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Futurs du travail

RESENHAS

Gesuína de Fátima Elias Leclerc

Professora do Departamento de Habilitações Pedagógicas do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba

GELPI, Ettore. Futurs du travail. Paris: L'Harmattan, 2001.

Nós, que gostamos de ser educadores, aprendemos a lidar com a verdade, por pior que ela seja. Ela pode deixar-nos imobilizados. Também pudera, o tema da reestruturação produtiva, impondo a adequação do sistema educativo dos países como estratégia para o alcance de indicadores de competitividade, não pode ser adocicado. Exclusão social e desemprego estrutural são as faces mais íntimas da 3ª revolução industrial. Cada vez que nos apregoamos mais críticos, mais somos desconfiados em relação à nossa própria crítica. É mesmo verdade: o vigor da crítica tem que ser do mesmo tamanho que o da proposição. Quanto mais convencidos de que o sistema educativo tem uma implicação direta com as linhas de montagem, mais sentimo-nos impotentes.

O livro de Ettore Gelpi está situado no campo daqueles que assumem o desafio de imprimir vigor decisivamente propositivo na compreensão dos temas do espaço público de direitos, da democracia, da cidadania e da qualidade. Eles são muito mais que categorias de análises. São valores pelos quais damos sentido ao nosso trabalho. Assumimos com maior facilidade nossa condição de seres passionais. Produzimos um conhecimento e uma cultura de nosso trabalho. Invocamos uma proposição sem dissociá-la da cara do autor. As idéias não substituem um corpo. Por isso, Merleau-Ponty refere-se ao corpo como o que está em todo e em nenhum lugar. Mencionamos esta idéia porque o autor deste livro desapareceu, e nós da Universidade Federal da Paraíba fomos, talvez, seus últimos interlocutores, discutindo as idéias aqui apresentadas em sua presença. Estávamos juntos naquele 11 de setembro. Lidamos com memórias e somos advertidos por elas: Paulo Freire, que produziu uma Pedagogia do oprimido, teve necessidade de produzir uma Pedagogia da esperança. Trabalhamos com saudade, com raiva, e agora estamos aprendendo a trabalhar cultivando a esperança. Nossas narrativas é que humanizam o tempo. Qualquer hipótese sobre o futuro só se sustenta nas referências sobre como pretendemos que ele seja. Não sendo voluntaristas aprendemos a pensar cenários e tendências. O futuro do trabalho não deriva de nenhuma lei. O futuro não será dos eleitos. Efetivamente, ele não sairá pronto de nenhuma usina.

Ettore Gelpi convida-nos a uma reflexão sobre o valor do trabalho com base na análise dos processos de mudança tecnológica e de socialização. De um lado o laissez-faire da lei do mercado impõe cenários com as tendências que já observamos: o recrudescimento do desenvolvimento excludente, nos países industrializados; diminuição da categoria assalariada; aumento dos trabalhadores independentes; fortes movimentos migratórios; aumento dos tempos de não-trabalho (desemprego, lazer, formação, estudo etc). Nos novos países industriais: a aceleração da economia informal no meio urbano e rural, a coabitação do trabalho pré-industrial, industrial e pós-industrial e um forte apelo para a formação técnica e profissional. Nos países em desenvolvimento: mantém-se o preço baixo das matérias-primas com pouco investimento de capital, a resposta à falta de emprego na administração, na produção industrial e de serviços recrudescerá o trabalho informal.

De outro lado, os movimentos sociais estão desafiados a fazer o social avançar sobre o mercado. Nos novos países industrializados, na América Latina e na Ásia se desenvolverão movimentos sociais significativos, com os trabalhadores reivindicando uma divisão mais equânime de renda, a criação de empregos correspondentes às suas qualificações e proteção social fortalecida. Nos países industrializados, ver-se-á, possivelmente, a luta tradicional pela manutenção ou pelo aumento dos salários acompanhada da reivindicação por uma melhor qualidade de vida no local de trabalho, na cidade ou no campo. O trabalho político é a esperança para os países mais explorados e não há ação política sem pensamento político, sem ideologia política. A exortação é clara: é hora de reabilitar a política, e ela deve deixar de ser uma arte de manipulação e de concorrência para tornar-se uma verdadeira ciência de construção de novas solidariedades humanas. O desejo e a insatisfação, a ação individual e coletiva, a revolta e a integração são a base de evolução do trabalho e da cultura.

A exploração dos trabalhadores criou nos séculos XIX e XX, em um certo número de países, os sindicatos e os sistemas de seguridade social. As lutas empreendidas pelos trabalhadores traduzem-se, com o tempo, nas conquistas sociais não negligenciáveis. Inúmeros trabalhadores experimentam uma degradação de suas condições de trabalho: a pressão da hierarquia, a introdução de sistemas de comunicação encarregados de difundir o pensamento da direção, a multiplicação dos controles e das avaliações, a concorrência, não apenas entre empresas rivais, mas também no interior do serviço das empresas e entre as pessoas que nelas trabalham, tudo isso associado a chantagens e sanções.

A renovação rapidíssima dos temas e métodos de gestão da empresa traduzem o mal-estar do qual se ressentem inúmeros quadros superiores. As políticas de emprego que contribuem para penalizar os setores mais desfavorecidos acentuam a separação entre o trabalho e a socialização, impondo a subordinação do trabalho ao mercado. As oposições entre trabalho manual e intelectual, trabalho e socialização não desapareceram. O futuro, para a grande maioria das populações, depende da redução da jornada de trabalho, das mudanças de tarefas, da divisão do trabalho e das pesquisas relacionadas ao estudo das novas identidades, da afirmação dos trabalhadores como sujeitos e não como objetos da lógica do just in time. A integração entre trabalhadores com emprego e trabalhadores precarizados é que poderá definir diretamente a organização do trabalho. A luta pela redução da jornada de trabalho não é somente uma luta para combater o desemprego, mas para avançar na construção de um modo de vida alternativo para mulheres e homens, e para um modelo socioeconômico que coloque a economia ao serviço das pessoas e não o inverso.

Quais lutas? Quais proposições? Quais alternativas? As respostas mais estratégicas e prioritárias para o desenho do futuro do trabalho passam pelos movimentos sociais. O desafio para tais movimentos é sua relação com os setores mais amplos da população e não somente com os grupos que já encontraram satisfação, autonomia e prazer no trabalho. Gelpi enfatiza que os filósofos de Atenas são mais numerosos que no passado, mas os escravos também. Quando se fala numa sociedade do conhecimento, convém lembrar que não se pode permitir esse tipo de apartheid no século XXI. Assim como as novas tecnologias podem contribuir para criar autonomias na esfera individual e na esfera coletiva, elas podem criar novas dependências ou exclusões. As revoluções tecnológicas podem ser a origem de uma monocultura produtiva, lingüística, cultural e genética ou pode ser um instrumento para a ela opor-se. A informatização progressiva do trabalho, bem como a precarização das relações laborais são também resultados intencionais da revolução tecnológica e científica coordenada de modo unilateral.

A resposta à crise do taylorismo e do fordismo não pode ser a celebração do trabalho informal. Convivemos com uma divisão internacional do trabalho que continua a dividir os países e a dividir mais do que nunca os indivíduos quanto ao acesso e à participação na produção. Uma parte dos países está em condições de negociar sua participação na economia mundial; outros sobrevivem à dependência econômica. A aceleração da migração segue acompanhada da inserção dos migrantes no processo de produção. Existe a especificidade do trabalho do migrante sobre um plano cultural, econômico e social. O trabalho do migrante é acompanhado pelo dos trabalhadores refugiados, variável particular do migrante. A migração é progressivamente diversificada porque envolve trabalhadores superqualificados, subqualificados e não-qualificados em relação às demandas das estruturas produtivas. O emprego, no sentido jurídico do termo, continuará a representar uma minoria de trabalhadores, até quando os grandes movimentos sociais puderem opor-se à condição de permanente precariedade dos trabalhadores: o trabalho previsto dos trabalhadores assalariados em curto prazo, com grande instabilidade contratual; trabalhadores atípicos no sentido amplo (autônomos, artesãos, artistas, remunerados por peça etc.); as atividades remuneradas por meio de troca, de bens ou de trabalho; as atividades intermediárias entre voluntariado e trabalho remunerado, o trabalho do desempregado que é uma necessidade para sua sobrevida psíquica e de sua família; o trabalho comunitário que responde sempre às demandas mais urgentes no âmbito da comida e da moradia.

Os limites das pesquisas sobre o desenvolvimento do trabalho expressam-se no interesse apenas relativo às culturas do trabalho. Há uma expropriação progressiva das culturas nos países do Hemisfério Sul que conheceram a exploração de suas riquezas minerais, de seus homens por meio da escravidão e da colonização, conhecem também a progressiva alienação de seus próprios habitantes que são levados a esquecer suas culturas e notadamente aquelas do trabalho. A falta de interesse pelas tradições culturais conduz a análises que não levam em conta a construção histórica e contemporânea do trabalho, pelas das ligações familiares, sociais e estéticas que permitem suportar suas dificuldades. Uma parte do planeta, após ter esquecida sua identidade, implora o trabalho que existia sob outras formas e que foi destruído. Diante dos novos modelos do trabalho e de sua organização, as pessoas são esvaziadas de sua história.

É preciso reafirmar que a cultura do trabalho não está apenas "viva ainda", mas que ela é essencial para produção de identidades. Por isso o tema da diversidade implica o sentimento de pertença étnica, lingüística, religiosa, e ainda, as relações entre as idades, o gênero, o acesso à formação e a informação, indissociados do mundo da produção. Esse mundo acentua o processo de diferenciação entre as classes trabalhadoras. O desempregado muda sua identidade ao estabelecer uma relação com o tempo associada a um tempo de emprego e este tempo indefinido de desemprego. O acesso aos cuidados médicos, o direito à renda, o tipo de ambiente no qual se vive, o grau de movimento que se possui, ter ou não uma deficiência física, são situações implicadas na construção de identidades. Trabalhadores da agricultura, da indústria e de serviços são convidados a reiniciar suas vidas do zero se quiserem se integrar na produção, sempre de modo periférico, aleatório e provisório. Sabemos que ontologicamente isso não é admissível. Somos impossibilitados de zerar nossa historicidade, caso contrário não teríamos inventado o termo amnésia que, aliás, designa uma patologia. Para não deixar nenhuma dúvida o autor declara: "Eu me coloco no lugar daqueles que trabalham e dos que estão desempregados, e não apenas das instituições cuja função é a regulação da formação dos homens e das mulheres para responder ás exigências do mercado do trabalho" (p.74).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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