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O empresariamento da educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990

NOTAS DE LEITURA

João dos Reis Silva Júnior

Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC/SP e Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba

NEVES, Maria Lúcia Wanderley (org.). O empresariamento da educação; novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. Rio de Janeiro: Xamã, 2001

Os meios de comunicação de massa têm mostrado, diariamente, a degradação do processo civilizatório e a banalização da vida humana ao vivo, em tempo real ou por intermédio dos principais periódicos nacionais. Ilustram essa afirmação fatos como a epidemia de AIDS, que ameaça de desaparecimento muitos países do continente africano; a emergência de estados paralelos como na Colômbia, no México, no Brasil, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro; o atentado em New York em 11 de setembro de 2001, por representar a tragédia e ser símbolo do que nos acomete neste início de século. Diversos intelectuais defendem a tese de que não se trata de mais uma de muitas das crises do capitalismo, mas que esse degradante quadro da vida humana é o mais perverso no qual o ser humano já se viu. O capitalismo teria existido sob uma forma histórica progressista, isto é, de elevação da condição humana desde seus primórdios até o início do século XX, quando então uma cultura suicida passara a orientar as relações sociais produtoras de nossa existência.

As instituições basilares da sociedade, no momento atual, fragmentam-se e metamorfoseiam-se, mostram-se e escondem-se, tornando-se difícil entender a lógica de seus movimentos fugidios. É necessário delas aproximar-se, guardando, no entanto, certo distanciamento para não ser apanhado em seu ardil a pôr-nos dentro de um totalitarismo cultural e ofuscar-nos a razão. No plano político, o Estado moderno traz em si a matriz desse movimento, que se sustenta na degradação do processo civilizatório e na banalização da vida humana: a mercantilização da esfera política, sob a ditadura do capital. A mesma matriz materializa-se nas tantas ações do Estado, fazendo dos direitos sociais, mercadorias e dos cidadãos, mercadorias que estabelecem suas relações com a sociedade por meio do campo profissional quantificado pelas competências.

No Brasil, a partir da metade dos anos de 1990, o Estado passa a orientar-se por uma racionalidade, que consiste em reduzir sua esfera pública e reconstruir sua regulamentação para expandir sua esfera privada, permitindo que muitas áreas e instituições sociais, antes orientadas pelos valores públicos, sejam agora mercantilizadas. Sem contudo, fazer do Estado uma instituição fraca; ao contrário, ele torna-se controlador, num contexto de democracia regulada e sem liberdade, de hiper-presidencialismo. Tal lógica é o próprio motor da reconfiguração educacional, em curso, da educação infantil à superior. Veja-se a discussão sobre esse último nível alcançar o centro da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O empresariamento da educação; novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos de 1990, resultado de estudos e investigações de experimentados pesquisadores ligados à UFF, sob coordenação de Lúcia Neves, dado ao público por iniciativa da editora Xamã, mostra-nos, com clareza, as muitas estratégias de materialização da atual fase do processo civilizatório na educação superior. Com necessária didática sem reduções teóricas, o livro põe a nu os fundamentos da mudança do Estado nas políticas sociais, bem como desconstrói os instrumentos burocráticos utilizados pelo Estado, com destaque para as políticas para a educação superior e para a ciência e tecnologia. Precedidos por um incisivo prefácio de Roberto Leher, os diversos autores abordam temas atuais, a saber: Política neoliberal e educação superior (Lúcia Neves e Romildo Raposo Fernandes); Organismos internacionais: o capital em busca de novos campos de exploração (Kátia Regina de Souza Lima); A política governamental de ciência e tecnologia: da C&T à CT&I (Marcos Marques de Oliveira); Estado, mercado e trabalho: neoliberalismo e políticas sociais (Alexandre do Nascimento, Andréia Ferreira da Silva e Maria Emília Bertino Algebaile); O neoliberalismo e a redefinição das relações estado-sociedade (Lúcia Neves); O Conselho Nacional de Educação: de aparelho de estado à agência de empresariamento do ensino superior (Andréia Ferreira da Silva); Legislação e planejamento no processo de privatização (Lúcia Neves), Mecanismos de financiamento: a privatização dos recursos públicos (Nicholas Davies); Rumos históricos da organização privatista (Lúcia Neves); "Novos" passos da mesma caminhada (Ronaldo Sant'Anna); Os empresários da educação básica e a nova divisão do trabalho (Marcos Marques de Oliveira). O livro consegue, dessa forma, identificar as relações diacrônicas e sincrônicas entre a ditadura do capital, a degradação da vida humana, a assustadora e onipotente lógica do mercado orientando todas as esferas sociais, o novo paradigma político, a educação superior e a formação humana: a transformação em coisa, a extended order de Hayek. Em contrapartida, faz-nos ver novos centros irradiadores de poder para além dos que emergem do Estado, posto, nesse contexto, produzir-se uma institucionalidade, na qual a sociedade civil faz-se cada vez mais presente como executora das políticas sociais formuladas no âmbito do Núcleo Estratégico do Estado; faz-nos ver uma miríade de poder no âmbito da sociedade, que se confunde com o poder institucional originado nas políticas públicas. Por tudo isso, o trabalho desse coletivo de pesquisadores expresso nesse livro torna-se leitura obrigatória para aqueles interessados nas relações entre Estado e políticas públicas e trabalho/educação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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