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RESENHAS

Adriana Cláudia TurminaI; Vânia Maria AlvesII

IMestre em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: aturmina@hotmail.com

IIMestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC. E-mail: vaniamarialaves@bol.com.br

CORDOVA, Rogério de Andrade, GUSSO, Divonzir Arthur, LUNA, Sérgio Vasconcelos de. A pós-graduação na América Latina: o caso brasileiro. Brasília: UNESCO/CRESALC/MEC/SESU/CAPES, 1986, 218p.

No ano em que a pós-graduação stricto sensu em educação no Brasil comemora seu quadragésimo aniversário, voltamos nosso olhar para uma das obras que congrega, numa perspectiva histórica, as origens dessa modalidade de ensino em nosso país.1 1 Diferentemente das resenhas que costumamos ler, as quais geralmente cumprem o objetivo de pré-apresentar um livro que está em período de lançamento, optamos pelo resgate de um livro que pode ser considerado documento de época da pós-graduação brasileira quando ainda da sua expansão como sistema de ensino. Esta opção deve-se, especialmente, a este número temático da Revista Brasileira de Educação, que contempla os 40 anos da pós-graduação no Brasil. A pós-graduação na América Latina: o caso brasileiro2 2 Observamos que embora o título faça referência à pós-graduação na América Latina a obra trata exclusivamente da experiência brasileira. desafia-nos a refletir acerca do que significou a sua criação nas universidades brasileiras. Esse livro é fruto de uma ampla pesquisa envolvendo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) com o Centro de Estudos Superiores para a América Latina e o Caribe (CRESALC), e representa a caracterização do que é a gênese e a expansão do sistema brasileiro de pós-graduação. Longe de ser um trabalho meramente quantitativo, dado o grande número de tabelas apresentadas ao longo do texto, os autores brindam-nos com um precioso material que possibilita entender a trajetória, as especificidades e a complexidade que circundava o desenvolvimento da pós-graduação no Brasil a partir dos anos de 1950 e de 1960.

A pesquisa abrangeu, em sua amostra, 36 cursos de pós-graduação (26 cursos de mestrado e 10 cursos de doutorado), em 14 instituições diferentes, a maioria do sistema público de ensino, das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. As áreas do conhecimento eleitas para estudo foram: ciências biológicas, ciências exatas e da terra, engenharias, ciências sociais, humanidades e educação, observando-se como critério final para seleção dos cursos aqueles que haviam recebido conceito "A" nas avaliações da CAPES, nos anos anteriores. O processo de coleta de dados privilegiou o período compreendido entre dezembro de 1983 e agosto de 1984. A pesquisa envolveu coordenadores, professores e alunos dos cursos de pós-graduação então selecionados.

A emergência dessa modalidade de ensino no Brasil, ainda que tardiamente se comparada às instituições européias e norte-americanas, tem uma história e um desenvolvimento peculiar. Esse movimento é captado pelos autores numa espécie de "radiografia" em que a pós-graduação aparece entrelaçada com os processos de transformação econômica, política, social, educacional e cultural do país, e é por isso que eles afirmam que "a ciência não se faz por curiosidade e auto-satisfação intelectual, mas já para dar conta de problemas concretos" (p. 7).

No primeiro capítulo, "A emergência da pós-graduação no Brasil", os autores fazem uma retrospectiva do movimento histórico em cujo bojo emergiu o sistema brasileiro de pós-graduação. A tese central é a de que a gênese dos estudos pós-graduados no Brasil, em primeiro lugar, se confunde com "as lutas pela formação da comunidade científica brasileira e pela constituição de seus espaços institucionais" (p. 1). Somente mais tarde se "entrelaça à Universidade com o surgimento da consciência de que o país se embaraçava nas teias da dependência tecnológica" (idem, p. 1). Dessa forma, "a pós-graduação gera-se por movimentos predominantemente exógenos aos processos que movem o sistema brasileiro de ensino superior" (idem, ibidem). Nesse sentido, ao examinar o contexto histórico-estrutural do desenvolvimento da pós-graduação, a obra apresenta os movimentos pretéritos da pesquisa científica, desde os tempos do Brasil Colônia, com destaque para a criação de espaços para a formação da comunidade científica brasileira, coroada com a implantação de várias instituições, em diferentes áreas, como o Instituto Manguinhos, no Rio de Janeiro, o Instituto Butantã, em São Paulo, e o Instituto Ezequiel Dias, em Minas Gerais.

A pesquisa científica passou a ser incorporada mais tarde às universidades, sendo que a Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920, a Universidade de São Paulo, fundada em 1934, e a Universidade do Distrito Federal, organizada em 1935, estão entre as pioneiras que, juntamente com os vários institutos e museus, passaram a ser os grandes centros de atividade científica e de ensino de alto nível no Brasil. Até então, a formação dos cientistas brasileiros dava-se no exterior, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, bem como nos já citados institutos por meio da convivência com cientistas estrangeiros.

De acordo com os autores, diferentes vertentes de autodesenvolvimento, de convivência com mestres estrangeiros, de luta pela conquista de espaços, de agregações socioprofissionais, de intercâmbio externo, de formação de grupos e de correntes de idéias políticas e educacionais, além da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da CAPES em 1951, levaram ao desenvolvimento da comunidade científica das décadas seguintes e aos primeiros movimentos de implantação de estudos pós-graduados no Brasil, que se efetivou em 1965, por meio do parecer CFE nº 977/65, de autoria de Newton Sucupira.

Após a análise dos elementos históricos que contribuíram para e condicionaram o surgimento da pós-graduação no Brasil, os autores convidam-nos a adentrar no capítulo dois, "A gênese dos programas e os elementos de contexto", cujo intuito é apreciar as razões específicas que viabilizaram a criação e a inserção dos programas analisados no estudo na estrutura das universidades ou instituições de ensino. Em síntese, "institucionalizar o espaço da pesquisa científica e proporcionar a titulação docente eram, pois, os móveis principais para a implantação dos programas" (p. 47). Disso resulta a afirmação do paradigma humboltiano como norteador das atividades acadêmicas, que enfatiza uma universidade voltada para a pesquisa. Além da afirmação desse paradigma, os autores voltam seus olhares para: a demanda docente;3 3 A partir do olhar dos coordenadores dos programas, os autores percebem que a preocupação preponderante está relacionada com a formação de recursos humanos para o desenvolvimento científico e tecnológico, entendida em três dimensões principais: a formação de recursos humanos para a pesquisa, a formação de recursos humanos para a universidade e a formação de recursos humanos para atender à necessidade do setor produtivo. a demanda estudantil; a emulação acadêmica e a competição interinstitucional; o corporativismo ausente;4 4 Neste momento, os autores pontuam o surgimento, em diversas áreas do conhecimento, de associações nacionais de pós-graduação, a saber: a Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (ANPEC); a de Política e Sociologia (ANPOCS); a de Educação (ANPEd) e a de Administração (ANPAD). o papel das agências de fomento e a influência estrangeira no desenvolvimento dos programas no país.

No terceiro momento, "Os programas de pós-graduação: vinculação, recursos e organização interna", é apresentada a estruturação nas universidades e a conformação interna dos programas de pós-graduação. Segundo o depoimento dos coordenadores de cursos, a pós-graduação brasileira integrou-se formalmente à estrutura das universidades, seguindo as disposições legais advindas da lei nº 5.540, de novembro de 1968, responsável pela Reforma Universitária, passando a ter nos departamentos sua unidade básica de organização administrativa, didático-científica e de alocação de pessoal. Com a multiplicação dos programas, criaram-se posteriormente as pró-reitorias de pós-graduação e pesquisa, mas ainda assim a maioria deles permanecia vinculada à graduação. No que diz respeito ao financiamento naquela época, ficou evidenciado que havia um significativo grau de dependência por parte dos programas com relação aos recursos externos à universidade. Quanto à organização interna, a pesquisa evidenciou a possibilidade de afirmar que a pós-graduação é um setor marcadamente democrático dentro das universidades brasileiras.

O quarto capítulo, "Os atores centrais", compreende uma análise minuciosa dos atores que compõem a pós-graduação: a coordenação, os professores e os pós-graduandos. O objetivo dos autores é descrever as características principais do processo diretivo e dar uma visão das características dos corpos docente e discente.

No que se refere à coordenação dos programas de pós-graduação, do ponto de vista do poder decisório ela pode ser caracterizada por seu papel democrático. De acordo com os dados colhidos no momento da pesquisa, a maioria dos docentes vinculava-se aos cursos de forma permanente; o segundo maior contingente era de professores participantes. No tocante à titulação, a maioria era de doutores. Em relação ao regime de trabalho, a maior parte dos professores tinha dedicação exclusiva.

Com relação aos estudantes, buscou-se saber: o motivo que os levou aos estudos pós-graduados, a idade, o sexo, a origem socioeconômica e cultural, bem como a condição acadêmica dos candidatos e dos alunos novos, além da situação de trabalho e dedicação aos estudos. Chama a atenção o fato de que os estudantes ingressaram na pós-graduação por conta de uma acentuada percepção das mudanças no contexto socioeducativo e da possibilidade de abertura de novos canais de ascensão social.

O quinto capítulo, "O ensino e a pesquisa na pós-graduação", registra um olhar mais detalhado do exercício das funções básicas de ensino e pesquisa dos atores. As questões em destaque são: quais as características do processo de ensino-aprendizagem desenvolvido nos programas, e em que se diferencia do ensino de graduação? E como se dá o processo de pesquisa dentro deles? Como se dá o ensino para a investigação? Uma primeira constatação que aparece na análise dos resultados da pesquisa é que persiste o ensino tradicional. Embora houvesse flexibilidade dos currículos, os procedimentos didáticos mais utilizados eram as aulas teóricas, expositivas e formais, e os instrumentos mais comuns de avaliação referiam-se aos trabalhos escritos ou monografias, provas e exames escritos por disciplina. O grande diferencial dos procedimentos pedagógicos da pós-graduação era o regime de tutoria acadêmica, indicando que as atividades de pesquisa conquistaram, definitivamente, seu espaço nas instituições de ensino superior.

Em a "Avaliação e auto-imagem da pós-graduação", título do sexto capítulo, os autores oferecem uma visão avaliativa das condições de trabalho desse nível de ensino e da auto-imagem que os coordenadores, professores e alunos fazem dos seus programas. Em relação ao primeiro aspecto, são abordadas questões referentes à disponibilidade de recursos, características dos planos de estudo e das bibliotecas utilizadas, bem como os aspectos críticos que envolvem os estudos desenvolvidos nos programas. No segundo, observa-se o nível de exigência acadêmica dos programas, seu grau de diferenciação e de integração com a graduação e, finalmente, as opiniões a respeito do grau de auto-suficiência do sistema para formação de profissionais de alto nível no país.

A pesquisa mostrou, segundo os autores, que os programas, à época, desfrutavam de prestígio no âmbito das universidades e no seio da sociedade. Contudo, alertam para o fato de que se faziam necessárias medidas de apoio externo para que esse prestígio não viesse a ruir, sendo fundamental que a produção de pesquisa e a formação de professores assumissem um padrão de qualidade e um grau de relevância tal que não permitissem frustrar uma das mais destacadas conquistas da sociedade brasileira e latino-americana no plano do desenvolvimento cultural, científico e tecnológico, que foi e é a pós-graduação stricto sensu.

Salientamos, ainda, a importância de retomar a publicação de A pós-graduação na América Latina: o caso brasileiro, não apenas como curiosidade histórica, mas, sobretudo, para perceber que nessas quatro décadas a pós-graduação brasileira se desenvolveu muito, não apenas em quantidade, mas em qualidade. Além disso, a obra nos permite olhar, comparativamente, o passado e o presente, no sentido de compreender melhor alguns aspectos de permanência e de avanços e apontar desafios a serem enfrentados por essa modalidade de formação em nosso país.

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    Diferentemente das resenhas que costumamos ler, as quais geralmente cumprem o objetivo de pré-apresentar um livro que está em período de lançamento, optamos pelo resgate de um livro que pode ser considerado documento de época da pós-graduação brasileira quando ainda da sua expansão como sistema de ensino. Esta opção deve-se, especialmente, a este número temático da
    Revista Brasileira de Educação, que contempla os 40 anos da pós-graduação no Brasil.
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    Observamos que embora o título faça referência à pós-graduação na América Latina a obra trata exclusivamente da experiência brasileira.
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    A partir do olhar dos coordenadores dos programas, os autores percebem que a preocupação preponderante está relacionada com a formação de recursos humanos para o desenvolvimento científico e tecnológico, entendida em três dimensões principais: a formação de recursos humanos para a pesquisa, a formação de recursos humanos para a universidade e a formação de recursos humanos para atender à necessidade do setor produtivo.
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    Neste momento, os autores pontuam o surgimento, em diversas áreas do conhecimento, de associações nacionais de pós-graduação, a saber: a Associação Nacional de Pós-Graduação em Economia (ANPEC); a de Política e Sociologia (ANPOCS); a de Educação (ANPEd) e a de Administração (ANPAD).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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