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Casamentos Seletivos e Desigualdade de Renda no Brasil

Resumos

O objetivo deste artigo é investigar a evolução do mercado de casamento e o seu impacto na distribuição de renda no Brasil. A partir da análise de dados dos censos demográficos de 1970 a 2010, encontramos evidências de que as pessoas estão cada vez mais se casando com parceiros de características semelhantes, ao longo dos anos. O aumento do número de casamentos seletivos, a princípio, não é capaz de afetar negativamente a desigualdade de renda. No entanto, quando realizamos alguns exercícios contrafactuais, é possível perceber que a melhora na distribuição de renda, ocorrida nesse período, poderia ter sido ainda maior caso essa tendência no mercado de casamento não tivesse ocorrido.

Palavras-chave:
Desigualdade de renda; Casamentos; Pareamento


This paper aims to study the evolution of marriage markets and its impact on income inequality in Brazil. Using data from Brazilian censuses from 1970 to 2010, we find evidence that the degree of assortative mating has increased in Brazil. This higher degree of sorting does not seem at first to influence income inequality, since this has decreased over time. However, by computing counterfactual analyses, we find that income inequality would have decreased even further were it not for the higher degree of assortative mating in the marriage market.


1. INTRODUÇÃO

Decisões individuais (tais como casamento, divórcio, fecundidade e educação) afetam diretamente a dinâmica demográfica de um país e estão relacionadas a variáveis macroeconômicas (como renda per capita e desigualdade social). O interesse em entender como mudanças demográficas e desigualdade de renda se relacionam tem sido crescente na literatura. Em especial para o Brasil, Barros et alii (2000)Barros, R. P. d., Firpo, S., Guedes, R., & Leite, P. (2000). Demographic Changes and Poverty in Brazil. Technical report, Discussion Papers 0096, IPEA. apresenta evidências do impacto de fatores demográficos (o tamanho e a composição etária da população) sobre a distribuição de renda entre os anos de 1976 e 1996. Ele chega à conclusão, a partir de microssimulações com dados da PNAD, que o efeito da mudança demográfica nesse período sobre a redução da pobreza corresponde a aproximadamente 15% do efeito que o crescimento da renda teve sobre tal redução.1 1 Entre os anos de 1976 a 1996, a renda per capita cresceu em média 3% ao ano. Estudar a relação entre mudanças demográficas e distribuição de renda se mostra particularmente interessante para o Brasil, pois o país possui elevados índices de desigualdade. Segundo dados do Banco Mundial, cerca de 90% das economias apresentam um grau de desigualdade de renda inferior à brasileira. Além disso, o país apresenta um fato notório, o seu grau de desigualdade vem apresentando uma queda contínua e acentuada desde 2001, como podemos observar na Figura 1 abaixo.2 2 Barros et alii (2006) analisa as causas e consequências dessa queda entre 2001 e 2004.

Figura 1
Evolução do Índice de Gini, de 1976 a 2010

Neste artigo, estudamos a evolução do mercado de casamento no Brasil nos últimos quarenta anos e como isso tem afetado a distribuição de renda da economia. A partir da análise de dados dos censos demográficos de 1970 a 2010, verificamos que as pessoas estão cada vez mais propensas a se casar com outras que possuem características socioeconômicas semelhantes (aqui representadas por 4 níveis educacionais distintos). Esse fenômeno social será chamado neste artigo de crescimento do casamento seletivo (ou também de queda na diversidade conjugal).

O crescente fenômeno de casamentos entre classes socioeconômicas semelhantes já vem sendo largamente documentado em países desenvolvidos por sociólogos e economistas.3 3 Ver Schwartz e Mare (2005), Blossfeld e Timm (2003), Greenwood et alii (2014), Greenwood et alii (2016), Eika et alii (2014). Para o Brasil, Neri (2005)Neri, M. (2005). Sexo, Casamento e Economia. FGV/IBRE, CPS, Rio de Janeiro. parece ser o único a se debruçar sobre essa questão. O estudo analisa de forma geral as relações entre casamento e economia, distinguindo os padrões de mulheres e homens. E, mais especificamente, mensura o quanto das relações conjugais acontecem entre pessoas do mesmo nível educacional e como isso evoluiu entre 1970 e 2000. E a partir da análise do percentual de casamentos ocorridos entre os mesmos grupos educacionais (56,7% em 1970 e 49,6% em 2000), conclui que houve um aumento na diversidade conjugal (ou queda no casamento seletivo). O nosso artigo apresenta conclusões opostas a Neri (2005)Neri, M. (2005). Sexo, Casamento e Economia. FGV/IBRE, CPS, Rio de Janeiro. e reafirma, para o Brasil, a tendência apontada na literatura internacional. Isso ocorre pois Neri (2005)Neri, M. (2005). Sexo, Casamento e Economia. FGV/IBRE, CPS, Rio de Janeiro. não leva em consideração o fato de que as distribuições marginais de homens e mulheres entre os diferentes níveis educacionais mudaram ao longo dos anos. Quando esse fato é incorporado às análises, somos capazes de concluir que houve um aumento nos casamentos seletivos no Brasil.

Além de estudar essa tendência, também analisamos como ela é capaz de afetar a distribuição de renda do país. A literatura mostra que, para países desenvolvidos, o crescente número de casamentos seletivos tem contribuído para o aumento da desigualdade de renda entre as famílias. No entanto, para o Brasil verificamos em um primeiro momento o oposto, isto é, a desigualdade de renda melhorou entre 1970 e 2010, apesar de os brasileiros estarem cada vez mais se casando com parceiros de características semelhantes. Contudo, a partir de exercícios contrafactuais, mostramos que a distribuição de renda poderia ter melhorado ainda mais caso essa tendência no mercado de casamentos não estivesse presente. No primeiro experimento, medimos o efeito sobre o Índice de Gini caso os casamentos tivessem ocorrido de forma aleatória e observamos que, tanto para 1970 quanto para 2010, há uma melhora nesse índice. No segundo, trocamos o percentual de solteiros entre os anos de 1970 e 2010 e mais uma vez verificamos uma melhora na desigualdade de renda, embora o efeito se mostre pequeno. Esses exercícios contrafactuais só fazem sentido e produzem algum efeito na distribuição de renda caso a participação de mulheres no mercado de trabalho seja positiva e crescente, o que se mostra verdadeiro quando analisamos os dados. A partir disso, realizamos o exercício de assumir que todos os casamentos ocorreram de forma aleatória em 1970 e 2010 mas trocando a participação das mulheres casadas no mercado de trabalho entre os anos de 1970 e 2010. E comprovamos que a inserção de mulheres casadas afeta a distribuição de renda.

Investigar o impacto de um maior número de casamentos seletivos sobre a distribuição de renda requer um certo cuidado. Durantes os últimos quarenta anos, observamos, pela Figura 3, que o nível educacional da população brasileira como um todo tem aumentado e que as mulheres a partir de 1990 passaram a ter em média mais anos de estudo que os homens. Portanto a distribuição marginal de homens e mulheres entre os diferentes níveis educacionais mudou nesse período. Assim, precisamos distinguir os efeitos sobre a distibuição de renda provocados pelas mudanças dos níveis de educação de homens e mulheres e pela maior tendência de casamentos seletivos. Para isso, no exercício contrafactual de trocar a distribuição de casamentos entre os anos de 1970 e 2010, utilizamos a tabela de contingência padronizada.4 E mais uma vez observamos uma melhora na desigualdade de renda.

Figura 2
Crescimento de casamentos seletivos
Figura 3
Evolução dos anos médios de estudo

Deve-se notar também que há interações entre algumas das margens acima que não são exploradas no presente artigo. Por exemplo, há vários estudos que relacionam interações entre casamento e participação feminina no mercado de trabalho: ver, por exemplo, o artigo clássico de Lundberg (1985)Lundberg S. (1985). The Added Worker Effect. Journal of Labor Economics, 3(1)11-37. Goldin (2006)Goldin, C. (2006). The Quiet Revolution that Transformed Women's Employment, Education, and Family. NBER Working Paper 11953. relaciona mudanças na família, educação e oferta de trabalho feminina por um período de mais de 100 anos. Há ainda estudos sobre a relação entre os retornos da educação no mercado de casamento: ver, por exemplo, Chiappori et alii (2009)Chiappori, P.-A., Iyigun, M., & Weiss, Y. (2009). Investment in Schooling and the Marriage Market. American Economic Review, 99(5):1689-1713 e Greenwood et alii (2016)Greenwood, J., Guner, N., Kocharkov, G., & Santos, C. (2016). Technology and the Changing Family: A Unified Model of Marriage, Divorce, Educational Attainment and Married Female Labor-Force Participation. American Economic Journal: Macroeconomics, 8(1):1-41..

O artigo está organizado da seguinte maneira. Na próxima seção, analisamos a evolução da diversidade conjugal no mercado de casamentos brasileiro. A partir disso, verificamos como essa tendência pode afetar a distribuição de renda e realizamos alguns experimentos contrafactuais na seção 3. Por fim, concluímos na seção 4.

2. CRESCIMENTO DOS CASAMENTOS SELETIVOS

Para analisar o crescente fenômeno de casamentos entre pessoas de características semelhantes, dividimos as classes socioeconômicas brasileiras em quatro níveis educacionais: educação primária incompleta (PC-), primária (PC), secundária (SC) e universidade (C). Primeiramente, estimamos o coeficiente de correlação de Kendall τ entre os níveis educacionais do marido e da esposa para cada ano da nossa amostra (1970, 1980, 1991, 2000 e 2010). A evolução desse coeficiente ao longo do tempo pode ser observada na Figura 2 a seguir. Note que, apesar da série não ser monotonicamente crescente, o coeficiente τ é claramente maior em 2010 (0.43516) do que em 1970 (0.12160).

Em segundo, computamos a tabela de contingência dos casamentos (os anos de 1970 e 2010 podem ser vistos na Tabela 1). Cada célula representa o percentual de casamentos com aquele específico pareamento educacional entre marido e esposa. Vale mencionar que a moda entre todas as combinações educacionais de marido e esposa em 1970 era entre pessoas de baixa escolaridade (ensino primário incompleto) e passou para casais com ensino secundário em 2010, ou seja, houve uma melhora dos níveis educacionais na população brasileira (que pode ser facilmente verificada ao observarmos a evolução do número médio de anos de estudo para mulheres e homens na Figura 3 abaixo).5 5 Repare que as mulheres apresentaram um crescimento mais acelerado do que os homens de acumulação de anos de estudo até os anos 1990. A partir desse ano, ambos apresentaram tendência semelhante, embora as mulheres com um maior nível de educação.

Tabela 1
Tabela de Contingência: Casamento Seletivo e Renda por Nível Educacional

Computamos também as tabelas de contigência quando a hipótese de casamento aleatório é assumida (em itálico na Tabela 1). A partir dessas duas categorias de tabela de contigência, podemos apresentar outra estatística que indica a queda na diversidade conjugal ao longo dos anos. Essa estatística é a razão entre a soma dos traços (diagonal principal) das tabelas de contigência real e aleatória. Note que os elementos da diagonal principal representam os casamentos entre pessoas de mesmo nível educacional, assim quanto mais alto forem esses números, maior é a fração na população de casamentos entre indivíduos com características semelhantes. Como δ é a razão da soma da diagonal principal das tabelas de contingência real e aleatória, quanto mais alto for essa razão, maior é o grau de casamento seletivo. Observando ainda a Figura 2, podemos notar que essa estatística é sempre maior do que um (o que indica que o pareamento entre marido e mulher de mesmo nível educacional é sempre superior ao caso aleatório) e que ela cresceu mais do que 100% entre 1970 e 2010. Portanto, o grau de casamento seletivo cresceu de forma considerável na sociedade brasileira.

3. CASAMENTOS SELETIVOS E DESIGUALDADE DE RENDA

A literatura tem apontado que um crescimento na tendência de casamentos seletivos vem se traduzindo em uma maior desigualdade de renda para países desenvolvidos (em especial os Estados Unidos). O interesse nessa relação causal pode ser observado tanto em termos teóricos quanto em termos puramente empíricos.6 6 Para análises com modelos teóricos, ver Fernàndez e Rogerson (2001) e Greenwood et alii (2016). Para trabalhos empíricos, ver Lam (1997), Cancian e Reed (1998, 1999), Schwartz (2010) e Greenwood et alii (2014). Seguindo a metodologia de Greenwood et alii (2014)Greenwood, J., Guner, N., Kocharkov, G., & Santos, C. (2014). Marry your Like: Assortative Mating and Income Inequality. American Economic Review Papers & Proceedings, 104(5):348-353. de um arcabouço empírico que independe de um modelo teórico, estudaremos essa relação para o Brasil. Em um primeiro momento, quando apenas olharmos para a melhora do Índice de Gini entre 1970 e 2010 e o crescimento dos casamentos seletivos nesse mesmo período, chegaremos à conclusão de que o Brasil se diferencia dos demais desenvolvidos. No entanto, quando realizamos exercícios contrafactuais, podemos perceber que a melhora na desigualdade de renda brasileira poderia ter sido ainda maior caso o aumento na tendência de casamentos seletivos não tivesse ocorrido.

A primeira análise consiste em olhar para as estatísticas de renda de pessoas casadas nos diferentes níveis educacionais. Na Tabela 1, cada célula nos fornece a renda daquele determinado tipo de casal em relação à renda média da população inteira, casados e solteiros. Quando analisamos de forma geral todas as células, podemos perceber que, com exceção dos casamentos entre pessoas com escolaridade primária incompleta, em todos os tipos de pareamento, a renda do casal se aproximou à renda média da população entre 1970 e 2010, em outras palavras, a renda da sociedade como um todo se tornou mais homogênea. Além disso, quando olhamos para a diagonal principal das matrizes (ou seja, para os casamentos em que os parceiros têm o mesmo nível educacional), as rendas dos casais de níveis educacionais secundário e universidade foram as que mais se aproximaram da renda média.7 E vale lembrar que o casamento entre pessoas de nível secundário se tornou o mais comum na sociedade em 2010. Assim, o tipo de casamento de maior frequência foi um dos que mais teve a sua renda se aproximando à renda média da economia. Portanto, apenas por essa análise inicial, temos indícios de que a distribuição da renda brasileira tenha melhorado no período em questão. Mas para confirmar, precisamos computar a Curva de Lorenz e o Índice de Gini.

Para isso, defina fi,j como a fração das famílias que são do tipo i e estão no percentil j de renda e ri,j como a renda desse tipo de família em relação à renda média. O índice percentual j é expresso em termos de fração (ou seja, 0.10 no lugar de 10). Os tipos são classificados da seguinte maneira: casados ou solteiros. No caso dos casados, cada membro da família é identificado também pelo nível educacional. A esposa recebe uma classificação de acordo com a participação no mercado de trabalho (trabalha ou não). Os solteiros são apenas identificados pelo seu nível educacional. E ainda há dez percentis (decis) de renda, de maneira que j ∈ {0.1,0.2,...,1.0}. São gerados, assim, 360 (i,j) possíveis combinações de família para cada ano. A fração da renda agregada que cabe ao percentil j é dada por sj = Σifi,jri,j). A fração de renda acumulada no percentil p é lp ≡ Σpj sj = Σpj Σi fi,j ri,j. A Curva de Lorenz pode ser representada pelo gráfico de lp contra p = Σpj Σi fi,j. E o Índice de Gini, g, é duas vezes a área entre a Curva de Lorenz e a reta de 45º.8 8 Veja o Apêndice para maiores detalhes de como essas curvas são construídas. Se p se mover continuamente, então o coeficiente de Gini passa a ser definido por g = 2 ∫01|lp - p|dp, onde 0 ≤ g ≤ 1. Quanto maior for g, maior será a desigualdade de renda. A Curva de Lorenz e o Índice de Gini são funções de fi,j e ri,j, para todo i e j. Assim, podemos escrever lp =LORENZp ({f'ij},{rij}) e g = GINI({f'ij},{rij}).

As Curvas de Lorenz de 1970 e 2010 nos mostram uma queda na desigualdade de renda, com o Índice de Gini indo de 0.609 para 0.572.9 9 Ver Tabela 2. A Tabela 2 nos mostra a renda relativa de cada percentil. Note que, entre 1970 e 2010, os percentis mais baixos (0.1 e 0.2) apresentaram uma perda acentuada em sua renda relativa, em especial o percentil 0.1 com uma queda de 82% (indo de 0.03258 para 0.00572). No entanto, todos os percentis entre 0.3 e 0.7 viram as suas rendas relativas crescerem, com destaque para os percentis 0.4 e 0.5 que tiveram um crescimento de 13% e 10%, respectivamente. Já os percentis 0.8 e 0.9 apresentaram uma pequena queda, na ordem de 4% e 2% respectivamente. E por fim, o percentil 1 verificou um aumento na renda relativa de apenas 1,7%. A partir dessa análise, podemos perceber que, em linhas gerais, a renda relativa de praticamente todos os percentis (com exceção para os dois mais baixos) tem se aproximado da renda média, o que corrobora a melhora da distribuição de renda brasileira. Quando comparamos essa distribuição de renda brasileira com a norte-americana entre 1960 e 2005, podemos perceber o quanto a evolução foi diferente entre essas duas economias.10 10 Ver Figure 2 em Greenwood et alii (2014). Nos Estados Unidos, houve um crescimento da renda relativa dos percentis mais altos (0.8, 0.9 e 1), enquanto os mais baixos (0.1 até 0.7) viram a sua renda cair. E essa tendência, naturalmente, se traduziu em uma piora da desigualdade (e aumento do Índice de Gini).

Tabela 2
Desigualdade de Renda

Embora para o Brasil não observemos uma piora na desigualdade de renda, apesar do aumento de casamentos seletivos, contrariando assim o que a literatura vem apontando nos países desenvolvidos, surge uma pergunta: será que a distribuição de renda brasileira teria melhorado ainda mais caso o crescimento na tendência de casamentos seletivos não tivesse ocorrido? Para respondê-la, realizamos o seguinte experimento: substituímos o pareamento observado na tabela de contingência presente na Tabela 1 pelo padrão da tabela de contingência aleatória (representada em itálico também na Tabela 1). Vejamos como isso é realizado.

Primeiro, defina ℳ como o conjunto de índice para os casados e 𝑆, o conjunto para os solteiros. O conjunto ℳ é definido particularmente da seguinte forma. Considere uma distribuição qualquer {fij} de famílias. Vale lembrar que as famílias compostas por casais são indexadas pelo nível educacional do marido e da esposa, a participação de cada um no mercado de trabalho e o número de filhos. Defina ℳEH como os conjuntos que contêm os índices de todas as famílias de casais cujo marido possui nível educacional EH ∈ {PC − ,PC,SC,C}. De forma similar, os conjuntos ℳEW contêm todas as famílias de casais cuja esposa possui nível educacional EW. Além disso, ℳLFPH (ℳLFPW) contêm todas as famílias de casados cujo (a) marido (esposa) possui a participação no mercado de trabalho LFPH(W) ∈ {TRABALHAH(W),˜TRABALHAH(W)}. E por fim, ℳKIDS contém todas as famílias de casados com um particular número de filhos KIDS ∈ {0,1,2,2+}. O conjunto de todas as famílias de casados com um particular pareamento de nível educacional ℳEH,EW é dado por

E H , E W = E H E W .

Assim, o conjunto que contém todas as diferentes famílias é:

= E H , E W , LFP H , LFP W , KIDS E H E W LFP H LFP W KIDS ,

onde o termo dentro do parênteses representa todos os casados do tipo (EH,EW, LFPH,LFPW,KIDS).

Com os conjuntos ℳ e 𝑆 devidamente definidos, agora mostraremos como de fato o experimento de casamento aleatório é realizado. Ele se resume a substituir os {fi,j}'s observados para (i,j) ∈ ℳ pelo conjunto obtido caso os casamentos tivessem ocorrido de forma aleatória, aqui representado por {̃fij} para (i,j) ∈ ℳ. O Índice de Gini é então dado por GINI({f'ij}, {rij}), onde {f'ij} ≡ ̃fij ℳ ∪ {fij} 𝑆. Assim, considere o primeiro elemento da tabela de contingência de 1970 presente na Tabela 1, que representa os casamentos entre pessoas com nível primário de educação incompleto. Em 1970, essa fração era de 0.85 e pode ser representada da seguinte forma

i PC , PC j = 0 . 1 1 f ij 1970 i j = 0 . 1 1 f ij 1970 = 0 . 85 .

Agora, impondo que os casamentos sejam aleatórios, a fração desse tipo de casamento passa a ser 0.79. Chame essa nova distribuição de ̃fij1970 e de forma similar à expressão acima, temos

i PC , PC j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 i j = 0 . 1 1 f ij 1970 = 0 . 79 .

Assim, a razão entre o número total de casamentos aleatórios entre pessoas com nível primário incompleto e o total de casamentos desse tipo observados nos dados é

i HS , HS j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 i HS , HS j = 0 . 1 1 f ij 1970 = 0 . 79 0 . 85 = 0 . 93 .

Portanto, sob a hipótese de casamentos aleatórios, o número de casamentos do tipo (PC-,PC-) é reduzido por um fator de 0. 93 = 0. 79/ 0. 85. Assuma que essa redução possa ser generalizada para todos os percentis de renda, isto é, para todos os j 's. Assim, quando realizarmos o exercício de casamentos aleatórios, a fração ̃fij1970 deve ser construída da seguinte forma

f ˜ ij 1970 = 0 . 79 0 . 85 f ij 1970 , para i PC , PC e todo j .

Esse procedimento é realizado para todos os demais 15 tipos de casamentos. E para os indivíduos solteiros e divorciados, mantemos as frações originais (provenientes dos dados), ou seja, ̃fij1970 = fij1970.

Na Tabela 3, podemos observar os resultados desse exercício contrafactual. Note que, tanto para 1970 quanto para 2010, há uma queda no Índice de Gini se comparamos com os dados (indo de 0.609 para 0.587 em 1970 e de 0.572 para 0.543 em 2010). A partir desses números, podemos concluir que o crescimento na tendência de casamentos seletivos impacta a distribuição de renda em uma economia e que a queda ligeiramente maior para o ano de 2010 mostra um nível de casamento seletivo mais elevado. Assim, a resposta à pergunta anterior fica evidente: a desigualdade de renda brasileira teria melhorado ainda mais caso a diversidade conjugal não tivesse caído ao longo dos anos.

Tabela 3
Índice de Gini, Dados e Experimentos

Outro experimento interessante a ser feito é verificar o que ocorreria com a distribuição de renda em 1970 e 2010, caso trocássemos o percentual de solteiros entre os anos, ou seja, caso assumíssemos que o nível de solteiros de 1970 fosse o mesmo de 2010 e o de 2010 fosse igual ao de 1970. Note pela Tabela 3 que o Índice de Gini subiria de 0.609 para 0.614 (diferença de 0.005) em 1970 e cairia de 0.572 para 0.568 (diferença de 0.004) em 2010. Esses resultados nos levam a conclusão de que um maior número de casamentos ajuda a melhorar a distribuição de renda brasileira, embora esse efeito não seja muito expressivo.

Os dois experimentos acima só causam algum impacto na distribuição de renda se pelo menos algumas mulheres casadas participarem do mercado de trabalho. Olhando para a Figura 4, que nos mostra a participação de mulheres casadas nesse mercado por percentil de renda, podemos perceber que essa participação é muito maior em 2010 do que em 1970, para todos os percentis acima de 0.1. Além disso, houve um crescimento bastante elevado dessa participação a partir do (incluindo) percentil 0.5, com destaque para o 0.6 (o percentual de mulheres casadas trabalhando cresceu de 5% para 73%). Ainda na Figura 4, também podemos observar a contribuição da renda da mulher na renda da família por percentil. Note que, novamente, esse tipo de participação é muito superior em 2010 se comparada a 1970. Além disso, para todos os percentis houve um crescimento da renda da mulher na renda total da família da ordem de 20 pontos percentuais (p.p.).11 11 O percentil 0.2 viu sua participação crescer quase 42 p.p., o que pode ser uma anomalia dos dados. Assim, temos fortes indícios de que a oferta de mão de obra das mulheres casadas no mercado de trabalho impacta a distribuição de renda.

Figura 4
Mulheres casadas no mercado de trabalho, 1970 e 2010

Para comprovar o ponto anterior, realizaremos o seguinte exercício contrafactual: primeiro, assuma que todos os casamentos ocorreram de forma aleatória em 1970 e 2010 e depois, que as mulheres casadas em 1970 participaram no mercado de trabalho com o mesmo nível de 2010 e que em 2010 elas trabalharam ao nível de 1970. O algoritmo para obter as tabelas de contingência assumindo casamentos aleatórios já foi descrito anteriormente. Suponha agora que, além disso, impomos que as mulheres casadas participem do mercado de trabalho em 1970 com os níveis de 2010.12 12 O procedimento é o mesmo para o caso em que as mulheres em 2010 trabalharam ao nível de 1970. A participação de mulheres casadas na força de trabalho em 1970, quando assumimos a hipótese de casamentos aleatórios, é

i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 i j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 = 0 . 13 ,

enquanto essa participação em 2010 é

i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ij 2010 i j = 0 . 1 1 f ij 2010 = 0 . 64 .

Chamemos essa nova distribuição contrafactual de famílias de casados em 1970 de ̂fij1970, para i ∈ ℳ e para todo j. Essa distribuição para 1970 deve nos dar a participação feminina no mercado de trabalho ao nível de 2010, ou seja,

i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ̂ ij 1970 i j = 0 . 1 1 f ̂ ij 1970 = 0 . 64 .

É válido ter em mente que a fração de pessoas casadas em 1970 não muda nesses experimentos contrafactuais, isto é,

i j = 0 . 1 1 f ij 1970 = i j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 = i j = 0 . 1 1 f ̂ ij 1970 .

Portanto,

i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ̂ ij 1970 i j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 = 0 . 64 0 . 13 i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 i j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 = 0 . 64 .

Impor a taxa de participação feminina no mercado de trabalho de 2010 em 1970 implica em escalonar para cima todas as combinações (i,j) de famílias de casados em que a esposa trabalha. Por outro lado, as famílias de casados em que a esposa não trabalha devem ser escalonadas para baixo de tal maneira que a fração total de famílias de casados não se altere.

Portanto, a distribuição contrafactual {̂fij1970} deve ser construída da seguinte maneira:

f ̂ ij 1970 = 0 . 64 013 f ˜ ij 1970 , para i TRABALHA W e para todo j ,

e

f ̂ ij 1970 = 1 0 . 64 1 0 . 13 f ˜ ij 1970 , para i TRABALHA W e para todo j .

Logo, a fração total de famílias de casados permanece constante,

i j = 0 . 1 1 f ̂ ij 1970 = i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ̂ ij 1970 + i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ̂ ij 1970 = 0 . 64 0 . 13 i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 + 1 0 . 64 1 0 . 13 i TRABALHA W j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 = 0 . 64 i j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 + 1 0 . 64 i j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 = i j = 0 . 1 1 f ˜ ij 1970 .

Assim como a distribuição contrafactual do experimento anterior, a distribuição para solteiros e divorciados permanece inalterada, ̂fij1970 = fij1970.

Nesse experimento, os Índices de Gini passam a ser 0.562 para 1970 e 0.585 para 2010. A hipótese de casamentos aleatórios faz com que as rendas fiquem mais equalizadas entre as famílias, pois acaba diversificando a renda entre maridos e esposas de diferentes níveis educacionais. Mas esse efeito só se torna real à medida em que as mulheres casadas participarem do mercado de trabalho. Assim, comparando o Índice de Gini do caso de casamentos aleatórios com o caso de casamentos aleatórios mais a troca entre os anos da participação das mulheres casadas no mercado de trabalho, observamos que essa estatística caiu de 0.587 para 0.562 em 1970 e cresceu de 0.543 para 0.585 em 2010. Portanto, o fato das mulheres casadas se inserirem mais ou menos no mercado afeta a desigualdade de renda brasileira.

Outro importante experimento a se pensar seria medir a distribuição de renda caso os casamentos em 2010 tivessem ocorrido da mesma maneira que em 1970, ou seja, caso a tabela de contingência de 2010 fosse substituída pela de 1970. No entanto, esse exercício contrafactual apresenta um grande problema. Em 2010, as pessoas (homens e principalmente mulheres) tinham níveis educacionais mais altos do que em 1970. Com isso, a distribuição marginal de maridos e esposas em cada nível educacional mudou bastante entre 1970 e 2010, inviabilizando em um primeiro momento esse novo experimento. Assim, caso realizássemos esse experimento sem qualquer correção, não seria possível distinguir os efeitos dos casamentos seletivos dos efeitos do aumento do nível educacional da população sobre a distribuição de renda.13 13 Isto é, a mudança das distribuições marginais de homens e mulheres entre os diferentes níveis educacionais. Para contornar essa questão, podemos utilizar o procedimento proposto por Mosteller (1968)Mosteller, F. (1968). Association and Estimation in Contingency Tables. Journal of the American Statistical Association, 63(321):1-28. e construir a chamada tabela de contingência padronizada para 1970, usando as distribuições marginais de níveis educacionais para homens e mulheres de 2010, e para 2010 usando as distribuições de 1970.

Mosteller (1968)Mosteller, F. (1968). Association and Estimation in Contingency Tables. Journal of the American Statistical Association, 63(321):1-28. sugere que, quando comparamos duas tabelas de contingência, elas devem primeiro ser padronizadas de maneira que ambas possuam as mesmas distribuições marginais associadas às colunas e às linhas. Considere uma tabela 4 × 4. Ela pode ser padronizada tal que cada elemento das duas distribuições marginais seja 1/4. Isso pode ser feito usando o algoritmo de Sinkhorn e Knopp (1967)Sinkhorn, R. & Knopp, P. (1967). Concerning Nonnegative Matrices and Doubly Stochastic Matrices. Pacific Journal of Mathematics, 21(2):343-348, que escalona cada linha e cada coluna de forma iterativa.14 14 Ver Apêndice para maiores detalhes sobre esse algoritmo. A padronização preserva o padrão central de associação em uma tabela de contingência. Por exemplo, Tan et alii (2004)Tan, P.-N., Kumar, V., & Srivastava, J. (2004). Selecting the Right Objective Measure for Association Analysis. Information Systems, 29(4):293-313. notam que tal padronização não altera as razões de possibilidade (medida típica usada para avaliar o padrão de associação entre variáveis) em uma tabela de contingência.

Tabela 4
Tabela de Contingência Padronizada: Casamento Seletivo por Nível Educacional

As tabelas padronizadas para 1970 e 2010 estão ilustradas na Tabela 4. A soma dos elementos da diagonal principal em 2010 é maior do que em 1970, o que nos leva a concluir que houve um crescimento na tendência de casamentos seletivos.

Note que cada distribuição marginal das tabelas padronizadas não precisa necessariamente ser 1/4. A padronização da tabela de 1970 pode ser tal que cada distribuição marginal coincida com aquelas provenientes dos dados de 2010, ou vice-versa. Esses resultados são mostrados na Tabela 5.

Tabela 5
Tabela de Contingência Padronizada: Casamento Seletivo por Nível Educacional

A partir dessas tabelas de contingência padronizadas, podemos computar a desigualdade de renda para o experimento que estávamos pensando anteriormente. Os Índices de Gini associados são 0.603 para 1970 e 0.561 para 2010. Assim, caso as pessoas em 2010 se casassem como em 1970 (seguindo a tabela de contingência padronizada), o coeficiente de Gini teria caído de 0.572 para 0.561, ou seja, teríamos uma melhora na distribuição de renda brasileira.

Além do experimento com essas tabelas de contingência padronizadas, também podemos realizar outro exercício adicionando a hipótese de troca da participação das mulheres casadas no mercado de trabalho entre os anos. Assim, assumindo para 1970 a distribuição proveniente da tabela de contingência padronizada e a participação das mulheres casadas ao nível de 2010, o Índice de Gini vai de 0.609 (dados) para 0.591. Fazendo o mesmo para 2010 e diminuindo a participação das mulheres casadas ao nível de 1970, essa estatística cresce de 0.572 (dados) para 0.6, aumentando assim a desigualdade renda. Mais uma vez mostramos que a participação das mulheres no mercado de trabalho é crucial para entender a distribuição de renda.

4. CONCLUSÃO

Neste artigo, a partir de análises dos censos demográficos brasileiros e de exercícios puramente contábeis, mostramos que ao longo do tempo os brasileiros estão se casando cada vez mais com parceiros que possuem características socioeconômicas semelhantes. Esse fenômeno já vem sendo observado para alguns países desenvolvidos e está largamente documentado por sociólogos e economistas. Além disso, a literatura tem mostrado que a tendência crescente de casamentos seletivos impacta de forma negativa a desigualdade de renda. Quando nos debruçamos sobre essa questão para o Brasil, na verdade observamos, em um primeiro momento, o contrário: a desigualdade de renda melhorou de 1970 para 2010, embora a frequência de casamentos seletivos tenha aumentado. No entanto, quando realizamos alguns exercícios contrafactuais, podemos observar que a distribuição de renda brasileira teria melhorado ainda mais, caso a tendência de casamentos seletivos não tivesse ocorrido.

  • 1
    Entre os anos de 1976 a 1996, a renda per capita cresceu em média 3% ao ano.
  • 2
    Barros et alii (2006)Barros, R. P. d., de Carvalho, M., Franco, S., & Mendonça, R. (2006). Consequências e Causas Imediatas da Queda Recente da Desigualdade de Renda Brasileira. Technical report, Discussion Papers 1201, IPEA. analisa as causas e consequências dessa queda entre 2001 e 2004.
  • 3
    Ver Schwartz e Mare (2005)Schwartz, C. R. & Mare, R. D. (2005). Trends in Educational Assortative Marriage from 1940 to 2003. Demography, 42(4):621-646, Blossfeld e Timm (2003)Blossfeld, H.-P. & Timm, A. (2003). Who Marries Whom? Educational Systems as Marriage Markets in Modern Societies. Kluwer Academiic, Dordrecht., Greenwood et alii (2014)Greenwood, J., Guner, N., Kocharkov, G., & Santos, C. (2014). Marry your Like: Assortative Mating and Income Inequality. American Economic Review Papers & Proceedings, 104(5):348-353., Greenwood et alii (2016)Greenwood, J., Guner, N., Kocharkov, G., & Santos, C. (2016). Technology and the Changing Family: A Unified Model of Marriage, Divorce, Educational Attainment and Married Female Labor-Force Participation. American Economic Journal: Macroeconomics, 8(1):1-41., Eika et alii (2014)Eika, L., Mogstad, M., & Zafar, B. (2014). Educational Assortative Mating and Household Income Inequality. NBER Working Paper 20271..
  • 4
    Método proposto por Mosteller (1968)Mosteller, F. (1968). Association and Estimation in Contingency Tables. Journal of the American Statistical Association, 63(321):1-28. e descrito com maiores detalhes na seção 3.
  • 5
    Repare que as mulheres apresentaram um crescimento mais acelerado do que os homens de acumulação de anos de estudo até os anos 1990. A partir desse ano, ambos apresentaram tendência semelhante, embora as mulheres com um maior nível de educação.
  • 6
    Para análises com modelos teóricos, ver Fernàndez e Rogerson (2001)Fernàndez, R. & Rogerson, R. (2001). Sorting and Long-Run Income Inequality. Quarterly Journal of Economics, 116(4):1305-41. e Greenwood et alii (2016)Greenwood, J., Guner, N., Kocharkov, G., & Santos, C. (2016). Technology and the Changing Family: A Unified Model of Marriage, Divorce, Educational Attainment and Married Female Labor-Force Participation. American Economic Journal: Macroeconomics, 8(1):1-41.. Para trabalhos empíricos, ver Lam (1997)Lam, D. (1997). Demographic Variables and Income Inequality. In Rosenzweig, M. R. & Stark, O., editors, Handbook of Population and Family Economics, pages 1015-1059. Elsevier North Holland, Cancian e Reed (1998Cancian, M. & Reed, D. (1998). Assessing the Effects of Wives'Earnings on Family Income Inequality. The Review of Economics and Statistics, 80(1):73-79., 1999)Cancian, M. & Reed, D. (1999). The Impact of Wives' Earnings on Income Inequality: Issues and Estimates. Demography, 36(2):173-84., Schwartz (2010)Schwartz, C. R. (2010). Earnings Inequality and the Changing Association between Spouses' Earnings. American Journal of Sociology, 115(5):1524-1557 e Greenwood et alii (2014)Greenwood, J., Guner, N., Kocharkov, G., & Santos, C. (2014). Marry your Like: Assortative Mating and Income Inequality. American Economic Review Papers & Proceedings, 104(5):348-353..
  • 7
    Deve-se notar que o retorno à educação no Brasil deve ter um papel importante também. Para este assunto, ver por exemplo Barbosa Filho e Pessôa (2008)Barbosa Filho, F. d. H. & Pessôa, S. (2008). Retorno da Educação no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico, 38(1):97-126..
  • 8
    Veja o Apêndice para maiores detalhes de como essas curvas são construídas.
  • 9
  • 10
    Ver Figure 2 em Greenwood et alii (2014)Greenwood, J., Guner, N., Kocharkov, G., & Santos, C. (2014). Marry your Like: Assortative Mating and Income Inequality. American Economic Review Papers & Proceedings, 104(5):348-353..
  • 11
    O percentil 0.2 viu sua participação crescer quase 42 p.p., o que pode ser uma anomalia dos dados.
  • 12
    O procedimento é o mesmo para o caso em que as mulheres em 2010 trabalharam ao nível de 1970.
  • 13
    Isto é, a mudança das distribuições marginais de homens e mulheres entre os diferentes níveis educacionais.
  • 14
    Ver Apêndice para maiores detalhes sobre esse algoritmo.

A. DADOS

A base de dados usada neste estudo é o censo demográfico brasileiro dos anos de 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010 e pode ser facilmente obtida através da página do IPUMS (Integrated Public Use Microdata Series) na internet. As variáveis incluídas na nossa base de dados são: ano do censo (nome da variável: year), código identificador da esposa (sploc), número de membros em uma família (famsize), número de filhos (nchild), idade (age), sexo (sex), estado civil (marst), nível educacional (educ), relação de emprego (empstat) e renda individual (inc). No nosso estudo só consideramos casais e solteiros entre 25 e 54 anos. Os adultos vivem por conta própria ou com seus filhos, que têm idade inferior a 19 anos. Famílias em que existem outros membros tais como avós, tios/tias, ou quaisquer outros indivíduos estão excluídas da base de dados. Assim como famílias com subfamílias de qualquer tipo. Além disso, viúvos/viúvas e indivíduos casados cujas as esposas estão ausentes também são excluídos. As rendas são estritamente positivas.

Na nossa análise, há 384 tipos diferentes de famílias e elas são classificadas da seguinte maneira:

  1. Estado civil: casados, homens nunca casados, mulheres nunca casadas, homens divorciados e mulheres divorciadas;

  2. Educação: primária incompleta, primária, secundária e universidade;

  3. Mercado de trabalho: trabalha, não trabalha;

  4. Filhos: nenhum filho, um, dois, ou mais de dois filhos.

Por fim, as famílias são divididas em dez percentis. Assim, para cada ano, temos 3840 (i,j) combinações de famílias para todos os tipos e decis.

B. CURVA DE LORENZ E ÍNDICE DE GINI

Suponha uma amostra de diferentes tipos de famílias, i ∈ {1,2,...,m}, situadas em diferentes percentis, j ∈ 𝒥, da distribuição de renda. Defina fij como a fração de famílias que são do tipo i e estão no percentil j e rij como a renda yij relativa à renda média y. A renda de cada família é ajustada para a base equivalente de um adulto de acordo com a metodologia da OCDE, que considera o primeiro adulto como 1, o segundo como 0.5 e cada criança como 0.3. As rendas equalizadas das famílias são então divididas pela renda média da população.

A fração de renda do percentil j é

s j = i f ij r ij .

A Curva de Lorenz é derivada plotando as frações acumuladas da população indexadas por p,

p = j p i m f ij

no eixo x contra a fração de renda acumulada pelo percentil p,

l p = j p s j ,

no eixo y. Suponha que o intervalo unitário seja dividido em n segmentos iguais. Assim, j ∈ 𝒥 = {1/n,...,1 1/n,1}.

Imagine o exemplo em que n = 4 (quartil). A Curva de Lorenz descrita acima está plotada na Figura 1. O Índice de Gini associado a essa Curva de Lorenz é duas vezes a área entre a curva e a linha de 45 graus. O índice também pode ser calculado como 1 - 2∆, onde ∆ é a área abaixo da Curva de Lorenz. No caso em que n = 4, o índice é a soma das áreas do triângulo A e dos trapezóides B, C, e D. As coordenadas no eixo x são dadas por 0, p1 = 0.25, p2 = 0.5, p3 = 0.75, e 1.0. As coordenadas no eixo y são 0,l0.25, l0.5, l0.75, e 1.0.


Assim, utilizando as fórmulas para as áreas geométricas A, B, C, e D, o Índice de Gini, g, pode ser derivado como

g = 1 2 p 1 l 1 2 Area ´ A + l 1 + l 2 p 2 p 1 2 Area ´ B + l 2 + l 3 p 3 p 2 2 Area ´ C + l 3 + 1 1 p 3 2 Area ´ D .

Após rearranjar a expressão acima, o Índice de Gini é dado por

g = p 1 l 2 p 2 l 1 + p 2 l 3 p 3 l 2 + p 3 l 3 .

As frações acumuladas da população, os p's, são baseadas nos quartis; i.e., p1 = 1/4,p2 = 2/4,.... Portanto, a expressão anterior pode ser escrita como

g = 1 4 l 2 2 l 1 + 2 l 3 3 l 2 + 3 4 l 3 .

No caso geral de n percentis, o Índice de Gini é

g = p = 1 / n 1 1 / n pl p + 1 p + 1 / n l p .

A versão dessa fórmula para um número arbitrário de grupos de renda e de sub-populações (tipos) é apresentada em Rao (1969)Rao, V. M. (1969). Two Decompositions of Concentration Ratio. Journal of the Royal Statistical Society, Series A (General), 132(3):418-425..

C. ALGORITMO SINKHORN-KNOPP (1967)Sinkhorn, R. & Knopp, P. (1967). Concerning Nonnegative Matrices and Doubly Stochastic Matrices. Pacific Journal of Mathematics, 21(2):343-348

  1. Comece uma iteração com uma tabela de contingência.

  2. Essa tabela de contingência possui uma distribuição marginal associada a cada linha (marido) obtida a partir da soma de cada linha ao longo de suas colunas para obter o total daquela linha. Divida cada linha por 4 vezes o seu total. A distribuição marginal asscoiada às linhas passa a ser (1/4,1/4,1/4,1/4).

  3. Compute a distribuição marginal associada a cada coluna (esposa) somando cada coluna ao longo de suas linhas para obter o total daquela coluna. Divida cada coluna por 4 vezes o seu total.

  4. Recompute a distribuição marginal associada a cada linha Verifique se ela mudou após as duas etapas anteriores, checando a distância até a distribuição marginal desejada (1/4,1/4,1/4,1/4). Se atingiu o nível de proximidade desejado, então pare. Caso contrário, volte ao passo 1.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2016
  • Aceito
    07 Jul 2017
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