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A Administração Educacional em Portugal em análise

Educational Administration in Portugal under analysis

La administración Educativa en Portugal bajo análisis

RESUMO

Este trabalho de natureza reflexiva tem o propósito de realizar uma abordagem do estatuto epistemológico da Administração Educacional baseada nos principais contributos para a sua afirmação como disciplina autônoma, identificando alguns aspetos que dificultam e alavancam o seu entendimento como ciência. Realizamos uma abordagem a alguns aspetos explicativos para a recente biografia da designação de Administração Educacional, não deixando de identificar o modo como o conceito se estabelece em contexto português, e fazemos referência às suas dimensões técnica e política, dando conta da relação de dependência que entre elas se estabelece, muito embora existam perspetivas que enfatizam cada uma das dimensões em prejuízo da outra.

Palavras-chave:
Administração Educacional; Organização Escolar; Reforma do Sistema Educativo; Dimensão Técnica e Política

ABSTRACT

This reflective work addresses the epistemological status of Educational Administration from the main contributions to its affirmation as an autonomous discipline, identifying some aspects that hinder and leverage its understanding as a science. We approach some explanatory aspects for the recent biography of the designation of Educational Administration, while identifying the way in which the concept is established in the Portuguese context and referring to its technical and political dimensions, giving an account of the relationship of dependence that holds between them, although there are perspectives that emphasize each dimension to the detriment of the other.

Keywords:
Educational Administration; school organization; education system reform; technical and political dimension

RESUMEN

Este trabajo reflexivo pretende reflexionar sobre el estatus epistemológico de la Administración Educativa a partir de los principales aportes a su afirmación como disciplina autónoma, identificando algunos aspectos que dificultan y apalancan su comprensión como ciencia. Abordamos algunos aspectos explicativos de la biografía reciente de la designación de Administración Educativa, identificando la forma en que el concepto se establece en el contexto portugués y haciendo referencia a sus dimensiones técnicas y políticas, dando cuenta de la relación de dependencia que entre establecidas, aunque hay perspectivas que enfatizan cada dimensión en detrimento de la otra.

Palabras clave:
Administración Educacional; Organización Escolar; Reforma Del Sistema Educativo; Dimensión Técnica y Política

Este texto tem o propósito de apresentar os contributos mais significativos na consolidação da Administração Educacional (AE) enquanto disciplina autônoma, com uma identidade que lhe é conferida tanto pelas práticas administrativas como pela natureza da educação. Ao mesmo tempo, damos conta da recente biografia da designação de AE, das diferentes componentes que assume e das dimensões técnica e política que compreende.

Para o efeito, realizamos um trabalho de natureza reflexiva que obedeceu a uma metodologia que garante que a informação é relevante e confiável para o campo de estudo em análise. Assim, antes da escrita do texto, começamos por definir estrategicamente a literatura considerada relevante. Isso implicou identificar e selecionar aquela que melhor abordava a problemática em causa, permitindo-nos realizar uma análise intensiva pela qual foi possível concluir, com base nas abordagens em alguns casos problematizadoras, inclusas nos diferentes estudos realizados, que: a consolidação científica e pedagógica da AE tem sido marcada pelas especificidades e contributos de algumas “áreas de conhecimento”, nomeadamente da Política Educativa e Sociologia da Educação; que esta situação acabou por converter o seu processo epistemológico numa construção plural, que permite a consideração da existência de articulação e de certo reforço mútuo entre elas, consideração que justifica a ideia de um processo caraterizado por dificuldades e progressos quando em causa esteve a afirmação da AE como ciência; que se o passado recente, em Portugal, revela a área de AE subordinada a focalizações predominantemente jurídicas e normativas, a atualidade permite o reconhecimento de novas perspetivas, como se de um novo paradigma se tratasse, e que a própria investigação vai expressando.

EM BUSCA DA EPISTEMOLOGIA EM ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL

A AE como disciplina teve origem nas tensões que assomaram da confluência entre as “Ciências da Educação” e as “Ciências da Administração e Gestão”, também estas em fase de amadurecimento no início do século XX. Se as primeiras tornaram redutora a abordagem às questões de âmbito administrativo e organizacional pela sua ligação com a Pedagogia e a Didática Geral, as segundas faziam sentir a sua hegemonia convertendo as escolas num campo de aplicação das teorias da administração e organização (Barroso, 2005BARROSO, João. Políticas educativas e organização escolar. Porto: Universidade Aberta, 2005.), o que teria consequências para a valorização da dimensão prática desses saberes.

Aliar o conhecimento e o respeito pelas normas à experiência dos profissionais da educação apresentava-se como suficiente para se exercer com sucesso a AE; ambas as áreas de conhecimento disponibilizavam teorias que permitiam interpretar a realidade para nela intervir, o que parecia validar a redundância a que a AE estava votada (Barroso, 2005BARROSO, João. Políticas educativas e organização escolar. Porto: Universidade Aberta, 2005.).

Este quadro apresentou-se favorável ao atraso relativo no estabelecimento da AE como disciplina autônoma, o que parece justificar o seu passado recente enquanto área do conhecimento e como disciplina acadêmica, principalmente em países da Europa do Sul, inclusivamente em Portugal. Acresce a forte ligação às práticas e a sua dimensão política e ideológica, que lhe conferem uma natureza específica, o que dificulta a existência de um consenso em torno da sua abordagem e, simultaneamente, do seu entendimento como “ciência normal”, de tipo positivista (Silva, 2006SILVA, Guilherme. Modelos de formação em administração educacional: um estudo centrado na realidade portuguesa. Braga: Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 2006.). De resto, é uma área que usa dos contributos de várias áreas disciplinares pelas pontes que estabelece, pelo que o seu conhecimento é uma construção plural que se articula criticamente com a realidade socioeducativa, o que, por si só, já transporta dificuldades relativas ao reconhecimento da sua vocação.

À medida que os traços que configuram a escola se foram tornando progressivamente organizacionais e que esta foi sendo considerada uma unidade de investigação, objeto de estudo autônomo, a que os discursos públicos e políticos também ajudaram a dar consistência com base no desenvolvimento de políticas educativas apostadas na descentralização, autonomia e gestão das escolas, estavam criadas as condições favoráveis ao crescimento de estudos e formação nesta área. Estas políticas educativas, de inspiração gerencialista e tecnocrática, mais não fizeram que instrumentalizar a AE em relação a medidas de modernização e racionalização. O mesmo será dizer que a Nova Gestão Pública, porque assenta em “um novo referencial reformista e, sobretudo, uma nova formação cultural e uma nova linguagem com repercussões inegáveis nas reformas do Estado e das suas organizações desde logo através da adesão à tríade composta por desregulação, privatização e comercialização” (Lima, 2018LIMA, Licínio. Por que é tão difícil democratizar a gestão da escola pública? Educar em Revista, v. 34, n. 68, p. 15-28, mar-abril 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/er/a/YCPpdwGWZshhVyhjwpzHZtp/?lang=pt . Acesso em 7 dez. 2022.
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, p. 18), colocou a AE o serviço dos princípios da gestão privada. Neste âmbito, a tecnocracia ganha adeptos pelo relevo atribuído à ideia de que o que conta é o que funciona (Newman e Clarke, 2012NEWMAN, Janet; CLARKE, John. Gerencialismo. Educação & Realidade, v. 37, n. 2, p. 353-381, maio-ago. 2012. Disponível em: Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/29472 . Acesso em: 12 dez. 2022.
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade...
).

Este contexto deu impulso ao desenvolvimento da Sociologia das Organizações Educativas, que será, a par de outros, fator fundamental para a sua consolidação e redefinição durante a década de 1990, pelo reforço teórico e analítico que acabaria por lhe conferir. Para tal terá concorrido o estudo das políticas dos diferentes atores educativos, contagiadas por consequência do estudo das práticas dos diferentes atores educativos, contagiadas por orientações políticas e estratégicas. Este aspecto tornou relevante o nível meso na relação entre o micro e macro em termos de compreensão e intervenção (Nóvoa, 1992NÓVOA, Antônio. As organizações escolares em análise. Lisboa: Dom Quixote; Instituto de Inovação Educacional, 1992.).

E se, num primeiro momento, a AE existiu numa relação de dependência com outros campos do saber, particularmente com os modos de atuação praticados na indústria e comércio dos Estados Unidos da América do século XX, pela adoção de princípios dominantes na “organização científica do trabalho”, o que marca o primeiro período de proposição de uma teoria de Administração Educacional (Barroso, 2005BARROSO, João. Políticas educativas e organização escolar. Porto: Universidade Aberta, 2005.), posteriormente, terá anulado esse vínculo, emancipando-se enquanto disciplina (Bush et al., 1999BUSH, Tony; BELL, Les; BOLAM, Ray; GLATTER, Ron; RIBBINS, Peter (Eds.). Educational management: redefining theory, policy and practice. Thousand Oaks: SAGE Publications Ltd, 1999. Disponível em: Disponível em: https://sk.sagepub.com/books/educational-management . Acesso em: 1 jun. 2022.
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). Essa independência pode ser delimitada em dois momentos: o tempo que medeia entre as décadas de 1950 e 1970 e que identifica o segundo período de proposta de uma teoria; e, a partir daqui até a atualidade, o terceiro período (Barroso, 2005ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO (OCDE). O ensino na sociedade moderna. Porto: ASA, 1989.).

A afirmação desta disciplina tem sido feita por meio de um debate epistemológico que ocorre, de forma mais visível, desde a década de 1950 com vários protagonistas, dos quais destacamos, entre outros, Greenfield, Hodgkinson, Evers e Lakomski. Com efeito,

Educational administration has enjoyed a healthy period of intellectual ferment in its recent history as an academic field of study, from attempts in the 1950s to develop a science of administration based on the precepts of logical empiricism, to the Greenfield-inspired revolt against this model in the mid-1970s, to the range of well developed theoretical alternatives that have come to the fore over the last 20 years. (Evers e Lakomski, 2017EVERS, Colin William; LAKOMSKI, Gabriele. Theory in educational administration: naturalistic directions. Journal of Educational Administration, v. 39, n. 6, p. 499-520, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/09578230110407850/full/html . Acesso em: 1 jun. 2022.
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, p. 499)

Assim, em oposição a uma visão científica da realidade social como sistema natural e que tinha no Theory Movement, no comportamentalismo e no positivismo lógico a sua expressão (Taylor Fayol, Gulick, Urwick, Follett, Mayo, Roethlisberger, Bernard e Simon), assoma uma perspetiva assente em cânones mais subjetivos e humanistas, defendida por Greenfield e que os vários artigos por si publicados não deixam esmorecer. A incitar este modo de pensar esteve o reconhecimento de que não se poderiam afastar os factos dos valores e a aceitação, cada vez mais generalizada, das Ciências Sociais e a reivindicação por uma profissão em AE, o que o terá obrigado a nova reflexão sobre a teoria e os princípios em que se funda.

A este propósito, refere:

We need to ask whether the theory and assumptions still appear to hold in the settings where they were developed before they are recommended and applied to totally new settings. Such an examination is not only appropriate but essential in the face of an alternative view which sees organizations not as structures subject to universal laws but as cultural artefacts dependent upon the specific meaning and intention. (Greenfield e Ribbins, 2005GREENFIELD, Thomas.; RIBBINS, Peter. Greenfield on educational administration: towards a humane science. London, New York: Routledge, 2005., p. 3)

Essas interrogações entraram em tensão com o aparecimento de outras abordagens teóricas alternativas às tradicionais e que se incluem na corrente que dá pelo nome de New Movement, grandemente influenciada pela obra de Simon (1971SIMON, Herbert. Comportamento administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1971.) intitulada Comportamento Administrativo. Esta assume a defesa dos meios em detrimento dos fins, fazendo da administração uma atividade meramente técnica, pois os fins não são objeto de reflexão, são simplesmente, nunca se pondo em causa os valores em nome dos quais se atua.

Também Hodgkinson (1978HODGKINSON, Christopher. Toward a philosophy of administration. Oxford: Basil Blackwell, 1978.) postula uma teoria da administração que inclui a atividade moral e a filosófica, tornando subjacente a vertente humanista, numa clara oposição ao positivismo e contrariamente à posição adotada por Simon. Para este último e para “the theorists of the behavioural science tradition, an administrative theory is inadequate if it contains ethical claims. For Hodgkinson, as a critic of positivism, an administrative theory is inadequate precisely if it does not contain ethical claims” (Evers e Lakomski, 1991EVERS, Colin William; LAKOMSKI, Gabriele. Knowing educational administration: contemporary methodological controversies in educational research. Oxford: Pergamon, 1991., p. 100). Diríamos que a crítica ao New Movement se traduz, grandemente, numa crítica a Simon.

Genericamente, a luta que se trava é entre a corrente positivista e a idealista, que postulam uma concepção diferenciada do mundo e das coisas. São posições extremadas pelo modo como o sujeito e objeto se relacionam em termos cognoscitivos, dado que a primeira marginaliza e nega a relação de interdependência entre sujeito e objeto e a segunda reconhece a predominância do sujeito sobre o objeto. Se uma objetiva a realidade, a outra aceita a subjetividade do ator social na compreensão do objeto.

Não obstante, não podemos deixar de reconhecer o importante contributo deste movimento pela procura da construção de uma teoria das organizações educativas e da AE. Perspetivar as escolas como organizações sui generis relativamente a outras organizações, condição necessária para se romper com as teorias de administração de empresas, foi uma consequência da sua autonomização. Tanto a escola como as empresas

[…] vão do ponto de vista epistemológico e teórico beber à reflexão teórica da sociologia das organizações, mas cada uma delas apropria-se dessa reflexão de acordo com as suas necessidades e peculiaridades. Isso explica por que as linhas de desenvolvimento teórico subsequente, em ambas as áreas, apresentam paralelismos, cruzamentos e contributos mutuamente enriquecedores. (Dinis, 2015DINIS, Luís Leandro. Das teorias das organizações à organização das teorias: do mundo da gestão ao mundo da educação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 31, n. 1, p. 197-232, 2015. Disponível em: Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/58925 . Acesso em: 13 jun. 2022.
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, p. 224)

Do mesmo modo, não podemos deixar de aludir a três fatores que alavancaram, durante esse mesmo período, o interesse em conferir o estatuto de ciência à Administração Educacional, a saber: a organização da National Conference of Professors of Educational Administration, realizada em Nova Iorque em 1974, e as sistemáticas reuniões anuais que dela resultaram; os estudos levados a cabo pelo Cooperative Program in Educational Administration, com financiamento da Fundação Kellogg; a criação da University Council for Educational Administration, associada à realização de um seminário sobre o desenvolvimento da AE (Zung, 1984ZUNG, Acácia Zeneida Kuenzer. A teoria da administração educacional: ciência e ideologia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 48, p. 39-46, 1984. Disponível em: Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1411 . Acesso em: 1 jun. 2022.
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).

Também os trabalhos desenvolvidos por Lawrence e Lorsch (1967LAWRENCE, Paul; LORSCH, Jay. Organization and environment: managing differentiation and integration. Boston, MA: Harvard Business School, Division of Research, 1967.), Perrow (1973PERROW, Charles. The short and glorious history of organizational theory. Organizational Dynamics, v. 2, n. 1, p. 3-15, 1973. Disponível em: Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0090261673900077?via%3Dihub . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
), Hannan e Freeman (1977HANNAN, Michael Thomas; FREEMAN, John. The population ecology of organization. American Journal of Sociology, v. 82, n. 5, p. 929-964, mar. 1977. Disponível em: Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.1086/226424 . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://www.journals.uchicago.edu/doi/10...
), Meyer (1978MEYER, Marshall Wayne. Introduction: recent developments in organizational research and theory. In: MEYER, Marshall Wayne (Org.). Environment and organizations. San Francisco: Jossey-Bass, 1978. p. 1-19.), Weick (1979WEICK, Karl. The social psychology of organizing. New York: McGraw-Hill, 1979.), Burrell e Morgan (1979BURRELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Sociological paradigms and organizational analysis. Portsmouth: Heineman, 1979.), Aldrich (1979ALDRICH, Howard. Organization and environment. Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1979.), Peffer e Salancik (1978PEFFER, Jeffrey; SALANCIK, Gerald. The external control of organizations: a resource dependence perspective. New York: Harper and Row, 1978.), Scott (1981SCOTT, William. Organizations: rational, natural and open system. Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1981.), Hoy e Miskel (1987HOY, Wayne; MISKEL, Cecil. Educational administration: theory, research and practice. New York: Random House, 1987.), sendo o exemplo da complexidade e das diferentes direções seguidas na abordagem da teoria organizacional e que têm em comum o facto de reconhecerem a importância dos fatores externos para as organizações, tiveram reflexos diretos na AE pelo consenso em torno da ideia de que as organizações modernas, nas quais se incluem as de natureza educacional, são sistemas abertos (Evers e Lakomski, 1991EVERS, Colin William; LAKOMSKI, Gabriele. Knowing educational administration: contemporary methodological controversies in educational research. Oxford: Pergamon, 1991.). Autores como Blau e Scott, Thompson, Gouldner, Crozier, entre outros, também darão o seu contributo pela possibilidade de análise da escola como organização, mesmo que nem sempre diretamente com base em investigações sobre a escola.

Do debate atual não é possível excluirmos Evers e Lakomski (1996EVERS, Colin William; LAKOMSKI, Gabriele. Exploring educational administration: coherentist applications and critical debates. Oxford: Pergamon, 1996.) pelo intento de construção de uma teoria que substitua o paradigma subjetivista. Para os autores, e numa apreciação aos críticos do New Movement, ou pós-positivistas, ao confundirem-se positivismo e ciência, como se do mesmo se tratasse, colocou-se em causa a ciência em si mesma, pois anularam-se outras formas de conhecimento científico que não fosse o positivismo, que não passa, entre outras, de uma teoria acerca da ciência. Postulam, assim, uma ciência da AE em que os valores e a subjetividade sejam validados por uma nova perspetiva de conhecimento que não a empírica, como se entre mundo natural e o social existisse um contínuo e que a proposta de “naturalistic coherentism” representa. A este propósito, escrevem:

We applied the framework of our coherentist epistemology to argue for the unity of research in educational administration which, unlike its competitors, does not posit foundations but employs coherence criteria, both in the defence of its own assumptions and as critical weapons against other theories’ knowledge claims. Since even rival epistemologies do not advocate lack of conistency as a virtue, consistency and other coherence criteria can function as touchstone when arbitrating between competing claims or theories. (Evers e Lakomski, 1991EVERS, Colin William; LAKOMSKI, Gabriele. Knowing educational administration: contemporary methodological controversies in educational research. Oxford: Pergamon, 1991., p. 234)

Estas considerações têm na base o pressuposto de que os paradigmas são distintos, mas simultaneamente complementares e que todos “[…] can be employed fruitfully to study the many objets of educational reaserch” (Evers e Lakomski, 1991EVERS, Colin William; LAKOMSKI, Gabriele. Knowing educational administration: contemporary methodological controversies in educational research. Oxford: Pergamon, 1991., p. 233).

Todavia, a atualidade, na ótica de Lima (1997LIMA, Licínio. Para o estudo da evolução do ensino e da formação em administração educacional em Portugal. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan. 1997b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rfe/a/9FRyGJwGmr7snfbKYcBM9Cj/?lang=pt . Acesso em: 1 jun. 2022.
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b), dá sinais contraditórios “[…] de consolidação e de crise, de reforço da identidade de um campo e de diluição ou denegação dessa identidade, em emergência. Daqui têm resultado representações sociais e acadêmicas, e expectativas e solicitações, consideravelmente distintas” (p. 112).

E, se todos os contributos, dos clássicos aos contemporâneos, não são de desprezar, muito pelo contrário, não deixa de ser relevante pensar em termos da especificidade da AE, que não se pode definir só pelas práticas administrativas, mas, igualmente, pela natureza da educação. É nesta que se manifesta a ação política que ocorre no âmbito das relações sociais e que não permite que se confunda a natureza do processo educativo com a natureza do processo produtivo, pois é preciso salvaguardar “[…] a especificidade dos fenômenos educativos e os objetivos de democratização da administração da educação e de participação e autonomia nas organizações educativas” (Lima, 1997LIMA, Licínio. Para o estudo da evolução do ensino e da formação em administração educacional em Portugal. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan. 1997b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rfe/a/9FRyGJwGmr7snfbKYcBM9Cj/?lang=pt . Acesso em: 1 jun. 2022.
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b, p. 112).

Para que tal aconteça, há necessidade de a AE ser permeável às abordagens críticas, defendendo-se de verdades ditas prontas e absolutas, aliando-se a “[…] participação, a postura dialógica e o compromisso democrático” (Sander, 2009SANDER, Benno. Gestão educacional: concepções em disputa. Retratos da Escola, Florianópolis, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: Disponível em: https://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/102 . Acesso em: 1 jun. 2022.
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, p. 74). Só isto permite a entrada de uma epistemologia que valide a teoria como “[…] parcial, dinâmica, histórica, que não é monopólio de alguns, mas elaborada por todos que participam na ação. Esta postura não significa dicotomizar ideologia e ciência, mas assumir a parcialidade das práticas científicas” (Zung, 1984ZUNG, Acácia Zeneida Kuenzer. A teoria da administração educacional: ciência e ideologia. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 48, p. 39-46, 1984. Disponível em: Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1411 . Acesso em: 1 jun. 2022.
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, p. 46).

A DESIGNAÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL: TENDÊNCIA TERMINOLÓGICA

É válida a afirmação de que os estudos organizacionais e administrativos da educação em Portugal remontam ao início do século XX se em causa estiverem as experiências de lecionação, apesar das poucas “[…] repercussões assinaláveis em termos de estudo e investigação e, muito menos, em termos de consolidação de uma área científica” (Lima, 1992LIMA, Licínio. Organizações educativas e administração educacional em editorial. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 5, n. 3, p. 1-8, 1992., p. 2). Já enquanto matriz acadêmica, com expressão nas vertentes de ensino e na investigação, sem que se confunda com a produção jurídica e normativa, muito embora dela não prescinda, é de existência relativamente recente (Lima, 1997LIMA, Licínio. Para o estudo da evolução do ensino e da formação em administração educacional em Portugal. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan. 1997b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rfe/a/9FRyGJwGmr7snfbKYcBM9Cj/?lang=pt . Acesso em: 1 jun. 2022.
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b). Para este atraso parece ter contribuído a centralização política e administrativa, com tradição em Portugal, que terá beneficiado da supressão tanto de perspetivas próprias das Ciências Sociais e das Ciências da Educação como de teorias/ideologias de âmbito organizacional e administrativo produzidas ao longo do século XX, e que o Estado Novo terá ajudado a confirmar.

Conjuntura esta que se, por um lado, tornou impermeável a esfera educativa pública a lógicas gerencialistas e de mercado promovidas por sociedades organizacionais modernas, por outro barrou a educação ao domínio político pelo afastamento de discussões/debates (Lima, 1997LIMA, Licínio. Para o estudo da evolução do ensino e da formação em administração educacional em Portugal. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan. 1997b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rfe/a/9FRyGJwGmr7snfbKYcBM9Cj/?lang=pt . Acesso em: 1 jun. 2022.
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b), posição congruente com uma estratégia política de controlo e imposição que não descura a preservação das relações autoritárias e centralizadoras. Tal situação foi profícua à manutenção e sustentabilidade de certo modo de pensar que nos permite a consideração de que a efetiva ruptura com a representação tradicional legalista parece, ainda, não ter sido concretizada. Facto que nos leva a reconhecer que, apesar dos inegáveis avanços, mantém-se relativamente atual a asserção produzida por (Lima,1991LIMA, Licínio. O ensino e a investigação em administração educacional em Portugal: Situação e perspectivas. In: CONGRESSO SPCE: CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL: SITUAÇÃO ACTUAL E PERSPECTIVAS, 1., 1989, Porto. Anais […]. Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 1991. p. 91-117.) no início da década de 1990 de que

[…] os estudos organizacionais e administrativos da educação são ainda hoje, por vezes, conotados com conhecimentos da legislação, com a interpretação jurídica, com a arte de bem organizar e administrar, com a imposição de uma racionalidade técnico-burocrática, com a resolução de problemas de implementação, etc. (p. 96)

As dificuldades acima elencadas justificam, a par das várias experiências institucionais e denominações utilizadas, a ainda recente biografia da designação de AE.

Um olhar pelo passado, particularmente aos últimos dez anos da vigência da monarquia, em concreto às experiências de formação de professores, torna evidente a presença da área a que hoje chamamos de AE ligada à

[…] disciplina de ‘Pedagogia’ […] como uma área semiautônoma dentro da Pedagogia e que era responsável por um estudo de Legislação Escolar, num sentido mais lato, ou num sentido restrito pelo preenchimento dos papéis oficiais necessários ao exercício da docência e da gestão escolar corrente. (Silva, 1996SILVA, Guilherme. O ensino da administração educacional: ensaio para uma análise organizacional. Braga: Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 1996., p. 49)

O início do século XX seria testemunha da sua autonomização enquanto disciplina de legislação, sendo o republicanismo a consolidá-la à custa da adoção de uma perspetiva própria, tendo para isso concorrido a publicação de alguns trabalhos, passando-se a adotar a designação de Legislação Comparada do Ensino Primário (Silva, 1996SILVA, Guilherme. O ensino da administração educacional: ensaio para uma análise organizacional. Braga: Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 1996.).

Todavia, as várias designações que os finais do século XIX e a primeira metade do século XX viram emergir tornaram evidente o pendor legalista que lhes estava associado. São disso exemplos as designações de “Pedagogia prática; conhecimento da legislação e administração do ensino, quando é indispensável ao professor primário”; “Legislação do Ensino”; “Pedagogia: conhecimento da legislação do ensino primário”; “Pedagogia, methodologia: legislação relativa às escolas primárias”; “Legislação e especialmente a escolar”; Legislação do Ensino Primário”; “Legislação comparada do Ensino Primário”; “Organização e legislação comparada do ensino secundário”; “Legislação e Administração Escolares” (Silva, 2006SILVA, Guilherme. Modelos de formação em administração educacional: um estudo centrado na realidade portuguesa. Braga: Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 2006.).

Não é estranho, por isso, que o período posterior ao 25 de abril de 1974, no que a disciplina de Organização e Administração Escolares diz respeito, tenha sido marcado pelo normativismo de pendor jurídico e administrativo.

A década de 1980, porém, haveria de conhecer um significativo desenvolvimento dessa área do conhecimento (Barroso, 1997BARROSO, João. A formação em administração educacional em Portugal. In: LUÍS, Ana; BARROSO, João; PINHAL, João (Orgs.). A administração da educação: investigação, formação e práticas. Lisboa: Fórum Português de Administração Educacional, 1997. p. 85-104.). Para isso contribuíram a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE; Lei n.º 46/1986, de 14 de outubro) e os trabalhos produzidos no âmbito da Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE) enquanto “instrumentos” determinantes no protagonismo conferido à área de AE e que os amplos debates e reflexões sobre a administração das escolas evidencia (Formosinho, 2000FORMOSINHO, João. A escola das pessoas para as pessoas: para um manifesto antiburocrático. In: FORMOSINHO, João; MACHADO, Joaquim; FERREIRA, Fernando Ilídio (Orgs.). Políticas educativas e autonomia das escolas. Lisboa: ASA, 2000. p. 147-159.). Desde logo, ao assumir-se que o desenvolvimento e a transformação do sistema de ensino não podem ser realizados à margem da alteração de processos de administração das escolas, impôs-se a resolução de certos problemas relacionados com a determinação de objetivos, estruturas e processos inerentes ao modelo de administração de escolas, decretando o campo da sua autonomia, “as atribuições e competências dos diferentes órgãos, as modalidades de intervenção dos diferentes elementos, a distribuição do poder, a partilha de recursos, as normas de relacionamento entre os diferentes níveis de administração do sistema de ensino” (Barroso, 1990BARROSO, João. Formar professores para intervir na administração das escolas. Aprender, Portalegre, n. 11, p. 11-16, jul. 1990. Disponível em: Disponível em: https://aprender.esep.pt/index.php/aprender/issue/view/14/15 . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://aprender.esep.pt/index.php/apren...
, p. 11).

E se até aí se verificava uma pluralidade terminológica, nos finais da década de 1980 surge o que podemos designar por tendência terminológica que, longe de ser universalmente aceite, assegura certa “convenção conceptual” no contexto educacional quando em causa estão conceitos como “administração”, “gestão”, “direção”, “organização” e “governação” (Silva, 2006SILVA, Guilherme. Modelos de formação em administração educacional: um estudo centrado na realidade portuguesa. Braga: Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 2006., p. 37). Na verdade, essa constância conceitual em muito é devedora dos trabalhos desenvolvidos pela CRSE, que integrou acadêmicos como Licínio Lima, António Sousa Fernandes e João Formosinho, nomes incontornáveis para a construção da AE enquanto objeto de investigação e análise crítica.

O termo AE, de uso comum na literatura inglesa desde o início do século XX, ganha adeptos no contexto português, sendo adotada tanto em cursos, disciplinas e congressos como pela Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação e pelo Fórum Português de Administração Educacional, o que revela a importância da comunidade acadêmica neste desiderato. E, apesar de poder ser acusada de intrinsecamente generalista, tem a vantagem de poder incorporar uma multiplicidade de abordagens/disciplinas, o que expressa a sua natureza interdisciplinar, como bem expressa Lima (Lima, 1991LIMA, Licínio. O ensino e a investigação em administração educacional em Portugal: Situação e perspectivas. In: CONGRESSO SPCE: CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL: SITUAÇÃO ACTUAL E PERSPECTIVAS, 1., 1989, Porto. Anais […]. Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 1991. p. 91-117., p. 101) quando refere:

Entendida em sentido lato a expressão administração educacional designa uma área curricular interdisciplinar, admitindo-se mesmo que, enquanto tal, possa compreender as teorias de gestão de educação. Embora atualmente a administração educacional seja associada predominantemente à disciplina de Organização e Administração Escolar, esta pode ser entendida como uma componente daquela, a par de outras disciplinas - sociologia das organizações educativas, teorias da administração escolar, métodos e técnicas de administração escolar, etc. […] pode-se afirmar que estas disciplinas se caraterizam pela filiação teórica e pelas relações que mantêm com certas disciplinas-mãe - a sociologia, a ciência administrativa, a administração pública, etc.

Na verdade, o próprio conceito de educacional, em oposição ao escolar ou da educação, permite uma desvinculação da ideia de prática educativa e valida a alusão a fenômenos educativos não escolares e, desta feita, não restringe o âmbito de estudo, pois em causa não está a atividade de administrar a educação, mas, grosso modo, a análise dessas práticas por meio de teorias e conceitos (Lima, 1991LIMA, Licínio. O ensino e a investigação em administração educacional em Portugal: Situação e perspectivas. In: CONGRESSO SPCE: CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO EM PORTUGAL: SITUAÇÃO ACTUAL E PERSPECTIVAS, 1., 1989, Porto. Anais […]. Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 1991. p. 91-117.). Opção que também não é marginal ao propósito de marcar um distanciamento do panorama da Gestão Empresarial (Barroso, 1995BARROSO, João. Para uma abordagem teórica da reforma da administração escolar: A distinção entre ‘direção’ e ‘gestão’. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 8, n. 1, p. 33-56, 1995.).

Importa referir que o conceito de AE assume designações distintas em virtude das diferentes componentes que compreende e, nessa medida,

[…] pode designar uma ação concreta, ou seja, a atividade ‘prática’ de administrar; uma disciplina acadêmica, ou área disciplinar, situação em que estamos a falar de formação em AE; e pode ainda ser referente a uma ‘ciência’ ou uma área de investigação. (Silva, 2006SILVA, Guilherme. Modelos de formação em administração educacional: um estudo centrado na realidade portuguesa. Braga: Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 2006., p. 38)

A dialética que se estabeleceu entre estes componentes, e que expressa a relação entre ação e conhecimento, encontrou fundamento nas necessidades concretas que foram surgindo, pois

[…] a crescente complexidade dos sistemas de ensino e da rede escolar criou a necessidade de funções de administração; o desenvolvimento do processo criou a necessidade de dar formação específica aos administradores e competências de administração aos professores e educadores em geral; e foi nas instituições de formação que surgiu a necessidade de uma teoria e ciência da Administração Educacional, capaz de dar um suporte teórico ao ensino. (Silva, 2006SILVA, Guilherme. Modelos de formação em administração educacional: um estudo centrado na realidade portuguesa. Braga: Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 2006., p. 39)

E se também não podemos negar que a “conjuntura normativa” da década de 1990, a par da ação encetada por algumas universidades e escolas superiores com a criação de cursos de pós-graduação, mestrados e doutoramentos, grupos de docência, centros de investigação e o consequente aumento de produção científica nesta área - fatores que, no seu conjunto, muito terão contribuído para a consolidação e progressiva institucionalização da AE -, também não podemos omitir o eco social que o destaque das novas orientações políticas, de inspiração gerencialista e tecnocrática, lhe haveriam de conferir. Na verdade, a adesão de Portugal à Comunidade Econômica Europeia (CEE), aspeto incontornável para a interpretação da realidade e do desenvolvimento que a configurou, revelou-se essencial na urgência de reformar o sistema educativo português, como o atesta o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 1989ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO (OCDE). O ensino na sociedade moderna. Porto: ASA, 1989.), que refere que

Mesmo num período de grande desemprego continuam a faltar categorias de pessoal qualificado […] existem numerosas categorias de pessoal, incluindo o pessoal de direção, cujo nível de formação e de qualificação não está adaptado às novas tarefas que são chamados a desempenhar. (p. 59)

Nesse contexto, a AE emerge enquanto recurso técnico nos discursos e nas orientações políticas de inspiração gerencialista a serviço da modernização e racionalização do sistema educativo e das escolas.

A reforma do sistema educativo passará a apresentar uma tendência marcadamente assente na ideologia da modernização, reportando a regulação da educação ao modelo empresarial, revelando a importação dos ideais de setores empresariais e produtivos enquanto momento de desburocratização, mas também de racionalização, de aumento de eficácia e eficiência, de aumento de produtividade e qualidade.

Certo é que a transformação e o desenvolvimento do sistema de ensino não podem ser realizados à margem da alteração de processos de administração das escolas, pois impõe-se a resolução de certos problemas relacionados com a determinação dos objetivos, estruturas e processos inerentes ao modelo de administração das escolas, decretando-se “as atribuições e competências dos diferentes elementos, a distribuição do poder, a partilha dos recursos, as normas de relacionamento entre os diferentes níveis de administração do sistema de ensino” (Barroso, 1990BARROSO, João. Formar professores para intervir na administração das escolas. Aprender, Portalegre, n. 11, p. 11-16, jul. 1990. Disponível em: Disponível em: https://aprender.esep.pt/index.php/aprender/issue/view/14/15 . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://aprender.esep.pt/index.php/apren...
, p. 11).

Ganha sentido e visibilidade, neste quadro, a problemática relativa ao “novo modelo” de direção e gestão escolares, pela importância conferida ao funcionamento da organização escolar e às funções que os professores porventura possam exercer, o que parece legitimar a defesa da formação especializada como condição para o acesso e exercício de certos cargos e funções.

Essa problemática acabará por instalar uma polêmica de duas frentes distintas. Por um lado, uma proposta congruente com a perspetiva apostada num técnico de gestão que se assume pelo seu conhecimento especializado, de onde deriva que o governo da organização escolar se reduza a uma tarefa puramente técnica e, por outro, uma proposta que aponta no sentido de um gestor professor, tendo-se convencionado que este deveria estar obrigado a uma formação nessa área, visando colmatar ou atenuar determinadas dificuldades caso essa formação existisse. Assim, o desafio não passa pela “profissionalização dos gestores, mas sim o da qualificação dos professores no domínio da gestão” (Barroso, 2005BARROSO, João. Políticas educativas e organização escolar. Porto: Universidade Aberta, 2005., p. 166).

Nesta linha, considera-se o alargamento da profissionalização dos professores, bem como a requalificação das suas competências, fatores decisivos na resolução do problema da gestão, permitindo-lhes garantir o controlo do seu trabalho. A convicção é numa conjuntura que propicie a intervenção e a efetiva participação decisória do professor na direção e gestão da escola por ser capaz de romper, no âmbito das suas funções, com denominações próximas do que entendemos por trabalhador técnico, o que obriga o professor a objetivar-se em relação ao seu trabalho em razão da ausência de preocupações relativas ao fim último do seu serviço docente, direcionando as suas preocupações para os meios, como se a função de professor se encontrasse circunscrita a uma dimensão meramente técnica.

O período posterior à década de 1990 dá conta da aposta do XV Governo Constitucional “[…] na criação de condições para a modernização e profissionalização da gestão dos estabelecimentos de ensino simplificando processos, clarificando responsabilidades e prestigiando a figura do Director de Escola” (Portugal, 2002bPORTUGAL. Programa do XV Governo Constitucional. RP Arquivo Histórico, 2002b. Disponível em Disponível em https://www.historico.portugal.gov.pt/media/464051/GC15.pdf . Acesso em: 9 jun. 2022.
https://www.historico.portugal.gov.pt/me...
, p. 111). A elaboração do Decreto-Lei n.º 208/2002, de 17 de outubro (Portugal, 2002aPORTUGAL. Ministério da Educação. Decreto-Lei n.º 208/2002, de 17 de outubro: Aprova a orgânica do Ministério da Educação. Diário da República n.º 240/2002, Série I-A, p. 6790-6807, 17 out. 2002a. Disponível em: Disponível em: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/208/2002/10/17/p/dre/pt/html . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://data.dre.pt/eli/dec-lei/208/2002...
), justifica-se pelos “[…] objetivos de reforma estrutural no âmbito do sistema educativo […]” (§ 4), já que a anterior orgânica do Ministério da Educação apresentava-se como incapaz de responder aos novos desafios impostos ao “[…] sistema educativo e à política educativa e de formação” (§ 2). Na tentativa de responder a esse desiderato, inicia-se o processo de Agrupamentos de Escolas, estando em causa, de acordo com o Despacho 13313/2003, de 8 de julho, “[…] o ordenamento das ofertas educativas, numa perspectiva de criação de condições de gestão das escolas, de racionalização de meios e de aumento de qualidade das aprendizagens” (Portugal, 2003PORTUGAL. Ministério da Educação. Gabinete do Secretário de Estado da Administração Educativa. Despacho n.º 13313/2003 (2.ª série): Ordenamento da rede educativa em 2003-2004. Diário da República n.º 155/2003, Série II, p. 10186-10187, 8 jul. 2003. Disponível em: Disponível em: https://dre.pt/application/dir/pdf2sdip/2003/07/155000000/1018610187.pdf . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://dre.pt/application/dir/pdf2sdip/...
, p. 10186).

A partir do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, o XVII Governo Constitucional consagra o diretor como o órgão de administração e gestão do agrupamento de escolas ou escola não agrupada nas áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial, no que aparenta ser um reforço da centralização e de vinculação ao poder político. O normativo, que aponta para os conceitos de eficácia e eficiência numa perspetiva gestionária, contraria a cultura de colegialidade e participação democrática no que concerne ao processo de escolha do diretor por parte do Conselho Geral. A tradição portuguesa de gestão dos estabelecimentos de ensino público, depois de 1974, existe no sentido da chamada gestão democrática e colegial, corporizada nos conselhos diretivos pelo Decreto-Lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro, e nos conselhos executivos pelo Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de maio, para o deixar de ser com a criação da figura do diretor consagrada no Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, o que cria um sentimento de desconfiança e preocupação perante este novo modelo de gestão, retirando aos docentes um papel ativo na escolha do órgão de gestão, o que será revelador da sua desvalorização no âmbito dos processos de tomada de decisão.

No entanto, o Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, da responsabilidade do Ministério da Educação do XIX Governo, que visa promover

[…] o reforço progressivo da autonomia e a maior flexibilização organizacional e pedagógica das escolas [considerando] a reestruturação da rede escolar, a consolidação e alargamento da rede de escolas com contratos de autonomia, a hierarquização no exercício de cargos de gestão, a integração dos instrumentos de gestão, a consolidação de uma cultura de avaliação e o reforço da abertura à comunidade. (Portugal, 2012PORTUGAL. Ministério da Educação e Ciência. Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho: Procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, que aprova o regime jurídico de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário. Diário da República n.º 126/2012, Série I, p. 3340-3364, 2 jul. 2012. Disponível em: Disponível em: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/137/2012/07/02/p/dre/pt/html . Acesso em: 1 jun. 2022.
https://data.dre.pt/eli/dec-lei/137/2012...
, § 4)

Isso reforça a ideia de um diretor próximo do gestor contratado, ainda assim docente de carreira, com pelo menos cinco anos de serviço, porém afastado da docência, pois prevista está a dispensa de qualquer atividade letiva, justificada pela atual realidade dos agrupamentos, que parecem exigir uma gestão a tempo inteiro. Este aspeto confirma a valorização do perfil técnico em detrimento do pedagógico. Deixa assomar a ideia desse diretor como o trajeto necessário para se chegar ao gestor tecnocrata, elemento externo à escola, com preocupações de eficácia e eficiência e, por isso mesmo, de rentabilização de recursos, convertendo o aluno em consumidor a quem se presta um serviço e a escola numa empresa. Este quadro não deixa de ser justificado pelos recorrentes discursos políticos no contexto de uma continuada crise econômica, permeável à convergência com o setor privado e que o articulado legal já invoca quando alude à autonomia ou à autorregulação.

Ao observarmos uma realidade educativa sujeita aos princípios neoliberais, que os procedimentos gerencialistas bem expressam, somos confrontados com escolas com sinergias conflitantes, sem identidade em consequência de agrupamentos ou mega-agrupamentos, em vários casos corrompidas pelo poder político exterior, por representações híbridas e paradoxais acerca da autonomia e da gestão escolar.

No fundo, aquilo que subjaz ao longo de todo o período de regime democrático é certa inoperância na democratização dos seus processos, de participação na tomada de decisão e de uma educação para a democracia, tornando evidente que “democratizar a democracia”, nas palavras de Lima, é um projeto difícil de concretizar, apesar de algumas mudanças formais e retóricas que não podemos deixar de admitir.

Assim, não surpreende que o quadro legal em vigor mantenha viva a discussão pública e acadêmica em torno de questões de âmbito organizacional e político e, simultaneamente, seja a causa de realizações plurais em termos de ensino e investigação, esta última em franco crescimento no nosso país, o que tem favorecido a identidade da AE e muito tem contribuído para a sua denominação e consolidação acadêmica.

A DIMENSÃO TÉCNICA E POLÍTICA DA ADMINISTRAÇÃO EDUCACIONAL

É de relevar que o conceito em análise, AE, não pode ser entendido à margem da sua dimensão técnica e política, não partidária, mas ideológica, o que, por si só, alude à importância da existência de competências técnicas e políticas com consequências óbvias para a formação. Com efeito, é necessário desempenhar satisfatoriamente as diferentes atividades que surgem, ao mesmo tempo que se exige consciência crítica e se perseguem interesses que sirvam à transformação social (Paro, 2000PARO, Vitor Henrique. Educação para a democracia: o elemento que falta na discussão da qualidade do ensino. Revista Portuguesa de Educação, Braga, v. 13, n. 1, p. 23-38, 2000.), que ocorre à custa dos diferentes projetos de sociedade enformados por distintas ideologias.

Tal consideração obriga a reconhecer essas duas dimensões como dependentes uma da outra, e os diferentes modelos de formação obrigam a que sobre elas tenhamos determinado entendimento. Ou seja, o peso que cada componente adquire em contexto de formação definirá, em certa medida, o perfil de modelo de formação em AE. Julgamos que esta questão não pode ser marginal ao perfil de gestor a formar, seja entidade unipessoal ou colegial.

Não podemos deixar de reconhecer que, nessa relação, a dimensão técnica parece ganhar protagonismo em virtude da valorização das perspetivas tecnocráticas, o que explica que na última década, em Portugal, o gestor unipessoal, com expressão na figura do diretor escolar, tenha destronado o Conselho Executivo, órgão colegial. Em virtude de tal facto, os conceitos de racionalização e eficácia, tanto quanto a tendência recentralizadora de tipo burocrático, orientam a formação para um perfil mais técnico.

Trata-se de perspetivas gerencialistas que tentam colonizar o espaço da organização escolar pela mitigação do discurso da gestão, por um conjunto de receitas/soluções apresentadas, pela naturalização de ideias e conceitos do domínio empresarial, numa tentativa clara de anular o hiato que criticamente assumimos existir entre a escola e a empresa. Diante deste quadro, a Administração Educacional confunde-se com a implementação e tecnicidade das questões, subordinada que fica à reprodução das ideologias de âmbito empresarial. Trata-se de um tecnicismo que retira politicidade à descentralização e autonomia, subtraindo o sentido democrático e participativo que lhes subjaz e legitimando-as enquanto recurso técnico a serviço do mercado educativo, da privatização e da gestão assente em cânones empresariais e, simultaneamente, como apoio à recentralização política da educação, pondo em causa os benefícios de uma escola pública. No entanto, paralelamente, não deixam de emergir perspetivas que enfatizam a AE enquanto atividade política (Silva, 2006SILVA, Guilherme. Modelos de formação em administração educacional: um estudo centrado na realidade portuguesa. Braga: Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 2006.).

Neste alinhamento, reconhecemos três diferentes tipos de abordagem no que concerne ao estudo, à prática e ao ensino da Administração Educacional, nomeadamente a legal-burocrática, a empresarialista e a sociopolítica. Isso, por si só, revela a inexistência de exclusividade para a sua apreensão e pode, em alguns casos, dificultar a posição de predomínio de umas em relação às outras (Silva, 2006SILVA, Guilherme. Modelos de formação em administração educacional: um estudo centrado na realidade portuguesa. Braga: Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, 2006.). Entretanto, isso significará que cada uma delas condicionará as nossas opções na definição dos planos curriculares dos cursos, das disciplinas e dos conteúdos programáticos que os compõem, quer se trate de formação inicial, quer se trate de formação contínua ou especializada. Diríamos, a título de exemplo, que a primeira abordagem integra uma formação em que o perfil técnico/prático se traduz em boa capacidade de execução que cumpra e faça cumprir os normativos, o que confere relevo a disciplinas em que a legislação ocupe lugar de destaque, tanto quanto o recurso aos modelos organizacionais ditos normativistas/pragmáticos (Lima, 1997LIMA, Licínio. Para o estudo da evolução do ensino e da formação em administração educacional em Portugal. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan. 1997b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rfe/a/9FRyGJwGmr7snfbKYcBM9Cj/?lang=pt . Acesso em: 1 jun. 2022.
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b). A segunda, muito embora a ênfase da formação seja colocada no perfil técnico, reconhece a importância de autonomia e poder decisório para que se obtenham os melhores resultados ao menor custo - ideia compaginável com uma orientação em que a relação custo-benefício nunca está ausente, o que potencia a existência de disciplinas de gestão ao mesmo tempo que continuam a vigorar os modelos normativistas/pragmáticos (Lima, 1997bLIMA, Licínio. Para o estudo da evolução do ensino e da formação em administração educacional em Portugal. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan. 1997b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rfe/a/9FRyGJwGmr7snfbKYcBM9Cj/?lang=pt . Acesso em: 1 jun. 2022.
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). A última abordagem orienta a formação estruturada na análise política e nas ciências sociais, com consequências para o perfil de analista social, gestor político, motivo pelo qual, neste contexto, a sociologia das organizações, enquanto disciplina, adquire protagonismo tanto quanto os modelos organizacionais analíticos ou interpretativos (Lima, 1997bLIMA, Licínio. Para o estudo da evolução do ensino e da formação em administração educacional em Portugal. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 23, n. 1-2, jan. 1997b. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/rfe/a/9FRyGJwGmr7snfbKYcBM9Cj/?lang=pt . Acesso em: 1 jun. 2022.
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). A abordagem sociopolítica, ao privilegiar as abordagens macro e micro com base na meso, numa relação de articulação que não dispensa nenhuma delas, vai permitir a expressão da organização escolar como complexa e diversa pela admissão das tensões provocadas pelo poder central/administração e os atores educativos em ação, sem que isso signifique, necessariamente, uma relação afastada de consensos ou só marcada por conflitos.

Todavia, importa referir que essas três abordagens podem ser enquadradas temporalmente, uma vez que a sua preponderância, em alguns casos hegemonia, foi sentida num tempo particular. Com efeito, a primeira abordagem dominou no período que antecedeu o ano de 1974, a segunda abordagem tem reconhecido predomínio a partir da década de 1980 (Lima, 1997LIMA, Licínio. O paradigma da educação contábil: Políticas educativas e perspetivas gerencialistas no ensino superior em Portugal. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 4, p. 43-59, jan./fev./mar./abr. 1997a.a), e a última também encontra, depois desta mesma década, um lugar propício ao seu desenvolvimento, assumindo-se como concorrente da anterior.

Atualmente, esta área de conhecimento, nas palavras de Lima e Torres (2017LIMA, Licínio; Torres, Leonor. Formação e investigação em administração educacional em Portugal. Espaço do Currículo, v. 10, n. 1, p. 29-48, abr. 2017. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/view/rec.v10i1.33183 . Acesso em: 1 jun. 2022.
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), convive de forma concomitante com

[…] vocações e filiações teórico-disciplinares opostas: as abordagens prescritivas e normativistas, preocupadas com as fórmulas de bem organizar e gerir a escola, e as abordagens de pendor analítico e interpretativo, focadas na compreensão dos processos e dinâmicas sócio-organizacionais. (p. 30)

Essa situação favorece o fracionamento e, consequentemente, a ausência de efetivo aprofundamento da sua área de estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A consolidação científica e pedagógica da AE tem sido marcada pelas especificidades e contributos de algumas “áreas de conhecimento”, nomeadamente da Política Educativa e Sociologia da Educação, convertendo o seu processo numa construção plural que permite a consideração da existência de articulação e de certo reforço mútuo entre elas.

Perspetivar a escola como unidade de investigação apresentou-se como um dos aspetos mais relevantes para que os estudos e a formação na área de AE sofressem significativo desenvolvimento. O debate epistemológico de que tem sido alvo desde a década de 1950, que coloca em confronto a corrente positivista e idealista, para daí resultar a proposta do “naturalistic coherentism”, potenciou a construção de uma teoria das organizações educativas e da AE, a par dos trabalhos desenvolvidos por vários autores que reconhecem à escola o epíteto de organização moderna.

Se o passado recente revela a área de AE subordinada a focalizações predominantemente jurídicas e normativas, a atualidade permite o reconhecimento de novas perspetivas, como se de um novo paradigma se tratasse, e que a própria investigação vai expressando. De resto, as diferentes designações utilizadas até à década de 1980 do século XX, em que estava incluso o pendor legalista que até aí foi assumindo, deram lugar a uma tendência terminológica, cuja vantagem radica na possibilidade de congregar uma multiplicidade de abordagens - o que, por si só, reflete a interdisciplinaridade que a caracteriza.

A dimensão técnica e política que a AE compreende existe numa relação de dependência, muito embora existam perspetivas que enfatizam cada uma das dimensões em prejuízo da outra, facto que acaba por definir o perfil do modelo de formação em AE. Nesse âmbito, não podemos ignorar a importância das perspetivas tecnocráticas que a ideologia neoliberal preconiza para a valorização do perfil técnico, naturalizando o discurso do domínio empresarial.

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  • Como citar este artigo:

    DE CARVALHO, Maria João. A Administração Educacional em Portugal em análise. Revista Brasileira de Educação, v. 29, e290004, 2024. https://doi.org/10.1590/S1413-24782024290004
  • Financiamento:

    Este trabalho foi realizado no âmbito do Plano Estratégico do CIIE, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP (UIDB/00167/2020 e UIDP/00167/2020).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2022
  • Revisado
    16 Dez 2022
  • Aceito
    30 Jan 2023
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