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O encontro arte-museu-educação e a invenção de espectadores-alunos perenes

The art-museum-education encounter and the invention of perennial spectators-pupils

El encuentro arte-museo-educación y la invención de espectadores-alumnos perennes

RESUMO

O presente estudo visa oferecer uma imersão analítica nos discursos sobre as práticas expositivas de arte e sua vinculação ao discurso educativo, com vistas ao questionamento das assertivas que sustentam tal confluência discursiva. A argumentação opera em favor da hipótese de que a noção de democratização do acesso aos bens artístico-culturais - secundada majoritariamente por dados que atestam, hoje, altos índices de visitação a museus e espaços afins - diz respeito, antes, à consolidação de um sofisticado processo de pedagogização da arte deflagrado desde o momento em que se assistiu à forja histórica do encontro arte-museu-educação, no final do século XVIII. Sob tal perspectiva, a noção foucaultiana de governamentalidade foi acionada de modo a situar a inelutável vinculação do referido encontro com a produção de determinados modos de existência condicionados à forma de alunos-espectadores perenes.

Palavras-chave:
Arte; Museu; Educação; Pedagogização; Governamentalidade

ABSTRACT

The present study formulates an analytical immersion in the discourses about the practices of art exhibitions and their connection to the educational discourse, in order to question the assertions that support such a discursive confluence. The text operates in favor of the hypothesis that the notion of democratization of access to cultural-artistic goods - mostly supported by data that attest, today, high rates of visitation to museums and similar spaces - refers, above all, to the consolidation of a sophisticated process of art pedagogization, which started the moment we witnessed a historical forging of the art-museum-education encounter at the end of the 18th century. From this perspective, the Foucauldian notion of governmentality was used to situate the inescapable bond of this encounter with the production of certain modes of existence conditioned to the form of perennial spectators-pupils.

Keywords:
Art; Museum; Education; Pedagogization; Governmentality

RESUMEN

El presente estudio pretende ofrecer una inmersión analítica en los discursos sobre las prácticas de las exposiciones de arte y su vinculación con el discurso educativo, con el fin de cuestionar las afirmaciones que sustentan dicha confluencia discursiva. El argumento opera a favor de la hipótesis de que la noción de democratización del acceso a los bienes artísticos y culturales - respaldada, en su mayor parte, por los datos que atestiguan hoy en día los altos niveles de frecuentación de los museos y espacios similares - concierne, más bien, a la consolidación de un sofisticado proceso de pedagogización del arte que está en marcha desde la forja histórica del encuentro arte-museo-educación a finales del siglo XVIII. Desde esta perspectiva, se utilizó la noción foucaultiana de gubernamentalidad para situar el vínculo ineludible del mencionado encuentro con la producción de ciertos modos de existencia condicionados a la forma de espectadores-alumnos perennes.

Palabras clave:
Arte; Museo; Educación; Pedagogía; Gubernamentalidad

A TRÍADE MUSEU-ARTE-EDUCAÇÃO COMO PROBLEMA INVESTIGATIVO

Se efetuarmos uma breve comparação entre as práticas museais expositivas de arte que compõem o cenário hegemônico na atualidade e aquelas que reinavam até bem pouco tempo atrás em tais domínios - a rigor, na primeira metade do século XX -, não será necessário qualquer esforço para notarmos que a austeridade historicamente imputada a essas práticas foi suplantada por alterações bastante significativas.

Ainda que tais práticas possam ser aferidas desde, propriamente, o pós-guerra, nota-se a ocorrência, nas últimas pouco mais de quatro décadas, de fenômenos dignos de nota: a ampliação das margens de atuação dos museus e instituições correlatas, afinada à chamada ascensão das minorias no contexto da emergência, na década de 1980, do discurso antropológico da cultura (Brulon, 2014BRULON, Bruno. Os mitos do Ecomuseu: entre a representação e a realidade dos museus comunitários. Revista Musas, Brasília, n. 6, p. 30-47, 2014.); o alastramento das práticas museais no tecido social, constituído não somente pelo boom de reformas, ampliações e novas construções de equipamentos expositivos, mas também pela proliferação de uma variedade tipológica sem precedentes; as novas formas de recepção, de comunicação e de mediação do objeto ou ato museal, cuja primazia dos ambientes expositivos engendrados pelo uso da alta tecnologia voltada à manipulação das imagens exige, ao menos, uma menção à chamada virada da visualidade no campo da cultura (Jay, 2003JAY, Martin. Relativismo cultural e a virada visual. Tradução: Myrian Ávila. Aletria Revista de Estudos de Literatura, Belo Horizonte, v. 10, p. 14-29, dez. 2003. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/issue/view/974 . Acesso em: 25 jun. 2022.
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).

Duas outras ocorrências vêm compor o breve traçado deste cenário, dando a ver a importância que os grandes museus de arte e afins têm galgado no conjunto de tais alterações: de um lado, o lugar emblemático que eles ocupam nas paisagens urbanas ao redor do planeta, peculiarmente visível no arrojo dos projetos arquitetônicos que os têm configurado; de outro, o ineditismo de uma fusão entre tais instituições e as cidades onde estão implantadas, de tal modo que o recente protagonismo conferido às próprias cidades (Meira, 2014MEIRA, Marcel Ronaldo Morelli de. A cultura dos novos museus: arquitetura e estética na contemporaneidade. 2014. 194 p. Tese (Doutorado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.) nas diferentes escalas das decisões projetuais tomadas finda por ressaltar o efeito programado de recursos arquitetônicos especialmente destinados a nublar as divisas existentes entre a concretude da materialidade pertinente ao edifício expositivo da arte e a urbe que o recebe.

Decerto, a imagem que daí se desprende - tanto mais percebida como natural quanto maior tiver sido o nível de sofisticação de tal fusão - funciona como profícua à afirmação de um apelo já notório, o qual, cabe afirmar, percorre todo o cenário exposto: o de que estaríamos diante de uma comunhão nunca antes vista entre as práticas artísticas e o transcorrer de nossas vidas.

Nessa toada, a visão a que hoje se assiste das filas de pessoas às portas dos museus de arte e afins, assim como, por exemplo, a produção inédita de publicações voltadas à veiculação de dados estatísticos que exibem o crescimento numérico das visitações a exposições itinerantes mundo afora, tem sido funcionalizada como prova inconteste de êxito do setor, externando a defesa de uma conquista ligada à noção da consolidação de um público doravante cativo de tais práticas.

Tal defesa evoca, portanto, a mais esfuziante das conquistas, uma vez que seria possível afirmar por tal via que, passado quase meio século de mudanças que sacudiram formas de exposição da arte então vistas como já convencionalizadas, museus de arte e afins teriam logrado cumprir, finalmente, a repetida promessa da democratização do acesso físico e, quiçá, simbólico aos bens artístico-culturais.

Como uma espécie de salvo-conduto das práticas arregimentadas em tais domínios, a noção de formação de público - peculiarmente localizável na emergência histórica da missão, tomada idealmente como a sempre mais alta, de oportunizar a todos a educação da arte e pela arte, ou seja, desde o momento inaugural da acepção moderna do termo museu ao final do século XVIII -, continua a ser trazida como a verve do encontro arte-museu-educação nos discursos majoritários sobre o assunto, mesmo quando alterações incontestes tenham tornado instituições expositivas de arte passíveis de comparação com espaços de consumo e entretenimento.

A sobredita comparação, ao parafrasear as palavras de Otília Arantes (1991ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Os novos museus. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 31, p. 161-169, out. 1991.) quando, no texto “Os Novos Museus”, a filósofa emparelha tais instituições com os shopping centers, atenta especialmente para o modo como determinado uso de recursos expográficos contemporâneos contribuem para a visibilização da peculiar pregnância que os espaços expositivos da arte demonstram ter relativamente aos sortilégios da fusão entre cultura e economia.

Todavia, se preservado o ineditismo da fusão profetizada por Debord (1997DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução: Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.) nos idos dos anos de 1960 entre a cultura e a economia, não se pode dizer que tal fato seria propriamente novo,1 1 Agamben (2007) sublinha o momento histórico em que a obra de arte e a forma mercadoria se encontram numa encruzilhada. Para isso, recorre a dois acontecimentos: o do assombro que Karl Marx conta ter vivido quando, em sua visita à Grande Exposição Universal dos Produtos das Indústrias no ano de 1851, notou que objetos de uso cotidiano estavam sendo expostos como se fossem obras de arte; e o da decisão tomada pelo artista Gustave Courbet de erguer, no ano de 1855, o Pavilhão do Realismo, retirando suas obras da exposição oficial por repudiar, mais do que a recusa a alguma delas, o fato de que estavam sendo expostas como se fossem objetos quaisquer. tampouco que seria naturalmente bom ou ruim; resta apontá-lo, na companhia de Foucault (1995bFOUCAULT, Michel. Sobre a genealogia da ética: uma revisão do trabalho. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Universitária, 1995b. p. 253-278.), como, no mínimo, perigoso. Afinal, como compatibilizar as ingerências do capital cuja lógica é, sempre, a do lucro, com o potencial indeterminado que constitui a eficácia da arte (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.) e da educação, juntas ou separadas? Sob tal perspectiva, caberia inquirir de que é feita e a que tem servido, portanto, a circulação intensiva de termos utilizados como palavras de ordem também em tal meio, tais como liberdade, transformação, resistência, participação, inclusão etc.

Cabe ressaltar, no entanto, que o presente texto, ao desembocar naquilo que parece ser o mais rápido e contundente caminho para a elaboração de uma resposta crítica ao cenário exposto, não o faz em prol da intenção de centrar seus esforços em tal discussão. Tampouco o faz, como poderia parecer, por renegar o presente, seja em direção a saudosismos de qualquer espécie, seja pelo apelo à imagem, já desgastada, de um amanhã como sempre melhor.

Com efeito, o desvio da referida rota permite afirmá-la como profícua, mas não suficiente à abordagem em tela, além de abrir espaço para a devida sinalização da razão pela qual duas outras vertentes aí enredadas também são aqui trazidas como alvos de uma esquiva: a de uma abordagem centrada na questão da democratização do acesso à arte,2 2 Destaca-se a notória contribuição de Bourdieu e Darbel (2007) no que se refere ao assunto. uma vez que tal questão, como parte inerente à própria lógica que funda o encontro arte-museu-educação, parece desfavorecer, ao menos potencialmente, a visão de seus contornos e deslocamentos; e a de uma abordagem circunscrita aos meandros da crítica institucional cujo foco - ao deslocar-se, hoje, para a defesa da arte e da instituição juntas contra os múltiplos poderes que as aviltariam (Fraser, 2014FRASER, Andrea. O que é crítica institucional? Concinnitas, Rio de Janeiro, v. 2, n. 24, p. 1-4, 2014.) - tende a perder de vista, na dicotomização que crava, a dimensão microfísica das relações de poder (Foucault, 2007FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução: Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2007.) como algo que por tudo perpassa, incluindo a arte e a instituição, juntas ou separadas.

Isso posto, cumpre esclarecer que essa breve remissão a tais desvios vem ao encontro da argumentação em tela tão somente para melhor poder dizer que esta se situa aquém das abordagens anteriormente identificadas, ainda que acabe por atravessá-las de algum modo. Perguntas de natureza distinta das que já foram apresentadas podem ser, nesse sentido, formuladas: se, no que se refere ao encontro arte-museu-educação, a noção do culturalmente edificante vem à tona atuando como força vital na formação de um importante consenso relativamente ao assunto, como pensar o fato de que tal consenso funciona, não raro, como isca para a viabilização de negócios (Arantes, 2005ARANTES, Otília Beatriz Fiori. A ‘virada cultural’ do sistema das artes. Margem Esquerda: Ensaios Marxistas, São Paulo, n. 6, p. 62-75, set. 2005.) responsáveis, por exemplo, por uma das mais perversas mazelas sociais: os processos de gentrificação que se cravam nas cidades? Ainda, cabe perguntar: qual é o tamanho dessa força consensual em torno do culturalmente edificante se até mesmo determinadas ingerências do capital, então responsáveis por efeitos de tal ordem, demonstram necessitar dela como meio para sua própria legitimação? Do que é feito, o que tem movido e assegurado, afinal, esse consenso se seu uso parece atuar, não raro, na contramão daquilo mesmo que o fundamenta? Como não tomar, dessa maneira, como supostamente positiva a noção de que tal consenso serviria, ao menos, para a continuidade da ocorrência do encontro arte-museu-educação, se aquilo que se mantém intocável não é exatamente a potência que tais grandezas, juntas, guardam, mas sim uma ideologização que as protege e as sustenta na medida em que insiste em enfraquecê-las? Dito de outro modo, o que faz dessa normalização uma força cuja intensidade torna imperceptível a obviedade que aí se encerra?

O retorno ao cenário exposto sob o crivo de tais perguntas dá a pista necessária ao enfrentamento da questão. Claro está que o saldo da noção de êxito que é, hoje, generalizadamente atribuída ao encontro arte-museu-educação traz à tona a hegemonia de uma compreensão unívoca da história, de forte cunho desenvolvimentista, cuja marcha expõe um dos mais importantes modos pelos quais se opera a manutenção da crença aí latente de que estaríamos a assistir, senão ao cumprimento de uma missão educativa ideal, ao menos à intensificação de esforços indispensáveis a tal tarefa.

É, portanto, dessa matéria idealizada que os consensos aqui referidos operam, funcionando, contraditoriamente àquilo mesmo que dizem prezar, como vitais para a manutenção de certo status quo na medida em que se constituem em correspondência às macropolíticas de seus respectivos tempos, cujas palavras de ordem se vinculam, sempre, aos determinismos de certas finalidades.

Em meio às relações entre os diferentes jogos de veridicção e processos de subjetivação que se embatem e se atravessam nas contingências da história, permanece como da ordem do intocável a crença de que o encontro arte-museu-educação encerraria a potência de uma educabilidade última, natural e em franco desenvolvimento. Daí que interessa levar a cabo o presente exercício analítico em favor da desestabilização daquilo que, nessa instância, se configura como uma só verdade sobre o assunto.

Para tanto, são compostas, em um primeiro momento, duas incursões analíticas. A primeira delas visa dissecar o teor desenvolvimentista atuante no modo como discursos referenciais dos meios artístico e educacional se endereçam ao trinômio arte-museu-educação. Por sua vez, a segunda incursão volta-se para o âmago de tais discursos: o ideário educativo que erigem e que os sustenta. No momento seguinte, como uma espécie de decantação do exercício analítico em curso, o qual engloba uma breve remissão a acontecimentos que marcaram o encontro arte-museu-educação na década de 1980, são evidenciadas as ferramentas teórico-conceituais utilizadas como meio de fundamentar a hipótese, aqui antecipada, de que o êxito contemporâneo da instituição museal diz respeito menos à factualidade da missão educativa ideal fundante que a anima, e mais à apreensão generalizada da necessidade que se deveria ter dela.

A hipótese que guia nossa mirada radica-se no fato de que tal apreensão parece dar-se às custas da ocorrência, desde a emergência do encontro arte-museu-educação ao final do século XVIII, de um ferrenho processo de pedagogização da arte, o qual encontra na noção foucaultiana de governamentalidade uma contundente evidenciação.

Sendo essas, pois, as ferramentas teórico-conceituais aqui em uso, urge pontuar que o termo pedagogização é utilizado, nessa perspectiva, em referência ao espraiamento histórico do intento educativo no tecido social e à tendência que o âmbito educacional mostra ter em reivindicar para si a responsabilidade pelos fatos do mundo e da vida cotidiana como problemas a serem resolvidos3 3 Em referência direta às práticas educativas, tal fenômeno seria especialmente visível no bojo das ditas Pedagogias Críticas e, mais especificamente, na proposta da Aprendizagem Baseada em Problemas. (Vieira, 2016VIEIRA, Elisa. A intensificação da experiência educacional contemporânea: uma perspectiva arqueogenealógica. 2016. 196 p. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.). No que se refere à governamentalidade (Foucault, 2012FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder, saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 275-298.), o uso do termo põe em tela o entendimento de que as práticas de governamento não se originariam, em absoluto, de um polo central de poder que, então, as irradiaria, mas que, ao contrário, suas gêneses e distribuições nas mais finas instâncias sociais fazem espraiar, entre tantas outras conformações do real, polos ou focos moleculares de poder. Mais do que isso, importa notar a implicação da dimensão da governamentalidade com a empresa educativa, haja vista a simetria existente entre ambas: de um lado, uma tecnologia de dominação que, embora seja fundamentalmente normalizadora, age por intermédio das ideias de autonomia e de liberdade (Foucault, 1995aFOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Universitária, 1995a. p. 231-249.), e, de outro, uma vontade de educar cuja natureza se constitui no jogo agonístico entre determinados imperativos em circulação e a inelutável autonomia dos sujeitos.

Pela via de tal perspectiva, busca-se operar, portanto, uma torção na imagem sempre reposta do benfazejo encontro arte-museu-educação ao se apresentar prévia e idealmente como um domínio, por excelência, de emancipação de todos e de cada um. Cabe asseverar que a presente argumentação em nada tem a ver com qualquer esforço de detração da ocorrência histórica desse encontro, tampouco com a negação do que a arte e a educação, juntas ou separadas, podem produzir em termos emancipatórios. Muito ao contrário. É pela aposta na potencialidade de tais grandezas da produção humana que parece urgente confrontar as formas mais grosseiras e sutis de seu embotamento, vindas de fora ou do interior de cada uma delas. Decerto, é na distância existente entre tais formas e as forças implicadas com o que Rancière (2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.) nomeia como espectador emancipado que é possível vê-las como propensas, antes, à produção de espectadores-alunos perenes.

OS MUSEUS DE ARTE E O ACENTO DESENVOLVIMENTISTA

Urge esclarecer que a utilização do termo museu neste texto se dá como meio de acesso ao ato museal, e não rígida ou literalmente ao museu propriamente dito como o único equipamento cujo perfil institucional caberia assinalar. Não obstante, observa-se que, embora o museu não seja o lugar exclusivo para se pensar o referido ato, é esse equipamento que se afigura como referencial primeiro no assunto, levando-se em conta a acepção moderna do termo como “[...] instituição aberta ao público, democrática, voltada para a memória do passado e para a construção do futuro” (Gonçalves, 2004GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Entre cenografias: o museu e a exposição de arte no século XX. São Paulo: EDUSP; FAPESP, 2004., p. 16). Acrescenta-se a isso a capacidade ímpar que o museu porta de se configurar, nas diferentes feições que assume, como sintoma de seu próprio tempo (Arantes, 1991ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Os novos museus. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 31, p. 161-169, out. 1991.). Decerto, essa soma de fatores parece contribuir para a centralidade que o museu exerce, historicamente, como referência às demais formações culturais, sem que se exclua a ocorrência de implicações mútuas, passíveis de serem vistas, na atualidade, sob uma clara tendência que a tudo parece amalgamar.

Cabe situar, ainda, o entendimento da inelutável homologia histórica entre as práticas artísticas e as práticas museais desde o século XVIII, segundo, igualmente, a ocorrência de implicações mútuas (Basbaum, 2012BASBAUM, Ricardo. Perspectivas para o museu no século XXI. Periódico Permanente, São Paulo, v. 1, n. 1, 2012. Disponível em: Disponível em: http://forumpermanente.org/revista/edicao-0/textos/perspectivas-para-o-museu-no-seculo-xxi . Acesso em: 25 jun. 2022.
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), e não, como se costuma pensar, de um modo unidirecional que teria na arte, sempre, seu ponto de partida ou elemento definidor em absoluto. Considerando-se, nesse sentido, a contingência de um encontro que emerge segundo um trinômio - arte-museu-educação -, parece necessário ressaltar a participação do que se constitui como próprio às práticas educativas por excelência. Para além do que se tem configurado como os setores educativos dos museus e seus desdobramentos, trata-se de notar que saberes propriamente pedagógicos compõem o cerne do discurso museológico ou, se se preferir, da cadeia operatória dos museus, e vêm entrando em franca ressonância com a particularidade de uma suposta missão educativa então atribuída à esfera da arte desde quando esta ingressa na Estética como disciplina do saber - não por acaso, também no século XVIII.

Demarcadas tais balizas, já parece possível escrutinar o teor desenvolvimentista presente em discursos referenciais no meio. Para que fique claro de que se trata, havemos de considerar os diferentes processos de musealização flagrados ao longo do tempo:

  1. O processo próprio aos chamados museus tradicionais ou iluministas, marco inicial da emergência dessas instituições como abertas ao público, no século XVIII;

  2. O que teve como símbolo, na primeira metade do século XX, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), pioneiro na oferta dos setores educativos em uma fase sacralizada pelo mote da autonomia da arte e da neutralidade do cubo branco;

  3. A Nova Museologia, oficializada no início da década de 1980, que teve nos ecomuseus e nos museus etnográficos o lugar evidente de um turning point na performatividade museal, então redirecionada para o social; e

  4. Finalmente, o processo a que estaríamos assistindo hoje, quer pela defesa de que o cenário já exposto externaria as necessárias adaptações da Nova Museologia mediante um mundo que já não é o da década de 1980, quer pela defesa de que diria respeito, pelo mesmo motivo, a um processo de musealização ainda sem nome, peculiarmente evocativo dos chamados Novos Museus.

Sob uma visão evolucionista da história, tais processos são referidos segundo a reiterada alegação de que surgiram, cada qual a seu tempo, em atendimento à necessidade de suplantar a crise a que estariam relegadas as instituições que lhes foram contemporâneas (Chagas, 2011CHAGAS, Mario. Os museus na moldura da crise. Revista Musas, Brasília, n. 5, p. 102-121, 2011. Disponível em: Disponível em: http://mariochagas.com/wp-content/uploads/2020/01/11molduradacrise.pdf . Acesso em: 25 jun. 2022.
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), na medida mesma em que teriam se constituído como resposta natural às novas demandas socioculturais que seguiram se formando em um mundo dito como em franco desenvolvimento, reorientado segundo novos contextos político-econômicos. O fato é que a contínua reiteração dessa espécie de passo à frente em relação a formações institucionais então fadadas ao passado não encontra sua justificação senão na alegação de que “[...] conduzir os museus para o amanhã significa valorizar o seu papel educativo” (Bruno, 1997BRUNO, Cristina. Museus hoje para o amanhã. Cadernos de Sociomuseologia, v. 10, n. 10, p. 35-42, 1997. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/issue/view/27 . Acesso em: 25 jun. 2022.
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). Sob tal lógica, teria sido a ininterrupta (re)atualização da consciência do papel educativo dos museus, empenhada em um processo crescente de abertura às massas regida de acordo com princípios democráticos, aquilo que teria sustentado tais instituições até o século XXI, a ponto de estas poderem contar, hoje, com sucesso aclamador.

Cabe ressaltar, nessa direção, as elaborações que Martin Grossmann (2013aGROSSMANN, Martin. Museu como Interface. Periódico Permanente. São Paulo, v. 1. n. 1, 2013a. Disponível em: Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/pad-ped0/documentacao-f/mesa_03/mesa3_martin . Acesso em: 15 jun. 2022.
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; 2013bGROSSMANN, Martin. O anti-museu. Periódico Permanente, São Paulo, v. 1, n. 1, 2013b. Disponível em: Disponível em: http://www.forumpermanente.org/revista/numero-1/museu-ideal/martin-grossmann/o-anti-museu . Acesso em: 11 maio 2022.
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) efetua no âmbito dos museus de arte quando propõe o museu como interface, sucedâneo do que há algum tempo foi por ele denominado de antimuseu. Grosso modo, este conceito designa um conjunto de iniciativas que surgiram a partir de meados do século XIX, como a superação dos ditos museus iluministas. Enquanto estes, geográfica e simbolicamente distantes do cotidiano das cidades, estariam voltados às elites, então vistas como detentoras do privilégio do gosto, os antimuseus externariam a superação da lacuna existente entre “[...] dois estados distintos de conhecimento (o da considerada alta cultura e o da genérica ideia de comunidade)” (Grossmann, 2013bGROSSMANN, Martin. O anti-museu. Periódico Permanente, São Paulo, v. 1, n. 1, 2013b. Disponível em: Disponível em: http://www.forumpermanente.org/revista/numero-1/museu-ideal/martin-grossmann/o-anti-museu . Acesso em: 11 maio 2022.
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, n.p.). Como reação moderna própria às produções artísticas vanguardistas à época, os antimuseus representariam, enfim, a comprovação da ultrapassagem de um tempo em que “‘portas abertas’ por si só já era considerado o suficiente como propósito educativo” (Grossmann, 2013bGROSSMANN, Martin. O anti-museu. Periódico Permanente, São Paulo, v. 1, n. 1, 2013b. Disponível em: Disponível em: http://www.forumpermanente.org/revista/numero-1/museu-ideal/martin-grossmann/o-anti-museu . Acesso em: 11 maio 2022.
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, n.p.).

Ao empenhar, dessa maneira, a defesa da crescente conquista de uma aliança entre a operacionalização de uma consciência social de forte cunho educativo e o processo de modernização alavancado nas sociedades ocidentais, Grossmann apresenta os museus como interface como resultado do avanço das iniciativas levadas a cabo pelos antimuseus desde, principalmente, o pós-guerra. Símbolos da pós-modernidade, tais museus sinalizariam, portanto, o ponto a que as instituições expositivas da arte chegaram nos dias atuais: o de agentes culturais imbricados, como jamais estiveram, com o próprio transcorrer da vida.

Apresentadas como abertas à quarta dimensão ou cultura da virtualidade, tais instituições funcionariam como hipercubos de múltiplas dimensionalidades, cujas extensões - sites, bancos de dados, plataformas discursivas etc. - estariam ligadas não somente a políticas culturais propositivas, mas também, e cada vez mais, à própria figura do espectador então redimensionada para a de usuário (Grossmann, 2013aGROSSMANN, Martin. Museu como Interface. Periódico Permanente. São Paulo, v. 1. n. 1, 2013a. Disponível em: Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/pad-ped0/documentacao-f/mesa_03/mesa3_martin . Acesso em: 15 jun. 2022.
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). Por tal via, o estatuto do usuário ultrapassaria o do espectador consciente do ato criativo, conforme enunciou Duchamp (2013DUCHAMP, Marcel. O ato criador. In: BATTCOCK, Gregory. A nova arte. São Paulo: Perspectiva, 2013. p. 71-74.) na década de 1950, uma vez que, como agente modelador de espaços, o primeiro passaria a atuar como partícipe nas múltiplas redes de conhecimento que se formam como verdadeiros agenciamentos humanos.

A imagem culminante da usabilidade aí remetida é trazida como “[...] mais do que um conceito a uma demanda da sociedade de consumo sem fronteiras, [...] uma volição voltada a facilitar o uso não só do indivíduo, mas coletivo, social, dos objetos, meios e processos da cultura, promovendo assim a esfera pública” (Grossmann, 2013aGROSSMANN, Martin. Museu como Interface. Periódico Permanente. São Paulo, v. 1. n. 1, 2013a. Disponível em: Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/pad-ped0/documentacao-f/mesa_03/mesa3_martin . Acesso em: 15 jun. 2022.
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, n.p.). Para Grossmann (2013aGROSSMANN, Martin. Museu como Interface. Periódico Permanente. São Paulo, v. 1. n. 1, 2013a. Disponível em: Disponível em: http://www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/pad-ped0/documentacao-f/mesa_03/mesa3_martin . Acesso em: 15 jun. 2022.
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), esse upgrade teria sido necessário em função da tendência mundial de crescimento das cidades. Nesse sentido, muitas delas, como polos culturais configurados socialmente sob forte influência do mass media, teriam passado a contar com museus de arte preparados, finalmente, para receber multidões.

Sob uma trajetória linear e cumulativa de influências, o percurso delineado pelo autor vai do Palácio de Cristal (Londres, em 1851) ao Museu de Arte Contemporânea do século XXI (Kanazawa, em 2004), passando pela inauguração do MoMa (Nova York, em 1939), pelas Maisons de la Culture concebidas por Malraux como primeiro ministro da cultura na França em 1959, pelo Centro Nacional de Arte e Cultura Georges Pompidou (Paris, em 1977), pela reinauguração do Museu D’Orsay (Paris, em 1986) e pela Tate Modern (Londres, em 2000).

Alguns apontamentos permitem situar, ao menos em parte, do que é feita a dominância exercida por tal discurso, cumprindo assinalar:

  1. A crença de que os museus de arte, diferentemente configurados em seus tempos históricos de nascença, se constituem como respostas naturais à marcha de uma sociedade em pleno desenvolvimento, acaba por crivá-los como supra-históricos ou a-históricos, eximindo-os da participação ativa que têm na produção da própria demanda que, segundo se afirma, caberia a eles atender.

  2. A recusa de que os museus de outrora tenham sustentado, a cada vez, a lógica que fundamenta a existência dessas instituições - a de funcionarem como instituições voltadas à formação do público - parece carecer de uma perspectivação atenta aos respectivos horizontes históricos (ou ao possível) de seus tempos-espaços de origem e de atuação, uma vez que a anacronia do ideal inclusivo que lhes é sobreposto obstrui a visão de que estiveram, cada qual a seu tempo, maximizadas em relação à noção do cumprimento de seu dever fundante, o que permite questionar, até mesmo, a que serve a noção de crise que a lógica desenvolvimentista instala.

  3. A noção de que a indubitável e crescente disponibilização ou abertura física dos espaços museais às veiais da cidade diria respeito a uma importante libertação, conquistada por tal meio, dos limites da visão de sua tarefa, além de desconsiderar o que se identifica, hoje, como estilo global na arquitetura (Foster, 2017FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. Tradução: Célia Euvaldo. São Paulo: Ubu, 2017.), arroga para si algo que diz respeito a um fenômeno bem maior: a dessacralização dos espaços, intuída por Foucault (2013FOUCAULT, Michel. De espaços outros. Estudos avançados, São Paulo, v. 27, n. 79, p. 113-122, 2013.) já na década de 1960.

  4. A produção da relação direta entre o uso das novas tecnologias e a imagem do espectador-usuário como modelador de espaços e de agenciamentos humanos desconsidera o fato de que os efeitos desse uso ainda se constituem, hoje, no mistério que nos abraça, tanto quanto atribui a tal figura um empoderamento que desponta como isento da necessidade da análise de seus próprios pressupostos (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.), haja vista, por exemplo, a problemática e nem tão nova noção do protagonismo que lhe é conferido em meio à qualidade de um espaço que nada tem de naturalmente dado.

  5. O automatismo que liga a defesa do incremento de uma consciência educativa no contínuo da evolução dos museus de arte a uma arregimentação específica de termos como esfera pública, polos culturais, crescimento das cidades, consumo sem fronteiras, mass media e atendimento às multidões permite notar que, contrariamente ao que faz crer, o ideário educativo que se perpetua no encontro arte-museu-educação mais parece servir a uma lógica cuja força motriz é a do capital, para a qual, a rigor, em nada interessa a efetividade de quaisquer benesses doadas ao social.

Parece necessário ver mais de perto, pois o ideário para o qual tanto nos rendemos, hoje, enfatiza a promessa de retirar do presente os seus males. Opera-se, com isso, certo desvio da imagem da construção de um mundo melhor no futuro como algo que se arrasta há séculos, ainda que tal imagem mantenha, paradoxalmente, sua eficácia.

OS MUSEUS DE ARTE E O IDEÁRIO EDUCATIVO

O questionamento da naturalização das relações entre arte-museu-educação como constituídas pelo e constitutivas do que é conotado como culturalmente edificante exige certa atenção à emergência do momento histórico em que a produção da arte passou a figurar como imprescindível à deflagração de determinado intento educativo; não por acaso, conforme já sinalizado, trata-se do advento inaugural, no século XVIII, da instituição museal como meio profícuo para a educação dos homens.

Com efeito, o ideário que toma historicamente a arte como componente elevado da formação humana - não se interrogando o que aí se entende por arte ou formação (Favaretto, 2010FAVARETTO, Celso. Arte contemporânea e educação. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 53, p. 225-235, 2010.) - expressa os pressupostos de um projeto educacional cujo “[...] modelo filosófico-humanista corresponde ao desenvolvido pelos iluministas na França e pelos filósofos neo-humanistas e idealistas na Alemanha” (Weber, 2006WEBER, José. Bildung e educação. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 117-134, 2006., p. 120), o qual encontra no conceito de Bildung sua principal sistematização. Tal conceito, sistematizado em uma Alemanha que, no início do século XIX, se viu enfraquecida diante do poderio econômico e político da França e da Inglaterra, acabou por expressar a confiança comum no poder ilimitado que a educação teria em forjar um homem novo.

Fomentada, igualmente, pela intensa valorização da alta cultura4 4 Tal termo traz à baila a cisão que acometeu o modo de produção e de recepção da arte quando se assistiu, concomitantemente ao seu ingresso na Estética e no museu, à divisão dos fazeres humanos na esfera da téchne. Tal divisão incluiu a forja da notória distinção entre o artista e o artesão, dando a ver que a emergência das noções de alta e baixa cultura diz respeito, de acordo com Agamben (2013), a algo bem maior: a mudança no modo integral da produção humana, pela qual a poíesis foi sobreposta pela práxis. como forma de fortalecimento das aspirações da burguesia, a educação como Bildung coroou o “[...] projeto de autonomização do sujeito cognoscente e moral” (Weber, 2006WEBER, José. Bildung e educação. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 117-134, 2006., p. 119), cuja razão emancipatória afirmou a necessidade da cultura estética como elemento formativo. Tal projeto externou um modelo prático de educação eminentemente verificável na revolução cultural operada na França quando, no contexto de um trabalho seminal de patrimonialização da cultura (a era do Terror) que teve a figura do artista-pedagogo em sua linha de frente, se assistiu a uma nova associação entre o esplendor da arte e determinada ideia de prosperidade, considerando-se que um povo livre deveria deveria encorajar tal associação como a forma própria da emancipação.

Grosso modo, foi o conceito clássico de Bildung, central ao desenvolvimento das teorias estéticas dos séculos XVIII e XIX, que participou diretamente das linhas constitutivas da instituição museal, particularmente expressas pelo arqueólogo e historiador de arte alemão Johann Joachim Winckelmann, figura prototípica das práticas museais. Nessa perspectiva, tomou-se a Grécia clássica como modelo de uma imagem superior da Humanidade, a qual emergiria da bela forma (Weber, 2006WEBER, José. Bildung e educação. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 31, n. 2, p. 117-134, 2006.).

Com base no entendimento do encontro arte-museu-educação como supostamente afeito a uma experiência formativa emancipatória, toca-nos notar, com Thierry De Duve (2010DUVE, Thierry de. O que fazer da vanguarda? Ou o que resta do século 19 na arte do século 20? Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 20, p. 181-193, jul. 2010.), que também a arte não escapa a determinismos que são identificados, no mais das vezes, nos campos educacional e museológico, quanto mais incisivamente tais campos forem alçados à condição de arautos do porvir. Ao escrutinar as teorias estéticas dos séculos XVIII e XIX, De Duve atenta para a natureza ativa do intento educativo que desponta no campo da arte no momento em que esta migra para o museu, nomeando vanguardismo o “[...] programa ideológico revolucionário da vanguarda artística como ponta de lança da humanidade emancipada” (Duve, 2010DUVE, Thierry de. O que fazer da vanguarda? Ou o que resta do século 19 na arte do século 20? Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 20, p. 181-193, jul. 2010., p. 184).

Se, por um lado, se pode apontar, relativamente a esse contexto inaugural do amálgama entre arte, museu e educação, para o inelutável apelo ao cumprimento de uma tarefa teleológica à luz da chamada utopia da modernidade, mostrando à Humanidade o caminho para a emancipação, o desenvolvimento e a felicidade, por outro, De Duve adverte sobre a lição que já deveríamos ter aprendido com ela: a necessidade premente de se “[...] resgatar a hipoteca que faz pesar sobre elas [as vanguardas da arte] a promessa, hoje mais do que traída, dos amanhãs que cantam” (Duve, 2010DUVE, Thierry de. O que fazer da vanguarda? Ou o que resta do século 19 na arte do século 20? Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 20, p. 181-193, jul. 2010., p. 191). Sob tal perspectiva, o autor vê como patética a situação do artista contemporâneo que se porta como herdeiro de tal peso afirmando que, embora faça “[...] parte da ética do artista não abrir mão do desejo de um mundo melhor [...], nenhum artista digno desse nome, mesmo os mais engajados politicamente, trabalha [...] sob o dogmático jugo direto de uma ideologia [...] (Duve, 2010DUVE, Thierry de. O que fazer da vanguarda? Ou o que resta do século 19 na arte do século 20? Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 20, p. 181-193, jul. 2010., p. 185).

Ao asseverar a necessidade de tal desideologização sem manter blindada a figura do artista, o autor corrobora, decerto, o necessário afastamento de uma compreensão sobre o assunto que não apenas investe no sentido metafísico de uma ideia de formação da e pela arte institucionalmente exposta, mas também lança a própria arte para um lugar que estaria além das práticas reais que, cotidianamente, se sucedem, ainda que contraditoriamente teime em juntar arte-museu-educação para afirmar o poder que seria intrínseco ao trinômio: transformar esse mesmo mundo.

Mantendo-se a devida atenção no fato de que as consensualidades que se desprendem de tal crença dizem mais respeito às diferentes formas de assujeitamento e menos ao que forças reais de emancipação e liberdade prezam, parece possível inferir que um dos efeitos mais candentes do ideário exposto é a irrefutável deflagração, a partir do século XVIII, do já referido processo de pedagogização do encontro arte-museu-educação.

Interessa atentar, pois, para a ocorrência desse processo em tempos-espaços que nos são peculiarmente próximos, ainda que com base em breves perspectivações.

O GOVERNAMENTO DE FEIÇÕES PEDAGOGIZANTES COMO TRIUNFO DE UMA PROMESSA

Os protestos em prol da disseminação das coleções museais nas situações cotidianas da vida em maio de 1968 (Duarte, 2013DUARTE, Alice. Nova museologia: os pontapés de saída de uma abordagem ainda inovadora. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 99-117, 2013.) permitem atentar para o fato de que aquilo a que aí se assistiu foi a evidência da impossibilidade da contenção, naquele momento, dos clamores pela conquista de uma usabilidade outra dos saberes erigidos nos espaços dos museus, bem como dos questionamentos acerca de sua representatividade. No entanto, aquilo que se montava em termos de uma nova arregimentação desses espaços desde, principalmente, o pós-guerra - em suma, a abertura dos museus ao social - diz respeito a um conjunto de respostas que figuraram, em grande parte e ao contrário do que apregoam os discursos dominantes sobre a Nova Museologia, não exatamente como o atendimento a tais clamores, mas sim como pertinentes à sua contenção e à de seus desdobramentos na medida mesma da noção de que estes teriam passado a ser efetivamente acolhidos. Destarte, se se pode dizer que a incorporação de tais clamores pelos museus foi acompanhada pela crença renovada nos efeitos de um novo empenho dessas instituições em fazer com que seu viés educativo passasse a agir de modo permanente e atingisse “[...] grupos sociais distantes” (Faria, 2014FARIA, Ana Carolina Gelmini de. Educação em museus: um mosaico da produção brasileira em 1958. Mouseion, Canoas, p. 53-66, dez. 2014. https://doi.org/10.18316/1867
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, p. 62), isso nada teve a ver, conforme afirma a museóloga Teresa Scheiner (2012SCHEINER, Tereza Cristina. Repensando o museu integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan-abr. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/cSJ5xdKWRhL9fQTfkQvyJMc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2022.
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), com algo como a conquista de quaisquer insurreições de base, mas, antes, com uma sistemática tomada de posição de organismos multilaterais internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU, 1945), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 1945) e o Conselho Internacional de Museus (ICOM, 1946), por exemplo, especialmente em relação aos países da América Latina.

Constituído o entendimento, ao cabo, de todos e cada um, de que o trabalho estrito dos setores educativos que emergiram na primeira metade do século XX no interior dos museus não seria mais suficiente, estava aberto o caminho para a produção de um cenário como pura demanda. Assim, se o conceito de museu integral, veiculado na famosa Declaração de Santiago do Chile (1972), tornou-se referencial nos discursos da Nova Museologia, ideias como a do museu flutuante na Amazônia, museu regional, museu-ônibus, museu como escola viva, museu para a educação popular etc. já pululavam em solo nacional no ano de 1958, ocasião em que o Museu de Arte Moderna (RJ) sediou o Primeiro Seminário Regional da UNESCO, intitulado Função Educativa dos Museus (Scheiner, 2012SCHEINER, Tereza Cristina. Repensando o museu integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan-abr. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/cSJ5xdKWRhL9fQTfkQvyJMc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2022.
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; Faria, 2014FARIA, Ana Carolina Gelmini de. Educação em museus: um mosaico da produção brasileira em 1958. Mouseion, Canoas, p. 53-66, dez. 2014. https://doi.org/10.18316/1867
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). Tal conjunto, acrescido pela defesa a que se assistia, da ineficiência do sistema educacional formal e de que as exposições se tornassem mais facilmente assimiláveis pelo público, permite trazer, ao que nos parece, a seguinte assertiva: em um tempo em que emergia a noção de diversidade, assim como a de povo como categoria histórico-política, nada melhor que a maleabilidade do intento educativo na tarefa de tornar coesa uma nação.

Desta feita, é curioso notar que, mediante a conjugação testemunhada desde principalmente a década de 1980 entre, de um lado, uma gama de perfis institucionais tomados como exemplares do teor inclusivo-educativo, e, de outro, o boom que a área da arte viveu no contexto do chamado globalismo cultural, tal ocorrência tenha se dado no interior de uma sociedade que passava a ser apresentada como sociedade da aprendizagem ou do conhecimento (UNESCO, 1972 apud Scheiner, 2012SCHEINER, Tereza Cristina. Repensando o museu integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan-abr. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/cSJ5xdKWRhL9fQTfkQvyJMc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2022.
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). Sendo impossível dizer, nesse sentido, dos atravessamentos mútuos que se deram entre os ecomuseus, museus comunitários, de sociedade, de território etc. e outra variedade de estruturas expositivas que eclodiu desde, propriamente, o pós-guerra, como as bienais, os centros culturais, institutos, feiras de arte etc., sem que se os considere sob o crivo de tal apelo - o da construção de uma sociedade plenamente educável -, interessa notar esse mesmo apelo no escrutínio de acontecimentos que muito embora tenham ocorrido à época nos soam como especialmente próximos.

Um desses acontecimentos traz à baila a Proposta Triangular, elaborada por Ana Mae Barbosa quando de sua atuação como diretora de Museu de Arte Contemporânea da USP (1987-1993), em atenção à notória relação que essa forma de ensino de arte, cujas bases são cognitivistas, revelou ter com a pedagogia libertadora de Paulo Freire (Barbosa, 1984BARBOSA, Ana Mae. A arte-educação precisa dos artistas. In: BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 156-163.), majoritariamente tomada, por sua vez, como referencial das Pedagogias Críticas e dos discursos museológicos concernentes ao cenário latino-americano.

Considerando-se o contexto ora apresentado, pelo qual é possível observar a hegemonia de uma visão que não cessa de conferir à educação o peso da conquista de um mundo pleno de imagens paradisíacas - a cooperação entre os povos, a partilha da cultura, a eliminação das iniquidades sociais etc. -, trata-se de notar que a incorporação de tais iniciativas nos projetos educacionais oficiais do país nada tem de surpreendente. Generalizadamente funcionalizadas como dispositivos de doutrinação, conservam a imagem de um trabalho educativo crivado pela tarefa da emancipação do povo - assim entendido pelo freireanismo5 5 O termo é utilizado pelo autor em referência à institucionalização do pensamento de Paulo Freire. (Brayner, 2017BRAYNER, Flavio Henrique Albert. “Paulofreireanismo”: instituindo uma teologia laica? Revista Brasileira de Educação, v. 22, n. 70, p. 851-872, jul-set. 2017. https://doi.org/10.1590/S1413-24782017227042
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) como oprimido e, no caso da Proposta Triangular, como desprovido de arte (Honorato, 2011HONORATO, Cayo. A formação do artista: conjunções e disjunções entre arte e educação. 2011. 200 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2011.). Para Barbosa, seria necessário propiciar ao povo o domínio de suas próprias referências culturais como forma de capacitá-lo a usufruir de seu “[...] direito de acesso aos códigos da cultura erudita porque esses são os códigos dominantes - os códigos do poder” (Barbosa, 1998BARBOSA, Ana Mae. Cultura e ensino de arte. In: BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. p. 13-20., p. 15). Compete atentar, igualmente, para a influência que tal proposta de ensino exerce, até hoje, nos âmbitos da educação formal e não formal da arte, cabendo perguntar se não resultaria contraditório o entendimento de que a liberdade, como tal, diria respeito a uma condição predefinida que poderia ser concedida, ou não, a outrem.

Em outra breve remissão à década de 1980, chamamos a atenção para a emergência da exposição de arte como obra. Com efeito, a atribuição histórica de uma importância jamais vista à prática expositiva possibilitou que esta passasse a recobrir, de certa maneira, a atenção conferida à própria produção artística que, a rigor, lhe justificaria a existência. Tal fato assinala o redimensionamento da atuação de uma força mediadora a mais no contexto da arte exposta ao público, uma vez que são a exposição e seu inelutável intento educativo que ganham destaque a ponto de render ao curador a imagem de artista. Considerando-se que o despontar de tal prática deve ser visto como inseparável de um fenômeno de maior monta, cabe manter sob a mira o próprio advento dos Novos Museus, observável já em 1977 no Centro Georges Pompidou e seu civismo pop (Foster, 2017FOSTER, Hal. O complexo arte-arquitetura. Tradução: Célia Euvaldo. São Paulo: Ubu, 2017.), para que seja possível perspectivar com maior clareza o inusitado de tal acontecimento em solo brasileiro.

Trata-se de ver, desta vez, que é em meio ao que se apresentava, ao sabor da redemocratização do País, como a grande arte contemporânea, que a exposição Grande Tela despontou, sob a curadoria de Sheila Leirner, como a primeira referência de uma exposição-obra. Organizada no interior da Primeira Bienal da Nova República (18a BISP, 1985), a proposta, então dirigida ao visitante anônimo - o turista aprendiz -, mostraria que o artista “[...] renasc[ia] das cinzas como uma fênix, encenando o próprio drama da humanidade” (Leirner, 1985LEIRNER, Sheila. Introdução. In: Fundação Bienal de São Paulo. Catálogo Geral da 18ª Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo, 4 out. 15 dez. 1985. p. 13-16., p. 14). Ao afirmar a “[...] ocorrência cotidiana, ininterrupta e sincrônica dos atos estruturados que se dão entre o artista e o fruidor [...] como uma cola psíquica, existencial e intelectual que mantém toda a cultura interligada” (Leirner, 1985LEIRNER, Sheila. Introdução. In: Fundação Bienal de São Paulo. Catálogo Geral da 18ª Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo, 4 out. 15 dez. 1985. p. 13-16., p. 16), a curadora aponta para a Grande Tela como a composição que externaria “[...] práticas em direção à liberdade geradora, afinal, do novo humanismo” (Leirner, 1985LEIRNER, Sheila. Introdução. In: Fundação Bienal de São Paulo. Catálogo Geral da 18ª Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo, 4 out. 15 dez. 1985. p. 13-16., p. 16).

Resguardado o frescor da época, porém, a liberdade propugnada também ganha seus contornos quando se tem em conta que, concomitantemente à retórica ideologizante aí empenhada, não é possível dizer da Grande Tela sem a atenção a dados como os que seguem: a 18a BISP ficou conhecida como a bienal que teve, pela primeira vez, a maioria de seus recursos (85%, no caso) oriunda da iniciativa privada; foi em seu catálogo que surgiu, pela primeira vez, o uso do termo espetáculo, em perfeito alinhamento, ressalve-se, com o uso de termos que já circulavam como palavras de ordem especialmente no âmbito educacional, como pluralismo e interdisciplinaridade.6 6 Impossível não referir, nessa altura, a exposição Como vai você, Geração 80? (1984, EAV-RJ). Chamada, já à época, de exposição-evento, propunha um nivelamento entre artista e público. Para Leirner (1985LEIRNER, Sheila. Introdução. In: Fundação Bienal de São Paulo. Catálogo Geral da 18ª Bienal Internacional de São Paulo. São Paulo, 4 out. 15 dez. 1985. p. 13-16., p. 13), a Fundação Bienal teria absorvido “[...] as características pragmáticas, quase puramente finalísticas, da organização empresarial sem, contudo, colocar em risco o caráter isento eminentemente cultural de irradiação e intercâmbio artístico da sua principal realização”.

À luz do par pedagogização-governamentalidade, atravessar acontecimentos como os que foram brevemente abordados - situados, não por acaso, na década de 1980 como o momento em que se assiste, em meio ao triunfo político da globalização neoliberal, à consolidação da Nova Museologia - permite ver quanto somos constituídos ainda hoje, no pleno decorrer da lógica neocorporativa, pela crença de que teríamos conquistado a proeza de compatibilizar os interesses do capital com a capacidade factual e peculiarmente acionada, no métier arte-museu-educação, de consertar as coisas no mundo.

A interiorização da noção de que viveríamos, conforme pregam os discursos desenvolvimentistas, uma espécie de progressismo cultural tão mais evidente quanto mais abertos os espaços museais forem se mostrando (física e virtualmente), impede a apreensão de que tais aberturas estão implicadas com as novas formas de controle de um tempo histórico e não outro. No que se refere à compreensão dominante de que o crescente alargamento de uma dita consciência educativa é o que justificaria tal evolução, caberia notar que o empoderamento conferido hoje ao espectador-usuário7 7 Vale observar o deslocamento histórico de uma ênfase que recai sobre o par obra-artista, passando pelo par exposição-museu, e que hoje paira sobre o par usuário-cidade. - presente em germe já na década de 1970, na esteira do qual o “[...] o novo ‘ethos’ educacional torna o indivíduo senhor e criador de seu próprio progresso cultural” (Unesco, 1972 apud Scheiner, 2012SCHEINER, Tereza Cristina. Repensando o museu integral: do conceito às práticas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 7, n. 1, p. 15-30, jan-abr. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/cSJ5xdKWRhL9fQTfkQvyJMc/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 25 jun. 2022.
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, p. 22) - tem se mostrado afeito, em grande parte, à necessidade continuamente revigorada de tornar o indivíduo mais e mais adaptável às novas demandas do mercado.

Isso parece dizer respeito a uma soma de práticas artísticas que têm se apresentado como constitutivamente educativas, mas que, ao assumirem a tarefa de transformar o comum da vida a partir da produção de situações de convívio, afetuosidade e dialogicidade, mostram sinal trocado. Em geral, o dispositivo aí aclamado como capaz de levar a criatividade para outros âmbitos via uma espécie de práxis educacional expandida não cessa de alimentar a si mesmo na circularidade da renitente produção de uma sociabilidade fictícia.

Claro está que aquilo a que aí se assiste de fictício nada tem a ver com o ficcional da arte. Por isso, a legitimação de efeitos de tal tipo não é inofensiva. Considerando-se que um desses efeitos tem sido, antes, o da redução do real, não parece à toa que - principalmente desde a intensificação de práticas artísticas propensas a tal risco, especialmente verificáveis, em solo nacional, na Bienal do Mercosul ou Bienal Educativa como aquela que inaugurou, no ano de 2006, o cargo de curador-pedagógico - estejamos assistindo, também no encontro arte-museu-educação, a uma profusão infernal de imagens consensuais paradisíacas cuja maquinaria parece responder e, ao mesmo tempo, fomentar o que hoje já se nomeia como a indústria do bem.

Se, com Foucault (2007FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução: Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2007.), as práticas de governamento operam de modo imanente a uma configuração histórica em que a população desponta como objeto a ser gerido, tendo a economia como o saber condutor da vida em comum e os dispositivos de segurança como mecanismos básicos de ação, o que aí se visibiliza é um modo tático de gerir as coisas, o qual se mostra capaz de tomar como alvo o interesse da própria população, agindo “[...] em profundidade, em fineza, e no detalhe” (Foucault, 2012FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder, saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 275-298., p. 295). Evidencia-se, assim, como opera a intensificação de uma pedagogização que tanto mais tutela e consensualiza quanto mais arroga para si a intencionalidade de projetos pedagógicos que aspiram propiciar liberdade em um “[...] campo mais ou menos aberto de possibilidades” (Foucault, 1995aFOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Universitária, 1995a. p. 231-249., p. 244).

Por isso, a torção minimamente acionada na imagem que impregna o encontro arte-museu-educação como invariavelmente munido de forças que atuariam em prol do que é da esfera do libertário vem revelar que uma inequívoca incompatibilidade aí se afirma: como conjugar a imagem que constitui tal ideário quando o que se tem à vista emerge, em grande parte, como atendimento às demandas de mais e mais governamento dos sujeitos?

Trata-se de notar que não é possível dizer da liberdade que o encontro arte-museu-educação comporta, tampouco de tantas outras noções de teor correlato que o têm, historicamente, constituído - revolução, resistência, participação ou inclusão -, sem que se as entenda como elementos cruciais à eficácia de um governamento que encontra, também nas práticas artísticas, um de seus braços fortes. Com efeito, a arte assume, nesse espectro ético-político, uma importância ímpar.

Se aí reside a eficácia máxima do governamento social, justifica-se o presente escrutínio do encontro arte-museu-educação menos em direção àquilo que aí positivamente fraqueja, titubeia ou cambaleia, e mais para o problemático determinismo de uma visão teleológica regrada pelas noções de desenvolvimento, emancipação e felicidade. Afinal, nada parece movediço no modo como as verdades que, radicadas em tal âmbito, findam por configurar determinados modos de existência.

Nota-se, nesse sentido, que a imagem do espectador-aluno perene vem coroar a crítica que o presente endereçamento ao encontro arte-museu-educação elabora ao evidenciar a implicação existente entre aquilo que sobredetermina tal encontro e aquilo que intenta fixar, ao mesmo tempo, modos de existência tanto mais assujeitados às palavras de ordem de seus respectivos tempos quanto mais forem entoados como livres. A questão está em notar o insuspeito de tal implicação, já que o que aí se confronta permanece, no que diz respeito às injunções das forças dominantes, como da ordem do transcendente e, por isso, intocável: a consensualidade que reafirma o ideário da missão fundante do encontro arte-museu-educação e a figura do espectador emancipado como aquela que lhe seria, por natureza, correspondente.

Ainda que o par pedagogização-governamentalidade venha a servir para a visibilização de diferentes camadas da referida implicação, a presente abordagem assumiu a tarefa de mostrá-la, ao que nos parece, em sua instância primeira, sem o que possíveis outros atravessamentos careceriam de amplitude e de profundidade de visão. Ademais, esse endereçamento específico desponta como crucial à própria defesa das potências presentes no encontro arte-museu-educação e ao que preza a imagem do espectador emancipado. Por tal via, buscamos colocar no jogo do tempo os componentes da tríade que perfaz esse encontro, assim como a própria figura do espectador, de modo a evidenciar sua emergência no bojo de uma história que não mais diz respeito à solenidade das origens, mas sim à vilania de todos os começos (Foucault, 2005FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 2005.). Essa parece ser, afinal, a única maneira de abrir frestas, por onde seria possível ver aquilo que na arte, no museu e na educação, como instâncias juntas ou separadas, toca o real dos homens em invenções de espaços-tempos capazes de fazer dizer, essas sim e por si mesmas, de coisas como liberdade e emancipação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se, no percurso argumentativo até aqui, buscou-se demonstrar alguns dos modos pelos quais residem, na defesa mesma do cumprimento da missão educativa idealmente imputada ao encontro arte-museu-educação, relações incontestes com os mecanismos de governamento vigentes, cabe trazer à presente conclusão o desenho de um horizonte cujos traços vêm reforçar a tensão deflagrada. Como sugestão, rápida e rusticamente elaborada, de pontos que vibram em uma paisagem movente, é na companhia de Agamben (2007AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Tradução: Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007.; 2013); Honesko e Agamben (2015HONESKO, Vinícius Nicastro; AGAMBEN, Giorgio. Arqueologia da obra de arte. Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 20, n. 34, p. 349-361, jul./dez. 2015.) e de Rancière (2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.) que o vislumbre dessa derradeira composição insurge, trazendo à tona, naquilo que aqui interessa, uma fração das diferenças que distanciam e das similaridades que conectam o incomum das produções desses autores quando do endereçamento, de cada qual, aos museus de arte.

Ao afirmar a atual museificação da cultura como uma espécie de sintoma da crise que estaríamos vivendo em nossa relação ao passado, Honesko e Agamben (2015HONESKO, Vinícius Nicastro; AGAMBEN, Giorgio. Arqueologia da obra de arte. Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 20, n. 34, p. 349-361, jul./dez. 2015.) chamam a atenção para a necessidade do escrutínio do lugar que a arte, como figura eminente desse passado, ocupa no presente. Nesse diapasão, o autor elabora uma breve arqueologia da obra de arte, afirmando que os museus de arte contemporânea consistiriam em templos do absurdo. A despeito das mudanças que acometeram as formas majoritárias de compreensão da arte e da estética até a atualidade, Agamben justifica seu posicionamento com base em duas defesas fundamentais. Uma delas é a da visão do museu como o lugar no qual milhões de pessoas celebrariam, hoje, o mais impressionante de todos os fatos: “[...] conseguirem realizar na própria carne talvez a mais desesperada experiência que a cada um seja permitido realizar: a perda irrevogável de todo uso, a absoluta impossibilidade de profanar” (Agamben, 2007AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Tradução: Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 74). Nota-se que o filósofo, inspirado na analogia elaborada por Benjamin entre capitalismo e religião - daí o uso do termo templo -, chama a atenção para a condição heterotópica do museu como a própria mostra histórica da perda da potência que demonstraríamos ter em desativar dispositivos de poder e devolver ao uso comum tudo o que lhe teria sido confiscado. A outra defesa remete à razão pela qual Honesko e Agamben (2015HONESKO, Vinícius Nicastro; AGAMBEN, Giorgio. Arqueologia da obra de arte. Princípios: Revista de Filosofia, Natal, v. 20, n. 34, p. 349-361, jul./dez. 2015.) empregam o termo absurdo em referência aos museus de arte contemporânea. Isso se justifica pela asserção de que viveríamos, até hoje, a ilusão de que a máquina artística própria à Modernidade - em síntese, a dilaceração histórica entre artista, espectador e puro princípio criativo8 8 De acordo com o autor, tal dilaceração teria emergido como produto da cisão que acomete o modo de produção e de recepção da arte no século XVIII. - estaria em movimento quando, em verdade, a apropriação indevida da tentativa duchampiana de desativá-la via seus ready-mades mostraria que ela gira, hoje, no vazio.

Indo diretamente ao ponto, interessa apontar que Agamben (2013AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Tradução: Cláudio Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.), ao alinhar-se à crítica de Nietzsche ao fundamento kantiano da definição do belo como prazer desinteressado, evoca um estado de avaliação da arte, atribuído peculiarmente à figura do espectador e ao seu juízo de gosto, como uma espécie de “[...] degradação da energia artística” (Agamben, 2013AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Tradução: Cláudio Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 83). Para o filósofo, importaria investir, portanto, na superação da estética do espectador benevolente, entendendo-se que “[...] a promesse de bonheur da arte torna-se veneno que contamina e destrói sua existência” (Agamben, 2013AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Tradução: Cláudio Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 23).

Ainda que, no que se refere ao que aí é apontado como uma vontade de destruição da estética, Agamben encontre uma saída em Kafka quando este, ao inverter a imagem do anjo benjaminiano da história9 9 Trata-se do uso de Walter Benjamin faz na tese IX de suas conhecidas Teses sobre a Filosofia da História, da pintura Angelus Novus, do artista Paul Klee, como uma alegoria da história. Nesta alegoria, o anjo volta seu olhar para o passado e o vê como um incessante amontoado de escombros ao mesmo tempo que não pode acessá-lo porque a tempestade do progresso se prende em suas asas e o arrasta continuamente para trás em direção ao futuro. , faz da própria condição da intransmissibilidade um valor em si, isso não se dá sem que o filósofo reinvista na imagem da experiência artística como a coisa mais inquietante, afim à expressão terror divino utilizada por Platão. Assim, se, em referência propriamente à República de Platão, o poder da arte sobre o espírito parecia tão grande a ponto de ele acreditar que ela, sozinha, poderia “[...] destruir o próprio fundamento de sua cidade” (Agamben, 2013AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Tradução: Cláudio Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p.22) por tornar impossível o governamento dos homens, cabe inquirir, com Agamben, qual é, de fato, o lugar atribuído à arte em sociedades como a nossa.

Em outra direção, Rancière (2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.) defende o espaço museal no contexto de suas reflexões sobre arte e política em O espectador emancipado. Para o filósofo, o regime de separação estética atestaria uma eficácia potencial ao instalar o dissenso, entendido como um choque entre diferentes regimes de sensorialidade. Tendo isso em vista, o autor aponta para a existência de uma vinculação inevitável entre arte e política, uma vez que a segunda teria em seu cerne, igualmente, o dissenso, desde que concebida como a invenção de uma instância de enunciação coletiva capaz de redesenhar o espaço das coisas comuns, de modo a romper, por isso, com “[...] a ordem da polícia que antevê as relações de poder na própria evidência dos dados sensíveis” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 60).

Ao afirmar que a eficácia estética teria menos a ver com a obra de arte do que com uma correspondência entre as formas de olhar e as formas novas de exposição da obra, Rancière (2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 59) concebe o museu como “[...] recorte do espaço comum e modo específico de visibilidade”, capaz de acolher qualquer objeto assim desvinculado, como também, nos dias atuais, “[...] modos de circulação de informação e formas de discussão política que tentam opor-se aos modos dominantes de informação e discussão sobre questões comuns” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p 59). Nota-se, no entanto, que, para isso, o filósofo afirma o museu como parte crucial para o funcionamento, em seus termos, de uma vacância. Esta, entendida como condição para e, ao mesmo tempo, efeito da eficácia estética, diria respeito à “[...] suspensão de qualquer relação determinável entre a intenção do artista, a forma sensível apresentada num lugar de arte, o olhar de um espectador e um estado de comunidade” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 57).

Cabendo salientar que a eficácia estética, vincada às paixões ou subversões nas disposições dos corpos, diz respeito antes à “[...] dissociação de certo corpo de experiência” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 60), revela-se, sob tal perspectiva, o arbitrário da crença de que haveria uma correspondência entre a elaboração de micropolíticas da redescrição da experiência (política da estética) e a constituição de coletivos políticos de enunciação (estética da política). É exatamente ao escrutinar a vontade de fusão entre “[...] o choque estético das sensorialidades diferentes e a correção representativa dos comportamentos [...]” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 66) que Rancière evidencia a incompatibilidade colossal entre aquilo a que a eficácia estética diz respeito e a noção de que seria necessário, à sua ocorrência, a “[...] incorporação de um saber, de uma virtude ou de um habitus” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 60).

Tratando-se, pois, de estranhar os modos pelos quais uma dita empresa pedagógica se faz presente no âmbito da arte, o filósofo chama a atenção para a incerteza fundamental, hoje intensificada, sobre o que a arte e a política operam. Nesse sentido, o condão que as metapolíticas mostrariam ter em burlar a indeterminação própria à eficácia estética diria respeito, antes, à funcionalização da arte como promessa de felicidade na educação do homem cívico, em perfeito alinhamento com a produção consensual de um “[...] mundo homogêneo no qual o problema de cada coletividade nacional é adaptar-se a um dado sobre o qual ela não tem poder, adaptar a ele seu mercado de trabalho e suas formas de proteção social” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., 67).

Importa frisar, com Rancière, que o êxito dessa investida não se dá senão “[...] à custa de a arte assumir a tarefa de se suprimir na realização de sua promessa histórica” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução: Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 65), restando, pois, repetir, com base no giro produzido pelo autor, a pergunta anteriormente formulada: qual é, de fato, o lugar atribuído à arte em sociedades como a nossa?

Foram, com efeito, alguns dos sinais do nosso tempo os responsáveis por deflagrar o presente estudo, agora intensificado pelo efeito dessa espécie de dobra que a justaposição das produções de Agamben e Rancière veio, derradeiramente, oportunizar. Assim, se, naquilo que diz respeito à temática abordada, o que antes se situava na esfera do óbvio acabou por assumir a condição de enigmático, queremos crer que a distância que tal acontecimento permitiu cavar em relação ao presente possa ter servido, de algum modo, a ponderações relativas ao que hoje nos tornamos. Se Agamben (2013AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Tradução: Cláudio Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.) estiver certo quando propõe que o lugar da arte descreve o lugar do homem na história, a relevância deste estudo adquire, em tese, sua dimensão exata.

Por certo, o saldo dessa espécie de inversão cognitiva do modo mais comum de entendimento do encontro arte-museu-educação faz voltar a escrita ao seu ponto de partida: afinal, é no teor desenvolvimentista que enleva tal encontro e no ideário educativo que o sustenta que residiria, em seu mais alto grau, o êxito aclamado. Não mais, no entanto, o êxito de uma suposta conquista do acesso aos bens artísticos-culturais como sinônimo do alcance de uma formação emancipatória marcada por um ideal de liberdade, mas o êxito do imperativo da eficácia de uma promessa que, pela via de um governamento de feições pedagogizantes, segue crível há mais de duas centenas de anos, produzindo, sem contestação, um espectador-aluno perene.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Agamben (2007AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Tradução: Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007.) sublinha o momento histórico em que a obra de arte e a forma mercadoria se encontram numa encruzilhada. Para isso, recorre a dois acontecimentos: o do assombro que Karl Marx conta ter vivido quando, em sua visita à Grande Exposição Universal dos Produtos das Indústrias no ano de 1851, notou que objetos de uso cotidiano estavam sendo expostos como se fossem obras de arte; e o da decisão tomada pelo artista Gustave Courbet de erguer, no ano de 1855, o Pavilhão do Realismo, retirando suas obras da exposição oficial por repudiar, mais do que a recusa a alguma delas, o fato de que estavam sendo expostas como se fossem objetos quaisquer.
  • 2
    Destaca-se a notória contribuição de Bourdieu e Darbel (2007BOURDIEU, Pierre; DARBEL, Alain. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Tradução: Guilherme João Freitas Teixeira. São Paulo: EDUSP; Porto Alegre: Zouk, 2007.) no que se refere ao assunto.
  • 3
    Em referência direta às práticas educativas, tal fenômeno seria especialmente visível no bojo das ditas Pedagogias Críticas e, mais especificamente, na proposta da Aprendizagem Baseada em Problemas.
  • 4
    Tal termo traz à baila a cisão que acometeu o modo de produção e de recepção da arte quando se assistiu, concomitantemente ao seu ingresso na Estética e no museu, à divisão dos fazeres humanos na esfera da téchne. Tal divisão incluiu a forja da notória distinção entre o artista e o artesão, dando a ver que a emergência das noções de alta e baixa cultura diz respeito, de acordo com Agamben (2013AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Tradução: Cláudio Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.), a algo bem maior: a mudança no modo integral da produção humana, pela qual a poíesis foi sobreposta pela práxis.
  • 5
    O termo é utilizado pelo autor em referência à institucionalização do pensamento de Paulo Freire.
  • 6
    Impossível não referir, nessa altura, a exposição Como vai você, Geração 80? (1984, EAV-RJ). Chamada, já à época, de exposição-evento, propunha um nivelamento entre artista e público.
  • 7
    Vale observar o deslocamento histórico de uma ênfase que recai sobre o par obra-artista, passando pelo par exposição-museu, e que hoje paira sobre o par usuário-cidade.
  • 8
    De acordo com o autor, tal dilaceração teria emergido como produto da cisão que acomete o modo de produção e de recepção da arte no século XVIII.
  • 9
    Trata-se do uso de Walter Benjamin faz na tese IX de suas conhecidas Teses sobre a Filosofia da História, da pintura Angelus Novus, do artista Paul Klee, como uma alegoria da história. Nesta alegoria, o anjo volta seu olhar para o passado e o vê como um incessante amontoado de escombros ao mesmo tempo que não pode acessá-lo porque a tempestade do progresso se prende em suas asas e o arrasta continuamente para trás em direção ao futuro.
  • Como citar este artigo:

    PRATES, Adriana Pedrassa, AQUINO, Julio Groppa. O encontro arte-museu-educação e a invenção de espectadores-alunos perenes. Revista Brasileira de Educação, v. 29, e290005, 2024. https://doi.org/10.1590/S1413-24782024290005
  • Financiamento:

    O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2022
  • Revisado
    22 Dez 2022
  • Aceito
    30 Jan 2023
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