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AS NOVAS CONFIGURAÇÕES ESPACIAIS DO EMPREENDEDORISMO TECNOLÓGICO E AS EXPERIÊNCIAS DE TRABALHO NO POLO DE TECNOLOGIA DE SÃO CARLOS-SP

THE NEW TECHNOLOGICAL ENTREPRENEURSHIP SPATIAL CONFIGURATIONS AND WORKING EXPERIENCES IN THE SÃO CARLOS, SP, TECHNOLOGY POLE

LES NOUVELLES CONFIGURATIONS SPATIALES DE L’ENTREPRENEURIAT TECHNOLOGIQUE ET LES EXPÉRIENCES DE TRAVAIL AU PÔLE DE TECHNOLOGIE DE SÃO CARLOS (SÃO PAULO)

Resumos

O objetivo deste artigo é analisar como as novas configurações do empreendedorismo tecnológico, sobretudo seus novos arranjos territoriais e espaciais, influenciam as formas de organização do trabalho e a experiência dos trabalhadores, tendo como recorte o setor de tecnologia da informação (TI). A proposta insere-se na discussão sobre a flexibilização do trabalho nas últimas décadas, que compreende novos arranjos espaço-temporais do trabalho, novas estratégias de controle e a demanda de um novo perfil de trabalhador, que mobilize recursos subjetivos no desenvolvimento de sua atividade. A pesquisa se desenvolveu no chamado ecossistema de empreendedorismo tecnológico que vem se estruturando na cidade de São Carlos-SP, apelidada de “Capital da Tecnologia” e “Vale do Silício brasileiro”. Foram realizadas visitas a empresas (sobretudo startups) e espaços de trabalho compartilhado, observação de situações de trabalho, e entrevistas semiestruturadas com trabalhadores e empreendedores de TI.

Palavras-chave:
Trabalho flexível; Espaço de trabalho; Empreendedorismo tecnológico; Tecnologia da informação (TI)


The aim of this study is to analyze how the new technological entrepreneurship configurations, especially new territorial and spatial arrangements, influence work organization forms and worker experience, with the information technology (IT) sector as an excerpt. The proposal is part of a discussion on work flexibilization in the last decades, which comprises new spatial-temporal work arrangements, new control strategies and the demand for a new worker profile, which, in turn, mobilizes subjective resources in the development of their activity. The research was developed in a so-called technological entrepreneurship ecosystem structured in the city of São Carlos, SP, nicknamed “Capital of Technology” and the “Brazilian Silicon Valley”. Visits were made to companies (especially startups) and shared workspaces, and work situation observations and semi-structured interviews with IT workers and entrepreneurs were performed.

Keywords:
Trabalho flexível; Espaço de trabalho; Empreendedorismo tecnológico; Tecnologia da informação (TI)


Cet article vise à analyser l’influence des nouvelles configurations de l’entrepreneuriat technologique, parmi lesquelles ses nouveaux arrangements territoriaux et spatiaux, sur les formes d’organisation du travail et sur l’expérience des travailleurs, en particulier dans le secteur des technologies de l’information (TI). Le travail s’insère dans la discussion sur la flexibilisation du travail au cours des dernières décennies, avec l’apparition de nouveaux arrangements spatio-temporels du travail, de nouvelles stratégies de contrôle et la demande d’un nouveau profil de travailleur, qui mobilise des ressources subjectives dans le développement de son activité. La recherche a été menée dans ledit écosystème entrepreneurial technologique installé dans la ville de São Carlos (état de São Paulo), surnommée « capitale de la technologie » et « Silicon Valley brésilienne ». En plus de visites d’entreprises (surtout des startups) et d’espaces de travail partagé, d’observation de situations de travail, des entretiens semi-structurés ont été réalisés avec des travailleurs et des entrepreneurs des TI.

Mots-clés:
travail flexible; espace de travail; entrepreneuriat technologique; technologies de l’information (TI)


Introdução: as novas configurações do trabalho e a dinâmica espacial

O que, na sociologia do trabalho, temos chamado de novo mundo do trabalho já deixou de ser exatamente uma novidade. Há pelo menos cinquenta anos temos vivenciado um conjunto de mudanças que, cada vez mais, flexibilizam as formas de produção, a organização e as relações de trabalho, além do próprio trabalhador, seu corpo e sua subjetividade. Se o período anterior (principalmente quando consideramos as social-democracias europeias) foi marcado pela solidez, segurança e estabilidade dos contratos por tempo indeterminado, pela ação coletiva e por direitos sociais atrelados ao salário, o cenário que se desenha a partir do início dos anos 1970 passa a ser definido pela efemeridade e insegurança, que se expressam no trabalho temporário ou eventual, por tempo parcial e terceirizado, sem garantias de longo prazo (Harvey, 2008HARVEY, David. (2008), Condição pós-moderna. Tradução de Adail U. Sobral e Maria S. Gonçalves. 17ª edição, São Paulo, Loyola.).

As novas formas de produção, mundializadas e interconectadas em rede, ensejam outras formas de organização do trabalho e, consequentemente, um novo perfil de trabalhador. O controle sobre o trabalho, antes direto e centralizado, passa a ser exercido, cada vez mais, por metas e resultados, e o trabalhador é estimulado a desenvolver um sentimento positivo em relação à sua atividade. O indivíduo precisa mobilizar, no trabalho, uma série de atributos que não aparecem no diploma ou em uma concepção clássica de experiência profissional: necessita ser polivalente, criativo, estar sempre disposto a obter novos aprendizados, trabalhar em equipe e ter capacidade de comunicação, demonstrar autonomia e o gosto por riscos e desafios, além de uma disposição para trabalhar em horários flexíveis e nos mais diversos locais (Sennett, 2009SENNETT, Richard (2009), A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro/São Paulo, Record.).

Assim, o trabalhador da atual fase do capitalismo, sobretudo aquele que realiza atividades ditas imateriais ou cognitivas, além de demonstrar flexibilidade, é estimulado a trazer para o trabalho toda a sua bagagem cultural e social, seus atributos mais pessoais (Boltanski; Chiapello, 2009BOLTANSKI, Luc.; CHIAPELLO, Ève. (2009), O novo espírito do capitalismo. São Paulo, Martins Fontes.). Nesse sentido, é incentivado a mobilizar sua subjetividade na atividade que realiza e, no limite ideal, a engajar-se e envolver-se plenamente, tornando inseparáveis realização pessoal e sucesso profissional. Isso só é possível mediante um referencial que não estaria mais pautado na lógica da subordinação e da punição, mas na retórica da autonomia, na qual cada um é supostamente livre para desenvolver seus potenciais e seu capital humano, e para comportar-se como empresa individual (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo.).

Logo, o espaço de trabalho também se modificou, tanto para adaptar-se ao novo perfil de trabalhador, como para adaptar o trabalhador às novas dinâmicas de trabalho. Durante boa parte século xx, o lócus do trabalho urbano, por excelência, era a fábrica, com suas grandes engrenagens, relógios de ponto e apitos sonoros, que não apenas sinalizavam o início e final dos turnos, mas também regulavam o ritmo de vida das pessoas em muitas localidades. Não é que hoje as fábricas tenham deixado de existir: estão em toda parte, algumas altamente tecnológicas e automatizadas, enquanto outras submetem seus trabalhadores a condições tão ou mais precárias e degradantes que as oficinas do século xix. É no final do século xx que o modelo da empresa em rede começa a ganhar destaque, como causa e efeito da emergência das tecnologias informacionais (Castells, 2016CASTELLS, Manuel. (2016), A sociedade em rede. Rio de Janeiro, Paz e Terra.), alterando drasticamente não apenas as formas de produção, mas também o ambiente de trabalho, especialmente em certas áreas.

Nesse sentido, as empresas de TI podem ser consideradas paradigmáticas desse novo capitalismo, não apenas por desenvolverem novas tecnologias que se somaram às inovações gerenciais – tornando possível uma verdadeira revolução nas formas de produção e distribuição de produtos e serviços –, mas por incorporarem de maneira pioneira essas mesmas inovações gerenciais e tecnológicas em sua estrutura produtiva. A grande referência é o Vale do Silício, considerada a região tecnologicamente mais dinâmica do mundo e o berço da revolução da tecnologia da informação. É o coração do processo de inovação empresarial, origem de várias empresas importantes na área de informática e tecnologia. O Vale ganhou esse destaque devido à convergência de diversos fatores: conhecimento tecnológico, concentração de engenheiros e cientistas qualificados, parcerias entre universidades e empresas, retorno financeiro do mercado da tecnologia, financiamento do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e formação de uma rede de empresas de capital de risco (Castells, 2016CASTELLS, Manuel. (2016), A sociedade em rede. Rio de Janeiro, Paz e Terra.; Sadin, 2018SADIN, Éric (2018), La Siliconización del mundo: la irresistible expansión del liberalismo digital. Buenos Aires, Caja Negra.; Saxenian, 1996SAXENIAN, AnnaLee. (1996), Regional Advantage: culture and competition in Silicon Valley and Route 128. Cambridge, Harvard University Press.).

Além de obterem inegável sucesso econômico, empresas como Google e Facebook, sediadas no Vale, também se tornam referência de inovação em termos de cultura organizacional e de ambiente e relações de trabalho. As mudanças organizacionais se refletem, ainda, em transformações do espaço físico da empresa: as baias ou pequenos escritórios dão lugar a espaços amplos, compartilhados, com mesas que permitem a interação entre as pessoas. Os ambientes sóbrios e formais são substituídos por paredes coloridas, com imagens criativas, descontraídas e repletas de frases motivacionais. Ainda podemos encontrar lanchonetes gourmet, modernas máquinas de café e até mesmo espaços de descompressão, com pufes e almofadas espalhadas, fliperama e videogames. O dress code “pede” roupas leves e casuais e, portanto, bermudas e chinelos não são trajes incomuns para um dia de trabalho.

Esse tipo de configuração do espaço parece ser uma verdadeira tendência entre as empresas de tecnologia, startups1 1 A definição de startup será discutida mais adiante. e espaços de trabalho compartilhado (coworking). O ambiente descontraído e lúdico é um convite para que os profissionais interajam, troquem experiências e exercitem a criatividade, uma proposta que se colocaria em contraste com o rígido controle das máquinas de ponto e dos encarregados, que, na fábrica de outrora, cronometravam e coibiam cada pausa no trabalho. Essa maior liberdade de circular e os atrativos no ambiente de trabalho buscam motivar os profissionais, uma proposta que se articula melhor com um momento do capitalismo pautado na flexibilidade e na necessidade de mobilização da subjetividade dos trabalhadores (Zanon, 2019ZANON, Breilla Valentina Barbosa. (2019), Não era amor, era cilada: startups, coworkings e a mobilização do desejo pelo mundo do trabalho. Tese de doutorado. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

A partir do contexto e dos referenciais apresentados, nossa proposta é analisar alguns aspectos do chamado ecossistema ou rede de empreendedorismo tecnológico que vem se (re)estruturando no município de São Carlos-SP e seus impactos sobre a organização do trabalho e a experiência dos trabalhadores do setor de TI, notadamente do segmento de software. A discussão toma a dimensão espacial, a partir do território e dos espaços de trabalho,2 2 A discussão em torno das categorias espaço, território e lugar é ampla, com referências na geografia e em outras áreas. De modo simplificado, o espaço é tomado a partir de suas características físicas, sem desconsiderar que é produto de relações sociais. O território delimitaria fisicamente o espaço, a partir de uma concepção política. A ideia de lugar coloca foco nos significados atribuídos aos territórios pelos atores sociais e suas representações subjetivas (Lima, 2020). como via privilegiada para desenvolver uma reflexão ampliada sobre as atuais configurações do trabalho no contexto da chamada racionalidade neoliberal (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo.).

Para os propósitos desse artigo, consideramos São Carlos enquanto território que abriga um polo de empreendedorismo tecnológico, composto por novos e velhos espaços de trabalho. Há muitos anos, São Carlos é conhecida como capital da tecnologia, em razão das universidades e empresas de tecnologia que abriga, e, nos últimos tempos, vem passando por importantes reconfigurações no que se refere ao incentivo à criação e desenvolvimento de startups, com a formação de articulações para promover a cidade como Vale do Silício brasileiro.

As análises desenvolvidas aqui estão baseadas em uma pesquisa que se insere em um projeto guarda-chuva com foco na dimensão espacial e territorial do trabalho. Um de seus eixos volta-se especificamente para a área de tecnologia; é nele que se insere nossa investigação acerca do polo de empreendedorismo tecnológico. A pesquisa foi desenvolvida a partir de entrevistas semiestruturadas com empreendedores e trabalhadores, e de visitas a diversas startups, empresas e coworkings, além de um parque tecnológico, incluindo uma imersão mais prolongada em campo em um coworking/espaço de inovação, que foi privilegiado em nossa análise.

São Carlos: de capital da tecnologia ao SancaHub

São Carlos é um município do interior do estado de São Paulo com cerca de 220 mil habitantes (IBGE, 2010).3 3 Censo 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_dapopulacao/resultados_do_universo.pdf, consultado em 9/10/2020. Entre outros títulos, a cidade é conhecida como Atenas Paulista, Capital do Conhecimento e Capital da Tecnologia, este último formalizado pela Lei nº 12.504, de 11 de outubro de 2011. A alcunha estaria relacionada à implantação no município, a partir de meados dos anos 1980, de incubadoras de empresas de base tecnológica e sobretudo à presença de instituições de pesquisa e ensino superior, notadamente a USP (Universidade de São Paulo) e a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

A implantação da USP começa com a criação da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), que inicia suas atividades em 1953 (USP, 2020USP. (2020), “Cursos de graduação”. Universidade de São Paulo. Portal USP São Carlos. Disponível em http://www.saocarlos.usp.br/cursos-de-graduacao, consultado em 9/10/2020.
http://www.saocarlos.usp.br/cursos-de-gr...
). Com o passar dos anos, a universidade se expande e hoje conta com 22 cursos de graduação e dezenove programas de pós-graduação,4 4 Disponível em: http://www.saocarlos.usp.br/historia-e-numeros/, consultado em 9/10/2020. com predominância das ciências exatas.5 5 Disponível em: http://www.saocarlos.usp.br/cursos-de-graduacao/, consultado em 9/10/2020. A UFSCar, fundada em 1968, foi a primeira instituição federal de ensino superior implantada no interior do estado de São Paulo (UFSCar, 2018UFSCAR. (2018), “Apresentação”. Universidade Federal de São Carlos. Disponível em: https://www2.ufscar.br/a-ufscar/apresentacao, consultado em 9/10/2020.
https://www2.ufscar.br/a-ufscar/apresent...
). Além do campus de São Carlos, conta hoje com mais três campi (Araras, Sorocaba e Lagoa dos Sinos) e oferece 64 cursos de graduação e 52 programas de pós-graduação em diversas áreas.6 6 Disponível em: https://www2.ufscar.br/a-ufscar/apresentacao, consultado em 9/10/2020.

Além das duas grandes universidades, São Carlos conta, desde 2008, com um campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP).7 7 Vídeo institucional disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XPQoHZF9K7Q, consultado em 9/10/2020. Uma instituição de ensino superior privado, o Centro Universitário Central Paulista (UNICEP), e dois centros de pesquisa da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) completam o cenário local de pesquisa e inovação.

Assim, já existia, desde os anos 1970, um potencial a ser explorado no que se refere ao desenvolvimento de pesquisas, inovação e criação de empresas de base tecnológica em São Carlos. Esse ambiente favorável não passou despercebido para alguns pesquisadores ligados ao Instituto de Física da USP São Carlos (IFSC), com interesse em articular, de forma mais efetiva, a produção do instituto, muito desenvolvido e internacionalizado academicamente, com os setores produtivos (Andrade; Silva Filho, 2015ANDRADE, Thales Andrade Novaes de; SILVA FILHO, Maurilio de Jesus. (2015), “Elites locais de ciência e tecnologia no Brasil: o caso do ParqTec de São Carlos (SP)”. Lua Nova, 94: 295-328.).

Esse interesse e o potencial local já existentes são favorecidos por um movimento mais amplo de criação de parques tecnológicos (science parks), culminando no surgimento do ParqTec – Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos, em 1984. Esse movimento em torno dos parques começa nos Estados Unidos a partir de 1949, com a iniciativa da Universidade de Stanford de destinar a empresas a área que possuía nos arredores do campus de Palo Alto. A experiência das universidades ao longo da Estrada 128, com destaque para o Massachusetts Institute of Technology (MIT), também serviu de modelo para diversos países, que passaram a investir em parques tecnológicos (Torkomian, 1994TORKOMIAN, Ana Lúcia Vitale. (1994), “Fundação ParqTec: o órgão gestor do Pólo de Alta Tecnologia de São Carlos”. Ciência da Informação, 23, 2: 271-274.).

No Brasil, é a partir de 1984 que se inicia um movimento de inovação que investe em parques tecnológicos e incubadoras, buscando replicar esse modelo (Menezes, 2013MENEZES, Robert Kalley Cavalcanti de. (2013), O empreendedorismo tecnológico como construção social: a experiência de incubação de empresas de tecnologias da informação do Parque Tecnológico da Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.). O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) formulou a Ação Programada em Ciência e Tecnologia, a partir da qual foram criados os cinco primeiros parques tecnológicos do país (entre os quais o de São Carlos), com a proposta de “promover o empreendedorismo tecnológico, a partir de uma nova relação entre universidades, setor produtivo e Governo, confirmando-se a tentativa de reproduzir aqui o êxito das experiências nos EUA” (Menezes, 2013MENEZES, Robert Kalley Cavalcanti de. (2013), O empreendedorismo tecnológico como construção social: a experiência de incubação de empresas de tecnologias da informação do Parque Tecnológico da Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande., p. 91).

Em um primeiro momento, as iniciativas norte-americanas se voltaram a oferecer serviços e áreas verdes; depois veio a tendência de criar incubadoras para empresas nascentes. A incubadora, além de ser uma espécie de condomínio com infraestrutura física e recursos para financiamento, atua no sentido de capacitar e treinar empreendedores, promover a cooperação entre as empresas residentes e favorecer seu contato com investidores e mercado; fornece, em geral, serviços de consultoria, orientação administrativa, secretaria, segurança e divulgação (Menezes, 2013MENEZES, Robert Kalley Cavalcanti de. (2013), O empreendedorismo tecnológico como construção social: a experiência de incubação de empresas de tecnologias da informação do Parque Tecnológico da Paraíba. Tese de doutorado. Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.; Torkomian, 1994TORKOMIAN, Ana Lúcia Vitale. (1994), “Fundação ParqTec: o órgão gestor do Pólo de Alta Tecnologia de São Carlos”. Ciência da Informação, 23, 2: 271-274.).

O ParqTec São Carlos, uma entidade privada e sem fins lucrativos, anuncia que “tem como finalidade promover o desenvolvimento regional otimizando o custo da transação inovação tecnológica - mercado e valorizando o empreendedorismo” (ParqTec, 2016, grifo nossoPARQTEC. (2016), “Quem somos”. Disponível em: https://parqtec.com.br/quem-somos/, consultado em 19/10/2020.
https://parqtec.com.br/quem-somos/...
).8 8 Disponível em: http://parqtec.com.br/quem-somos, consultado em 9/10/2020. Segundo sua coordenadora de projetos, a instituição teria realizado o processo de incubação e treinamento de mais de duzentas empresas, ao longo de mais de trinta anos de existência. Estas empresas atuam nas áreas de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), novos materiais, instrumentação eletrônica, automação e robótica e química fina e óptica.9 9 Desde 2008, São Carlos conta com o Parque Ecotec Damha, gerido pelo Instituto Inova e anunciado como o primeiro parque tecnológico privado do país. Ver: https://comunidade.startse.com/in/ecotec, consultado em: 9/10/2020. A pesquisa não realizou visitas ao espaço.

Em visita ao ParqTec, observamos que ele conta com um espaço amplo, porém antigo, onde as empresas residentes estão instaladas. Cada uma ocupa uma sala fechada, com móveis básicos – cadeiras, mesas e estantes do próprio ParqTec. O local dispõe ainda de laboratórios equipados, salas de reunião, espaços de convivência, copa e recepção. Um jovem empreendedor, sócio de uma startup que desenvolve softwares, recém-saída do ParqTec, aponta que10 10 Todos os entrevistados autorizaram a divulgação de seus depoimentos para fins acadêmicos. Os nomes reais foram substituídos por nomes fictícios.

é uma espécie de condomínio de empresas. Então, sempre tem empresas pipocando. A gente tinha muita troca de experiência (...). Às vezes, já tinha uma empresa com cliente e servia de porta de entrada, e também prestação de serviço entre os próprios empresários. (...) Por outro lado, o ParqTec não tem muito a parte de formação, de cursos, essa parte voltada ao empresário... Eu não sei se no passado foi mais forte, hoje eles funcionam mais como um condomínio e um polo concentrador mesmo. (Giovani, 2018)

Após período no ParqTec, algumas empresas cresceram e seguiram seu percurso próprio, a maioria sem manter vínculo ou mesmo contato com o parque tecnológico, que segue em funcionamento – diferentemente de muitos parques do país que surgiram no mesmo período –, pautando-se pela mesma metodologia de incubação há vários anos. O cenário do empreendedorismo tecnológico de São Carlos, no entanto, vem passando por mudanças mais substanciais nos últimos anos, o que estaria relacionado à presença de novos atores, discursos e espaços, sem ligação direta com as estruturas preexistentes, como o parque tecnológico. Esse novo momento está fortemente marcado por um discurso empreendedor renovado.

Nos últimos anos, ocorre a formação de uma articulação local intitulada SancaHub. A iniciativa tem início em encontros informais (happy hours) realizados por pesquisadores e empreendedores da cidade para estruturar formas de alavancar o empreendedorismo tecnológico local, buscando conectar pessoas, discutir ideias e prospectar investimentos, com o ideal de projetar São Carlos como o Vale do Silício brasileiro (Munaro, 2018MUNARO, Juliana. (2018), “São Carlos é o Vale do Silício brasileiro”. G1, Economia, 1º abr. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/pme/pequenas-empresas-grandes-negocios/noticia/2018/04/sao-carlos-e-o-vale-do-silicio-brasileiro.html, consultado em 19/10/2020.
http://g1.globo.com/economia/pme/pequena...
),11 11 A associação apareceu com destaque na mídia. Ver:http://g1.globo.com/economia/pme/pequenas-empresas-grandes-negocios/noticia/2018/04/sao-carlos-e-o-vale-do-silicio-brasileiro.html, consultado em 19/10/2020. embora outras localidades também reivindiquem o título.12 12 Como Santa Rita do Sapucaí e San Pedro Valley, ambas em Minas Gerais. Essa confiança está expressa na fala de um de seus principais idealizadores, também coordenador de inovação em uma empresa de tecnologia:

Tenho uma convicção muito grande de que o que está acontecendo está transformando São Carlos em um dos maiores polos de inovação e tecnologia do mundo. A gente pode pensar em termos de Brasil, que já seria um destaque gigantesco, mas eu acho que vai muito além disso, tá? (Daniel, 2019)

O Vale do Silício foi uma referência fundamental para as iniciativas de criação dos parques de tecnologia, com suas incubadoras, desde os anos 1980. No entanto, um parque tecnológico não pode ser entendido apenas como um conjunto de edifícios ou um formato institucional fechado, desconsiderando-se a dinâmica interativa como fator fundamental em qualquer tentativa de replicar o modelo (Etzkowitz; Zhou, 2017ETZKOWITZ, Henry; ZHOU, Chunyan. (2017), “Hélice Tríplice: inovação e empreendedorismo universidade-indústria-governo”. Estudos Avançados, 31, 90: 23–48.). A importância da dimensão reticular da experiência norte-americana já foi ressaltada por diversos estudiosos (Saxenian, 1996SAXENIAN, AnnaLee. (1996), Regional Advantage: culture and competition in Silicon Valley and Route 128. Cambridge, Harvard University Press.; Castilla et al., 2000CASTILLA, Emilio J., et al. (2000), “Social Networks in Silicon Valley”, in C. M. LEE, et al (org.), The Silicon Valley Edge: a habitat for innovation and entrepreneurship, Stanford, Stanford University Press.). Como afirma Saxenian (1996)SAXENIAN, AnnaLee. (1996), Regional Advantage: culture and competition in Silicon Valley and Route 128. Cambridge, Harvard University Press., o sucesso da experiência do Vale, sobretudo na guinada pós-crise dos anos 1980, reside, principalmente, na ideia de redes, que possibilitam o aprendizado coletivo e o ajuste flexível das empresas, incentivando a experimentação e o empreendedorismo. Segundo a autora, em um sistema de rede, os limites funcionais dentro das empresas tornam-se porosos, bem como os limites entre as próprias empresas e entre empresas e instituições locais (como as universidades).

A consciência da importância das conexões se expressa na própria ideia de hub de tecnologia, manifesta no nome SancaHub. O termo, segundo empresários e outros atores envolvidos, nomeia o ecossistema de empreendedorismo tecnológico da cidade, que, afirmam, não teria uma sede nem hierarquias. A noção de ecossistema, segundo a concepção difundida no meio, compreenderia os diferentes atores que colaboram para a criação de um ambiente propício ao desenvolvimento de um potencial empreendedor, incluindo indivíduos com conhecimentos específicos e ideias inovadoras, empreendedores, startups, investidores, aceleradoras, universidades, eventos de tecnologia e outros (Santos, 2016SANTOS, Monna Cleide Fonsêca Rodrigues dos. (2016), O ecossistema de startups de software da cidade de São Paulo. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo.). Essa noção emprestada da biologia remete à ideia de uma convivência estável, equilibrada, harmoniosa e horizontalizada entre os atores e grupos que compõem o conjunto. Embora o discurso da horizontalidade e do compartilhamento permeie os relatos, existem assimetrias, protagonistas e coadjuvantes, diferentes níveis de influência e visibilidade entre empresas, empreendedores, trabalhadores e demais agente envolvidos, como buscaremos demonstrar.

Paralelamente às articulações que deram origem ao SancaHub, começaram a surgir na cidade, nos últimos anos, alguns espaços compartilhados de trabalho, os escritórios de coworking,13 13 Abordaremos o coworking enquanto espaço de trabalho com características e propósitos específicos na próxima seção. que passaram a abrigar diversas startups e profissionais autônomos. Atualmente, há pelo menos três espaços de coworking que se destacam na cidade, e cada um foi se especializando em um tipo de atividade: o primeiro concentra profissionais e empresas de tecnologia, o segundo tem sido promovido como espaço para mulheres empreendedoras; o terceiro concentra profissionais na área de humanidades (arquitetura, design e outros). Além destes, temos, mais recentemente, o espaço que chamaremos de CI,14 14 Os nomes verdadeiros das empresas e espaços de trabalho compartilhado serão preservados aqui para garantir o anonimato dos locais pesquisados. que, além de um coworking, é definido por seus fundadores como um centro de inovação.

São Carlos: um novo território para o empreendedorismo tecnológico

A chegada do CI é um divisor de águas na dinâmica do polo local de tecnologia. Ele fica na região central da cidade, em uma área total de 20 mil metros quadrados que até então abrigava ruínas de uma antiga fábrica têxtil. Inaugurado em 2018 e funcionando inicialmente com um galpão que concentrava alguns profissionais autônomos, freelancers e startups, o centro vem crescendo e recebendo novas empresas. O projeto de expansão é ambicioso: inclui a criação de um centro cultural, restaurantes e um museu da tecnologia, além de outros galpões com novas startups (um deles, inclusive, voltado especialmente ao agronegócio).

O projeto do CI foi concebido para ser desenvolvido em São Paulo, mas houve uma articulação de atores centrais do SancaHub para convencer os fundadores, pessoas de destaque no cenário nacional de eventos de tecnologia, a estabelecer o centro na cidade. Há um esforço para definir o CI como uma iniciativa que vai além do espaço de coworking. Desde que se instalou na cidade, o centro realiza eventos com palestrantes locais e convidados sobre diferentes assuntos, com destaque para o empreendedorismo tecnológico, e também abrigou algumas competições de tecnologia do tipo hackathon.15 15 Uma espécie de maratona de programação promovida por empresas ou grupos especializados em torno do desafio de resolver um problema específico. Simultaneamente, dá visibilidade aos jovens profissionais e empresas de tecnologia envolvidos. Embora a publicidade do local anuncie serviços de suporte ao desenvolvimento de empresas, estes ainda não estavam plenamente estruturados no momento da pesquisa.

Inicialmente, instalaram-se no CI empresas e startups que tinham clara relação com as redes do SancaHub. Estas ocuparam as primeiras salas e aquelas em posições mais destacadas. Relatos de alguns empreendedores denotam que houve uma espécie de seleção inicial das empresas que iriam ocupar as salas privativas. Nas posições menos centrais, e em mesas compartilhadas, foram distribuídos empresas iniciantes e profissionais autônomos. Entre as empresas instaladas no local, já se observava uma significativa heterogeneidade: nos extremos, de um lado, startups bem estruturadas, algumas participando de programas reconhecidos de investimento; de outro, empresas em fase muito inicial, iniciativas de jovens recém-formados.

Às dinâmicas que têm sido observadas nos últimos anos em São Carlos, centralizadas em torno do SancaHub e do CI, associa-se todo um discurso no sentido de modernizar e dar uma nova roupagem a uma cidade que já era, havia muito tempo, intitulada capital da tecnologia. Esse discurso valoriza profundamente a iniciativa individual, expressa grande confiança em relação às possibilidades abertas pelo empreendedorismo e coloca centralidade na tecnologia como via de transformação. Nesse sentido, também há uma forte influência do Vale do Silício, configurando uma proposta que associa tecnologias digitais e liberalismo, ou, como conceitua Sadin (2018)SADIN, Éric (2018), La Siliconización del mundo: la irresistible expansión del liberalismo digital. Buenos Aires, Caja Negra., um tecnoliberalismo.

Segundo apuramos, o CI não contou com suporte ou vantagens financeiras da prefeitura municipal ou de outras instituições públicas. As notícias que circularam na mídia destacaram, no entanto, o apoio de algumas grandes empresas, com destaque para uma holding de cartões de crédito e uma gigante da indústria farmacêutica.16 16 Recentemente, o CI inaugurou um galpão com capacidade para abrigar empresas de maior porte. Uma grande empresa de entrega de comida via aplicativos inaugurou uma unidade no espaço em 2019; em 2020, foi anunciada a inauguração de um centro de pesquisa e inovação de um grande banco, com a promessa de empregar trezentas pessoas. As logomarcas de ambas podem ser avistadas em diversos banners espalhados pelo espaço. Nesse sentido, chama atenção a fala de um dos representantes do CI, permeada pela exaltação da iniciativa empreendedora e por uma crítica implícita a um modelo de inovação pautado no financiamento público, como o ParqTec:17 17 Embora isso não se explicite nos relatos, foi possível notar a existência de uma relação de rivalidade e tensão entre CI e ParqTec.

Existem quatro tipos de centro de inovação que a gente identificou ao redor do mundo: ou é feito por uma grande empresa, como o Cubo que é do Itaú lá em São Paulo. Ou é feito por um milionário que investe. Ou é feito por um parque tecnológico, como o daqui, que tem investimento do governo. E o caso do CI, que não se encaixa em nenhum desses três: não é de um milionário, não é de uma grande empresa e não tem incentivo público algum. Até já tivemos oportunidade, mas não é o que a gente gostaria, justamente para mostrar que é possível fazer isso tudo sem um incentivo público. (Caio, 2018)

Segundo um dos sócios do CI, a opção por abrir o espaço em São Carlos deve-se, principalmente, ao fato de que “a base da inovação são as pessoas, o capital intelectual”. Esse capital intelectual seria composto, em sua grande maioria, pelos profissionais formados nas duas universidades públicas da cidade. Em São Carlos, há uma relação de aproximadamente um doutor para cada cem habitantes, (G1, 2019)18 18 São Carlos é a cidade brasileira com o maior número de doutores por habitantes no país. A informação está em reportagem baseada em pesquisa do Instituto de Química da USP, disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2019/05/22/sao-carlos-tem-1-doutor-para-cada-100-habitantes-e-registra-a-maior-media-nacional-diz-levantamento.ghtml, consultado em 19/10/2020. com grande concentração nas áreas de exatas e tecnológicas. Além disso, mais de 76% dos profissionais formalmente registrados no setor de TI na cidade têm, ao menos, o ensino superior completo, superando os níveis de escolarização desses profissionais no estado (66%).19 19 Dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), relativos a 2017. Os custos de contratação, no entanto, são consideravelmente mais baixos que na capital. Apenas como referência, dados da RAIS de 2018 indicam que a renda média dos trabalhadores em São Carlos representava cerca 68% da renda dos trabalhadores com vínculos em TI na capital do estado20 20 Vale destacar que esse dado se refere apenas a trabalhadores formais. (Pires; Alves, 2020PIRES, Aline Suelen; ALVES, Edvaldo Carvalho. (2020), “O digital e o local: os desenvolvedores de software em São Carlos (SP), João Pessoa e Campina Grande (PB)”, in J. C. LIMA (org.), O trabalho em territórios periféricos: estudos sobre três setores produtivos, São Paulo, Annablume.). Os trechos a seguir, de entrevistas com a sócia de uma startup de desenvolvimento de software e com a gerente de uma empresa do mesmo ramo, representam discursos que foram reproduzidos por quase todos os empreendedores entrevistados:

São Carlos tem isso, entendeu? Tem as duas universidades, acabou. A mão-de-obra vem daqui e são pessoas especializadas para esse projeto, são pessoas especialistas, só conhece quem pode trabalhar nele na universidade, é nível doutorado, mestrado, entendeu? (Cris, 2018)

A gente presta serviço para o exterior e o outsourcing, então é tranquilo [estar localizada São Carlos]. Inclusive, é uma vantagem, porque se você tem um custo de vida mais baixo, a faixa salarial é mais baixa, então para fazer outsourcing isso é excelente. (Heloísa, 2018)

Os deslocamentos do capital não são fortuitos, assim como não se dá ao acaso o recente interesse do empreendedorismo tecnológico na localidade. Como aponta Lima (2020LIMA, Jacob Carlos. (2020), “Trabalho e dinâmicas territoriais: ressignificação e reespacialização da produção”, in J. C. LIMA (org.), O trabalho em territórios periféricos: estudos sobre três setores produtivos, São Paulo, Annablume., p. 1), “ao discutirmos o trabalho em suas manifestações locais, estamos nos referindo a processos mais amplos de mobilidades do capital e do trabalho, que o ressignificam”. O capitalismo flexível das últimas décadas implicou em “abertura de mercados, deslocamentos da produção globalmente, mudanças radicais na utilização da força de trabalho e sua mobilidade em dimensões nunca vistas” (Lima, 2020LIMA, Jacob Carlos. (2020), “Trabalho e dinâmicas territoriais: ressignificação e reespacialização da produção”, in J. C. LIMA (org.), O trabalho em territórios periféricos: estudos sobre três setores produtivos, São Paulo, Annablume.).

No caso do Brasil, vários estudos mostram como, sobretudo desde os anos 1990, com as políticas neoliberais de abertura de mercados e as mudanças econômicas propiciadas pela reestruturação produtiva, assistimos a um processo de desregulamentação e reespacialização da produção. Empresas de diversos setores buscam novos territórios em nome de vantagens competitivas, sobretudo visando redução de custos de mão de obra. É o caso, por exemplo, do setor têxtil e do vestuário, atraído das regiões Sul e Sudeste para localidades no sertão nordestino, nas quais podiam pagar aos trabalhadores uma remuneração de apenas um salário mínimo, pelo fato de praticamente inexistirem outras perspectivas locais de ocupação remunerada. No mesmo sentido, Rodrigues et al (2007)RODRIGUES, Iram Jácome et al. (2007), “Velhos e novos operários da indústria automobilística: o ABC paulista e o Sul fluminense”, in I. J. RODRIGUES & J. R. RAMALHO (org.), Trabalho e sindicato em antigos e novos territórios produtivos: comparações entre o ABC paulista e o Sul Fluminense, São Paulo, Annablume., ao comparar fábricas do ABC paulista e do sul fluminense no processo de reestruturação industrial, também a partir dos anos 1990, destacam que “movimentos de reespacialização regional passaram a se constituir em importantes estratégias para a redução de custos, principalmente no que diz respeito aos salários” (p. 47).21 21 Destacam ainda, neste setor, a instalação de unidades em localidades sem tradição operária e sindical.

Como afirma Lima (2010a)LIMA, Jacob Carlos. (2010a), “Relocalização espacial da produção e do trabalho: flexibilização e mobilidades”, in N. VALÊNCIO; E. A. de PAULA & A. C. WITKOSKI (org.), Processos de territorialização e identidades sociais, v. I, São Carlos/Rio Branco/Manaus, Rima/Edufac/Edua., na fase atual do capitalismo, altamente tecnológica, a busca de força de trabalho barata e pouco organizada passa a ser um critério ainda mais importante que o acesso a matérias primas. Nesse sentido, Sennett (2006)SENNETT, Richard. (2006), A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro, Record. aponta que há uma tendência de que os empregos abandonem os locais de salários mais altos e migrem para territórios de salários mais baixos. O autor destaca que esse processo não ocorre apenas em setores que não exigem mão de obra qualificada. Ao apresentar o exemplo do telemarketing na Índia e das maquiladoras no México, mostra que em muitos casos as empresas encontram trabalhadores capacitados, e às vezes superpreparados, nas regiões de destino. É nesse sentido que São Carlos se torna um território atrativo para as empresas de tecnologia, como podemos observar a partir dos relatos anteriores.22 22 Com isso, não queremos dizer que há um movimento em massa de empresas de tecnologia em direção a São Carlos, mas que a localidade passa a ser atrativa, conquistando alguma visibilidade.

Poderíamos supor que o fato de estarem no interior, a certa distância da capital –onde se concentra, em geral, a maior parte dos clientes e parceiros comerciais –, seria uma desvantagem para as empresas. No entanto, muitos dos empreendedores afirmam que costumam realizar viagens semanais a São Paulo (e outras cidades maiores) para fazer contatos e fechar negócios. Algumas empresas mantêm um escritório comercial na capital com essa finalidade. Outras, fazem o contrário: possuem um endereço em São Paulo que identificam como sede, concentrando nela administração e a parte comercial, e mantêm em São Carlos o que entendem como laboratório de inovação, onde as tecnologias são desenvolvidas e os profissionais da área se concentram, o que certamente é vantajoso, em razão dos salários mais baixos.

A fala de Cris (2018), repetida por outros empreendedores de startups entrevistados, destaca que, em negócios pautados em inovação e tecnologias de ponta, existe uma demanda por profissionais muito especializados e pós-graduados, que podem ser encontrados em São Carlos. É sobretudo esse perfil que tem atraído o interesse de empresas (de grande porte, inclusive) em abrir laboratórios de inovação na cidade. Por outro lado, como ilustra a fala de Heloísa (2018), empresas que realizam outsourcing, ou aquelas de maior porte, que não têm foco no desenvolvimento de produtos ou serviços altamente inovadores, demandam uma mão de obra abundante e especializada, mas que não exige tal nível de formação. Estas recrutam de maneira massiva estudantes em formação na modalidade de estágio, com baixas remunerações. A força de trabalho oriunda das universidades em São Carlos atende aos dois modelos.

Outro argumento mobilizado para justificar a instalação e permanência das startups23 23 Não há dados confiáveis sobre números e características das startups de São Carlos. e demais empresas de TI em São Carlos refere-se à qualidade de vida que a cidade propiciaria, em comparação com a capital. É o que se observa nos depoimentos abaixo, do sócio de uma startup de software, da sócia de uma empresa de inteligência artificial e do sócio de uma startup de desenvolvimento de software:

[Em São Paulo] é caro para morar, caro para comer, caro para se deslocar, o tempo também é outro. Aqui, trabalho muito mais horas do que se eu morasse lá, com certeza. Às vezes que eu vou para São Paulo. (...) É, trânsito de uma hora de ida, uma hora de volta, duas horas jogadas fora. Aqui eu trabalho das oito até as oito da noite, nove da noite, 20 minutos para eu ir e voltar para casa, todo dia, no pior dia. Não tem como comparar. (Giovani, 2018).

Em São Paulo, estão as empresas grandes. Quem vai consumir o meu produto talvez esteja lá, né? Mas São Paulo está ficando muito cansativo. Por exemplo: você vai lá você consegue fazer uma reunião no dia. Uma! (Vanessa, 2018)

A outra coisa é o... o estilo de vida, né? Aqui, você está a cinco minutos de qualquer lugar, então isso é muito bom. (...) As empresas maiores usam para tirar gente de São Paulo e trazer para cá, que é a qualidade de vida de estar em uma cidade menor. Então, acho que isso também é um ponto positivo. Ponto negativo é a questão cultural, eu acho que é muito fraca. Começa a existir alguma iniciativa ou outra agora. (Ícaro, 2018)

Entre os empreendedores, as falas sobre qualidade de vida são recorrentes. Mas o que essa expressão significa objetivamente? São Carlos não é uma cidade que oferece muitas opções em termos culturais e de consumo, como fica nítido no relato de Ícaro. Assim, percebemos que qualidade de vida refere-se ao fato de ter menos problemas relativos ao trânsito, propiciando uma mobilidade rápida entre os lugares, entre a residência e o trabalho. No entanto, o tempo economizado nos deslocamentos transforma-se em tempo produtivo. Como Giovani gasta apenas quinze minutos no trajeto casa-empresa, relata que pode aproveitar para estender um pouco mais a jornada, chegando a trabalhar doze ou treze horas por dia. Vanessa também consegue realizar mais reuniões ou produzir mais se estiver em São Carlos, em comparação com São Paulo. Em segundo lugar, aparece a questão do custo de vida que, inclusive, justifica o pagamento de remunerações mais baixas.

Assim, pretendíamos discutir, nessa parte, como São Carlos, enquanto território com características específicas e em torno do qual há uma construção simbólica como capital da tecnologia, passa a atrair, nos últimos anos, empresas e atores estratégicos a partir da proposta de configuração de um hub de tecnologia. A atenção voltada a São Carlos não é casual, tendo na força de trabalho altamente especializada, abundante e, sobretudo, mais barata uma motivação central. Esse movimento é permeado por um discurso empreendedor renovado, que produz uma ressignificação desse território, trazendo novos arranjos, dinâmicas e percepções sobre o trabalho em um setor de tecnologia de ponta. A seguir, pretendemos aproximar o olhar, discutindo criticamente como os novos discursos e estratégias empresariais se materializam no ambiente de trabalho.

Espaços de trabalho, startups e implicações nas experiências dos trabalhadores

Como apontamos, o capitalismo flexível passa a demandar um novo perfil de trabalhador. Este necessita, cada vez mais, mobilizar atributos pessoais no trabalho. Precisa estar disposto a atuar em diferentes espaços e horários, em equipes que se alteram constantemente. Deve demonstrar habilidades e atributos que vão muito além da formação, ser inovador e criativo, saber comunicar-se bem, estar sempre pronto a assumir novos riscos e desafios. Não há mais a necessidade de um controle ostensivo e centralizado, pois é esperado que o trabalhador internalize as formas de controle, ao mesmo tempo em que é constantemente avaliado, de formas pouco visíveis (e, muitas vezes mediadas pela tecnologia) por superiores, colegas e clientes (Boltanski; Chiapello, 2009BOLTANSKI, Luc.; CHIAPELLO, Ève. (2009), O novo espírito do capitalismo. São Paulo, Martins Fontes.; Sennett, 2009SENNETT, Richard (2009), A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro/São Paulo, Record.). O que importa é que cumpra a meta, que atinja os resultados estabelecidos.

O setor de TI é emblemático nesse sentido. Diversos estudos já demonstraram (Bridi, 2014BRIDI, Maria Aparecida. (2014), “O setor de tecnologia da informação: O que há de novo no horizonte do trabalho?”. Politica & Trabalho, 2, 41: 277-304.; Pires, 2018PIRES, Aline Suelen. (2018), “Juventude(s) e o trabalho na área de TI: uma discussão sobre o discurso da flexibilidade geracional”, in M. A. BRIDI & J. C. LIMA (org.), Flexíveis, virtuais e precários? Os trabalhadores em tecnologias de informação, Curitiba, UFPR.; Castro, 2013CASTRO, Barbara. (2013), Afogados em contratos: as relações de trabalho no setor de TI. Tese de doutorado. Universidade de Campinas, Campinas.) que se trata de uma atividade marcada pelo trabalho intenso e flexível. Embora, no Brasil, ainda prevaleçam contratos formais, seus profissionais relatam jornadas flexíveis ou prolongadas e a prática de levar trabalho para casa ou de virar noites para concluir projetos, em uma tendência de inseparabilidade entre tempo de trabalho e não trabalho. Além disso, o controle sobre o trabalho no setor costuma ser realizado sobretudo por meio de metas e resultados, que, em muitas situações, são inexequíveis dentro da jornada regular. A necessidade de estudo e atualização constantes se configuram como um grande fator de pressão, e até de adoecimento.

Assim, esse trabalhador dos novos tempos não pode ser meramente o cumpridor de ordens que conta os minutos para o final do expediente. Tem de ser alguém que se envolva de corpo e alma com seu trabalho:

Trata-se agora de governar um ser cuja subjetividade deve estar inteiramente envolvida na atividade que se exige que ele cumpra. Para isso, deve-se reconhecer nele a parte irredutível do desejo que o constitui (...) o sujeito ativo que deve participar inteiramente, engajar-se plenamente, entregar-se por completo a sua atividade profissional. O sujeito unitário é o sujeito do envolvimento total de si mesmo. (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo., p. 327)

A distância entre empresa e trabalhador deve ser suprimida. A flexibilização transferiu os riscos para os trabalhadores, responsabilizando-os inteiramente por sua empregabilidade e exigindo deles cada vez mais disponibilidade e comprometimento. A racionalidade de mercado e a competição enquanto conduta espalham-se por todas as esferas da existência, e a autoridade é substituída pela motivação e engajamento. O indivíduo é estimulado a entender-se e a portar-se como empresa. Assim, seu desempenho deve ser direcionado à valorização de seu próprio capital humano, reproduzindo incessantemente a lógica que leva à sua sujeição (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo.).

Zanon (2019)ZANON, Breilla Valentina Barbosa. (2019), Não era amor, era cilada: startups, coworkings e a mobilização do desejo pelo mundo do trabalho. Tese de doutorado. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. discute como as novas formas de motivação e engajamento materializam-se em um discurso de amor ao trabalho, a partir de pesquisa realizada em espaços de coworking e startups. Considera que esses dois modelos, “marcados pela flexibilidade da organização da produção, das relações de trabalho e da mobilização das subjetividades dos trabalhadores” (Zanon, 2019ZANON, Breilla Valentina Barbosa. (2019), Não era amor, era cilada: startups, coworkings e a mobilização do desejo pelo mundo do trabalho. Tese de doutorado. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., p. 13-14), são exemplos ilustrativos das transformações recentes do capitalismo, caracterizadas pela flexibilidade e pela racionalidade neoliberal (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo.). Ao adentrar o universo do coworking, nota que o discurso do amor ao trabalho é particularmente mobilizado pelos profissionais e empreendedores de startups.

Não é tarefa fácil – nem nosso propósito – definir o que é uma startup. A compreensão de startup presente na obra de Ries (2012)RIES, Eric. (2012), A startup enxuta: como os empreendedores atuais utilizam a inovação contínua para criar empresas extremamente bem-sucedidas. São Paulo, Lua de Papel., mobilizada constantemente por nossos interlocutores, é uma grande referência nesse meio. O site da StartSe apresenta uma definição que a resume e exemplifica como ecoa no Brasil:

Startup é uma empresa jovem com um modelo de negócios repetível e escalável, em um cenário de incertezas e soluções a serem desenvolvidas. Embora não se limite apenas a negócios digitais, uma startup necessita de inovação para não ser considerada uma empresa de modelo tradicional.24 24 O StartSe se apresenta como o maior ecossistema de startups do país. Ver: https://www.startse.com/noticia/startups/afinal-o-que-e-uma-startup, consultado em 9/10/2020.

Rocha (2016)ROCHA, Renata Malagoli. (2016), Empreendedorismo e inovação na jornada da startup: um framework da sintonia entre os processos. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo. considerou as startups organizações temporárias que buscam um modelo de negócios escalável e replicável, com perspectiva de crescimento acelerado e retorno rápido. Para Machado (2015)MACHADO, Fabio Gimenez. (2015), Investidor anjo: uma análise dos critérios de decisão de investimento em startups. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo., as startups são empresas iniciantes com foco na inovação. As startups visitadas durante a pesquisa se enquadrariam no que Maia (2016)MAIA, Marcel Maggion. (2016), “Características dos empreendedores de startups brasileiras de base tecnológica”. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação, 1, 2: 52–69. define como startups de base tecnológica, caracterizadas pela “atividade empreendedora de inovar nos mercados, por meio do desenvolvimento e inserção de produtos de base tecnológica” e também pela dependência de recursos externos (Maia, 2016MAIA, Marcel Maggion. (2016), “Características dos empreendedores de startups brasileiras de base tecnológica”. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação, 1, 2: 52–69., p. 56).

Independentemente dos critérios adotados e da multiplicidade de definições em que resultam, do ponto de vista sociológico, e tendo como referência central a questão do trabalho, o modelo de startup pode ser entendido enquanto um produto extremo da flexibilização e do risco empreendedor. Muitos negócios que se intitulam startups não passam de uma ideia, e muitas delas nunca serão mais do que isso. Em geral, a empresa se inicia com uma ideia considerada altamente inovadora e que se materializa em um produto ou serviço que irá resolver um problema nunca antes solucionado, uma demanda nunca antes suprida. Os profissionais envolvidos na proposta inicialmente investem trabalho, tempo e recursos pessoais – como destaca Maia (2016)MAIA, Marcel Maggion. (2016), “Características dos empreendedores de startups brasileiras de base tecnológica”. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação, 1, 2: 52–69., prevalece o autofinanciamento no Brasil25 25 Informação extraída de mapeamento elaborado por Maia (2016), em 2015, de startups cadastradas na Associação Brasileira de Startups (ABStartups). –, assumindo muitos dos riscos iniciais do negócio. Os investidores ou aceleradoras26 26 É muito comum que esses investidores e aceleradoras assumam participação societária nas firmas iniciantes (Maia, 2019). só passam a aportar recursos quando o produto ou serviço já se mostra viável, auferindo lucros a partir do que poderíamos chamar de uma terceirização do risco.

É claro que o risco é muito desigual diante da heterogeneidade de atores que encontramos nesse universo. Há empreendedores mais experientes e que dispõem de recursos significativos e capital social, mas também entrevistamos, em nossa pesquisa, diversos jovens com pouco (ou nenhum) recurso, que aderem fortemente à chamada cultura do risco, que, segundo Sadin (2018)SADIN, Éric (2018), La Siliconización del mundo: la irresistible expansión del liberalismo digital. Buenos Aires, Caja Negra., também é um produto do Vale do Silício. O relato abaixo, do CTO de uma startup localizada no CI, é ilustrativo e nos permitirá desdobrar essa análise:

E, depois que terminei o mestrado, (...) eu era desenvolvedor sênior já lá na empresa, e aí um dos fundadores me chamou e falou: “Eu queria te preparar para você me substituir aqui como CTO”. (...) No final, eu estava gerindo uns quarenta desenvolvedores, os vinte QA’s, mais o time de infraestrutura. E aí foi quando eu conversei com a Marta [proprietária da empresa em que trabalha atualmente] (...) eu cheguei para meu ex-chefe e falei: “Eu recebi uma proposta aqui que é algo... eu vou me jogar” (...). Porque é bem menor o salário, minha esposa não trabalha, eu tenho um filho de dois anos de idade que depende de mim. Tudo isso para fazer o que eu gosto (...), algo que eu acredito, (...) que pode transformar as pessoas. (...) Eu estou contente pra c******. Assim, eu não me arrependo... Eu vim com esse sonho de querer ajudar as pessoas mesmo. Isso aqui me motiva, isso é o que me faz acordar todo dia. Eu trabalho absurdamente mais, mas eu estou muito feliz. (Eduardo, 2019)27 27 Eduardo, 2019, grifo nosso.

Esse trabalhador de 33 anos, único responsável pelo sustento da família, abandonou um emprego estável, no qual possuía liderança, um ótimo salário e perspectiva de crescimento, para apostar em uma ideia de startup, com a justificativa de que agora faz o que gosta e, principalmente, sente que pode mudar a vida de outras pessoas. Mesmo ganhando muito menos e trabalhando muito mais, se diz feliz. Como explicar? Trata-se do tipo ideal de trabalhador requerido pelo capitalismo atual: aquele que está sempre disposto a arriscar-se, que é profundamente flexível, que não faz planos de longo prazo e, principalmente, cuja subjetividade está muito comprometida com o trabalho, já que não há distinção entre sucesso profissional e realização pessoal. Se ele acredita que pode mudar o mundo, qualquer sacrifício se justifica automaticamente.

O discurso de mudar o mundo é uma constante nesses relatos. Às startups estão associados valores simbólicos em torno do imaginário de desenvolver um aplicativo que irá “transformar a vida das pessoas”, “mudar a forma como vivemos”, a exemplo do que ocorreu com Mark Zuckerberg e o Facebook, referência que legitima uma adesão a situações de risco e um grande comprometimento com o trabalho. Vale destacar que essa justificativa não aparece, nos discursos, como algo de ordem própria ou unicamente financeira (ficar milionário), mas moral, no sentido de tratar-se de uma missão de mudar a vida das pessoas para melhor. É nesse sentido que, mais que inspirar um modelo de negócios que pode ser altamente rentável, o Vale do Silício engendra uma cultura específica. É, portanto, mais que um território, uma matriz de tradições, crenças e práticas (Slee, 2017SLEE, Tom. (2017), Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante.), um espírito que encarna a verdade econômico-empresarial da época (Sadin, 2018SADIN, Éric (2018), La Siliconización del mundo: la irresistible expansión del liberalismo digital. Buenos Aires, Caja Negra.), influenciando o mundo todo e diversas atividades.

Para motivar o trabalhador, produzindo uma subjetividade alinhada a esse ponto ao capitalismo flexível e neoliberal, é fundamental criar um ambiente propício. Nesse sentido, as transformações pelas quais a capital da tecnologia passou nos últimos anos podem ser consideradas representativas de novas tendências em termos de organização do trabalho. Estar em um ambiente, em um espaço de trabalho onde vários outros partilham das mesmas crenças e expectativas reforça subjetivamente a sensação de estar no caminho certo.

O CI, como justificamos, foi o espaço privilegiado para observarmos essas dinâmicas. Nas primeiras visitas ao local, havia apenas um galpão em funcionamento. É um espaço amplo, com salas dispostas ao redor de todo o quadrado. Estas não têm paredes na face frontal, mas vidros, que permitem que qualquer pessoa no local veja o que se passa dentro das empresas. Ao centro, há mesas extensas, ocupadas por profissionais autônomos ou pequenas empresas. A área central é flexível, podendo ser reorganizada para a realização de eventos.

O espaço pode ser descrito como extremamente lúdico, informal e descontraído. Uma chopeira pode ser avistada logo na entrada. Há muita cor, muitos dos vidros exibem dizeres e desenhos coloridos, e não é incomum encontrar jovens profissionais chegando para trabalhar com roupas leves, bermudas e chinelos. Muitas frases motivacionais estão espalhadas em paredes e pilastras, e o slogan do CI pode ser lido em diversos banners e cartazes: “Gente normal não muda o mundo”. As figuras 1 e 2 ilustram, respectivamente, o exterior e o interior do primeiro galpão inaugurado do CI.

Figura 1
– Exterior do CI
Figura 2
– Interior do CI

Esse tipo de ambiente lúdico e informal pôde ser observado também nos demais espaços de coworking visitados, e em outras empresas com sede independente, algumas com áreas específicas para relaxamento e lazer, claramente inspiradas no modelo do Google (Casaqui; Riegel, 2009CASAQUI, Vander; RIEGEL, Viviane. (2009), “Google e o consumo simbólico do trabalho criativo”. Comunicação, mídia e consumo, 6, 17: 161-180.). A WeWork, rede internacional de escritórios de coworking bilionária fundada em 2010, é outra referência importante nesse sentido. Entre as amenidades oferecidas em suas unidades pelo mundo, destacam-se sala de ginástica em Pequim, parede de escalada em Seul, piscina em San Diego, redes de descanso em São Paulo, terraço com minigolfe em Bogotá, jogo de dardos em Seul, mesa de pingue pongue em Busan, bilhar na Cidade do México, sala de ioga em Xangai (We Work, 2019WE WORK. (2019). “11 amenidades inesperadas nos locais WeWork em todo o mundo”. Disponível em: https://www.wework.com/pt-BR/ideas/office-design-space/office-amenities, consultado em 19/10/2020.
https://www.wework.com/pt-BR/ideas/offic...
).28 28 Disponível em: https://www.wework.com/pt-BR/ideas/office-design-space/office-amenities, consultado em 9/10/2020. Em seu site, divulga: “Espaço para extrair os melhores resultados de sua equipe”, evidenciando a vinculação entre espaço de trabalho, motivação e produtividade (We Work, 2020WE WORK (2020). “Revolucione seu espaço de trabalho”. Disponível em https://www.wework.com/pt-BR, consultado em 9/10/2020.
https://www.wework.com/pt-BR...
).29 29 Disponível em: https://www.wework.com/pt-BR, consultado em 9/10/2020. Visando garantir esse resultado, a companhia espalha sensores em suas locações para monitorar o comportamento e a interação dos profissionais com os espaços (Zanon, 2019ZANON, Breilla Valentina Barbosa. (2019), Não era amor, era cilada: startups, coworkings e a mobilização do desejo pelo mundo do trabalho. Tese de doutorado. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Se estamos falando de um momento e de um meio em que as formas de controle sobre o trabalho se dão, cada vez mais, através da motivação e do engajamento, podemos entender que a proposta dessa configuração espacial é desconstruir a cisão radical entre lazer (ou vida) e trabalho, atraindo sobretudo os profissionais mais jovens30 30 Segundo a gerente entrevistada, a área do site mais visitada pelos interessados em vagas de trabalho ou estágio é a que apresenta as opções de entretenimento da empresa, demonstrando que essa é uma questão importante para os profissionais, sobretudo os mais jovens, que são maioria no setor (Lima; Pires, 2017). , motivando-os a serem mais produtivos e incentivando a criatividade, vista como atributo central entre os profissionais no campo das tecnologias informacionais (Lima; Pires, 2017LIMA, Jacob Carlos; PIRES, Aline Suelen. (2017), “Youth and the new culture of work: considerations drawn from digital work”. Sociologia & Antropologia, 7, 3: 773-797.). É importante destacar, nesse aspecto, que o controle sobre o trabalho não desaparece, mas é menos visível, exercido através de metas e resultados estabelecidos, com prazos usualmente controlados por softwares específicos, conforme o relato de vários trabalhadores entrevistados.

Porém, a questão central desse tipo de organização do espaço e das empresas gira em torno das conexões que pode propiciar. Diversos autores que estudaram o Vale do Silício demonstraram como as redes configuram um elemento crucial para o sucesso do modelo (Saxenian, 2006SAXENIAN, AnnaLee. (2006), The New Argonauts: Regional Advantage in a Global Economy. Cambridge, Harvard University Press.; Castilla et al, 2000CASTILLA, Emilio J., et al. (2000), “Social Networks in Silicon Valley”, in C. M. LEE, et al (org.), The Silicon Valley Edge: a habitat for innovation and entrepreneurship, Stanford, Stanford University Press.). Vários dos profissionais que desenvolviam suas atividades no CI compararam-no a um shopping center, em que as empresas são como vitrines para novas oportunidades de trabalho e projetos, em um ambiente em que diariamente circulam muitas pessoas, de clientes a investidores, de estudantes a grandes empresários. O relato do trabalhador abaixo, que atua em uma das startups residentes do espaço, de desenvolvimento web, é ilustrativo:

Como as empresas são muito próximas aqui dentro, conversam bastante, você sempre sabe o que a outra empresa está fazendo. Aí eu já conhecia o pessoal da empresa X, onde estou hoje e que era a empresa vizinha da Y. Quando ficaram sabendo que a empresa Y ia fechar, eles vieram conversar com a gente, (...) para ver se tinha algum match de trabalho.31 31 “Match de trabalho” refere-se a interesses comuns entre empresa e profissional, possibilitando uma oportunidade de trabalho. (Matheus, 2018)

Para os empreendedores, a visibilidade, a possibilidade de trocar experiências e de conquistar novos clientes, de estabelecer parcerias comerciais e obter financiamentos também são vantagens propiciadas por esses espaços, como fica evidente no relato do empreendedor Arthur, proprietário de uma empresa de desenvolvimento de software:

O ambiente colaborativo foi o principal fator, né? Quando eu comecei, no ano passado, eu estava sozinho. E aí o que mais ajudou escolher vir para cá foi o fato de ter pessoas-chave aqui (...), que já passaram por tudo aquilo que eu precisava (...), a veia colaborativa mesmo, das pessoas compartilharem experiências. E, além disso, já acreditava que esse lugar ia virar uma referência. Hoje, estar aqui te coloca no mapa. (Arthur, 2019)

Assim, o espaço de trabalho compartilhado é fundamental para que o profissional, seja o empreendedor em potencial ou o trabalhador contratado, possa estabelecer redes que favoreçam uma oportunidade de negócio e/ou sua empregabilidade, já que é levado a assumir essa responsabilidade em um contexto instável e sem garantias de emprego estável, contribuindo para a desconstrução de reivindicações mais coletivas e pautadas na ideia de proteção social, e para uma certa naturalização da instabilidade.

Como aponta Zanon (2019)ZANON, Breilla Valentina Barbosa. (2019), Não era amor, era cilada: startups, coworkings e a mobilização do desejo pelo mundo do trabalho. Tese de doutorado. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., o coworking cria a atmosfera inovadora e empreendedora tão cara às startups. Permite que os trabalhadores e empreendedores encontrem pessoas que partilham as mesmas crenças e expectativas de mudar o mundo, reforçando a convicção de que o sucesso virá e, portanto, vale a pena assumir os riscos dos vínculos instáveis e a carga de trabalho intensa, como percebemos na fala de Eduardo. A WeWork, por exemplo, é apresentada por seus fundadores como, mais que uma proposta de escritório, “um estado de consciência que une pessoas para mudar o mundo” (Zanon, 2019ZANON, Breilla Valentina Barbosa. (2019), Não era amor, era cilada: startups, coworkings e a mobilização do desejo pelo mundo do trabalho. Tese de doutorado. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., p. 87). Maia (2019)MAIA, Marcel Maggion. (2019), “Como as startups crescem? Performances e discursos de empreendedores à procura de capital”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34, 99: 1-17. busca demonstrar como os eventos voltados a profissionais de tecnologia e startups também têm o papel fundamental de reforçar a crença coletiva no papel disruptivo da inovação, a retórica do herói modernizador, a valorização do risco, o empreendedorismo como única via possível e a positivação do trabalho intenso, sem limites, que se materializa, por exemplo, nas maratonas de programação, como as viradas empreendedoras e startup weekends.

O que pretendemos demonstrar aqui é que há uma construção simbólica voltada a favorecer e justificar um tipo específico de engajamento em relação ao trabalho e de responsabilização individual, pautado em futuros vislumbrados, em um dever ser, e alinhado a uma racionalidade neoliberal que não se manifesta apenas na reiteração de um discurso ou retórica, mas se materializa nas formas de organização das empresas e no ambiente em que elas e seus profissionais se inserem, forjando subjetividades.

Os valores da chamada economia do compartilhamento32 32 Para Slee (2017, p. 21), a economia do compartilhamento seria “uma onda de novos negócios que usam a internet para conectar consumidores com provedores de serviço para trocas no mundo físico”. Os principais expoentes são Uber e AirBn’b. No entanto, argumenta, o ideal de colaboração é, na verdade, um verniz para práticas que resultam em precarização do trabalho, desregulamentação, consumismo e destruição de localidades. também estão muito presentes nos novos espaços de trabalho. Pautada no discurso da colaboração e da horizontalidade nas relações, essa economia do compartilhamento esconde as assimetrias de poder e contribui para a propagação, para todas as dimensões da vida, de uma racionalidade de mercado e desregulamentação (Slee, 2017SLEE, Tom. (2017), Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante.).

A forma de nomear os cargos pode ser um exemplo disso. Nas startups visitadas, mesmo nas mais novas e formadas por apenas três ou quatro pessoas, era muito comum que todos se apresentassem com algum cargo executivo: CIO, CTO, CDO etc. Portanto, mesmo que o trabalhador esteja em uma situação de total incerteza, e que a empresa ainda não passe de uma ideia, ele deve se ver como parte do time, corresponsável pelo sucesso do negócio – e alguém que, para isso, precisa assumir riscos, investindo tempo e conhecimentos muitas vezes sem uma remuneração condizente com sua formação ou um contrato estável, com base em uma aposta no futuro. Standing (2014STANDING, Guy. (2014), O precariado: a nova classe perigosa. Belo Horizonte, Autêntica., p. 38) chama de uptitling essa tendência de dar “um cargo com título pomposo para esconder situações de precariedade e incertezas, em que pessoas são transformadas em chefe, executivo ou oficial sem ter um exército para liderar ou uma equipe para modelar”.

Essa prática reforça um sentimento de horizontalidade das relações e legitima indiretamente o risco, como se todos os envolvidos estivessem no mesmo barco. No entanto, quando adentramos o campo, observamos uma diversidade de atores: estagiários, bolsistas pós-graduandos, trabalhadores assalariados, jovens empreendedores iniciantes, empreendedores experientes (com ampla bagagem empreendendo ou atuando em outras empresas), atores centrais no meio do empreendedorismo tecnológico no país. Ou seja, há uma enorme diferença e variedade em relação aos capitais (de vários tipos) de que dispõem e à amplitude da salvaguarda de que usufruem. Portanto, os barcos são bem diferentes, mas o discurso visa uniformizar, focando não a qualidade da embarcação, mas o ponto de chegada, sem mencionar que, efetivamente, poucos chegarão lá.

O ideal do compartilhamento, que ofusca as relações de subordinação, associado a uma lógica que responsabiliza o indivíduo, também contribui para a desconstrução das formas tradicionais de associação coletiva. O trabalho pode se desenvolver em equipes, coletivamente (a área de TI depende disso, inclusive), mas ficou patente a percepção, entre os entrevistados, de que os sindicatos, enquanto via de proteção do trabalhador contra os abusos do capital, não dizem respeito ao seu perfil – de profissional mais qualificado e que realiza uma atividade considerada intelectual e colaborativa:

a nossa área não precisa tanto de um sindicato, como por exemplo, o metalúrgico. É muito raro a gente ter problemas com o nosso chefe. É muito raro. Especialmente porque a demanda é muito alta. Precisa estudar um pouco mais, assim, até agora eu não vi vantagem [em se associar ao sindicato]. (Jonas, 2019)

Assim, no entendimento do entrevistado, um desenvolvedor web, o sindicato é para o operário, para o trabalhador manual. Além disso, esse profissional não se sente representado pelo sindicato porque, no limite, não se entende como funcionário/empregado/subordinado, mas como empreendedor. Não que o trabalhador se veja como dono do negócio; ele sabe a quem pertence o capital. Mas sim no sentido de que cada um é (e deve ser portar como) um empreendedor em potencial, o sujeito empresarial, um ser dotado de espírito comercial, que precisa aproveitar as oportunidades de mercado (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo.). E que deve valer-se dessas oportunidades, seja para criar o próprio negócio ou ser admitido em um projeto. Ser empreendedor, nesse contexto, refere-se a um estado de espírito e a um modo de conduzir a vida. Do ponto de vista do capital, é uma perspectiva muito favorável, porque produz engajamento e estimula a adesão ao risco, sem que sejam necessárias contrapartidas materializadas em direitos e benefícios sociais.

É evidente que esses discursos não são internalizados por todos os trabalhadores da mesma maneira. Em relação ao contrato e à estabilidade no trabalho, por exemplo, os discursos variam muito. Por um lado, há a percepção de que “não tem como ter estabilidade e inovação junto, o cara tem que arriscar, tem que correr risco para estar na frente de projetos inovadores” (Cássio, programador júnior). Por outro, no entanto, encontramos o trabalhador que, tendo passado por diversas experiências e tipos de vínculo, não apenas reconhece, como valoriza os benefícios oferecidos pela CLT. Essas distintas percepções demonstram que, por mais poderosa que seja essa lógica, ela não é fechada, imune a críticas, podendo apresentar brechas e deslocamentos de sentido.

Considerações finais

Buscamos desenvolver aqui algumas análises a partir de dados obtidos por uma pesquisa cujo propósito era discutir a influência da dimensão espacial nas configurações do trabalho na área das tecnologias informacionais, sobretudo em empresas do tipo startup, na cidade de São Carlos-SP. Nesse sentido, esperamos que o artigo tenha trazido alguma contribuição para refletirmos sobre a relação entre território, espaço e trabalho na área de tecnologia, com destaque para o setor de TI.

A questão do espaço foi pensada sob duas perspectivas: a primeira refere-se ao espaço enquanto território, ou seja, buscamos compreender São Carlos enquanto uma cidade com uma trajetória e características particulares, que possibilitaram a configuração de um núcleo de empreendedorismo tecnológico. Embora, já há muitos anos, ela seja destaque no campo da produção de tecnologias, nos anos mais recentes há um movimento, conectado com novas dinâmicas do capital, que visa projetar São Carlos enquanto polo de startups, elevando a ideia de capital da tecnologia a um novo patamar e promovendo uma ressignificação desse território. Assim, buscamos analisar as razões que justificam a preferência dos empresários pela cidade (em detrimento da capital ou de outras localidades), que, no limite, estão relacionadas a menores custos de produção, com força de trabalho extremamente qualificada, e à busca por maior produtividade.

Essa ressignificação do território está relacionada à segunda perspectiva aqui tratada, referente aos espaços de trabalho e aos discursos e dinâmicas que os acompanham. Buscamos refletir sobre a construção do ambiente de trabalho nas empresas de tecnologia e nos espaços compartilhados em que estão situadas. O ambiente descontraído e lúdico, com diversos atrativos, produz motivação e envolvimento em um trabalhador que realiza um trabalho dito imaterial e criativo. Além disso, a lógica do espaço compartilhado propicia a articulação de redes fundamentais para que esse profissional acesse oportunidades de trabalho em um contexto de insegurança e trabalho por projetos (Boltanski; Chiapello, 2009BOLTANSKI, Luc.; CHIAPELLO, Ève. (2009), O novo espírito do capitalismo. São Paulo, Martins Fontes.). Essa insegurança, reiteradamente denunciada pela sociologia do trabalho, é, no entanto, dissimulada ou secundarizada diante da utopia-missão de mudar o mundo, que ganha eco no ambiente de startups e coworkings.

Assim, buscamos refletir em que medida esses arranjos são consonantes com o que Dardot e Laval (2016)DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo. chamam de racionalidade neoliberal, segundo a qual a produtividade é diretamente proporcional ao nível de envolvimento subjetivo do trabalhador com seu trabalho, ou seja, este será tanto mais produtivo quanto mais for levado a identificar-se com o que faz. Isso vem corroborar as análises que buscam demonstrar que a lógica econômica exige um modelo de trabalhador que seja inteiramente responsabilizado por seu sucesso ou fracasso, o empreendedor de si, o sujeito do novo espírito do capitalismo (Boltanski; Chiapello, 2009BOLTANSKI, Luc.; CHIAPELLO, Ève. (2009), O novo espírito do capitalismo. São Paulo, Martins Fontes.), o sujeito neoliberal ou neossujeito (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. (2016), A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo.), o sujeito de desempenho (Ehrenberg, 2010EHRENBERG, Alain. (2010). O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida, Ideias & Letras.). O trabalhador é, portanto, cada vez mais, levado a pensar-se não enquanto empregado, subordinado e membro de um coletivo, mas como empresa individual, que deve se preocupar com seu próprio desenvolvimento, garantir sua empregabilidade e aprimorar seu capital humano.

O setor de tecnologia de informação é paradigmático das novas configurações do trabalho, tendo emergido em um cenário no qual a flexibilização do trabalho já estava em marcha. Dessa forma, tem sido protagonista em termos de inovações gerenciais e novas formas de organização do trabalho, inspirando mudanças em outras áreas. A criação de empresas no modelo de startups tem se fortalecido muito nos últimos anos, tendo como inspiração o sucesso das (hoje) gigantes empresas de tecnologia que tiveram origem no Vale do Silício. Assim, o desejo de muitos jovens recém-formados em áreas ligadas à tecnologia, como observamos no caso específico da pesquisa, é ter uma ideia inovadora que possibilite chegarem ao patamar de um Steve Jobs ou de um Mark Zuckerberg.

Nesse sentido, receber uma remuneração que está abaixo de sua qualificação, ou trabalhar muitas horas por dia na empresa, utilizando o tempo de lazer para produzir ou se qualificar ainda mais, são práticas naturalizadas e justificadas pelos trabalhadores a partir da perspectiva de que podem vir a ter uma ideia ou desenvolver uma solução que irá mudar o mundo. O trabalho, intensificado de várias formas,33 33 Para aprofundar a questão do trabalho intenso e flexível no setor de tecnologia, ver Pires (2018) e Bridi (2014). não é visto como negativo, mas algo que o indivíduo faz porque gosta e deseja, elevando os lucros das empresas e renovando as possibilidades do capital. Isso incide, sobretudo, sobre os trabalhadores mais jovens. A motivação de mudar o mundo, no entanto, vai além da dimensão objetiva do trabalho, produzindo um tipo de engajamento que contribui para a configuração de uma nova cultura do trabalho (Lima, 2010bLIMA, Jacob Carlos (2010b). “Participação, empreendedorismo e autogestão: uma nova cultura do trabalho?”. Sociologias, 12, 25: 158-198.) e de subjetividades mais alinhadas à lógica individualizante, meritocrática e neoliberal.

Assim, tomando São Carlos como recorte e ponto de partida, buscamos observar novas dinâmicas do capital no setor de tecnologia, discutindo, em diálogo com outros estudos, quais lógicas operam e quais discursos se difundem, sobretudo no que se refere à produção de engajamento, valorização do ideal empreendedor e naturalização da flexibilidade e do risco; e também, em alguma medida, como esses mesmos discursos e lógicas são vivenciados e internalizados pelos trabalhadores. Que o capitalismo contemporâneo flexibiliza e, em muitas situações, precariza o trabalho é fato amplamente difundido e denunciado. Esperamos que este texto contribua, ainda que de forma muito inicial, para refletirmos também quais mecanismos estão em marcha para produzir adesão e consentimento a uma lógica permeada pela insegurança e pelo individualismo.

ENTREVISTAS

ARTHUR. Entrevista com Arthur. Aline Suelen Pires. 06 de fevereiro de 2019, São Carlos.

CAIO. Visita ao CI. Aline Suelen Pires. 04 de julho de 2018, São Carlos.

CÁSSIO. Entrevista com Cássio. Aline Suelen Pires. 06 de fevereiro de 2019, São Carlos.

CRIS. Entrevista com Cris. Aline Suelen Pires. 18 de maio de 2018, São Carlos.

DANIEL. Entrevista com Daniel. Aline Suelen Pires. 18 de janeiro de 2019, São Carlos.

EDUARDO. Entrevista com Eduardo. Aline Suelen Pires. 07 de fevereiro de 2019, São Carlos.

GIOVANI. Entrevista com Giovani. Aline Suelen Pires. 01 de março de 2018, São Carlos.

HELOÍSA. Entrevista com Heloísa. Aline Suelen Pires. 26 de abril de 2018, São Carlos.

ÍCARO. Entrevista com Ícaro. Aline Suelen Pires. 17 de julho de 2018, São Carlos.

JONAS. Entrevista com Jonas. Aline Suelen Pires. 07 de fevereiro de 2019, São Carlos.

MATHEUS. Entrevista com Matheus. Aline Suelen Pires. 20 de novembro de 2018, São Carlos.

VANESSA. Entrevista com Vanessa. Aline Suelen Pires. 23 de janeiro de 2019, São Carlos.

Agradecimentos

Pesquisa realizada com apoio do CNPq – Projeto Universal CNPq 402354/2016-8. Agradeço ao Prof. Dr. Jacob Carlos Lima pelas leituras e sugestões nas primeiras versões do artigo. Agradeço também os comentários dos pareceristas anônimos, que muito contribuíram para o aprimoramento do texto.

  • 1
    A definição de startup será discutida mais adiante.
  • 2
    A discussão em torno das categorias espaço, território e lugar é ampla, com referências na geografia e em outras áreas. De modo simplificado, o espaço é tomado a partir de suas características físicas, sem desconsiderar que é produto de relações sociais. O território delimitaria fisicamente o espaço, a partir de uma concepção política. A ideia de lugar coloca foco nos significados atribuídos aos territórios pelos atores sociais e suas representações subjetivas (Lima, 2020LIMA, Jacob Carlos. (2020), “Trabalho e dinâmicas territoriais: ressignificação e reespacialização da produção”, in J. C. LIMA (org.), O trabalho em territórios periféricos: estudos sobre três setores produtivos, São Paulo, Annablume.).
  • 3
  • 4
    Disponível em: http://www.saocarlos.usp.br/historia-e-numeros/, consultado em 9/10/2020.
  • 5
    Disponível em: http://www.saocarlos.usp.br/cursos-de-graduacao/, consultado em 9/10/2020.
  • 6
    Disponível em: https://www2.ufscar.br/a-ufscar/apresentacao, consultado em 9/10/2020.
  • 7
    Vídeo institucional disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XPQoHZF9K7Q, consultado em 9/10/2020.
  • 8
    Disponível em: http://parqtec.com.br/quem-somos, consultado em 9/10/2020.
  • 9
    Desde 2008, São Carlos conta com o Parque Ecotec Damha, gerido pelo Instituto Inova e anunciado como o primeiro parque tecnológico privado do país. Ver: https://comunidade.startse.com/in/ecotec, consultado em: 9/10/2020. A pesquisa não realizou visitas ao espaço.
  • 10
    Todos os entrevistados autorizaram a divulgação de seus depoimentos para fins acadêmicos. Os nomes reais foram substituídos por nomes fictícios.
  • 11
  • 12
    Como Santa Rita do Sapucaí e San Pedro Valley, ambas em Minas Gerais.
  • 13
    Abordaremos o coworking enquanto espaço de trabalho com características e propósitos específicos na próxima seção.
  • 14
    Os nomes verdadeiros das empresas e espaços de trabalho compartilhado serão preservados aqui para garantir o anonimato dos locais pesquisados.
  • 15
    Uma espécie de maratona de programação promovida por empresas ou grupos especializados em torno do desafio de resolver um problema específico. Simultaneamente, dá visibilidade aos jovens profissionais e empresas de tecnologia envolvidos.
  • 16
    Recentemente, o CI inaugurou um galpão com capacidade para abrigar empresas de maior porte. Uma grande empresa de entrega de comida via aplicativos inaugurou uma unidade no espaço em 2019; em 2020, foi anunciada a inauguração de um centro de pesquisa e inovação de um grande banco, com a promessa de empregar trezentas pessoas.
  • 17
    Embora isso não se explicite nos relatos, foi possível notar a existência de uma relação de rivalidade e tensão entre CI e ParqTec.
  • 18
    São Carlos é a cidade brasileira com o maior número de doutores por habitantes no país. A informação está em reportagem baseada em pesquisa do Instituto de Química da USP, disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2019/05/22/sao-carlos-tem-1-doutor-para-cada-100-habitantes-e-registra-a-maior-media-nacional-diz-levantamento.ghtml, consultado em 19/10/2020.
  • 19
    Dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), relativos a 2017.
  • 20
    Vale destacar que esse dado se refere apenas a trabalhadores formais.
  • 21
    Destacam ainda, neste setor, a instalação de unidades em localidades sem tradição operária e sindical.
  • 22
    Com isso, não queremos dizer que há um movimento em massa de empresas de tecnologia em direção a São Carlos, mas que a localidade passa a ser atrativa, conquistando alguma visibilidade.
  • 23
    Não há dados confiáveis sobre números e características das startups de São Carlos.
  • 24
    O StartSe se apresenta como o maior ecossistema de startups do país. Ver: https://www.startse.com/noticia/startups/afinal-o-que-e-uma-startup, consultado em 9/10/2020.
  • 25
    Informação extraída de mapeamento elaborado por Maia (2016)MAIA, Marcel Maggion. (2016), “Características dos empreendedores de startups brasileiras de base tecnológica”. Revista de Empreendedorismo, Negócios e Inovação, 1, 2: 52–69., em 2015, de startups cadastradas na Associação Brasileira de Startups (ABStartups).
  • 26
    É muito comum que esses investidores e aceleradoras assumam participação societária nas firmas iniciantes (Maia, 2019MAIA, Marcel Maggion. (2019), “Como as startups crescem? Performances e discursos de empreendedores à procura de capital”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 34, 99: 1-17.).
  • 27
    Eduardo, 2019, grifo nosso.
  • 28
  • 29
    Disponível em: https://www.wework.com/pt-BR, consultado em 9/10/2020.
  • 30
    Segundo a gerente entrevistada, a área do site mais visitada pelos interessados em vagas de trabalho ou estágio é a que apresenta as opções de entretenimento da empresa, demonstrando que essa é uma questão importante para os profissionais, sobretudo os mais jovens, que são maioria no setor (Lima; Pires, 2017LIMA, Jacob Carlos; PIRES, Aline Suelen. (2017), “Youth and the new culture of work: considerations drawn from digital work”. Sociologia & Antropologia, 7, 3: 773-797.).
  • 31
    Match de trabalho” refere-se a interesses comuns entre empresa e profissional, possibilitando uma oportunidade de trabalho.
  • 32
    Para Slee (2017SLEE, Tom. (2017), Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante., p. 21), a economia do compartilhamento seria “uma onda de novos negócios que usam a internet para conectar consumidores com provedores de serviço para trocas no mundo físico”. Os principais expoentes são Uber e AirBn’b. No entanto, argumenta, o ideal de colaboração é, na verdade, um verniz para práticas que resultam em precarização do trabalho, desregulamentação, consumismo e destruição de localidades.
  • 33
    Para aprofundar a questão do trabalho intenso e flexível no setor de tecnologia, ver Pires (2018)PIRES, Aline Suelen. (2018), “Juventude(s) e o trabalho na área de TI: uma discussão sobre o discurso da flexibilidade geracional”, in M. A. BRIDI & J. C. LIMA (org.), Flexíveis, virtuais e precários? Os trabalhadores em tecnologias de informação, Curitiba, UFPR. e Bridi (2014)BRIDI, Maria Aparecida. (2014), “O setor de tecnologia da informação: O que há de novo no horizonte do trabalho?”. Politica & Trabalho, 2, 41: 277-304..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2020
  • Aceito
    20 Set 2020
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