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TEORIA CRÍTICA NAS MARGENS* * O desenvolvimento dessa pesquisa foi possível graças ao apoio proporcionado pelo CNPq e pela Faperj. Pelas valiosas críticas e sugestões ao texto, agradecemos aos pareceristas anônimos da RBCS, aos colegas Simone da Silva Ribeiro Gomes e Fernando Vieira de Freitas e aos participantes do debate ocorrido durante o 42º Encontro Anual da Anpocs (2018), especialmente aos organizadores do painel, Patrícia da Silva Santos e Ricardo Pagliuso Regatieri. Somos, contudo, responsáveis pelo resultado final. Um diálogo entre marxismo e pós-colonialismo

CRITICAL THEORY AT THE MARGINS: A DIALOGUE BETWEEN MARXISM AND POST-COLONIALISM

LA THÉORIE CRITIQUE SUR LES BORDS: UN DIALOGUE ENTRE LE MARXISME ET LE POSTCOLONIALISME

Resumos

O objetivo do artigo é revisitar o debate sobre marxismo e pós-colonialismo, com o intuito de desbravar um terreno construtivo de crítica a partir do conflito. O percurso do argumento está dividido em três etapas. A primeira enfatiza duas facetas constitutivas do pensamento de Marx: uma de traços nitidamente eurocêntricos, que refraseia temas do iluminismo e da filosofia da história hegeliana; outra que enseja um olhar menos teleológico sobre as periferias, o colonialismo europeu e as perspectivas de emancipação humana. A segunda aborda o pós-colonialismo como um heterogêneo movimento de teoria crítica periférica, separando também duas ênfases: uma vertente mais fortemente desconstrutivista, que tende a rejeitar o marxismo como uma dentre as metanarrativas da modernidade; outra que se desmembra e desenvolve em estreito diálogo com as lutas anti-imperialistas do século XX. A parte final aponta as potencialidades de reconstrução conceitual entre um marxismo antieurocêntrico e um pós-colonialismo que não se exime da crítica às grandes estruturas de dominação da modernidade.

Palavras-chave:
Teoria Crítica; Pós-Colonialismo; Marxismo; Eurocentrismo


This paper revisits the debate on Marxism and post-colonialism, aiming at disclosing a constructive ground from that opposition. Three steps constitute the line of reasoning. First, we distinguish two constitutive perspectives of Marxian thinking: one has an evident Eurocentric heritage that restates Enlightenment and Hegelian philosophy of history; other that shakes these assumptions for a less teleological perspective on peripheries and colonialism. Second, we suggest that post-colonialism, among its enormous heterogeneity, comprises two different trends. One strongly deconstructionist stream that tends to reject Marxism as another modern metanarrative; other that originates and develops in direct connection with Marxist-inspired 20th century anti-colonial and anti-racist struggles. The third and last part explores a path of constructive exchange between an anti-Eurocentric Marxism and a post-colonial critique that does not abstain from identifying large structures of domination and oppression in modernity.

Keywords:
Critical Theory; Post-Colonialism; Marxism; Eurocentrism


L’objectif de cet article est de revenir sur le débat à propos du marxisme et du postcolonialisme, dans le but de révéler, à partir de cette opposition, un terrain de critique constructive. Ce raisonnement est divisé en trois étapes. La première distingue deux facettes constitutives de la pensée de Marx: l’une d’héritage eurocentrique, qui réécrit des thèmes de l’illuminisme et de la philosophie de l’histoire hégélienne ; l’autre qui propose un regard moins téléologique sur les périphéries, le colonialisme européen et les perspectives de l’émancipation humaine. La seconde aborde le postcolonialisme comme un mouvement hétérogène de théorie critique périphérique, en séparant aussi deux tendances contrastées: un courant fortement déconstructionniste qui tend à rejeter le marxisme comme l’une des métanarrations modernes ; un autre qui se partage et se développe en un étroit dialogue avec les luttes anticoloniales du XXème siècle. La partie finale indique les potentialités de reconstruction conceptuelle entre un marxisme anti-eurocentrique et un postcolonialisme qui ne s’abstient pas d’identifier les grandes structures de domination de la modernité.

Mots-clés:
Théorie critique; Postcolonialisme; Marxisme; Eurocentrisme


Introdução

O objetivo deste artigo é revisitar o debate sobre marxismo e pós-colonialismo com o intuito de desbravar um terreno construtivo a partir do conflito. Nesse sentido, não se esforça em negar as diferenças entre as abordagens, mas sim argumenta – reconstituindo linhagens comuns e problemas compartilhados – que o puro antagonismo tende a enfraquecer as possibilidades de uma teoria crítica e antieurocêntrica da modernidade. Em escala panorâmica, a proposta pretende explorar os encontros entre o marxismo a partir de uma perspectiva crítica ao colonial e a crítica ao colonialismo a partir de uma perspectiva marxista.

Para firmar o argumento, é necessário lidar com dois desafios interligados: primeiro, a caracterização mesma do marxismo e do pós-colonialismo como corpos de pensamento com alguma coerência interna. Se isso é complexo no caso do marxismo, cujas dissidências e vertentes são largamente conhecidas, a situação é ainda mais difícil ao se tratar do pós-colonialismo, que nunca teve um claro centro irradiador como foi a obra de Marx. A rigor, a expressão pós-colonial ganhou vida própria em uma infinidade de campos justamente por sua plasticidade, imiscuindo o que há nela de original e inventivo com um vago apelo de moda universitária.

Para evitar digressões nominalistas, utilizamos aqui o termo pós-colonial como abarcador inclusive de autores que são mais frequentemente identificados como anticoloniais ou decoloniais. Feito esse esclarecimento, parece-nos que, em alguma medida, tal heterogeneidade se deve à falta de unidade na conceituação mesma de colonialismo sobre a qual se adjetiva (“pós”, “de”, “anti” etc.). Esse diagnóstico, mesmo se plausível, tampouco autoriza uma desqualificação genérica, como se o termo não passasse de uma fachada oca. Em vez de pretender de início uma definição delimitadora, nós nos valemos dessa heterogeneidade interna para dissolver um antagonismo estanque: ao final, esperamos mostrar que um diálogo construtivo não depende de uma delimitação rígida, mas antes do desvelamento de conexões pertinentes.

Além desse desafio descritivo, encontramos um segundo nó por desatar na relação entre a modernidade fora do centro e o cânone teórico autorreferenciado no Ocidente. Em outras palavras, o problema do eurocentrismo se põe no percurso de um diálogo construtivo entre marxismo e pós-colonialismo. De um lado, temos no marxismo uma linhagem de pensamento fundamentalmente europeia que, contudo, projeta explicações, conceitos e debates sobre o desenvolvimento do mundo não europeu ou colonial. Foi reivindicada, apropriada e reinventada por pensadores periféricos no século XX a partir de suas realidades. De outro, no campo da crítica pós-colonial, temos uma contraposição ao pretenso universalismo do pensamento ocidental desde suas margens. De forma geral, essa contraposição não conduziu ao rechaço da teoria social europeia, ou das posições de prestígio no establishment universitário internacional. Porque aqui não se sustenta uma dicotomia fixa, precisamos pensar a geopolítica do conhecimento em termos mais sofisticados, assumindo que uma crítica ao eurocentrismo é mais profunda e conceitual que uma clivagem ad hominem.

Isso dito, o percurso do argumento está dividido em três etapas. A primeira enfatiza duas facetas do pensamento de Marx já notadas por seus comentadores. De um lado, demonstramos o vigor de uma noção de progresso humano universal comum à época, que carrega uma visão eurocêntrica e evolutiva de história. De outro lado, as pesquisas mais recentes reforçam a ideia de que seria precipitado resumir o marxismo aos termos teleológicos da filosofia da história hegeliana. Pelo contrário, especialmente em sua obra tardia, Marx começaria a explorar temas ligados ao desenvolvimento desigual e à heterogeneidade do tempo histórico que abrem vias alternativas para pensar a modernidade em suas margens. A distinção entre essas duas abordagens não busca dirimir a exegese do verdadeiro Marx, mas deixar claro que elas, com suas emblemáticas e contraditórias citações arroladas, tornam-se constituintes do marxismo posterior e de suas divergências internas.

Nesse espírito, a segunda parte do texto se volta ao tema do pós-colonialismo, termo genérico que abriga os estudos subalternos indianos, a decolonialidade latino-americana, os intelectuais ligados às lutas de libertação nacional afroasiática, o pensamento da negritude na diáspora, a desconstrução do modernismo ocidental, para ficar em alguns exemplos. Por fim, na terceira e última etapa, concluímos que não há razão para blindar o marxismo da crítica pós-colonial como se isso fosse preservar seu caráter revolucionário; em paralelo, a perspectiva de conversão do pós-colonialismo em mero movimento destituinte na teoria social tende a diluir sua originalidade. Apresentamos, nessa seção final, um esboço de interatuação entre um marxismo antieurocêntrico e um pós-colonialismo politicamente consequente.

A crítica ao colonialismo em Marx e além

Há uma acalorada discussão entre defensores e detratores do marxismo diante da maré pós-colonial das últimas três décadas. Nossa pretensão não é resenhar essa estridente polêmica, e ainda menos passar em revista o pensamento marxista mundial para pontuar suas nuances. Para os propósitos desse texto, utilizaremos uma estratégia mais delimitada: uma reavaliação do eurocentrismo a partir da trajetória intelectual de Marx em seu contexto histórico. Isso reveste de particular interesse os textos jornalísticos e políticos, a correspondência privada e os cadernos de estudos onde as sociedades marginais1 1 Kevin Anderson (2010) classifica o conjunto de países “marginais” estudados por Marx da seguinte forma: sociedades que haviam sido colonizadas (Índia, Indonésia e Argélia), aquelas que estavam fora do sistema capitalista global em formação (Polônia, Rússia e China) e aquelas que ocupavam os perímetros desse sistema (Estados Unidos e Irlanda). são trazidas à tona (Anderson, 2010; Aricó, 1982ARICÓ, José. (1982), Marx e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra.; Musto, 2018MUSTO, Marcelo. (2018), O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (1881-1883). São Paulo, Boitempo.; Shanin, 2017SHANIN, Teodor. (2017), Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo. São Paulo, Expressão Popular. ; Saludjian, Augusto, Miranda, Corrêa, & Carcanholo, 2013SALUDJIAN, Alexis Nicolas AUGUSTO, André Guimarães; MIRANDA, Flávio Ferreira de; CORRÊA, Hugo Figueira Corrêa; & CARCANHOLO, Marcelo Dias. (2013), “Marx’s theory of history and the question of colonies and non-capitalist world”. in Fourth Annual Conference in Political Economy. Proceedings… The Hague, Netherlands.; Siracusa, 2018SIRACUSA, Gabriel Pietro. (2018), Marx e o colonialismo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. ; Tible, 2018TIBLE, Jean. (2018), Marx selvagem. São Paulo, Autonomia Literária.). Essa abordagem não aspira uma defesa incondicional de um marxismo rigorosamente marxiano (Saludjian et al., 2013SALUDJIAN, Alexis Nicolas AUGUSTO, André Guimarães; MIRANDA, Flávio Ferreira de; CORRÊA, Hugo Figueira Corrêa; & CARCANHOLO, Marcelo Dias. (2013), “Marx’s theory of history and the question of colonies and non-capitalist world”. in Fourth Annual Conference in Political Economy. Proceedings… The Hague, Netherlands.). Em vez de erigir o que Skinner (1969)SKINNER, Quentin. (1969), “Meaning and understanding in the history of ideas”. History and Theory, 8 (1): 3-53. chamou de uma “mitologia da coerência” na história intelectual, entendemos que o pensamento de Marx comporta linhas de interpretação diferentes e incompatíveis, inclusive porque o problema contemporâneo do eurocentrismo sequer estava nitidamente colocado em seu horizonte histórico. Ao invés de manifestar uma inconsistência ou uma imperfeição, essas interpretações conflitantes precisam ser posicionadas nas circunstâncias do debate intelectual, da trajetória do autor e das disputas políticas de sua época. Esse é o primeiro passo para contra-arrestar o tom adversarial das críticas ao eurocentrismo presente em Marx e no marxismo posterior.

Buscar identificar o quanto a obra de Marx endossou a condição colonial é um caminho delicado que foi trilhado por diversos autores. Como disse José Aricó, esse “não é um mero problema historiográfico, nem um exercício vazio de ‘marxologia’, porém mais uma das múltiplas formas que o marxismo pode e deve adotar para questionar a si mesmo” (Aricó, 1982ARICÓ, José. (1982), Marx e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra., p. 30). Devemos ter em mente que, apesar de o marxismo se constituir como uma crítica à modernidade, ele compartilha o horizonte histórico de sua época. Ora cristalinos, ora implícitos, os pressupostos universalistas e modernistas atravessam a forma de Marx conceber o mundo.

Nesse sentido, é sintomática a crítica feita por Edward Said (1990)SAID, Edward. ([1978]1990), Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo, Companhia das Letras. às análises de Marx da colonização inglesa na Índia. A análise marxiana é sucinta e está centrada no processo de transformação ativado quando a Inglaterra impõe mudanças ao sistema agrícola e têxtil que sustentava a sociedade indiana. A dupla missão inglesa – “destrutiva” e “regeneradora” – é, para Said, o sinal de um pensador orientalista que subsome a alteridade a uma lógica autocentrada na Europa. O argumento marxiano era que as comunidades rurais que estavam sendo destruídas no processo colonial serviam de base para um despotismo que deveria ser historicamente superado. Mesmo reconhecendo a brutalidade da violência imperial britânica, Marx ([1853]1981)MARX, Karl. ([1853] 1981), “La dominación britânica en la India”, in Karl Marx & Friedrich Engels, Acerca del colonialismo. Moscú, Editorial Progreso. a absorveria no bojo do desenraizamento necessário para impulsionar o desenvolvimento histórico na Índia.

Há questionamentos possíveis a respeito da utilização do conceito de orientalismo para enquadrar Marx. Como aponta Jean Tible (2018)TIBLE, Jean. (2018), Marx selvagem. São Paulo, Autonomia Literária., ele não estabelece uma separação ontológica do Oriente com o Ocidente, e sim aproxima a condição de indianos e camponeses franceses. Ademais, Said realiza sua análise com base em textos marxianos de 1853, negligenciando os deslocamentos analíticos que ocorrem depois disso (Musto, 2018MUSTO, Marcelo. (2018), O velho Marx: uma biografia de seus últimos anos (1881-1883). São Paulo, Boitempo.). Até meados dos anos 1850, com efeito, Marx se diferencia pouco da reflexividade imperial de seu entorno vitoriano, que projetava o mundo a partir da irradiação da civilização sobre os povos bárbaros. E isso não advém simplesmente das fontes de que ele dispunha para formar opinião sobre a Índia, a Venezuela, a China ou os nativos americanos, como já foi bem apontado (Aricó, 1982ARICÓ, José. (1982), Marx e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra.; Siracusa, 2018SIRACUSA, Gabriel Pietro. (2018), Marx e o colonialismo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. ). Em tal contexto, a embocadura eurocêntrica de Marx tinha relação com os próprios horizontes de emancipação que ele vislumbrava. É importante lembrar: o crescimento do proletariado industrial europeu e a ascendente de lutas sociais que culminou na Primavera dos Povos (1848-1849), quando o Manifesto do Partido Comunista é redigido, respaldavam a expectativa de uma revolução iminente no continente, cujo imaginário havia sido talhado pela Revolução Francesa na geração anterior. Tal qual esta havia puxado a flecha da história universal no sentido hegeliano, estabelecendo a universalidade no âmbito restrito da política e da lei, sua sucedânea, a revolução proletária, conciliaria o desenvolvimento histórico com a emancipação efetivamente humana (Marx, [1843]2010MARX, Karl. ([1843] 2010), Sobre a questão judaica. São Paulo, Boitempo.).

Nesse marco, o objeto prioritário de atenção não poderia ser outro que não os centros industriais no norte da Europa onde o proletariado se acumulava e se constituía como classe. Logo, o mundo não europeu ou pré-capitalista haveria de ter pouco significado teórico e político, uma vez que tanto o entendimento dessas sociedades quanto sua emancipação dependem do epicentro histórico da Europa capitalista. Essa orientação se expressa em passagens frequentemente citadas sobre a invasão estadunidense do México, sobre o colonialismo britânico na Índia, sobre Simón Bolívar, entre outros. Mais profundamente, está arraigada nos estágios históricos de desenvolvimento presentes na Ideologia Alemã e no Manifesto Comunista (Marx e Engels, [1848]1998MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. ([1848] 1998), “O manifesto do Partido Comunista”. Estudos Avançados, 34 (12): 7-46.; [1846]2007MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. ([1846] 2007), A ideologia alemã. São Paulo, Boitempo Editorial.). Ainda pode ser encontrada na uniformidade do desenvolvimento capitalista como exposto no prefácio à primeira edição do Capital, quando retoma um argumento já adiantado nos Grundrisse: o estudo das formas capitalistas mais avançadas seria a chave de entendimento das demais tal qual a anatomia do homem é a chave para a anatomia do macaco, ou seja, o mais desenvolvido permite decifrar o mais simples (Marx, [1867]1996MARX, Karl. ([1867] 1996), O capital (Livro I). São Paulo, Editora Nova Cultural.; [1858]2008MARX, Karl. ([1858] 2008), Simón Bolívar por Karl Marx. São Paulo, Martins Editora.; [1857]2011MARX, Karl. ([1857] 2011), Grundrisse: esboços da crítica da economia política. São Paulo, Boitempo Editorial.).

Esse componente eurocêntrico do marxismo será reforçado mais adiante por algumas vertentes influentes. Engels, que em sua juventude havia utilizado na Nova Gazeta Renana a noção hegeliana de “povos sem história”, em seus últimos anos reafirma sua convicção em um caminho linear e necessário do desenvolvimento histórico – entrando em desacordo com as reformulações que Marx fazia à época (Hunt, 2009HUNT, Tristram. (2009), Marx’s general: the revolutionary life of Friedrich Engels. New York, Metropolitan Books.). O esforço de formação de um socialismo científico em Engels2 2 Como já aponta nossa argumentação acerca das contradições do pensamento marxiano, não faria sentido buscar uma separação rígida entre um Engels reducionista e cientificista e um Marx complexo, algo recorrente na história do marxismo (Lander, 2006). Para além das contradições em Marx, as contradições em Engels também desautorizam essa separação, pois há, em certos momentos, a contemporização ante os preceitos cientificistas (Marx e Engels, 2010). , com suas leis fundamentais da dialética, inspiraria fortemente Kautsky que, movido por certa leitura de Darwin, tenta incorporar ao marxismo traços mais fortes de determinismo e evolucionismo histórico. Essa tendência se fortaleceu a ponto de se converter na linha oficial da III Internacional nos anos 1920 (Caballero, 2002CABALLERO, Manuel. (2002), Latin America and the Comintern, 1919-1943. Cambridge, Cambridge University Press.). Com sua estrutura extremamente centralizada e vertical, a Internacional exerceu uma forte influência teórica sobre o marxismo global, reorganizando-o ao redor da experiência soviética como vanguarda revolucionária. Dessa forma, apesar das vozes dissonantes e das mudanças programáticas estabelecidas pelos sucessivos congressos da organização, a estratégia axial da Comintern assumia uma homogeneidade do desenvolvimento histórico mundial.

O componente eurocêntrico de Marx remete ao debate sobre suas afinidades maiores ou menores com a filosofia de Hegel. O argumento central de Aricó (1982)ARICÓ, José. (1982), Marx e a América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra. afirma que a relação de Marx com a América Latina esteve mediada por um preconceito, rastreado a um duplo legado hegeliano: a assimilação implícita da ideia de “povos sem história” e a impossibilidade do estado como formador da sociedade civil. Dessa maneira, não poderia aceitar que Simón Bolívar inserisse na história uma região à margem dela a partir do estado, daí sua sistemática desqualificação do líder venezuelano no verbete de 1858 (Marx, [1858]2008MARX, Karl. ([1858] 2008), Simón Bolívar por Karl Marx. São Paulo, Martins Editora.). A herança da filosofia da história hegeliana em Marx, indiscutível em sua juventude e oscilante na obra tardia, tem como fundamento a identidade entre lógica e história: a dialética é real e desvela uma história de progresso humano universal. Superações necessárias de estágios precedentes em direção às formas lógicas mais maduras desenham uma teleologia, já que a precedência lógica é também uma antecedência temporal. Assim, o desenvolvimento da sociedade burguesa europeia oferece uma chave para decifrar todas as realidades que dela destoam, porque prévias. Como defende Claude Lefort (1979)LEFORT, Claude. (1979), “Marx, de uma visão da história a outra”, in Claude Lefort. As formas da História: ensaios de Antropologia Política (pp. 211-250). São Paulo, Brasiliense., estamos nesse momento diante de um Marx próximo à história evolutiva.

Nosso argumento nesta seção é que tal componente eurocêntrico, embora presente, está muito longe de esgotar o pensamento de Marx sobre a diferença colonial. Principalmente em seus escritos tardios, Marx passa a observar as sociedades não europeias sem imputá-las a uma condição anterior ou paralisada com relação às possibilidades históricas. O destino das margens perderia o tom teleológico e se tornaria uma possibilidade em aberto. As periferias ganham importância teórica e política, como demonstra o “desejo declarado de Marx de usar a Rússia para o livro III de O Capital, tal e como usou a Inglaterra no livro I” (Shanin, 2017SHANIN, Teodor. (2017), Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo. São Paulo, Expressão Popular. , p. 21). Nesse momento, o colonialismo é criticado como fator necessário do desenvolvimento do capitalismo industrial, mudando o estatuto desse processo de promotor da modernização para promotor da hegemonia burguesa (Tible, 2018TIBLE, Jean. (2018), Marx selvagem. São Paulo, Autonomia Literária.).

Essa perspectiva alternativa, em que o resto do mundo não está subsumido à presunção de uniformidade do mundo social, serviu de esteio para o desdobramento posterior do tema do imperialismo por Rosa Luxemburgo ([1913]1970)LUXEMBURGO, Rosa. ([1913]1970), A acumulação do capital. Rio de Janeiro, Zahar Editores.. Para a autora, a acumulação do capital dependeria de um processo expansivo imperialista, o que, junto com sua aposta na possibilidade de autoemancipação dos povos, transformou-a em um importante marco da crítica ao colonialismo. O jugo colonial é transferido das bordas para o coração da reprodução capitalista na medida em que a acumulação primitiva é tornada permanente (Harvey, 2009HARVEY, David. (2009), “The ‘new’ Imperialism: accumulation by dispossession”. Socialist Register, 40 (40).). Para assegurar sua reprodução interna, o capitalismo impulsiona uma expansão externa: seu dinamismo depende da intrusão sobre novos territórios, culturas e bens comuns, colocando-os sob as leis de movimento do capital.

Outro passo decisivo contra o suposto de homogeneidade do desenvolvimento capitalista foi dado por Leon Trotsky (1978)TROTSKY, Leon. (1978), A história da revolução russa. 3. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. com a noção de “desenvolvimento desigual e combinado” – originalmente pensada a partir das relações que uma Rússia rural e arcaica estabelecia com o capitalismo industrial da Europa Ocidental (Bianchi, 2013BIANCHI, Alvaro. (2013), “O desenvolvimento desigual e combinado: a construção do conceito”. Blog da convergência, pensamento socialista em movimento [on-line]. Disponível em: http://blogconvergencia.org/?p=935, consultado em 25 maio 2019.
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). Em vez de projetar as diferenças entre os dois contextos em estágios ou graus, o argumento se baseia na heterogeneidade do tempo histórico. Assim, não só o capitalismo na Rússia não haveria de repetir as experiências ocidentais pregressas, porque as condições históricas gerais foram alteradas por elas, mas também esse caráter tardio se refletiu em uma formação social específica, forjada historicamente pelos laços de associação subordinada ao capital europeu. Como é sabido, essa leitura será extensamente aprofundada pelas teorias da dependência no Terceiro Mundo ao longo do século XX (Amin, 1973AMIN, Samir. (1973), O desenvolvimento desigual: ensaio sobre as formações sociais do capitalismo periférico. São Paulo, Editora Forense-Universitária.; Frank, 1969FRANK, Andre Gunder. (1969), Latin America, underdevelopment of revolution: essays on the development of underdevelopment and the immediate enemy. New York/London, Monthly Review Press.; Marini, 1991MARINI, Ruy Mauro. (1991), Dialética da dependência [on-line]. Cidade do México, Ediciones Era. Disponível em: http://www.marini-escritos.unam.mx/004_dialectica_es.htm, consultado em 25 de maio 2019.
http://www.marini-escritos.unam.mx/004_d...
). As discussões sobre imperialismo, dependência e troca desigual convergiam para uma historicidade própria da periferia do capitalismo, o que, como veremos adiante, entrelaçava-se com as lutas por libertação nacional.

A oposição entre essas duas linhagens do pensamento marxista, uma mais próxima, outra mais avessa à história evolutiva oitocentista, remete a uma antinomia interna do próprio pensamento marxiano. Acreditamos que é justamente por permear os textos de Marx que seus intérpretes continuam em polêmicas relativas às distintas possibilidades de interpretação a esse respeito. Porém, para além da disputa pela correta exegese, há certo consenso de que o eurocentrismo na obra de Marx perde potência cronologicamente, ou seja, quanto mais o autor envelhece, mais aberto à questão dos “outros” ele se torna (Anderson, 2010; Dussel, 1990DUSSEL, Enrique. (1990), El último Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana. México, Siglo XXI.; Tible, 2018TIBLE, Jean. (2018), Marx selvagem. São Paulo, Autonomia Literária.). É certo que Marx entre 1840 e 1860 estava mais próximo de uma concepção evolucionista, ao passo que, em sua última década de vida (1873-1883), revelou maior sensibilidade para as realidades que hoje entenderíamos como periféricas.

Muitos são os fatores que podem ser elencados como causas dessa mudança, porém todos estão relacionados com a intrínseca conexão marxiana entre teoria e luta pela superação do capitalismo. Preocupado com as possibilidades imanentes da luta política dos explorados, Marx trabalhou conceitualmente a partir do rumo das lutas concretas em curso no decorrer de sua vida. Episódios históricos decisivos para sua geração, como o grande levante anticolonial na Índia em 1857, a emergência do nacionalismo irlandês e a Comuna de Paris (1871), com as brutais respostas governamentais em cada caso, impactaram o horizonte intelectual de Marx. Seguindo suas intenções programáticas, Marx vai percebendo mais enfaticamente que seu projeto político deve ser global assim como o capitalismo, ou seja, haveria a necessidade de o proletariado no centro apoiar as lutas nos países marginais, pois só assim ambos se emancipariam. As margens coloniais começam a adquirir algum significado conceitual não só para compreender o capitalismo, mas também para superá-lo.

Um segundo importante fator causal para as mudanças nas perspectivas de Marx se dá por conta da recepção de seu trabalho em terras estrangeiras, o que faz com que ele tenha maior contato com outras lutas e outros contextos – particularmente na Rússia (Dussel, 1990DUSSEL, Enrique. (1990), El último Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana. México, Siglo XXI.). Marx, no final da vida, acompanhava atentamente o debate e as publicações russas, como demonstram suas cartas e seu esforço em ler uma língua que aprendeu tardiamente. A “via russa” toma uma importância central na teorização marxiana e demonstra sua criticidade perante a modernização eurocêntrica (Shanin, 2017SHANIN, Teodor. (2017), Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo. São Paulo, Expressão Popular. ).

Por fim, um terceiro fator importante para um aumento da sensibilidade periférica de Marx foi o diálogo estabelecido com a antropologia e a abertura para as questões indígenas. Através da leitura de alguns antropólogos – principalmente Lewis Morgan –, Marx encontra relatos da impermanência da propriedade privada e vislumbra o potencial revolucionário da propriedade comunal indígena. Há muitos trechos copiados, entretanto poucos comentários de Marx em seus “cadernos etnológicos”, portanto, é preciso ter cuidado ao realizarmos qualquer interpretação ex silentio (Krader, 1988KRADER, Lauren. (1988), Los apuntes etnológicos de Karl Marx. Madrid, Siglo XXI.). Porém, é possível afirmar que, apesar do seu cuidado constante em evitar projeções do que seria o comunismo, na “propriedade primitiva” Marx encontra uma alteridade para pensar a superação do capitalismo. O que não significa a defesa de um mero retorno para o pré-moderno, mas sim a percepção do quanto o capitalismo é uma das formas assumidas na negação das distintas formas de propriedades comunais (Tible, 2018TIBLE, Jean. (2018), Marx selvagem. São Paulo, Autonomia Literária.). Dessa maneira, o “comunismo primitivo” seria menos um modelo para o “comunismo moderno” e mais parte do processo de superação dialética do capitalismo, ou seja, algo a ser recuperado, porém em qualidade distinta. Nas palavras do próprio Marx, aqueles em luta no centro do capitalismo “procuram apenas quebrar as correntes substituindo o capitalismo pela produção cooperativa, e a propriedade capitalista por uma forma mais elevada do tipo arcaico de propriedade, ou seja, propriedade comunista” (Marx, [1881]2017, p.152MARX, Karl. ([1881] 2017), “Segundo rascunho: carta para Vera Zasulich”, in Teodor Shanin, Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo. São Paulo, Expressão Popular.).

Fica claro que a transição de uma perspectiva histórica unilinear até uma multilinear não revela um pensador vacilante, mas sim um Marx autocrítico que esteve constantemente aberto ao aprendizado. Parece-nos, entretanto, necessário o afastamento das concepções que veem essa transição como uma ruptura; como defendem Derek Sayer e Philip Corrigan (2017)SAYER, Derek e CORRIGAN, Philip. (2017), “O Marx tardio: continuidade, contradição e aprendizado”, in Teodor Shanin, Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo (pp. 119-141). São Paulo, Expressão Popular., essa mudança apresenta continuidades e desenvolvimentos de certas tendências presentes antes do “Marx tardio”. A rejeição da tese da ruptura ganha força ao examinarmos que o eurocentrismo não desaparece completamente, pois, como argumenta Enrique Dussel (1990)DUSSEL, Enrique. (1990), El último Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana. México, Siglo XXI., a descontinuidade é significativa mas incompleta. Muitas vezes, as sociedades periféricas são mobilizadas e analisadas apenas pelo caráter funcional que teriam para a emancipação nos países centrais, como quando defende que o proletariado inglês preste atenção na Irlanda, pois o destino deles está atrelado ao país vizinho e periférico. Isso dito, controvérsias sobre a descontinuidade à parte, parece correta a defesa de Anderson (2010) de que, apesar de parcialmente ignorado, os esforços de Marx em trabalhar questões ligadas ao nacionalismo, à etnicidade e ao não ocidental fizeram parte de seu esforço maior de crítica e superação do capitalismo.

Pós-colonialismo e a crítica ao eurocentrismo

A primeira questão a se notar é que pós-colonial é um termo sabidamente vago, que mistura uma acepção temporal com uma intenção teórica e crítica. Isto é, em certas situações, ele se refere genericamente ao momento posterior ao colonialismo, seja em referência às dinâmicas históricas, seja à intelectualidade e à teoria social que emerge em tal contexto. Nesse sentido, todas as sociedades colonizadas no passado estariam em um período pós-colonial no presente. O quadro se complica porque, além dessa definição temporal, há uma reivindicação conceitual mais difícil de resumir, por ser menos uniforme. A pós-colonialidade serviria, ademais, como uma chave de interpretação sociológica, um conceito ou abordagem que não se identifica simplesmente no tempo, mas no debate teórico sobre a modernidade desde suas margens. Desbravando a relação entre conhecimento e poder, a reflexão pós-colonial se coloca em contraposição ao pensamento eurocêntrico como expressão intelectual do colonialismo, advogando, assim, não só uma pretensão teórica mas também crítica no âmbito das ciências sociais (Ballestrin, 2013BALLESTRIN, Luciana. (2013), “América Latina e o giro decolonial”. Revista Brasileira de Ciência Política, 11: 89-117.).

Como antecipado na introdução, há uma heterogeneidade muito maior no campo do pós-colonialismo do que no marxismo, inclusive pela conversão do primeiro em lugar de relativo prestígio acadêmico nas últimas três décadas. O estiramento da ideia cria uma tensão entre seu conteúdo (o que caracterizaria a pós-colonialidade) e sua referência espaço-temporal (as sociedades concretamente pós-coloniais). Um conveniente ponto de partida é discernir melhor as correntes que compõem esse vasto campo dos chamados estudos pós-coloniais, ainda que não recebam diretamente esse nome. A primeira delas tem origem no pensamento anti-imperialista ligado à libertação nacional e ao terceiro-mundismo no século XX, especialmente na África, na Ásia e no Caribe. No entrecruzamento entre o socialismo e o nacionalismo, autores como Frantz Fanon e Albert Memmi são hoje retomados como precursores da crítica às dimensões subjetivas do colonialismo (Fanon, 1968FANON, Frantz. (1968), Os condenados da terra. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.). Desmembrando-se dessa primeira, há uma segunda corrente que se organiza ao redor da diáspora africana no Atlântico Negro, trabalhando principalmente com temas de raça, identidade e cultura. Desde os estudos sobre escravidão de Eric Williams ([1944]2012)WILLIAMS, Eric. ([1944] 2012), Capitalismo e escravidão. São Paulo, Companhia das Letras. e sobre a Revolução Haitiana de C. L. R. James ([1938]2000)JAMES, Cyril Lionel Robert. ([1938] 2000), Jacobinos negros. São Paulo, Boitempo Editorial., chegando aos trabalhos contemporâneos de Paul Gilroy (2001)GILROY, Paul. (2001), O Atlântico Negro. São Paulo, Editora 34. e Joseph-Achille Mbembe (2001)MBEMBE, Joseph-Achille. (2001), On the postcolony. Berkeley/Los Angeles, Carlifornia University Press., há um aporte direto ao debate pós-colonial atual.

Uma terceira corrente se pode rastrear no pensamento latino-americano, que passou a reivindicar o termo “decolonial” pela necessidade de confrontar (descolonizar) a herança do colonialismo, em vez de simplesmente demarcá-lo no tempo pelo prefixo “pós”. Embora remonte aos trabalhos seminais de Orlando Fals Borda (1972)FALS BORDA, Orlando. (1972), Ciencia propia y colonialismo intelectual. Bogotá, Carlos Valencia Editores. e Pablo González Casanova ([1969]2006)González CASANOVA, Pablo. ([1969] 2006), Sociología de la explotación. Buenos Aires, CLACSO., 2006.), o pensamento decolonial adquiriu maior coerência nos anos 1990, inicialmente atrelado aos estudos subalternos anglófonos, depois como uma agenda de pesquisa própria (modernidade/colonialidade), organizada ao redor de figuras como Walter Mignolo e Aníbal Quijano (Latin American Subaltern Studies Group, 1993LATIN AMERICAN SUBALTERN STUDIES GROUP. (1993), “Founding Statement”. Boundary 2: An International Journal of Literature and Culture, 20 (3): 110-121.; Lander, 2005LANDER, Edgardo (org.). (2005), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, CLACSO.).

Destarte, uma quarta linhagem do pensamento pós-colonial foi tecida pelos intelectuais indianos vinculados aos chamados estudos subalternos. Tendo como figura seminal o historiador Ranajit Guha nos anos 1980, esse grupo ganhou expressão internacional através de intelectuais como Gayatri Spivak, Dipesh Chakrabarty e Partha Chatterjee (Prakash, 1995PRAKASH, Gyan (org.). (1995), After colonialism: imperial histories and postcolonial displacements. Princeton, Princeton University Press.; Mezzadra, 2008MEZZADRA, Sandro (org.). (2008), Estudios poscoloniales: ensayos fundamentales. Madri, Traficantes de Sueños.). Sua problemática inicial – a possibilidade de uma historiografia da agência popular na Índia – extrapolou para questões mais amplas sobre a modernidade ocidental e sua temporalidade, desafiando as narrativas nacionalistas e marxistas sobre a sociedade indiana.

A última corrente surge do encontro, na década de 1980, entre feminismo e pós-colonialismo, impulsionado pela necessidade de questionar os pressupostos universalistas do primeiro. Partindo também das importantes contribuições de Spivak, as perspectivas feministas pós-coloniais latino-americana (como Silvia Rivera Cusicanqui), africana (como Oyèrónkẹ Oyěwùmí) e sul-asiática (como Chandra Mohanty) não representam apenas um avanço nas teorizações feministas, mas uma tensão no próprio debate pós-colonial sobre subjetividade e subalternidade.

Essas correntes relativamente independentes confluem para o atual ambiente das humanidades, que é animado por inúmeros vetores de crítica ao eurocentrismo. Em tal contexto, uma crítica pós ou decolonial ao marxismo o coloca no bojo das narrativas totalizantes da modernidade ocidental, de sua presunção de universalidade, da teleologia histórica racionalista e pós-Iluminista. Ademais, sobressai uma tensão clara em termos de importação intelectual, na medida em que o pensamento crítico mundial se subordinaria à matriz de um filósofo europeu do século XIX. A categoria totalidade, que Georg Lukács identificara como o grande trunfo do materialismo histórico, converte-se em seu tendão de Aquiles. Como mostrado na seção anterior, há inúmeros momentos da obra de Marx que autorizam a leitura pró-colonialista e social-evolucionista que informa essa crítica. Além disso, a teoria leninista da revolução se elevou a um estatuto de verdade e ciência que deixava flanco aberto para as novas reflexões sobre a relação entre conhecimento e poder.

Em tal contexto, o marxismo resgatou a resposta ao pós-modernismo consagrada por autores como David Harvey e Frederic Jameson, entendendo o pós-colonialismo como “parte da progênie do pós-modernismo” (Dirlik, 2010DIRLIK, Arif. (2010), “El aura poscolonial”, in Pablo Sandoval (org.), Repensando la subalternidade: miradas críticas desde/sobre la América Latina (pp. 53-102). Lima, Instituto de Estudios Peruanos., p. 83). Nessa linha, as discussões pós-coloniais sobre a fragmentação de temporalidades, hibridação e alteridade foram alvejadas nos termos com que se rechaçou o pós-estruturalismo francês, do qual são parcialmente tributárias. Nesse sentido, o historiador marxista egípcio Arif Dirlik propõe um contraponto importante à tendência de descartar o “capitalismo” como uma narrativa “fundacional” da modernidade, apontando no pensamento pós-colonial uma “contradição entre a insistência sobre a heterogeneidade, a diferença e a historicidade, e uma tendência a generalizar do local ao global enquanto se nega que existam forças globais que possam condicionar o local” (Dirlik, 2010DIRLIK, Arif. (2010), “El aura poscolonial”, in Pablo Sandoval (org.), Repensando la subalternidade: miradas críticas desde/sobre la América Latina (pp. 53-102). Lima, Instituto de Estudios Peruanos., p. 72). Como ponto de culminância, os marxistas denunciaram a tendência do pós-colonialismo esfumar posições estruturais de poder e encurtar uma perspectiva emancipatória:

“É muito difícil combinar argumentos relacionados a direitos fundamentais e possibilidades de emancipação tendo em vista a recusa presente nos estudos pós-coloniais em buscar uma perspectiva unitária e sistemática sobre o que esses direitos podem ser ou o que a emancipação é, de onde vem e para onde vai” (Góes, 2016GÓES, Camila Massaro de. (2016), “Repensando a subalternidade: de Antonio Gramsci à teoria pós-colonial”. Revista Outubro, 26: 91-111., p. 108).

Posta nesses termos, a resposta marxista cria uma oposição entre os campos, considerando o pós-colonialismo mais uma das carapaças do desconstrutivismo contemporâneo, com sua ênfase na fragmentação social e no relativismo epistemológico. Em certo sentido, ele é reduzido à expressão ideológica do capitalismo pós-fordista, atomizado e fragmentado em horizontes irreconciliáveis. Nota-se inclusive uma inclinação a ver as menções a Gramsci, Althusser e Marx por autores pós-coloniais como sintoma de uma desvirtuação do conteúdo autêntico do marxismo, do qual esses intelectuais haviam se dissociado.

Nossa leitura sugere que, nessa contraposição, ambos os lados são, de certa forma, mal representados. Na seção anterior, demonstramos como o marxismo não se resume a uma leitura teleológica e eurocêntrica da história. Para construir agora a recíproca, é importante perceber que o pós-colonialismo atual foi constituído historicamente em estreito diálogo com o pensamento marxista, ou ainda, seria impensável sem ele. Refazer essas ligações será um passo para, na próxima seção, abordar os termos em que esse diálogo pode ser retomado de forma substantiva.

Em primeiro lugar, a própria crítica ao colonialismo europeu foi, ao longo da maior parte do século XX, informada pela problemática marxista do imperialismo, pela polêmica sobre a questão nacional na II Internacional e pelo compromisso fundacional da União Soviética com a “autodeterminação dos povos”. Como detalha Vijay Prashad (2007)PRASHAD, Vijay. (2007), Darker nations: a people’s history of the Third World. New York, The New Press., o primeiro encontro de lideranças anti-imperialistas da África, da Ásia e da América Latina ocorre em 1928 com apoio da Comintern, criando a Liga Anti-Imperialista em Bruxelas. Com efeito, a Comintern prestou apoio a inúmeros movimentos de libertação nacional no meio século seguinte. Embora esses movimentos tenham ido muito além da direção da Internacional estalinista, o marxismo foi uma primeira linguagem comum às lutas contra o colonialismo europeu e suas ideologias raciais e culturais, criando uma conexão entre o horizonte socialista, a emancipação dos colonizados e a solidariedade internacionalista.

Essa baliza histórica é importante para não reduzir a uma questão de afinidade individual autores como Frantz Fanon, C. L. R. James e Kwame Nkrumah ao marxismo. A originalidade deles para a compreensão das sociedades pós-coloniais não se justifica a despeito de sua filiação ao marxismo, mas justamente através dela, transbordando-o. Para esmiuçar o ponto, vamos observar duas importantes correntes do atual pós-colonialismo cuja formação original é explicitamente marxista: a decolonialidade latino-americana e os estudos subalternos indianos. Percebem-se dois fatos em comum: primeiro, por seu próprio sucesso, os programas de pesquisa são manuseados e apropriados em várias direções, criando tensões e diferenças que desincentivam um juízo categórico sobre o todo. Segundo, a despeito das críticas feitas ao marxismo por ambas as correntes, disso não se infere que ele tenha sido rejeitado ou desfigurado; ao invés disso, a posição e o significado do marxismo são partes das tensões que o programa de pesquisa carrega em seu desenvolvimento.

Os estudos subalternos têm uma explícita ligação com as notas esparsas de Gramsci sobre a história das classes subalternas em oposição à história das classes dominantes, nas quais o marxista italiano argumenta que a primeira seria “necessariamente desagregada e episódica” (Gramsci, 1999GRAMSCI, Antonio. (1999), Cuadernos de la cárcel (tomo VI). México, Editorial Era., p. 178). A ideia de subalternidade foi importante para enquadrar as condições estruturais de opressão para além da classe social, sem, contudo, negá-la. Examinando as rebeliões rurais na Índia colonial, esses historiadores perceberam como as interpretações predominantes traduziam os episódios por meio de termos já codificados pela dominação de elites. As historiografias colonialistas, nacionalistas e marxistas – ao atribuir esses episódios de conflito ora às maquinações de elites locais antibritânicas, ora ao peso do colonialismo, ora à ausência de consciência e organização de classe – reproduziam o “código contrainsurgente” implicitamente inscrito nas fontes burocráticas da administração britânica, uma vez que não reconheciam agência e subjetividade aos camponeses sul-asiáticos (Prakash, 1994PRAKASH, Gyan. (1994), “Subaltern studies as postcolonial criticism”. The American Historical Review, 99 (5): 1.475-1.490. , pp. 1.478-1.479). Assim, retomava-se o projeto de uma “historiografia desde baixo” dos marxistas britânicos dos anos 1960, sem assumir, como eles, que essas formas de protesto rural estariam fadadas a desaparecer com o avanço da mercantilização e da organização de classe.

Seria precipitado o diagnóstico de que os estudos subalternos romperam com o marxismo porque eurocêntrico, fundacionalista ou reducionista. Um dos livros mais influentes dessa corrente, Provincializing Europe de Dipesh Chakrabarty (2000)CHAKRABARTY, Dipesh. (2000), Provincializing Europe: post-colonial thought and historical difference. Princeton, Princeton University Press., argumenta que a modernidade tem uma história engendrada pela expansão global do capital, subordinando tudo o que encontra aos antecedentes lógicos da acumulação primitiva. Em contraposição a essa narrativa totalizante (a “história 1”), ele sustenta que existe uma multiplicidade de narrativas locais estranhas ao ciclo do capital, que resistem à totalização e mesmo à historicização (a “história 2”). Não é razoável estender-lhe a crítica, por exemplo, de negar a existência de processos em escala global. Sua visão de modernidade, fraturada entre temporalidades em tensão, é tributária do materialismo histórico sem ser redutível a ele.

Outro bom exemplo do ponto é a reflexão de Partha Chatterjee sobre a “política dos governados” como chave de interpretação alternativa à teoria política da democracia liberal. Recorrendo a Étienne Balibar, ele assume que, no capitalismo, a sociedade civil se encontra organizada pelos princípios da liberdade e da comunidade, cujos horizontes normativos se contrapõem no debate contemporâneo entre liberais e comunitaristas. Seu raciocínio em seguida inverte o binômio gramsciano entre “sociedade civil” e “sociedade política”. Assim, os parâmetros formais da política representativa regulam a disputa política da “sociedade civil”, mas o acesso a esses canais institucionais é restrito, exclusivo, circunscrito a elites políticas que interagem com o estado nesses termos. Fora dela, Chatterjee (2004)CHATTERJEE, Partha. (2004), Politics of the governed: reflections on popular politics in most of the world. Nova York: Columbia University Press. desenvolve uma noção original de “sociedade política” onde estaria a maior parte da população. Alijada dos parâmetros abstratos e igualitários da representação, esta seria presidida por uma governamentalidade foucaultiana, uma gestão concreta e particular de populações pelo estado. O mundo dessa “sociedade política” seria povoado por acordos instáveis, barganha eventualmente violenta e arranjos informais, sobre os quais os governados atuam politicamente tendo como referência suas condições reais de vida, e não a universalidade republicana da “sociedade civil”. Se, em Gramsci, a “sociedade política” se referia ao aparato de estado, enquanto a “sociedade civil”, ao ambiente mais amplo de construção de hegemonia por organizações privadas, em Chatterjee esta última é restrita, herdada da elite colonial europeizada, enquanto a primeira é vasta, segmentada e contingente (Chatterjee, 2004CHATTERJEE, Partha. (2004), Politics of the governed: reflections on popular politics in most of the world. Nova York: Columbia University Press.).

Ainda que não marxista em sentido estrito, a teoria política de Chatterjee lida com seus temas fundamentais de maneira criativa, com os olhos postos em sociedades pós-coloniais como a Índia – onde mesmo o marxismo, é bom lembrar, ganhou um sentido oficialista. Embora críticas a Chaterjee e Chakrabarty sejam possíveis e necessárias, seria inadequado argumentar que são exemplos de um pós-colonialismo relativista, subjetivista e desconectado do pensamento crítico. A formação marxista dos estudos subalternos continua como um elemento em tensão dentre os expoentes desse programa de pesquisa. O mesmo acontece, como veremos, no debate latino-americano sobre a modernidade/colonialidade.

Há uma versão corriqueira pela qual descolonizar significa suprimir os autores canônicos – homens, brancos, velhos, ocidentais – em favor de uma espécie de “política de presença” nas referências bibliográficas, privilegiando autoras e autores marginais e excluídos. Essa iniciativa foi impulsionada especialmente por Walter Mignolo, embora o próprio negue atribuir um “privilégio epistêmico” aos colonizados (Mignolo, 2007MIGNOLO, Walter. (2007), La idea de América Latina: la herida colonial y la opción decolonial. Barcelona, Gedisa Editorial.; 2008MIGNOLO, Walter. (2008), “Novas reflexões sobre ‘a ideia de América Latina’: a direita, a esquerda e a opção descolonial”. Caderno CRH, 21 (53): 239-252.). Disso nasceu uma polêmica à parte, em que o marxismo estaria indistintamente posto no campo do conhecimento colonial. Encerrar nessa constatação nos parece uma leitura limitada do programa de pesquisa.

Em primeiro lugar, o debate sobre a decolonialidade possui estreitas ligações com o marxismo latino-americano dos anos 1960, quando a proposta de Fals Borda (1972)FALS BORDA, Orlando. (1972), Ciencia propia y colonialismo intelectual. Bogotá, Carlos Valencia Editores. de “descolonizar as ciências sociais” servia de contraponto à influência positivista do funcionalismo estadunidense. A perspectiva de unidade entre a teoria e a prática e o engajamento político associado à produção de conhecimento eram contrapontos de inspiração marxista, ainda que houvesse também um desafio à institucionalização do marxismo universitário, erudito e dogmático. Naquele contexto, a descolonização não era exatamente um chamado nativista, mas estava no mesmo movimento da crítica que a teoria da dependência impôs às teorias da modernização, ou da teoria da marginalidade aos estudos funcionalistas sobre a urbanização. Mais amplamente, fazia parte da efervescência intelectual ligada às lutas de libertação nacional no Terceiro Mundo, que interpelavam, na América Latina, o sentido real da independência política conquistada um século e meio antes.

Muitos dos protagonistas daquele contexto, como Aníbal Quijano e Enrique Dussel, seriam integrantes destacados do projeto modernidade/colonialidade nos anos 2000. Em vez de analisar em pormenor as inflexões dessas trajetórias intelectuais, iremos postar o argumento de que a arquitetura desse projeto é inseparável da abordagem dos sistemas mundiais que, por sua vez, é um dos desdobramentos das teorias da dependência. A demarcação contra o eurocentrismo, a noção de colonialidade e a crítica periférica à modernidade são articuladas ao redor da formação do sistema mundial no “longo século XVI”, em particular em torno a 1492.

O artigo seminal Americanity as a concept, or the Americas in the modern world-system, de coautoria de Aníbal Quijano e Immanuel Wallerstein, é uma espécie de manifesto dessa síntese, inserida nos debates sobre o quinto centenário da expedição de Colombo. Segundo os autores, a americanidade se tornaria um padrão para o sistema mundial através de quatro aspectos novos: a colonialidade, a etnicidade, o racismo e o conceito em si de “novidade” (Quijano & Wallerstein, 1992QUIJANO, Aníbal & WALLERSTEIN, Immanuel. (1992), “Americanity as concept, or the Americas in the world-system”. International Social Science Journal, 44 (4): 549-557., p. 550). Indica-se um deslizamento dos temas marxistas clássicos (a divisão internacional do trabalho e a acumulação primitiva) para uma ênfase em hierarquias de outra natureza, mantendo uma embocadura macro-histórica de herança marxista.

Essa leitura da modernidade através dos sistemas mundiais se encontra em vários momentos da antologia que condensou a corrente latino-americana de estudos decoloniais (Lander, 2005LANDER, Edgardo (org.). (2005), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, CLACSO.). Sem dúvida, a reflexão sobre a colonialidade do saber, do ser e do poder extrapola os termos marxistas clássicos, mas, tal qual nos estudos subalternos, permanece uma tensão constitutiva. Na prática, não se encontra ali um rechaço uniforme aos autores europeus, mas, inclusive, uma tentativa de repensar o eurocentrismo aliado à abordagem dos sistemas mundiais, como uma expressão intelectual e histórica do colonialismo. Como propõe o filósofo Enrique Dussel, a tradução da modernidade como uma “emancipação pela razão” resulta em um conceito “eurocêntrico, provinciano, regional”: para entender a formação da subjetividade moderna, nessa lógica, remontar-se-ia à linhagem do Renascimento italiano, da Reforma, do Iluminismo e da Revolução Francesa. Permaneceria invisível a construção da subjetividade moderna por meio do colonialismo nas Américas, que engendra, ao contrário, uma razão “eurocêntrica, violenta, desenvolvimentista, hegemônica” (Dussel, 2005DUSSEL, Enrique. (2005), “Europa, modernidade e eurocentrismo”, in Edgardo Lander (org.), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas (pp. 25-34). Buenos Aires, CLACSO., p. 28). De certa forma, o debate sobre a acumulação primitiva invade o terreno da subjetividade e do conhecimento para desvelar uma “alteridade negada” na modernidade.

Tendo isso em mente, propomos uma ligeira reorientação do que se entende como “pós-colonialismo”. Assim como o marxismo não se reduz apenas ao pensamento eurocêntrico de um homem oitocentista, como argumentamos anteriormente, o pós-colonialismo não pode ser resumido a uma moda acadêmica, a uma versão do pós-modernismo nem tampouco a uma estratégia de autopromoção dos intelectuais do Terceiro Mundo nos espaços universitários de prestígio dos países centrais, como sarcasticamente escreveu Arif Dirlik (2010)DIRLIK, Arif. (2010), “El aura poscolonial”, in Pablo Sandoval (org.), Repensando la subalternidade: miradas críticas desde/sobre la América Latina (pp. 53-102). Lima, Instituto de Estudios Peruanos.. Em meio a sua diversidade, o pós-colonialismo condensa um movimento original de crítica contra os pressupostos eurocêntricos com que compreendíamos o mundo, a história, o conhecimento e a subjetividade. A melhor referência para situar historicamente a emergência dessa crítica é a publicação do trabalho de Edward Said ([1978]1990) sobre o orientalismo em finais da década de 1970. Ainda que haja arbitrariedade em qualquer marco desse tipo3 3 Luciana Ballestrin (2013), por exemplo, considera a “tríade francesa” (Césaire, Memmi e Fanon) como o momento fundacional do pensamento pós-colonial já na década de 1960. Embora constituam aportes seminais na discussão sobre o colonialismo, parece-nos que sua intervenção ainda se dá no contexto do debate anticolonial das lutas de libertação nacional, influído pelo terceiro-mundismo da Guerra Fria. A obra de Said, que Ballestrin (2017) identifica como marco de um “pós-colonialismo canônico” anglo-saxão, oferece uma referência da transição desse momento revolucionário para outro, em que, esgotado o ímpeto da luta anticolonial, há uma problemática emergente sobre as estruturas mais profundas de dominação constituídas por e para além do colonialismo propriamente dito. , esse livro é um centro irradiador do desafio pós-colonial às ciências sociais como um todo nas décadas seguintes.

Para compreender o aspecto substantivo da crítica ao eurocentrismo, Said (1990)SAID, Edward. ([1978]1990), Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo, Companhia das Letras. oferece dois motes decisivos: em primeiro lugar, a conversão da análise sobre saber-poder para uma análise do imperialismo e do conhecimento ocidental; em segundo lugar, a ideia-força de que Ocidente e Oriente formam uma “geografia imaginária”, uma vez que o Oriente existe somente enquanto representação orientalista de sua história, de sua cultura e de seu modo de ser. Na conjunção dessas ideias, firmava-se o argumento de que as representações orientalistas do mundo podiam reproduzir-se e reinventar-se para além dos contextos históricos de colonialismo propriamente dito. Diante disso, fazer sua crítica correspondia a um combate contra a desumanização e o silenciamento impostos pelo poder imperial e resilientes em sociedades pós-coloniais, daí sua atenção à dimensão da subjetividade e do conhecimento. O debate atual sobre o eurocentrismo é herdeiro da crítica de Said ao orientalismo, embora extrapole-o em várias direções. Nossa sugestão de entender o pós-colonialismo como um movimento intelectual e político não significa que ele tenha coesão e direção uniforme, mas que ele estipula uma interpelação crítica que, uma vez posta, dificilmente pode ser ignorada.

Caminhos de síntese: a crítica como movimento imanente

Uma vez findo o governo colonial sobre os “povos sem história”, como lidar com o rastro de silenciamento histórico, de social-evolucionismo e racismo, de universalização do particular como filosofia da história, do imperialismo como discurso de progresso? Essa interpelação de inspiração pós-colonial assaltou o marxismo ocidental, que se debateu com seu próprio eurocentrismo. O acalorado mas provinciano debate sobre a transição do feudalismo para o capitalismo nos anos 1950 e 1960 deu lugar à abordagem dos sistemas mundiais, que então abriu vários flancos de crítica de matriz marxista ao eurocentrismo hegemônico (Amin, 1989AMIN, Samir. (1989), Eurocentrismo: crítica de una ideología. México, Siglo XXI.; Blaut, 1993BLAUT, James. (1993), The colonizer’s model of the world: geographical diffusionism and Eurocentric history. New York, The Guilford Press.; Dussel, 1992DUSSEL, Enrique. (1992), 1492, el encubrimiento del otro: hacia el mito de la modernidad. La Paz, UMSA/Plural Editores.; Wallerstein, 1997WALLERSTEIN, Immanuel. (1997), “Eurocentrism and its avatars: the dilemmas of Social Science”. Sociological Bulletin, 46 (1): 21-39.). De forma análoga, a proposta marxista da historiografia “desde baixo”, confinada originalmente à Europa Ocidental, desemboca, ao colidir com a crítica ao orientalismo, no programa inicial dos estudos subalternos.

A crítica ao eurocentrismo não implica o fim do marxismo nem das perspectivas emancipatórias, mas o desafio de sua reinvenção, de seu próprio desenvolvimento como teoria crítica viva, imanente às lutas sociais históricas. Não há razão para advogar um retorno às origens, posição completamente estranha ao modo de pensar marxiano. As categorias marxistas são históricas e, como tais, devem ser constantemente retrabalhadas de acordo com as transformações do mundo. Portanto, não há o Marx “verdadeiro”, objeto da correta exegese por um sistema de perito, como se ele já tivesse antecipado os problemas da libertação pós-colonial e da geopolítica do conhecimento por mais de cem anos após sua morte. Permanece atual a proposição de Castoriadis (1995)CASTORIADIS, Cornelius. (1995), A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra. sem que precisemos endossar sua leitura do fim do marxismo. Para fazer jus a esse ponto, iremos a seguir pensar um terreno de construção conceitual criativa entre o marxismo e a crítica pós-colonial ao eurocentrismo.

Primeiramente, devemos estabelecer as bases históricas desse esforço para nos afastarmos de uma redução idealista do problema. O eurocentrismo não é apenas uma concepção “errada” do mundo ou um vício acadêmico, mas uma experiência histórica ancorada na dominação europeia. Para não incorrer em anacronismo, é importante criticarmos esse fenômeno menos como obra comissionada de ideólogos interessados e mais como uma reflexividade histórica, que se nutriu da expansão imperial, buscou compreendê-la e concorreu a legitimá-la. Na obra de Said (1990)SAID, Edward. ([1978]1990), Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo, Companhia das Letras. , por exemplo, a tarefa posta não é restituir o verdadeiro Oriente obscurecido pelos erros cometidos pelos orientalistas, mas antes o reconhecimento da constituição recíproca entre a dominação política e as possibilidades de conhecimento. Nesse sentido, o marxismo não é eurocêntrico apenas por algum desvio ou equívoco particular em seu caráter; em última instância, suas condições de possibilidade históricas estão relacionadas com a constituição de um mundo eurocentrado.

Nas margens desse mundo, aos “povos sem história” foi imputada a condição de impossibilidade de compreensão de suas experiências sem referência ao colonizador, ou seja, todas as particularidades teriam que pagar tributo ao universal, menos aquela que conseguiu se impor como universal. Há a crença de que a história ocidental moderna é particular em sua ruptura temporal e espacial, sendo possível explicá-la autonomamente, ao passo que a todo resto do mundo sobra a obrigação de relacionar sua história singular ao universal (Bhambra, 2007BHAMBRA, Gurminder. (2007), Rethinking modernity: postcolonialism and the sociological imagination. Basingstoke/New York, Palgrave Macmillan.; 2014BHAMBRA, Gurminder. (2014), Connected sociologies. London/New York: Bloomsbury Academic.). Portanto, é inescapável a questão do enquadramento do conhecimento social vigente aos sistemas de representação e práticas coloniais aos quais foram submetidos os não europeus. Os termos são muitos – colonialidade, orientalismo, difusionismo, eurocentrismo – mas o problema substantivo é o mesmo.

Sendo assim, como lidar com o paradoxo apontado por Chakrabarty (2000)CHAKRABARTY, Dipesh. (2000), Provincializing Europe: post-colonial thought and historical difference. Princeton, Princeton University Press. de que, por mais que detectemos um viés eurocêntrico na formação das ciências sociais do Terceiro Mundo, ainda assim encontramos utilidade para as teorias europeias? Ou seja, seriam dotados de excepcional clarividência esses autores a ponto de elaborar reflexões pertinentes a contextos sobre os quais eram completamente ignorantes, a saber, as histórias longínquas dos povos colonizados? Como questão de fato, a análise marxiana sobre o capitalismo se mostrou decisiva para inúmeros intelectuais de esquerda do Terceiro Mundo. Estavam eles cegos pelo eurocentrismo ou as categorias analíticas possuíam de fato uma generalidade que permite essa circulação?

O paradoxo de Chakrabarty remonta, em primeiro lugar, ao caráter interconectado, desigual e global dos processos de expansão colonial, exploração capitalista e estigmatização da diferença na história moderna. Em termos sociológicos, nem o capitalismo nem as teorias a seu respeito são literalmente exógenas ao Terceiro Mundo. Em última instância, a impossibilidade de resolvermos a questão pela simples substituição resulta do fato de que as periferias, tanto quanto os centros, formaram a modernidade a nível mundial. Por esse caráter conectado, a negação do pensamento ocidental, porque eurocêntrico, exige um corte arbitrário. É preciso entender melhor o eurocentrismo para conseguir se apropriar de autores que, como Marx, absorveram e reproduziram a reflexividade imperial corrente em seu tempo.

Além disso, a expectativa de descolonização pela negação de tudo o que remete ao centro cria impasses relacionados à inteligibilidade, à tradução e à conexão de experiências locais e seus saberes situados. Portanto, assim como não basta a substituição dos autores, tampouco a vitalidade da crítica social pode ser auferida por uma simples escolha de palavras. Um dos nomes de grande repercussão da teoria crítica contemporânea, Boaventura de Sousa Santos, recentemente fez questão de reconhecer que o uso feito por ele do termo “pós-moderno” contrastava com o significado que o termo vinha adquirindo no debate acadêmico da Europa e dos Estados Unidos: “o pós-modernismo nessa acepção incluía na crítica da modernidade a própria ideia de pensamento crítico que ela tinha inaugurado. Por esta via, a crítica da modernidade redundava paradoxalmente na celebração da sociedade que ela tinha conformado” (Santos, 2008SANTOS, Boaventura de Sousa. (2008), “Do pós-moderno ao pós-colonial. E para além de um e de outro”. Travessias de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa, 6/7: 15-36., pp. 15-16). O mesmo desapego ao rótulo se aplica para o pós-colonialismo.

Tomar a crítica pós-colonial em sua substância significa assumir o potencial subversivo de se tomar as experiências dos povos colonizados como perspectiva para acessar a história mundial, a subjetividade e o conhecimento. Em outras palavras, o desvelamento das histórias de escravidão, expropriação e colonialismo desorganizam os parâmetros de uma modernidade imaginada desde a reflexividade dos colonizadores (Bhambra, 2007BHAMBRA, Gurminder. (2007), Rethinking modernity: postcolonialism and the sociological imagination. Basingstoke/New York, Palgrave Macmillan.). Assim, ao invés do juízo moral que nosso juízo presente projeta sobre os atores do passado, o antieurocentrismo é mais uma contraposição crítica historicamente formada, portanto, imanente. É resultado da possibilidade, arduamente conquistada, de se projetar no futuro um mundo em que a dominação imperial e o racismo não sejam dados, naturais ou necessários, mas sim injustificáveis. Isso retroage sobre o passado não como julgamento anacrônico sobre o pensamento de época, mas como imperativo de reavaliar a forma como percebemos no presente a história, seus protagonistas e eventos. Se a desnaturalização do colonialismo foi uma possibilidade política conquistada historicamente, esta é uma história que precisa ser contada.

Qualquer reconstrução pós-colonial do marxismo está, portanto, ancorada nas lutas contra o colonialismo. Como apontamos ao longo do texto, muito do que hoje é considerado “pós-colonial” foi, a seu tempo, parte de um amplo guarda-chuva do marxismo anti-imperialista (C. L. R. James, Frantz Fanon, Orlando Fals Borda, Samir Amin) ou se desmembra de estreito diálogo com pensadores marxistas ocidentais (vide os estudos subalternos indianos e seu tributo com Marx e Gramsci, a ligação da decolonialidade com a teoria da dependência, a influência da teoria crítica frankfurtiana sobre Boaventura de Sousa Santos etc.). A proposição de um diálogo aqui parece contraintuitiva na medida em que ele já tem se consumado. No entanto, o pós-colonialismo não simplesmente reitera o programa de pesquisa do marxismo tradicional, mas o subverte a partir de ideias-força originais, permitindo uma crítica pós-colonial da forma como o marxismo tratou a escravidão moderna e a mais-valia, a classe trabalhadora e o estado capitalista, a acumulação primitiva e surgimento histórico do capitalismo. Assim como hoje sabemos que o tratamento do “modo de produção asiático” por Marx é eivado de pressupostos orientalistas, outras categorias relevantes ao marxismo podem ser revisitadas com o olhar posto nas sociedades não europeias.

De outro lado, o pensamento marxista não tem simplesmente a absorver, mas é uma fonte indispensável para a elaboração crítica sobre os temas do imperialismo e do colonialismo na modernidade. Sua preocupação com a dimensão mundial do desenvolvimento capitalista precisa ser revisitada não mais com o objetivo de demonstrar os traços reiterados de eurocentrismo, mas para recuperar mecanismos explicativos e formas metodológicas que efetivamente vão além dele. Mais do que isso, o ponto de partida do marxismo como teoria crítica imanente da realidade serve de parâmetro para que o pós-colonialismo, em franca expansão nos restritos círculos universitários de renome, não se afaste da prática política concreta, em si estratégica, contextual e contraditória. Não obstante suas dificuldades atuais, a força de reinvenção do marxismo no último século esteve fundamentalmente ligada à sua inserção concreta nos dilemas e perspectivas da política popular e emancipatória, muito mais do que a qualquer prestígio ou poder acadêmico. Após gerações de lutas anticapitalistas inspiradas pelo marxismo que se projetam no presente, a morte do marxismo não tem como ser decretada por acadêmicos profissionais de renome, sejam eles pós-coloniais, pós-modernos, pós-estruturalistas ou marxistas; no extremo, há de vir se o próprio capitalismo deixar de existir.

Esse texto serve de contribuição a um debate ainda incipiente no Brasil, ressalvadas algumas notáveis exceções (Amadeo e Rojas, 2011AMADEO, Javier e ROJAS, Gonzalo. (2011), “Marxismo, pós-colonialidade e teoria do sistema-mundo”. Lutas Sociais, São Paulo, 25/26: 29-43.; Ballestrin, 2013BALLESTRIN, Luciana. (2013), “América Latina e o giro decolonial”. Revista Brasileira de Ciência Política, 11: 89-117.; 2017BALLESTRIN, Luciana. (2017), “Modernidade/colonialidade sem ‘imperialidade’? O elo perdido do giro decolonial”. Dados, 60 (2): 505-540.; Domingues, 2009DOMINGUES, José Maurício. (2009), “Global modernization, ‘coloniality’, and a critical sociology for contemporary Latin America”. Theory, Culture and Society, 26 (1): 112-133.; Góes, 2016GÓES, Camila Massaro de. (2016), “Repensando a subalternidade: de Antonio Gramsci à teoria pós-colonial”. Revista Outubro, 26: 91-111.; Maia, 2013MAIA, João Marcelo Ehlert. (2013), “Para além da pós-colonialidade: a sociologia periférica e a crítica ao eurocentrismo”. Cadernos de Estudos Culturais, 5: 103-116.; Siracusa, 2018SIRACUSA, Gabriel Pietro. (2018), Marx e o colonialismo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. ). Nesse intuito, abre um leque deliberadamente amplo de questões. Seu argumento central, contudo, é que existe um terreno de construção possível no diálogo entre um marxismo antieurocêntrico (já presente na obra de Marx e abundantemente desenvolvido depois dele) e uma crítica pós-colonial substantiva. Ao matizar o ambiente adversarial criado entre marxistas e pós-coloniais, com mais ou menos razão para sê-lo, a expectativa é fecundar estratégias de reconstrução teórica em que o capitalismo e o colonialismo sejam ambos problemas estruturantes de uma teoria crítica da modernidade a partir de suas margens.

  • 1
    Kevin Anderson (2010) classifica o conjunto de países “marginais” estudados por Marx da seguinte forma: sociedades que haviam sido colonizadas (Índia, Indonésia e Argélia), aquelas que estavam fora do sistema capitalista global em formação (Polônia, Rússia e China) e aquelas que ocupavam os perímetros desse sistema (Estados Unidos e Irlanda).
  • 2
    Como já aponta nossa argumentação acerca das contradições do pensamento marxiano, não faria sentido buscar uma separação rígida entre um Engels reducionista e cientificista e um Marx complexo, algo recorrente na história do marxismo (Lander, 2006LANDER, Edgardo. (2006), “Marxismo, eurocentrismo y colonialismo”, in Atilio Boron; Javier Amadeo & Sabrina González (Comp.), La teoría marxista hoy: problemas y perspectivas. Buenos Aires, CLACSO.). Para além das contradições em Marx, as contradições em Engels também desautorizam essa separação, pois há, em certos momentos, a contemporização ante os preceitos cientificistas (Marx e Engels, 2010MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. (2010), Cultura, arte e literatura: textos escolhidos. Trad. José Paulo Netto. São Paulo, Expressão Popular.).
  • 3
    Luciana Ballestrin (2013)BALLESTRIN, Luciana. (2013), “América Latina e o giro decolonial”. Revista Brasileira de Ciência Política, 11: 89-117., por exemplo, considera a “tríade francesa” (Césaire, Memmi e Fanon) como o momento fundacional do pensamento pós-colonial já na década de 1960. Embora constituam aportes seminais na discussão sobre o colonialismo, parece-nos que sua intervenção ainda se dá no contexto do debate anticolonial das lutas de libertação nacional, influído pelo terceiro-mundismo da Guerra Fria. A obra de Said, que Ballestrin (2017)BALLESTRIN, Luciana. (2017), “Modernidade/colonialidade sem ‘imperialidade’? O elo perdido do giro decolonial”. Dados, 60 (2): 505-540. identifica como marco de um “pós-colonialismo canônico” anglo-saxão, oferece uma referência da transição desse momento revolucionário para outro, em que, esgotado o ímpeto da luta anticolonial, há uma problemática emergente sobre as estruturas mais profundas de dominação constituídas por e para além do colonialismo propriamente dito.
  • *
    O desenvolvimento dessa pesquisa foi possível graças ao apoio proporcionado pelo CNPq e pela Faperj. Pelas valiosas críticas e sugestões ao texto, agradecemos aos pareceristas anônimos da RBCS, aos colegas Simone da Silva Ribeiro Gomes e Fernando Vieira de Freitas e aos participantes do debate ocorrido durante o 42º Encontro Anual da Anpocs (2018), especialmente aos organizadores do painel, Patrícia da Silva Santos e Ricardo Pagliuso Regatieri. Somos, contudo, responsáveis pelo resultado final.
  • DOI: 10.1590/3510312/2020

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2018
  • Aceito
    17 Out 2019
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