico que atua nas infecções causadas por bacilos Gram-negativos. Seu efeito colateral mais importante é a ototoxicidade. As ototoxicoses são afecções iatrogênicas provocadas por fármacos que alteram a orelha interna, podendo afetar o sistema coclear e/ou vestibular, alterando duas funções importantes: a audição e o equilíbrio. Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recém-nascidos com infecções graves na UTI neonatal.

OBJETIVOS: verificar a ocorrência de lesão às células ciliadas externas (CCE) pela gentamicina com os esquemas de dose única de 4mg/Kg/dia e de 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas, por meio de um estudo anatômico por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e estudo funcional através das emissões otoacústicas por produto de distorção (OEAPD). Forma de estudo experimental.

MÉTODO: foram avaliadas 26 cobaias albinas através das EOAPD pré e pós-tratamento com gentamicina. Para a avaliação anatômica por MEV, as cobaias foram sacrificadas em tempo programado após a administração das drogas via intramuscular.

RESULTADOS: a avaliação do estado funcional das CCE mostrou preservação das OEAPD em todas as cobaias. Os resultados da MEV, depois de fotografados foram analisados através da contagem do número de CCE da espira basal da cóclea em determinado campo fotográfico.

CONCLUSÃO: não foram observadas lesões ou alterações no funcionamento das células ciliadas externas mediante a dosagem aplicada em cobaias albinas, de 4mg/Kg/dia (dose única) e 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas, utilizadas por 10 e 14 dias.

Palavras-chave: Gentamicina; Microscopia Eletrônica de Varredura; Ototoxicidade.

Introdução

A deficiência auditiva tem sido considerada uma doença severamente incapacitante, em virtude do papel da audição na comunicação humana. Uma das causas da deficiência auditiva é o uso de drogas ototóxicas1.

A gentamicina é um antibiótico de ação bactericida que atua principalmente nas infecções causadas por bacilos Gram-negativos. É o primeiro aminoglicosídeo de escolha pelo baixo custo e por ser ativo na maioria dos bacilos Gram-negativos aeróbicos resistentes2. Seu efeito colateral mais importante é a ototoxicidade, que ocorre em 2% das pessoas, representando potencial gravidade para as funções auditivas e vestibulares3.

Ototoxicoses são afecções iatrogênicas provocadas por fármacos que alteram a orelha interna. É diagnosticada quando há perda auditiva neurossensorial maior que 25dB em uma ou mais freqüências na audiometria tonal limiar, entre 250 e 8000Hz e/ou quando ocorrem manifestações vestibulares como vertigem ou desequilíbrio 4-5.

Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recém-nascidos com infecções graves tratados em unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal5.

A perda auditiva bilateral apresenta elevada incidência, ocorrendo em três para cada 1.000 nascidos vivos, e de dois a quatro para cada 100 recém-nascidos egressos de UTI neonatal6.

Tendo em vista que as alterações auditivas causadas pela utilização da gentamicina causam danos irreversíveis às células ciliadas externas (CCE), é importante a monitorização da audição em pacientes usuários dessa droga, para determinar o início e a progressão da ototoxicidade, com possibilidade de prevenção ou redução de sua severidade, e, quando instalada a perda auditiva, possibilitar a reabilitação auditiva com adaptação pelo aparelho de amplificação sonora1,4,7.

Estudos experimentais com animais são importantes para o desenvolvimento da ciência, de novas drogas, no aprimoramento do conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos de doenças, para empreender ensaios terapêuticos com novos fármacos, estudar marcadores biológicos e avaliar técnicas com perspectivas de aplicabilidade na espécie humana8. No caso da gentamicina, permitem a aquisição de conhecimento abrangente sobre seus possíveis efeitos ototóxicos em aspectos específicos obtidos por imagens de microscopia eletrônica de varredura (MEV) sobre as CCE, bem como uma análise do seu estado funcional, medido pelas emissões otoacústicas por produtos de distorção (EOAPD), fornecendo subsídios que possam explicar aos achados clínicos apresentados por humanos expostos a regimes de tratamentos com este antibiótico8-10.

As emissões otoacústicas (EOA), detectadas no conduto auditivo externo medem o feedback da energia biomecânica na contração das CCE, que amplifica o pico da "onda viajante" na membrana basilar e têm aplicação clínica na avaliação da integridade auditiva, refletindo a funcionalidade das CCE, sendo o único meio não invasivo de investigação coclear objetivo11.

A utilização da gentamicina em UTI neonatal tem sido recomendada em esquemas de dose única de 4 mg/Kg/dia em substituição ao esquema tradicional de 2,5 mg/Kg/dia a cada 12 horas12-13.

Assume importância efetiva a verificação dos possíveis efeitos ototóxicos da gentamicina em modelos experimentais animais, como tem sido adotado e pesquisado por outros autores9-10,14.

A realização deste trabalho justifica-se pela importância de pesquisas que contribuam para um conhecimento mais aprofundado deste tema, possibilitando aos profissionais da saúde a adoção de procedimentos que busquem a manutenção da integridade auditiva para uma melhor qualidade de vida.

O objetivo desta pesquisa foi verificar a ocorrência de lesão às CCE pela gentamicina com os esquemas de dose única de 4mg/Kg/dia e de 2,5mg/ Kg/dia a cada 12 horas, por meio de um estudo anatômico por MEV e estudo funcional através das EOAPD, testando as seguintes hipóteses:

1. Existem lesões anatômicas ou danos funcionais causados pela aplicação intramuscular de gentamicina às CCE da cóclea de cobaias albinas expostas à dose de 4mg/Kg/dia (dose única) utilizada por 10 e 14 dias.

2. Existem lesões anatômicas ou danos funcionais causados pela aplicação intramuscular de gentamicina às CCE da cóclea de cobaias albinas expostas à dose de 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas, utilizada por 10 e 14 dias.

Método

Neste estudo, foi escolhido como animal experimental cobaias albinas com quatro meses de idade, pelo fácil manejo, pela facilidade de dissecção coclear, manipulação para vias de infusão das drogas anestésicas e da droga em experimentação pela via intramuscular15.

Com a cobaia pode-se manter adequados cuidados, seguindo as diretrizes baseadas no guia para os cuidados e uso de animais de laboratório do Institute of Laboratory Animal Resources, comission on life sciences, National Research Council, National Academy Press, Washington, DC. (1996)16. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal (CETEA) da FMRP-USP sob o protocolo 073/2007. Os animais foram selecionados através da pesquisa do reflexo de Preyer e mantidos no biotério da Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da FMRP - USP17.

Utilizaram-se 26 cobaias albinas fêmeas (Cavia porcellus) pesando entre 400 e 500 gramas. As cobaias foram submetidas a uma triagem auditiva por EAOPD em cabina com isolamento acústico e sob anestesia com Ketamina (65 mg/Kg). Aquelas que apresentaram EOAPD presentes foram consideradas para o experimento.

As cobaias foram divididas em cinco grupos de estudo - Grupo 1: grupo "Sham" - 2 animais - 4 cócleas - soro fisiológico por 14 dias; Grupo 2: 6 animais - 12 cócleas - gentamicina 4mg/Kg/dia em dose única por 10 dias; Grupo 3: 6 animais - 12 cócleas - gentamicina 4mg/kg/dia em dose única por 14 dias; Grupo 4: 6 animais - 12 cócleas - gentamicina 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas por 10 dias; Grupo 5: 6 animais - 12 cócleas - gentamicina 2,5mg/Kg/dia a cada12 horas por 14 dias.

O teste de EOAPD foi realizado pré e pós-tratamento, ou seja, momentos antes dos animais serem sacrificados, seguindo a relação de freqüência 2F1 - F2 com relação F1 : F2 = 1,22, resolução 2 pontos por oitava. O equipamento utilizado foi: ILO 92 CAE System Otodynamics LTD.

As EOAPD foram consideradas como presentes e ausentes a partir de 1,5kHz, pois as dimensões do conduto auditivo externo da cobaia fazem com que haja uma dificuldade de detecção das EOA abaixo desta freqüência, obtendo respostas que coincidem com as respostas do ruído.

Foram consideradas como mais importante as EOA nas freqüências agudas que avaliam a funcionalidade das CCE na espira basal da cóclea.

Para a avaliação anatômica por MEV, as cobaias foram sacrificadas pelo método de decapitação em tempo programado após a administração das drogas via intramuscular.

As cobaias foram anestesiadas com cloridrato de cetamina (Ketamin® 50mg/ml, Laboratório Cristália,) 40mg/kg e xilazina (Dopaser® 20mg/ ml, Laboratório Calier do Brasil,) 10mg/kg.

Seus ossos temporais contendo as bulas timpânicas foram rapidamente removidos e abertos para a exposição da cóclea. Utilizou-se uma tesoura de dissecção, que foi colocada na coluna cervical posteriormente fazendo-se um corte no crânio no sentido longitudinal mediano estendendo-se às orelhas. Depois, usando as mãos, tendo o conduto auditivo externo como orientação, a bula foi localizada com os polegares e foi separada das outras estruturas.

A bula foi aberta segurando-a com uma das mãos e com uma pinça hemostática foi realizada uma abertura no sinus aéreo posterior (mastóide) seguindo pela sua saliência até a ponta do rochedo. Em seguida, posicionando a pinça no conduto auditivo externo e sinus aéreo anterior, num só movimento foi quebrada e levantada toda parte óssea da bula expondo a cóclea.

O material foi fixado injetando-se glutaraldeído 3%, através de uma abertura feita no ápice da cóclea e da janela redonda e permaneceram em imersão por 4 horas a 4ºC. Após, foi lavado várias vezes em solução tampão fosfato 0,1M e submetido à microdissecção para exposição das espiras cocleares.

Posteriormente, as cócleas foram refixadas em solução de tetróxido de ósmio a 1% em tampão fosfato 0,1M por 2 horas a 4ºC, e, lavadas em tampão fosfato 0,1M e pH de 7,3.

Após, feita a desidratação das estruturas através de banhos de etanol em concentrações crescentes de 50, 70, 90 e 95%, durante cerca de 10 minutos cada, utilizou-se o etanol 100% em três banhos de 20 minutos cada, deixando-se no último banho as estruturas imersas à temperatura ambiente por 12 horas.

A água ainda presente no material após a desidratação foi removida no processo de secagem, realizado pelo método do ponto crítico com dióxido de carbono (CO2) líquido. A amostra contida em um recipiente adequado foi transferida para a câmara de secagem do aparelho de ponto crítico (BAL-TEC-CPD 030 - Critical Point Dryer) onde, através de sucessivos banhos com CO2 líquido a 4ºC, o etanol foi eliminado.

Logo, o material foi submetido a um aumento da temperatura até 40ºC para que o CO2 passasse do estado líquido para o estado gasoso, o que acontece a 31ºC.

Com o material seco realizou-se a montagem das cócleas em porta-espécime cilíndrico (stubs) metálico com pasta condutiva de carbono.

Os materiais biológicos são maus condutores de eletricidade, e não podem ser observados à MEV, devendo ser transformados em materiais eletricamente condutivos. Para cobrir este material utiliza-se uma fina camada de ouro aplicado com o vaporizador (BAL-TEC SCD 050 - Sputter Coater).

Para visualização do material utilizou-se o Microscópio Eletrônico Jeol Scanning Microscope - JSM 5200.

Os resultados da MEV, depois de fotografados foram analisados através da contagem do número de CCE da espira basal da cóclea em determinado campo fotográfico.

Resultados

Foi desconsiderado o ápice para avaliação anatômica por se tratar de uma região da cóclea responsável pelos sons graves, e por mostrar um padrão habitual de desarranjo, mesmo em cobaias que não foram submetidas à lesão por ototóxicos.

A avaliação do estado funcional das CCE estudadas pelas EOAPD mostrou preservação da resposta em todas as cobaias de todos os grupos.

Com relação à dose de gentamicina utilizada, 4mg/Kg/dia por 10 dias consecutivos (grupo 2), observamos à MEV a presença de CCE na espira basal, espira 2 (E2), espira 3 (E3) da cóclea, sendo estas presentes em todas as fileiras (Figura 1).


No grupo tratado com 4mg/Kg/dia por 14 dias (grupo 3), todas as CCE estavam presentes em todas as fileiras e em todas as espiras (Figura 2).


No grupo tratado com gentamicina 2,5mg/Kg/ dia a cada 12 horas por 10 dias, observou-se a presença de todas as CCE na espira basal e sem distorção dos cílios. (Figura 3A). O grupo tratado com gentamicina 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas, não apresentou alteração das CCE em nenhuma das espiras após o tratamento por 14 dias (Figura 3 B).


Discussão

Decidiu-se estudar os efeitos da gentamicina nas CCE de cobaias albinas, pois outros estudos afirmaram que dentre os antibióticos aminoglicosídeos, por suas ações contra muitas espécies de bactérias, a gentamicina é o mais utilizado em neonatos3,5,18.

A MEV é um método bastante utilizado em estudos da ototoxicidade, pois permite um estudo minucioso do órgão de Corti normal e alterado, no nível da orelha interna19.

Em fase aguda a ototoxicidade requer atenção para a ocorrência de lesão coclear que leva a perda auditiva neurossensorial irreversível5,20. Porém, observou-se a ausência dos efeitos ototóxicos como perda de função coclear, nas doses estudadas em regimes de tratamento de 10 a 14 dias para a gentamicina.

Neste estudo considerou-se o uso da gentamicina nas dosagens utilizadas em UTI neonatal e extrapoladas à cobaia para que tornasse possível avaliar a segurança no emprego desse medicamento, alicerçando-se como referencial para os possíveis efeitos ototóxicos sobre o uso terapêutico e a ação de drogas em seres humanos, principalmente em neonatos21.

No entanto, ao se estudar os efeitos ototóxicos em animais experimentais para avaliar técnicas com perspectivas de aplicabilidade na espécie humana, foi possível avançar em achados significativos, principalmente microscópicos, não considerando outras variáveis à utilização de diferentes doses2-3, 8.

A associação com outras drogas potencialmente ototóxicas, principalmente os diuréticos de alça (ácido etacrínico) potencializam os efeitos ototóxicos dos aminoglicosídeos22-23. Acredita-se que os aminoglicosídeos atuem nas membranas celulares da orelha interna aumentando a sua permeabilidade e facilitando a entrada e toxicidade destes diuréticos. Em nosso estudo, o fato de não termos utilizado outras drogas associadas à gentamicina poderia justificar a ausência de lesões às CCE.

Os danos à orelha interna ocorrem predominantemente na espira basal, seguindo para a apical com comprometimento maior a primeira fileira de CCE, com posterior extensão para as CCI, estria vascular, ligamento espiral e membrana de Reissner5,24. No presente experimento, embora utilizando aminoglicosídeos, não encontramos lesão em qualquer das espiras ou fileiras de CCE observadas à MEV.

Aminoglicosídeos aplicados em doses acima de 100mg/Kg alteram a permeabilidade da membrana das CCE, comprometendo a síntese de proteínas, DNA, RNA, metabolismo mitocondrial, transporte iônico, síntese de prostaglandinas, mucopolissacarídeos, lipídeos e gangliosídeos25.

Em um estudo experimental em cobaias albinas submetidas a doses elevadas de gentamicina 120mg/ Kg/dia, resultou numa perda auditiva de 10 a 40dB em 3kHz e de 50 a 70dB em 18kHz, realizando sua avaliação após quatro semanas de administração da droga14. Através da MEV, detectaram perda total de CCE na espira basal da cóclea com preservação das CCI.

Uma dose baixa de gentamicina de 10mg/Kg/ dia por trinta dias consecutivos mantém a estrutura anatômica das CCE e CCI e sua funcionalidade, sem alterar as EOAPD9-10. Não foi observada lesão histológica ou funcional, medida pelas EOAPD causadas pelo uso da gentamicina no período de 10 e 14 dias nas dosagens de 4mg/kg/dia e 2,5mg/ kg/dia a cada 12h, o que está de acordo com os achados científicos de outros autores para baixas doses de gentamicina.

A verificação da função auditiva em presença de antibioticoterapia está em concordância com a preocupação já existente quanto ao monitoramento auditivo como parte integrante do protocolo de atendimento aos indivíduos expostos a agentes ototóxicos7. Corrobora com estudos que apontam a deficiência auditiva como doença severamente incapacitante e que o uso de drogas ototóxicas pode causar perda auditiva, vindo ao encontro da justificativa que preconizou a realização deste estudo, além do que, ao estabelecer o nível de segurança no uso terapêutico da gentamicina pode-se prever quanto à perda auditiva neurossensorial 1,4.

Confrontando-se os resultados obtidos pela MEV com os achados funcionais das EOA, foram obtidos dados conclusivos para a ausência de danos celulares em nível auditivo periférico.

Tais achados podem explicar a ausência de lesão das CCE decorrentes da administração de doses de gentamicina utilizadas em UTI neonatal (4 a 5 mg/Kg/dia por 10 a 14 dias consecutivos), desconsiderando-se outros fatores de risco para a surdez neonatal e sua utilização concomitante a outras drogas potencialmente ototóxicas.

Conclusão

Não foram observadas lesões ou alterações funcionais das CCE da cóclea de cobaias albinas expostas às doses de 4mg/Kg/dia (dose única) e 2,5mg/Kg/dia a cada 12 horas de gentamicina intramuscular, utilizadas por 10 e 14 dias.

Agradecimentos: aos Laboratórios, Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP - USP), Microscopia Eletrônica do Departamento de Biologia Celular Molecular e Bioagentes Patogênicos da FMRP - USP e Microscopia Eletrônica do Departamento Química da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP e Neurobiologia da Audição e Microdissecção do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP - USP, em especial à Maria Rossato e Flávia Fiacadori Salata.

Recebido em 01.04.2008.

Revisado em 09.07.2008; 31.10.2008; 28.12.2008; 18.01.2009; 27.03.2009.

Aceito para Publicação em 04.05.2009.

Artigo Original de Pesquisa

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

  • 1. Dishtchekenian A, Iorio MCM, Petrilli AS, Paiva ER, Azevedo MF. Acompanhamento audiológico em pacientes com osteossarcoma submetidos à quimioterapia com cisplatina. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2000;66(6):580-90.
  • 2. Chambers HF, Sande MA. Antimicrobial agents (continued): the aminoglicosídeos. In: Hardman JG. Gilman AG; Limbrid LE. (Ed.) Godman & Gilman's the pharmacological basis of therapeutics. 9th ed. New York: Macmilian publishing; 1995. p. 1003-121.
  • 3. Trabulsi LR, Soares LA. Antibióticos Aminoglicosídeos. In: Silva P. Farmacologia, 5Ş ed., Guanabara-Koogan; 1998.
  • 4. Hyppolito MA, Oliveira JAA. Ototoxicidade, Otoproteção e Autodefesa das Células Ciliadas da Cóclea. Medicina (Ribeirão Preto). 2005;38(3/4):279-89.
  • 5. Oliveira JAA, Bernal TMO. Prevenção contra aminoglicosídeos e otoproteção experimental. In: Otorrinolaringologia Princípios e Prática - 2Ş Ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 392-409.
  • 6. Lima GM, Marba ST, Santos MF. Hearing screening in a neonatal intensive care unit. J Pediatr (Rio J). 2006;82:110-4.
  • 7. Jacob LCB, Aguiar FP, Tomiasi AA, Tschoeke SN, Bitencourt RF. Monitoramento auditivo na ototoxicidade. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2006;72(6):836-44.
  • 8. Albuquerque AS. Estudo Comparativo da Estrutura da Orelha Interna de Ratos e Cobaias Através da Microscopia Eletrônica de Varredura. Monografia - Ciências Agrárias e Veterinárias - Unesp, Universidade de São Paulo, Jaboticabal; 2006. p. 59.
  • 9. Oliveira JAA, Canedo DM, Rossato M, Andrade MH. Self-protection against aminoglycoside ototoxicity in guinea pigs. Otolaryngol. Head Neck Surg. 2004;131:271-9
  • 10. Maudonnet EN. Autoproteção contra. ototoxicidade da Gentamicina. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina- Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto; 2005. p. 82.
  • 11. Hyppolito MA. Ototoxicidade pela Cisplatina: Auto defesa das células ciliadas externas e otoproteção pelo extrato de Ginkgo biloba (EGB 761) e Salicilato de Sódio. Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina- Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto ; 2003. p. 92.
  • 12. Young TE, Mangum OB. Neofax guia de medicações usadas em recém-nascidos. 19. ed. São Paulo: Atheneu; 2006. 432 p.
  • 13. Agarwal G, Rastogi A, Pyati S, Wilks A, Pildes RS. Comparison of Once-Daily Versus Twice-Daily Genatmicin Dosing Regimens in Infants >_ 2500 g. Journal of Perinatology. 2002;22:268-74.
  • 14. Sha SH, Schacht J. Stimulation of free radical formation by aminoglycoside antibiotics. Hear Res. 1999;128:112-8.
  • 15. Hyppolito MA, et al. Ototoxicidade da cisplatina e otoproteção pelo extrato de Ginkgo Biloba às células ciliadas externas: estudo anatômico e eletrofisiológico. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2003,69(4):504-11.
  • 16. Guide for the Care and Use of Laboratory Animals. Institute of Laboratory Animal Resources. Commission on Life Sciences. National Research Council. National Academy Press. Washington, D.C. 1996.
  • 17. Jero J, Colling DE, Lawani AK. The use of Preyer's reflex in evaluation of hearing in mice. Acta Otoleryngol. 2001;121:585-9.
  • 18. Rocha MJ, Almeida AM, Afonso E, Martins V, Leitão F, Santos J, Falcão AC. Recém-Nascidos e monitorização sérica de gentamicina. Acta Médica Portuguesa. 2003;16:389-94.
  • 19. Harrison RV, Shirane M, Fukushima N, Mount RJ. Morphological changes to the cochlea in an animal model of profound deafness. Acta Otolaryngol. (Atockh). 1991; Suppl 489:5-11.
  • 20. Hopman EB, Feniman MR, Scoton MA. A Correlação entre o perfil audiológico e o tipo de medicamento em indivíduos pós-ototoxicidade. J Bras de Fonoaudiol, Curitiba. 2002 Jul 3;12:218-22.
  • 21. Bricks LF, Wong A, Bouskela MAL, Ramos JL. A. Nefro e ototoxicidade por drogas e agentes físicos no período neonatal -atualização. Pediatria (São Paulo). 1994;16(3):120-8.
  • 22. Oliveira JAA, Cicilini GA, Souza ML. Efeitos do Ácido Etacrinico Oral no Sistema Coclear da Cobaia. Rev. Brasil. Otorrinolaringol. 1977;43 Set/Dez:183-99.
  • 23. Matz GJ. Aminoglycoside cochlear ototoxicity. Otolaryngol Clin North Am. 1993; 26(5):705-12.
  • 24. Chambers HF. Antimicrobianos - os aminoglicosídeos. In: Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG. Edits. Goodman & Gilman - As bases Farmacológicas Terapêutica. 10Ş edição, Rio de Janeiro, Editora MacGraw-Hill; 2003. p. 913-27.
  • 25. Schacht J. Biochemical basis of aminoglycoside ototoxicity. Otolaryngol. Clin North Am. 1993;26:845-56.
  • Endereço para correspondência:
    SQS 115 -Bloco E - Apto. 402
    Brasília DF - CEP 70385-050
    (
  • *
    Trabalho Realizado no Biotério de Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      04 Maio 2009
    • Revisado
      27 Mar 2009
    • Recebido
      01 Abr 2008
    Pró-Fono Produtos Especializados para Fonoaudiologia Ltda. Condomínio Alphaville Conde Comercial, Rua Gêmeos, 22, 06473-020 Barueri , São Paulo/SP, Tel.: (11) 4688-2220, Fax: (11) 4688-0147 - Barueri - SP - Brazil
    E-mail: revista@profono.com.br