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Ingresso, permanência e competência: uma realidade possível para universitários com necessidades educacionais especiais

Enrollment, permanence and competence: a possible reality for university students with special educational needs

Resumos

A experiência desenvolvida pelo PROENE - Programa de Acompanhamento a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais é relatada com o fim de compartilhar algumas reflexões, dificuldades, desafios e proposições com os pares de outras instituições de ensino superior envolvidos nesta modalidade de atendimento, ou que pretendam criar o seu próprio serviço, conforme características e condições específicas de suas realidades. O programa é composto por profissionais oriundos das áreas de Serviço Social, Educação e Psicologia, responsáveis por: a) identificar as dificuldades e necessidades especiais concernentes ao processo de ensino-aprendizagem-avaliação apresentadas pelo estudante e b) propor recursos e estratégias que reduzam ou eliminem as dificuldades e demandas especiais identificadas. Essas ações da equipe, associadas a um trabalho de mediação junto aos colegiados de curso e demais professores inseridos na situação, têm se mostrado eficazes para o bem estar físico e emocional dos estudantes acompanhados, bem como para a melhoria das condições indispensáveis à sua aprendizagem e formação profissional qualificada, desde o ingresso até o final de sua trajetória acadêmica.

inclusão; necessidades educacionais especiais; instituição de ensino superior; educação especial


The experience developed by PROENE - Programa de Acompanhamento a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais is described with the aim of sharing in some reflections, difficulties, challenges and proposals with peers from other undergraduate institutions of higher learning involved with this service modality, or who intend to create such a service, tailored to specific conditions and context. The staff of the program is composed by professionals coming from Social Services, Education and Psychology. These professionals are responsible for: a) identifying the difficulties and special needs related to the teaching-learning-evaluation process of the student and b) recommending resources and strategies to reduce or eliminate the identified difficulties and demands. The team's actions, along with mediation efforts which attempt to work with the various teachers of the courses involved, as well as with other concerned professors have been shown to demonstrated to improve the physical and psychological wellbeing of the students being followed. This mediation process also enhances conditions required for the learning process and for a qualified professional development, from the moment of registration on through to graduation.

inclusion; special educational needs; higher education; special education


RELATO DE PESQUISA

Ingresso, permanência e competência: uma realidade possível para universitários com necessidades educacionais especiais

Enrollment, permanence and competence: a possible reality for university students with special educational needs

Solange Leme Ferreira

Docente do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina e, há 16 anos, atuando no PROENE – Programa de Acompanhamento a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais - rafafes@hotmail.com

RESUMO

A experiência desenvolvida pelo PROENE – Programa de Acompanhamento a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais é relatada com o fim de compartilhar algumas reflexões, dificuldades, desafios e proposições com os pares de outras instituições de ensino superior envolvidos nesta modalidade de atendimento, ou que pretendam criar o seu próprio serviço, conforme características e condições específicas de suas realidades. O programa é composto por profissionais oriundos das áreas de Serviço Social, Educação e Psicologia, responsáveis por: a) identificar as dificuldades e necessidades especiais concernentes ao processo de ensino-aprendizagem-avaliação apresentadas pelo estudante e b) propor recursos e estratégias que reduzam ou eliminem as dificuldades e demandas especiais identificadas. Essas ações da equipe, associadas a um trabalho de mediação junto aos colegiados de curso e demais professores inseridos na situação, têm se mostrado eficazes para o bem estar físico e emocional dos estudantes acompanhados, bem como para a melhoria das condições indispensáveis à sua aprendizagem e formação profissional qualificada, desde o ingresso até o final de sua trajetória acadêmica.

Palavras-chave: inclusão; necessidades educacionais especiais; instituição de ensino superior; educação especial.

ABSTRACT

The experience developed by PROENE – Programa de Acompanhamento a Estudantes com Necessidades Educacionais Especiais is described with the aim of sharing in some reflections, difficulties, challenges and proposals with peers from other undergraduate institutions of higher learning involved with this service modality, or who intend to create such a service, tailored to specific conditions and context. The staff of the program is composed by professionals coming from Social Services, Education and Psychology. These professionals are responsible for: a) identifying the difficulties and special needs related to the teaching-learning-evaluation process of the student and b) recommending resources and strategies to reduce or eliminate the identified difficulties and demands. The team's actions, along with mediation efforts which attempt to work with the various teachers of the courses involved, as well as with other concerned professors have been shown to demonstrated to improve the physical and psychological wellbeing of the students being followed. This mediation process also enhances conditions required for the learning process and for a qualified professional development, from the moment of registration on through to graduation.

Keywords: inclusion; special educational needs; higher education; special education.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Falar em diversidade, não significa necessariamente falar de minorias, mas do coletivo, que traz em seu interior as diferenças individuais (GUIJARRO, 1998). E há que se complementar: falar em diversidade é falar de oportunidade, flexibilidade, adaptações e respeito às limitações, dificuldades e necessidades especiais do outro.

Tal enfoque não deve ser diferente no contexto educacional. Portanto, para serem respeitados os três direitos humanos fundamentais de educação, igualdade de oportunidades e participação social, apontados por Pacheco e Costas (2006), devem ser propiciadas as condições apropriadas às pessoas especiais desde a sua educação básica até o ensino superior.

Segundo Moreira (2005), no Brasil, quase não há pesquisas que explicitem a real situação de pessoas especiais nas universidades, o que poderia indicar, sobretudo, a carência de políticas públicas que avancem para uma educação inclusiva no ensino superior. Pacheco e Costas (2006) afirmam que os estudos realizados sobre o acesso e permanência dos estudantes com necessidades especiais, nas Instituições de Ensino Superior – IES - do Brasil, demonstram que são isoladas e insuficientes as iniciativas de proporcionar a eles apoio psicopedagógico para atender as demandas existentes.

Para Castanho e Freitas (2006), todos os contextos educacionais, e entre os quais as IES, são responsáveis pela promoção da cidadania e, como tal, têm o dever de oportunizar e incentivar a educação para todos. A este respeito, é possível estender a reflexão um pouco mais além. Se, "[...] todo conhecimento é uma produção social, isto é, nasceu num espaço e num tempo em função dos desafios sócio-cognitivos de um contexto [...] é uma produção humana e, como tal, é fruto de inquietações, contradições[...]" (CUNHA, 1998, p.10), então, os professores universitários, e os demais envolvidos com esta etapa de ensino formal, não podem mais se omitir de envolvimento no novo paradigma da educação, desencadeado pela existência e presença da diversidade humana, na qual se encontram as pessoas com algum tipo de deficiência ou quadros de doenças.

As deficiências e as doenças são condições, definitivas ou transitórias, que implicam em determinadas necessidades, que são chamadas de especiais – NE - se não forem compartilhadas pela maioria das pessoas. Caso essas necessidades especiais não possam ser atendidas pelos meios tradicionais de ensino, por demandarem uma série de recursos e estratégias de caráter mais especializado por parte da instituição, elas passam a denominar-se de necessidades educacionais especiais - NEE.

Quando um indivíduo, com NE ou NEE, se encontra matriculado na instituição regular de ensino, é comum que se afirmem tratar-se de um estudante que foi incluído naquela escola. Será? Estarão sendo garantidas a ele as condições, conforme apontadas por Pacheco e Costas (2006), de acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, de acolhimento e aceitação às diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões de vida?

Inclusão não significa inserir a pessoa com limitações ou dificuldades, e necessidades especiais como mais uma na instituição educacional. Segundo Carvalho (1999), incluir significa organizar e implementar respostas educativas que facultem a apropriação do saber, do saber fazer e da capacidade crítica e reflexiva; envolve a remoção de barreiras arquitetônicas sim, mas sobretudo das barreiras atitudinais - aquelas referentes ao "olhar" das pessoas normais e desinformadas – para que se promova a adequação do espaço psicológico que será compartilhado por pessoas muito diferentes entre si.

É preciso também a formação continuada de professores, adaptação do currículo, assessoria psicopedagógica, produção e adequação de recursos pedagógicos, pois é impossível apregoar a inclusão sem ações que equiparem as condições para o acesso ao ensino, aprendizagem e avaliação. Segundo Sassaki (apud VIVARTA, 2003, p. 24-25), há seis modalidades básicas de acessibilidade: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal, esclarecendo que a tecnológica não é uma outra modalidade, pois a tecnologia deve permear todas as anteriores, exceção feita à acessibilidade atitudinal.

Para efetivar a inclusão, as NEE do indivíduo devem ser atendidas em toda a sua trajetória escolar - acesso, ingresso, permanência e saída. Carvalho (1999) diz que acesso refere-se à trajetória acadêmica que antecede o terceiro grau; ingresso refere-se ao "rito de passagem" pelos exames de vestibular e permanência refere-se à continuidade dos estudos. Portes (1993) refere-se à trajetória escolar como sendo o caminho percorrido pelos atores sociais ao longo de todo o sistema de ensino, bem como ao significado atribuído pelos próprios atores a esse percurso. O autor diz que a permanência na universidade implica num trabalho constante, em freqüência, participação, dedicação e vigilância cotidiana das obrigações acadêmicas, enquanto que a entrada e permanência buscam garantir a saída, que pode ser em época diferenciada ou não, marcada por dificuldades e interrupções, devidas a fatores individuais, psicológicos, socioculturais e institucionais. Neste contexto, então se faz premente que a política de atendimento ao estudante com NEE, nas IES, conforme concorda Sá (2001), envolva o atendimento de suas necessidades no âmbito acadêmico e também de saúde, a fim de que os resultados possam estender-se à sua qualidade de vida e de formação profissional.

Em 1972, as universidades norte americanas iniciaram serviços especializados voltados à vida independente dos estudantes com deficiência, que foram sendo implementados, sobretudo na década de 90, a partir do desenvolvimento do conceito de acessibilidade (SASSAKI, 2001).

No Brasil, algumas IES têm desenvolvido ações para minimizar as dificuldades enfrentadas por estudantes com necessidades especiais. Um exemplo, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal/RJ, é Programa de Orientação Psicopedagógica e Profissional - POPPE, trabalho institucional de Hoirisch et al. (1993) na prevenção de graves problemas pessoais, acadêmicos e de saúde, principalmente porque quando ingressam no ensino superior os estudantes se encontram numa fase da vida em que surgem ou se intensificam os conflitos existenciais, paralelamente à tomada de decisões para a sua vida atual e futura.

Em Belo Horizonte, a Fundação Universitária Mendes Pimentel - FUMP, da UFMG, programas voltados à vida universitária empreendem ações de caráter sócio-educativo (REZENDE, 2002). Estudantes com crises depressivas, surtos psicóticos, fobias, desadaptação ao ambiente universitário e à vida em outra cidade, segundo Mourão (2003), são casos cotidianos atendidos pelos psicólogos da equipe ou conveniados.

Um programa constituído por sete grupos, que atende estudantes, funcionários e professores (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2003), é o responsável pela assessoria ao vestibular e concursos públicos, acessibilidade arquitetônica, socialização, acompanhamento acadêmico e incentivo a pesquisas. O atendimento vem sendo aprimorado, extensivo a todas as diferenças, instaladas ou transitórias. Conforme Soares (2000), no vestibular da UNB, são considerados com diferenças transitórias os candidatos nas seguintes condições: com doenças infecto-contagiosas, presidiário, gestante de risco ou a partir do sétimo mês de gravidez, lactante até o terceiro mês, hospitalizado por acidentes, problemas cirúrgicos, parto ou outros, e aqueles com problemas psiquiátricos que fazem uso de medicamento.

Diante do número cada vez maior de estudantes que procuravam os psicólogos professores na instituição para desabafar, em 1998 a UniFieo – Fundação Instituto de Ensino de Osasco, criou o CAEF - Centro de Atendimento ao Estudante Fieo, para oferecer a eles a psicoterapia breve, entre outras formas de apoio. Noguera (2003) cita Sherry Benton - do Centro de Aconselhamento da Kansas State University – que tem constatado ser cada vez maior a necessidade de um trabalho multidisciplinar de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais nas universidades, diante da complexidade dos problemas atuais que resultam em ansiedade e estresse, seguidos por dificuldades no relacionamento e depressão. Portes (1993) destaca a importância também da atuação do pedagogo e do psicólogo neste tipo de trabalho, os quais devem saber seus limites e possibilidades, não no sentido de uma exclusão recíproca – que levaria a uma ruptura corporativa e pouco científica – mas no sentido de saber flexionar, à exaustão, suas áreas de conhecimento e atuação, na busca de uma complementaridade necessária à compreensão da situação que deve ser, senão resolvida, ao menos minimizada.

Para os cursos de Medicina, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo criou o Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno (CEDEM, 1994), visando auxiliar na discussão dos aspectos psicológicos da formação médica, nas pesquisas relacionadas a fatores de risco para suicídio, depressão e ansiedade, e na relação professor-aluno. Também existe a "USP Legal" (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2005), visando garantir aos funcionários, estudantes e docentes com deficiência, a acessibilidade física e pedagógica, mediante conscientização e sensibilização da comunidade uspiana, e a inserção do tema deficiência nos espaços regulares de ensino, pesquisa e extensão.

Na Universidade Federal do Paraná um grupo de trabalho faz o assessoramento aos docentes e estudantes visando a permanência daqueles com necessidades especiais na instituição, além de ações para implantar tópicos ou disciplinas sobre a educação especial nos seus diversos cursos. Esse grupo considera que a maior dificuldade na construção da universidade inclusiva são as barreiras atitudinais reveladas no cotidiano da instituição; para o manejo de tal questão, são propostos cursos aos docentes e funcionários (MOREIRA, 2000).

Também no Paraná, em 2004 a PUC de Curitiba iniciou um outro programa desta natureza, o GT - AUNE – Grupo de Trabalho de Apoio aos Universitários com Necessidades Especiais, destinado ao acesso à vida acadêmica, a proposição e aperfeiçoamento de procedimentos de ensino-aprendizagem-avaliação que atendam às suas demandas, levando-se sempre em conta a acessibilidade e autonomia destes cidadãos (ISRAEL, 2005).

Na Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o processo de inclusão dos estudantes com NEE, segundo Pacheco e Costas (2006), encontra-se em fase inicial, não existindo ainda uma política institucional para orientar a sua efetivação e, por conseguinte, sua experiência ainda não se encontra documentada.

Enfim, a inclusão de pessoas com NE ou NEE nas IES é gradativa, demanda mudanças estruturais e administrativas da instituição, e também na concepção de homem – indispensável à eliminação de barreiras atitudinais. Esta última é um tipo de modificação que, segundo Ferreira (2002), apenas se fará com um trabalho de informação, mobilização, conscientização, que instrumente e concretize a realização de ações de respeito à diversidade e valorização das diferenças como elementos enriquecedores da contínua aprendizagem que é a existência humana. Por isso, alerta Moreira (2005), a universidade deve ampliar o significado de sua função social a fim de que as pessoas com NEE deixem de ser representadas pelas categorias da ineficiência, do desvio, do atípico e do improdutivo e a elas sejam assegurados o direito à igualdade de oportunidades e à educação.

ORIGINANDO A INCLUSÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

Frente à solicitação para realizar avaliações acadêmicas diferenciadas, feita por um estudante com deficiência visual do Curso de Direito, em 31 de outubro de 1991 foi criada a CODE - Comissão Permanente de Atendimento a Alunos Portadores de Necessidades Educativas Especiais. Em maio de 2002, devido a amplitude e conformação que o atendimento foi adquirindo, esta comissão passou a denominar-se PROENE - Programa de Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Educacionais Especiais. Localizado na Pró Reitoria de Graduação, atualmente é constituído por profissionais das áreas de Serviço Social (01), Psicopedagogia (01) e Psicologia (01), e por docentes representantes dos departamentos de Educação (01) e de Psicologia Social e Institucional (01). Exceto a psicóloga, cujo trabalho se realiza em tempo integral, os demais profissionais da equipe atuam com cargas horárias que variam de 12 a 20 horas semanais. O programa é assessorado por uma secretária, habilitada como Técnica em Assuntos Educacionais.

Trata-se de uma equipe constituída visando identificar, avaliar e criar condições institucionais para que a pessoa com NEE possa expressar todo o seu potencial, a fim de que as suas limitações ou dificuldades não se tornem a causa de exclusão acadêmica. O trabalho realizado pelo o programa tem ciência de que a universidade não é uma instituição com fim terapêutico, mas que, no entanto, deve velar pela qualidade de vida e formação profissional de seus estudantes no ingresso, permanência e finalização do curso.

CONSTRUINDO A INCLUSÃO: RECONSIDERAÇÕES DO PROENE

No ano de 2006, decidiu-se reformular a atuação da equipe, o que envolveria uma redefinição da população alvo de inclusão acadêmica nesta universidade. Tal processo deveria ser iniciado pela busca de clareza quanto ao significado de NEE – por ser a presença desta o critério para a inserção do estudante no acompanhamento oferecido pelo programa.

Assim, após inúmeros momentos de reflexão e discussão, chegou-se a um consenso sobre o significado de Necessidades Educacionais Especiais, cujo paradigma elaborado para seu entendimento é apresentado no Quadro 1.


Frente a esta contextualização, foi possível definir que o programa acompanharia os estudantes que, em caráter permanente ou temporário, apresentassem condições especiais geradoras de limitações ou dificuldades, que se tornaram Necessidades Educacionais Especiais por demandarem apoio institucional especial no processo de ensino-aprendizagem-avaliação, a fim de que lhes fossem oportunizadas a equiparação de condições que levassem à expressão plena de seu potencial.

Porém nem tudo estava esclarecido. Eram muitos os vocábulos envolvidos na caracterização da NEE, suscitando equívocos quanto à exemplificação de cada um deles. Assim, a equipe foi organizando suas idéias, cada membro buscando mais informação em suas respectivas áreas de formação, a fim de que fossem respondidas algumas questões, tais como: quais características deveria apresentar o estudante considerado como tendo uma condição especial? Nas situações por ele vivenciadas, quais restrições deveriam ser consideradas como sua limitação ou dificuldade? Das necessidades decorrentes, como se delimitariam as demandas que seguramente eram educacionais? O que seriam respostas educacionais que deveriam ser disponibilizadas pela instituição como apoios pertinentes em cada condição especial apresentada pelo estudante?

O resultado deste outro momento de reflexões e discussões da equipe foi a elaboração de um conjunto de definições4 4 Participaram das reflexões para a elaboração desta proposição, os seguintes membros do PROENE 2006: Berenice de S. F. Barbosa (Técnica em Assuntos Educacionais); Elaine Teresa Gomes de Oliveira (Assistente Social); Gino Marzio Ciriello Mazzetto (Legislação de Ensino) e Ingrid Caroline de Oliveira Ausec (Psicóloga); que pudessem elucidar e exemplificar cada elemento componente do Quadro 1, nas diferentes condições especiais, transcrito a seguir.

CONDIÇÃO ESPECIAL I: Deficiência física

Descrição: malformação, amputação, paralisia, ou disfunção de partes do aparelho locomotor.

Limitações ou dificuldades: na mobilidade e/ou coordenação, de acordo com o tipo e magnitude de lesão ocorrida e segmentos do corpo afetados.

NEE: ampliação de prazo para integralizar o currículo; ampliação de tempo para a realização das atividades acadêmicas, tais como provas, trabalhos, exercícios em sala de aula: adequação de espaços físicos e mobiliários, entre outros.

Apoio Institucional: flexibilidade nos prazos acadêmicos, plano especial de disciplinas, parcelamento da série, remoção de barreiras físicas e arquitetônicas, adaptação de mobiliários e de procedimentos e recursos de ensino-aprendizagem-avaliação que levem em conta o tipo específico da NEE apresentada.

CONDIÇÃO ESPECIAL II: Deficiência visual

Descrição: perda total ou redução da visão, não compensada por órteses específicas.

Limitações ou dificuldades: na escrita convencional, na leitura visual e na locomoção,

NEE: materiais falados, escritos em Braile, ou impressos com fonte ampliada, flexibilidade referente ao cumprimento das atividades acadêmicas, organização de espaços físicos e mobiliários.

Apoio Institucional: máquinas para escrita e impressora em Braile; programas especiais de computador; ampliação do tempo para a realização de provas, entrega de trabalhos e exercícios em sala de aula; ampliação do tamanho da letra em provas, em transparências, ou em qualquer outro material informativo, entrega antecipada ao estudante de resumos de conteúdos que serão apresentados em VHS, DVD ou materiais impressos, plano especial de disciplinas, fracionamento da série, serviço de voluntários para a gravação e leitura de textos, adequação de espaços físicos e mobiliários, entre outros.

CONDIÇÃO ESPECIAL III: Deficiência auditiva

Descrição: perda total ou redução da audição, não compensada por órteses específicas.

Limitações ou dificuldades: na comunicação oral, na compreensão da escrita e da fala natural de pessoas ouvintes.

NEE: uso da língua de sinais, acesso frontal aos movimentos dos lábios e à expressão facial e gestual do interlocutor; uso de forma diferenciada ao responder, por escrito, às solicitações acadêmicas, tais como provas e pesquisas, entre outros.

Apoio Institucional: disponibilização de um intérprete de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, específico para o curso freqüentado, correção diferenciada, conforme prevista em Lei, de suas produções escritas, estudantes voluntários para auxílio nas atividades acadêmicas, entre outros.

CONDIÇÃO ESPECIAL IV: Dificuldade para aprendizagem,5 5 Tanto a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) quanto o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM – IV) referem-se à dificuldade de diferenciação e classificação dos quadros em "dificuldade para aprendizagem" ou "transtorno de aprendizagem" e "variações normais nas realizações escolares". Mais detalhes, ver OHLWEILER (2006) e ROTTA (2006). transtornos de aprendizagem, e dificuldade para a comunicação por meio da fala, leitura e/ou escrita.

Descrição: dificuldade para aprendizagem é uma inabilidade para aprender, na ausência de condições neurológica, sensorial, mental e psicológica que a justifique. Transtornos de aprendizagem são perturbações devidas a alterações do Sistema Nervoso Central, que interferem na aquisição e manutenção da informação, na ausência de comprometimento motor, retardamento ou doença mental, de desajuste emocional, ou de traumatismo. Segundo o CID-10 e o DSM-IV há três tipos de transtornos específicos da aprendizagem: da leitura (dislexia), de matemática (discalculia) e da escrita (disgrafia e disortografia). Por envolver uma dificuldade para a comunicação, temos incluído a gagueira na condição especial IV quando em magnitude que compromete o desempenho acadêmico do estudante.

Limitações ou dificuldades: na aquisição e utilização de conceitos, na atenção concentrada, na linguagem oral verbal e escrita, no raciocínio matemático, na comunicação por meio da fala, leitura e/ou escrita. No caso da gagueira, as limitações ou dificuldades localizam-se na comunicação oral.

NEE: uso de formas alternativas de comunicação e de produção oral e escrita para a realização das solicitações acadêmicas.

Apoio Institucional: orientação psicopedagógica específica para a leitura e compreensão de textos, escrita e expressão oral de conteúdos, raciocínio e cálculo matemático. Recursos para a comunicação alternativa oral e escrita: pranchas de comunicação e vocalizadores portáteis - para aqueles com fala inexistente ou de difícil compreensão - livros digitais, softwares para leitura, engrossadores de lápis, órteses para a digitação, computadores com programas específicos e periféricos especiais - mouse, teclado e acionadores. Serviço de voluntários como mediadores da comunicação entre os professores e demais estudantes e auxiliares atividades das disciplinas, entre outros.

CONDIÇÃO ESPECIAL V: Doença crônica6 6 Quando se tratar de ocorrência apenas temporária de algum tipo de doença física, o estudante deve utilizar o amparo da lei referente aos 25% de faltas permitidos em lei, para cada disciplina, não precisando ser acompanhado pelo programa. física

Descrição: comprometimento da saúde física, tais como: diabetes, câncer, epilepsia, Doença de Crohn, problemas renais crônicos, AIDS, hemofilia, entre outras.

Limitações ou dificuldades: na mobilidade, no cumprimento de prazos e realização de algumas atividades acadêmicas, nas formas geralmente programadas, desenvolvidas e avaliadas.

NEE: prazos e programações diferenciados, em decorrência dos procedimentos ambulatoriais, internações hospitalares e efeitos colaterais da medicação em uso.

Apoio Institucional: flexibilidade de prazos e programações, licenças especiais, plano especial de disciplinas, fracionamento da série e demais formas necessárias a cada quadro nosológico.

CONDIÇÃO ESPECIAL VI: Doença crônica7 7 Idem. emocional

Condição especial: manifestação de comportamentos típicos de patologias classificadas como Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-10 e DSM-IV), portanto, passível de ser devidamente atestada em laudo médico especializado. Exemplos: Síndrome do Pânico, Fobia Social, Depressão, entre outros.

Limitações ou dificuldades: presença de comportamentos cognitivos e sociais incompatíveis com aqueles necessários ao desempenho acadêmico.

NEE: prazos e programações diferenciados, em decorrência dos procedimentos ambulatoriais, internações hospitalares e efeitos colaterais da medicação em uso.

Apoio Institucional: flexibilidade de prazos e programações, licenças especiais, plano especial de disciplinas, fracionamento da série e demais formas necessárias a cada quadro nosológico.

Nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, também são consideradas as pessoas com altas habilidades/superdotação (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2002). Dado que o programa não efetuou o acompanhamento a estudantes com NEE devido à presença da mesma, tal condição e as especificidades a ela relacionadas não foram discriminadas na proposição formulada.

Feita caracterização da população a ser incluída no programa, há que se esclarecer como os estudantes têm acesso a esse programa. Os responsáveis pela organização e realização do concurso vestibular, ou os coordenadores dos Colegiados de Cursos, podem encaminhar o candidato ou o estudante, respectivamente, que apresenta uma condição especial, ou este, por si mesmo, pode requer o seu acompanhamento em qualquer ocasião: na inscrição ao vestibular, na matrícula inicial, ou durante o curso, mediante o preenchimento de um requerimento específico para tal. Após, o estudante é contatado pelo programa, a fim de que seja agendada a sua entrevista inicial.

EFETIVANDO A INCLUSÃO: PROCEDIMENTOS DO PROENE

O acompanhamento do estudante inicia por um momento de acolhimento, para assegurar a ele que não é um mero número na universidade e ouvir as suas solicitações quanto ao apoio institucional. Geralmente, as expectativas do estudante referem-se a tratamento de saúde física ou emocional, remoção de barreiras atitudinais, da comunicação, físicas e arquitetônicas, trancamento de curso ou prorrogação de prazo para seu término, licenças especiais, fracionamento de série, programas especiais de disciplinas, e até mesmo a auxílio para a sua condição de pobreza.8 8 O atendimento a esta solicitação não faz parte dos objetivos do PROENE

Nesta primeira entrevista são verificadas as reais limitações ou dificuldades geradas pela condição especial do estudante, bem como avaliadas as decorrentes necessidades especiais, sejam elas transitórias ou permanentes. A partir daí, as ações do programa serão efetivadas conforme a necessidade identificada - NE ou NEE. Se o estudante apresenta limitações ou dificuldades, que interferem em seu desempenho acadêmico, porém não se configuram como NEE, o entrevistador esclarece sobre os apoios institucionais gerais existentes; orienta sobre os encaminhamentos possíveis para o gerenciamento das limitações e dificuldades apresentadas; coloca-se à disposição para contato com os familiares e/ou outras instâncias; assegura a possibilidade de, mediante eventuais demandas, o estudante retornar para uma nova triagem; informa oficialmente o coordenador do colegiado sobre o não acompanhamento do estudante, por não apresentar NEE – o critério básico para tal.

Caso o estudante apresente limitações ou dificuldades que interferem em seu desempenho acadêmico, demandando, temporariamente ou definitivamente, apoios institucionais educacionais especiais, o entrevistador esclarece sobre os apoios institucionais especiais existentes,9 9 O Laboratório de Tecnologia Educacional (LABTED) tem sido um parceiro constante do programa, realizando o atendimento de estudantes com dificuldade de interpretação de textos, hábitos de estudo, de comunicação em público, confecção de materiais multissensoriais para apresentação de trabalhos, entre outras. ou a serem criados, indicados ao seu bem estar físico e emocional, à sua adaptação ao curso e à qualidade de sua formação profissional; agenda o primeiro retorno do estudante que, então, é cadastrado e será acompanhado pela equipe.

Os dados obtidos na entrevista inicial são apresentados em reunião semanal da equipe para ciência e, se necessário, discussão, a fim de que um resumo de informações sobre o estudante, com as respectivas sugestões ou solicitações sejam formuladas e encaminhadas oficialmente ao Coordenador de Colegiado de Cursos da Graduação ou da Pós-graduação e, se for o caso, também aos professores diretamente afetos à situação.

De acordo com a natureza da condição especial apresentada pelo estudante, as respectivas NEE avaliadas frente ao curso em que se encontra está matriculado, o programa tem desenvolvido várias ações, tais como:

o Discussão da situação, orientação e sugestões apropriadas ao caso, com os Coordenadores de Colegiados do Curso, professores, familiares,10 10 Eventualmente, a família pode ser requisitada para co-atuar junto à equipe do programa, geralmente nos casos em que as NEE do estudante são decorrentes de doenças emocionais crônicas. entre outros;

o Mediação junto às instâncias para a concretização dos apoios institucionais especiais necessários para a acessibilidade à experiência acadêmica e aos espaços institucionais;

o Aquisição ou adaptação de recursos instrucionais e educacionais necessários à eliminação de barreiras no processo de ensino-aprendizagem-avaliação;

o Contato com os profissionais que assistem ao estudante em acompanhamento;

o Intercâmbio com IES visando informações e experiências sobre procedimentos, processo e resultados da inclusão de pessoas com NEE no ensino superior;

o Entrevistas periódicas do estudante e, eventualmente, visitas aos diferentes espaços ocupados por ele durante a sua trajetória acadêmica;

o Proposição de criação ou de alteração das normas internas da instituição - estatuto, regimento e resoluções;

o Assessoramento na adequação e funcionalidade dos projetos de construção ou reformas, nas dependências da Universidade ou em prédios sob a sua responsabilidade, necessárias à eliminação de barreiras físicas e arquitetônicas;

o Orientação aos docentes de alunos com quadros de doenças crônicas emocionais, por meio do serviço "Tira Dúvidas Psicológico";

o Disponibilização de voluntários - estudantes da instituição devidamente cadastrados para esse fim, para atuar junto aos que são acompanhados pelo programa, em atividades, como por exemplo, a gravação do livro falado para o deficiente visual;

o Produção e distribuição de material informativo11 11 Foram produzidos e distribuídos à comunidade universitária interna e externa, os seguintes folders: Gagueira (1996); Epilepsia (1998); Diabetes Mellitus (1999); Insuficiência Renal Crônica (2000); Neoplasia (2000); Depressão (2000); Voluntário do PROENE (2002); Depressão (Edição Revisada, 2003); Deficiência visual (2003); PROENE (2004); É Legal! (Sobre os amparos acadêmicos, 2004); Organização e Funcionamento do PROENE (2005); PROENE (Edição revisada, 2006); Fobia social (no prelo, 2007). sobre as diversas condições especiais que podem gerar NEE, com sugestões importantes à eliminação de barreiras atitudinais;

o Desenvolvimento de pesquisa e intervenção concernente ao uso de vagas especiais nos estacionamentos da universidade;

o Realização de cursos para alguns segmentos dos funcionários da instituição sobre as questões de diversidade, acessibilidade e sociedade inclusiva.

De modo verdadeiramente resumido, estas são algumas das ações empreendidas pelo programa para assegurar os apoios institucionais especiais indispensáveis ao atendimento do estudante acompanhado. Afinal, conforme afirma Moreira (2005), além das incontestáveis contribuições à formação intelectual, cultural e política no país, a universidade pública deve ampliar o significado de sua função social e assegurar o direito à educação e à igualdade de oportunidades daqueles que tradicionalmente não faziam parte de seu alunado, como é o caso das pessoas com NEE.

PROENE: PERCURSO DE DIFICULDADES E CONQUISTAS

Embora tenha sido estruturado tendo como norteadores as demandas específicas de estudantes com NEE decorrentes de deficiência sensorial e deficiência física, dos 503 estudantes atendidos pelo programa no período de outubro de 1991 a agosto de 2006, a maioria é representada por aqueles que apresentam doença crônica emocional (69,6%). As demais condições especiais ocorreram com os seguintes percentuais: deficiência auditiva parcial (0,8%); deficiência visual total e parcial (4,9%); deficiência física (5,4%); doença crônica física (7,3%); dificuldade para aprendizagem ou para comunicação por meio da fala, leitura ou escrita (9,2%); os estudantes com mais de uma condição especial totalizam 2,8%.

Na construção da inclusão nesta universidade, das seis condições especiais explicitadas anteriormente, sem dúvida a doença crônica emocional tem sido a mais complexa para ser avaliada como geradora ou não de NEE, relembrando que este enquadre é decisivo para o acompanhamento do programa. Tome-se como exemplo o estudante que faz tal solicitação, relatando problemas pessoais, como por exemplo a perda do emprego ou o término de um relacionamento afetivo, que afetam a sua saúde emocional, interferindo na concentração, memorização, motivação etc., resultando um baixo desempenho acadêmico.

De acordo com o conjunto de informações, já apresentado, que caracterizam a pessoa alvo da inclusão acadêmica, considera-se que necessidade atual desse estudante é de atendimento psicológico ou psiquiátrico, não de apoios educacionais especiais por parte da instituição. Desde que devidamente atendido na área emocional, melhorará também o seu nível de concentração, memorização e motivação, que estão diretamente relacionados ao seu êxito escolar. Portanto, por não possuir NEE, ele não deverá ser cadastrado para ser submetido ao acompanhamento solicitado.

Considere um outro estudante, também com limitações e dificuldades geradas por uma condição emocional - neste caso, Esquizofrenia - devidamente relatada e atestada em laudo médico, que solicita o acompanhamento do programa por desejar o trancamento de sua matrícula no curso.

Trata-se de um caso cuja demanda pode ser suprida pelo que já existe disposto nos atos normativos da instituição, tais como o próprio trancamento de curso almejado, destinados a todos os estudantes que deles necessitem. Ou seja, no momento este estudante não apresenta demandas que determinem a disponibilização de apoio institucional especial, portanto, também não necessita do acompanhamento. Posteriormente, quando mediante laudo médico favorável for permitido o seu retorno, o programa poderá iniciar o seu acompanhamento caso venha apresentar NEE, mediando, por exemplo, a viabilização de um plano especial de disciplinas ou o fracionamento da série atual.

Ao se trabalhar pela inclusão de estudantes com demandas especiais nas instituições de ensino superior, Hoirisch e col (1993) afirmam ser bastante complexo lidar com os casos de alunos do Curso de Medicina, com demência ou psicose de difícil reversibilidade, principalmente, quando o caso envolve a decisão traumática sobre o encerramento da carreira médica. Na experiência do PROENE, embora não se restrinja ao curso citado, a realidade não tem sido diferente; o que tem apontado para a necessidade de ainda serem criados estrutura, dispositivos e procedimentos que propiciem o gerenciar as situações de trancamento, reabertura, transferência, abandono e jubilação de curso, geralmente inevitáveis nestes casos, a fim de que outras formas de omissão e padecimento não sejam acrescentadas ao estudante e seus familiares.

Visando o respeito à diversidade, situação na qual as limitações e dificuldades do outro não podem ser negligenciadas pelos demais, o programa tem buscado realizar as suas ações sempre com bom senso e sensibilidade, respaldadas em conhecimento científico e tecnológico. No entanto, muitas são as ocasiões em que é preciso também a criatividade, pois nem sempre as demandas do estudante com NEE remetem a soluções já existentes; para propiciar a ele uma adequada experiência de ensino-aprendizagem-avaliação poderão ser necessárias providências especiais, às vezes inéditas, referentes aos recursos materiais, estratégicos e humanos, que sejam as mais propícias à sua condição. Felizmente, um novo parceiro da inclusão tem se mostrado uma promissora perspectiva para o atendimento a esse âmbito de demandas. Trata-se da Tecnologia Assistiva que, segundo Elisabete Sá (apud VIVARTA, 2003, p. 25), refere-se aos meios, itens, equipamentos, produtos ou sistemas que contribuem à resolução de dificuldades e desenvolvimento das potencialidades de pessoas com limitações físicas, motoras, sensoriais, ou cognitivas, para que com segurança e autonomia realizem as atividades de locomoção, aprendizagem, comunicação, trabalho e de vida diária familiar e comunitária.

Muitos são os aspectos que devem ser levados em conta na concretização da inclusão no ensino superior. Embora as leis não bastem para oportunizar ao universitário formar-se um profissional competente e apto a desempenhar suas funções na sociedade, elas são indispensáveis para nortear e respaldar as ações que devem ser empreendidas. Por esse motivo, para o gerenciamento apropriado das NEE dos estudantes acompanhados, ao longo desta década o programa propôs a reformulação ou criação de alguns atos normativos, dos quais são citados os já aprovados, pois há outros em tramitação nas devidas instâncias da universidade.

o Resolução 2883/95 - regulamenta as condições de realização das provas em concurso vestibular para o deficiente visual que utiliza o método Braile.

o Resolução CEPE 144/98 - possibilita a compensação de ausência às aulas aos estudantes com doença crônica física, em tratamento especializado, com atribuição de atividades acadêmicas domiciliares, em períodos intermitentes inferiores a 15 dias, no limite máximo de 60 dias no ano.

o Resolução CU 142/98 e 143/98 - regulamenta a reopção por curso para estudantes que adquiriram deficiência física ou sensorial, incompatível com a natureza daquele no qual ingressou.

o Ordem de Serviço GR N.º 004/2002 – determina a criação da função de Psicólogo, na Pró-Reitoria de Graduação, a ser ocupada mediante Concurso Público.

o Resolução CEPE N.º 76/2003 – possibilita a compensação de ausência às aulas aos estudantes com doença crônica emocional, em tratamento especializado, com atribuição de atividades acadêmicas domiciliares, em períodos intermitentes inferiores a 15 dias, no limite máximo de 60 dias no ano, sempre que houver compatibilidade entre o seu estado de saúde e as exigências das atividades acadêmicas.

o Estatuto da Universidade. Art. 22, parágrafo 7º: possibilita aos estudantes com NEE ter uma seriação curricular diferenciada, constante em plano específico com a anuência do respectivo Colegiado de Curso e aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão.

Certamente o conjunto de ações empreendidas pelo programa, relatadas ao longo deste texto, não são suficientes para atender todas NEE produzidas pelas dificuldades ou limitações que acompanham as diferentes condições especiais dos estudantes. Por mais semelhantes que possam parecer, cada situação requer avaliação e intervenção única, bem como cautela para que as ações delineadas, em hipótese alguma, constituam privilégios, e possam, conforme alerta Ferreira (2003), manter a compatibilidade entre o real aprendizado do estudante e o diploma que a ele será concedido, isto é, jamais negligenciando a proposta de formá-lo um profissional competente e apto a desempenhar suas funções na sociedade.

Carvalho (1999) afirma serem inúmeras as expectativas de melhoria da qualidade de vida no século XXI, visto que a informática torna cada vez menores as distâncias entre as pessoas. Segundo a autora, oxalá haja também uma revolução nas atitudes de cada um de nós, tornando-nos mais solidários e receptivos às diferenças individuais, e absolutamente contrários às flagrantes injustiças sociais com que temos convivido.

Assim, apesar das dificuldades e dos desafios a serem vencidos, o programa tem se dedicado à permanente construção do saber e do fazer no contexto da inclusão nas IES, efetivando desta forma o seu compromisso de não se manter indiferente frente à diversidade e participando da construção da Sociedade Inclusiva, empreendendo ações consoantes entre os dispositivos legais acerca da Educação Especial nas IES e o conhecimento teórico-científico. Principalmente, tendo em mente que "mudanças não ocorrem no vácuo, nem de um dia para o outro, precisamos analisar nossas próprias atitudes frente à diferença, pois as transformações devem se processar a partir de nós mesmos" (CARVALHO, 2005, p. 26).

Por ainda serem escassas as publicações científicas sobre a atuação das universidades na inclusão - ingresso, permanência e êxito acadêmico - de estudantes com NEE no ensino superior, o presente artigo pretendeu contribuir com informações sobre a experiência do PROENE. O relato apresentou algumas reflexões e dificuldades vivenciadas; o paradigma elaborado para a identificação das necessidades – NE ou NEE - dos estudantes, bem como o conjunto de definições das condições especiais, as respectivas limitações ou dificuldades, as Necessidades Educacionais Especiais decorrentes e os apoios institucionais especiais que a instituição deve disponibilizar. Esta foi uma maneira encontrada para afirmar que o ingresso, permanência e competência é uma realidade possível para universitários com necessidades educacionais especiais.

Recebido em 31/01/2007

Reformulado em 29/04/2007

Aprovado em 30/05/2007

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  • 1
    Segundo o Decreto 3.298/99, deficiência significa perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gera incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
  • 2
    São Necessidades
    Educacionais Especiais e não Necessidades
    Educativas Especiais pois, segundo Sassaki (apud Vivarta, 2003, p. 164), a palavra educativa significa algo que educa e as necessidades não educam, mas sim concernentes à educação, por isso, são necessidades educacionais.
  • 3
    Sanches (1996) denomina "Apoios e Complementos Educativos" o conjunto de procedimentos que visam a igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar, usado para a superação de dificuldades, a descoberta de talentos e o desenvolvimento de potencialidades. Neste enfoque, Pelosi (2006) alerta para o fato de que, para as pessoas com deficiência, a tecnologia é a diferença entre o "poder" e o "não poder" realizar ações.
  • 4
    Participaram das reflexões para a elaboração desta proposição, os seguintes membros do PROENE 2006: Berenice de S. F. Barbosa (Técnica em Assuntos Educacionais); Elaine Teresa Gomes de Oliveira (Assistente Social); Gino Marzio Ciriello Mazzetto (Legislação de Ensino) e Ingrid Caroline de Oliveira Ausec (Psicóloga);
  • 5
    Tanto a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) quanto o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM – IV) referem-se à dificuldade de diferenciação e classificação dos quadros em "dificuldade para aprendizagem" ou "transtorno de aprendizagem" e "variações normais nas realizações escolares". Mais detalhes, ver OHLWEILER (2006) e ROTTA (2006).
  • 6
    Quando se tratar de ocorrência apenas temporária de algum tipo de doença física, o estudante deve utilizar o amparo da lei referente aos 25% de faltas permitidos em lei, para cada disciplina, não precisando ser acompanhado pelo programa.
  • 7
    Idem.
  • 8
    O atendimento a esta solicitação não faz parte dos objetivos do PROENE
  • 9
    O Laboratório de Tecnologia Educacional (LABTED) tem sido um parceiro constante do programa, realizando o atendimento de estudantes com dificuldade de interpretação de textos, hábitos de estudo, de comunicação em público, confecção de materiais multissensoriais para apresentação de trabalhos, entre outras.
  • 10
    Eventualmente, a família pode ser requisitada para co-atuar junto à equipe do programa, geralmente nos casos em que as NEE do estudante são decorrentes de doenças emocionais crônicas.
  • 11
    Foram produzidos e distribuídos à comunidade universitária interna e externa, os seguintes folders: Gagueira (1996); Epilepsia (1998); Diabetes Mellitus (1999); Insuficiência Renal Crônica (2000); Neoplasia (2000); Depressão (2000); Voluntário do PROENE (2002); Depressão (Edição Revisada, 2003); Deficiência visual (2003); PROENE (2004); É Legal! (Sobre os amparos acadêmicos, 2004); Organização e Funcionamento do PROENE (2005); PROENE (Edição revisada, 2006); Fobia social (no prelo, 2007).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      30 Maio 2007
    • Recebido
      31 Jan 2007
    • Revisado
      29 Abr 2007
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