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Concepção dos Professores do Curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina sobre o Sistema Único de Saúde

The Unified National Health System in Brazil as Viewed by Faculty Members from the School of Medicine at the Federal University in Santa Catarina

Resumo:

A implementação efetiva do Sistema Único de Saúde (SUS), que nasce com ao Constituição de 1998, necessita, entre outras premissas, da capacitação de recursos humanos. Conforme a Lei de Diretrizes Curriculares de 2001 para o curso de medicina, há uma determinação de que a formação acadêmica deve ser pautada pelos princípios do SUS e se voltar para suprir a necessidade deste sistema com resolutividade e qualidade. Segundo o relatório da Cinaem, um dos principais determinantes da formação médica são os docentes do ensino supeior. Com base nestes pressupostos, desenvolveu-se uma pesquisa na Universidade Federal de Santa Catarina, com o objetivo de compreender as concepções dos professores de medicina acerca do SUS. Nesta pesquisa, foi utilizado o método qualitativo, que se buscou na anpalise do conteúdo de fala de nove entrevistados e possibilitou a observação e participação dos usuários. Verificou-se que os professores pesquisados não conhecem os princípios do SUS de forma satisfatória e o que a Constituição diz a respeito da saúde, discordam da abrangência da atenção oferecida pelo SUS e desconhecem como se dá o controle social do sistema.

Palavras-chave:
Recursos humanos em saúde; Política de Saúde; Educação Médica; SUS (BR)

Abstract:

Brazil’s Unified National Health System (SUS), created under the 1988 Federal Constitution, calls for the training of requisite human resources for the system’s effective implementation, among other provisions. The 2001 Curriculum Guidelines Act for medical schools provides that academic trainind should based on the principles laid out for the National Health System and should be focused on meeting the System’s needs in terms of case-resolving capacity and quality. According to the CINAEM report, the medical school faculty is one of the main determinants of medical training. Based on the promises, a study was conducted at the Federal University in Santa Catarina, aimed at understanding medical professors’ concepts concerming the National Health System. The study used a qualitative methodology based on analyses of deisclosure contente from nine intreviewers and highlighting four key issues: the struture and organization of the National Health System; the right to health; principles and constituition; and participation by the System’s clientes. According to the study, the medical schol professor interviewed were unifamiliar with either the National Health System’s principles or the Constitutional provisions in relation to health, while disagreeing with the scope or range of care provided by the National System and ignoring how social control of the System operates.

Key-words:
Health Manpower; Health Policy; Education, Medical; SUS (BR)

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal brasileira de 1988 instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), como resultado da intensa luta do movimento pela reforma sanitária, que tem como premissa oferecer saúde de qualidade a todos os brasileiros11. Escorei S. Reviravolta da Saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 1998.. Em 15 anos de existência, mesmo apresentando alguns avanços e bons resultados, o SUS ainda está muito distante do que pretendem seus princípios básicos22. Ros MAO. Estilos de pensamento em saúde pública: um estudo da produção do FSP-USP e ENSP-FIOCRUZ entre 1948 e 1994, a partir da epistemologia de Ludwik Fleck. 207 p. (Tese) Florianópolis, Doutorado em Educação e Ciência, Universidade Federal de Santa Catarina, 2000..

São várias as possíveis explicações para a não implementação do SUS tal como idealizado no texto constitucional de 1988 e nas leis orgânicas de 1990, entre elas: a falta de financiamento para o sistema; a centralização de programas que não levam em conta as diferenças locais; a falta de uma política efetiva de medicamentos; o número insuficiente de trabalhadores capacitados33. Ros MAO. Fórum popular estadual de saúde: Expressão catarinense do Movimento Sanitário para os anos 90. Florianópolis (SC): [.s.n.]; 1994. p.18.. Uma questão levantada repetidas vezes é a da capacitação de profissionais para o SUS, especialmente dos médicos44. Feuerwerker LCM. Diversificação de cenários de ensino e trabalho sobre necessidades/problemas da comunidade: Saúde em Debate 2000; 55: 92-103.), (55. Machado MH. Os médicos no Brasil: um retrato da realidade. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ , 1997. 244 p.. Esta vem sendo alvo de debates em várias organizações, como sindicatos, universidades, movimento estudantil e governo, que apontam a necessidade de formar um novo perfil profissional que atenda a demanda do SUS com resolutividade e qualidade.

Neste sentido, várias ações foram tentadas e passos importantes foram dados para colaborar com a modificação deste panorama, como a formação da Comissão Institucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem) em 199166. Cinaem. Avaliação do Ensino Médico no Brasil: Relatório Geral. [s.l.: s.n.]; 1997.. Os relatórios dessa comissão têm oferecido uma importante contribuição para o entendimento da situação do ensino médico no Brasil.

Houve outros avanços, como, por exemplo, a criação das Diretrizes Curriculares Nacionais para todos os cursos da área da saúde, inclusive a medicina, que reafirmou a necessidade de a formação acadêmica ser pautada e direcionada para o SUS- "vincular, através da integração ensino-serviço, a formação médico-acadêmica às necessidades sociais em saúde, com ênfase no SUS"77. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação cm Medicina. Brasília. Parecer n. 1.133 de ago 2001..

Para assegurar o financiamento necessário à implementação efetiva das propostas contidas nas novas diretrizes curriculares, criou-se o Programa de Incentivo a Mudanças Curriculares nas Escolas Médicas (Promed), que financia cursos que apontam em direção à atenção básica do SUS88. Brasil. Ministério da Saúde. Informe Saúde. Lançado o programa para mudar currículo de medicina. 2002; VI(158): abr..

O consenso aparente em tomo da necessidade de alterações curriculares demanda, por outro lado, a identificação dos pontos falhos no processo de formação dos profissionais médicos. Cumpre, assim, entender os aspectos determinantes da educação médica no Brasil.

O relatório da Cinaem, mencionado acima, apresenta como principais determinantes da formação os recursos humanos e o modelo pedagógico adotado em cada escola. Assim, é de extrema importância compreender como pensam e agem os educadores das escolas médicas.

Este estudo foi realizado como uma contribuição para o desvelamento deste pensar e agir dos professores, objetivando auxiliar a compreensão das concepções e conhecimentos que professores do curso de medicina da Universidade Federal de Santa Catarina possuem acerca das diretrizes do Sistema Único de Saúde, no sentido de colaborar para o entendimento do processo de formação de estudantes e do perfil do médico formado.

MÉTODOS

Segundo a experiência dos orientadores desta pesquisa, concepções e conhecimentos são mais bem avaliados por meio da análise da profundidade do discurso. Assim, foi utilizado o método qualitativo com análise do conteúdo de fala22. Ros MAO. Estilos de pensamento em saúde pública: um estudo da produção do FSP-USP e ENSP-FIOCRUZ entre 1948 e 1994, a partir da epistemologia de Ludwik Fleck. 207 p. (Tese) Florianópolis, Doutorado em Educação e Ciência, Universidade Federal de Santa Catarina, 2000.), (99. Cutolo LRA. Estilo de pensamento em educação médica: um estudo do currículo do curso de graduação em medicina da UFSC. (Tese), Florianópolis, Doutorado em Educação, CED, Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. 208 p.), (1010. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em Saúde. 3 ed. São Paulo, Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco; 1994..

O número de entrevistados em uma pesquisa qualitativa depende da exaustão das respostas encontradas, ou seja, a repetição das respostas de mesmo teor permite aprofundar os significados das mesmas1111. Apple M. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense; 1982..

Para testar a forma de abordagem junto aos professores, realizamos um pré-teste com três docentes da Faculdade Regional de Blumenau. Esse pré-teste continha uma só pergunta aberta, que deixou margem a diferentes interpretações. Várias questões que esperávamos fossem abordadas não surgiram. Assim, optamos pela entrevista semi-estruturada de acordo com um roteiro preestabelecido.

Fez-se um levantamento minucioso de todos os professores que lecionam no curso de medicina, seus telefones de contato e respectivos departamentos de atuação junto à Coordenadoria do curso. Então, foi realizado um contato com os professores escolhidos. Para que a amostra fosse o mais representativa possível, foram selecionados 20 possíveis entrevistados, considerados pelos pesquisadores/orientadores como representativos dos estilos de pensamento de seus departamentos, assim distribuídos: cinco do departamento de Clínica Médica, cinco do Departamento de Clínica Cirúrgica, três do Departamento de Gineco-Obstetricia, três da Pediatria, um da Saúde Pública e três das áreas básicas.

Iniciou-se o roteiro de entrevistas com um professor de cada área e um do ciclo básico. Pelo critério utilizado, de saturação das respostas encontradas, finalizou-se a amostra com o número de nove entrevistados, que abrangiam todos os departamentos mencionados.

Cada professor pesquisado foi caracterizado como informante 1, 2, 3, e assim por diante, segundo a ordem de realização das entrevistas, para preservar a identidade de cada docente.

A entrevista completa contém os seguintes tópicos: organização, estrutura e funcionamento do SUS; direito à saúde; princípios e constituição do SUS; e controle social do sistema.

Esta pesquisa foi realizada sem apoio financeiro, como trabalho de conclusão do curso de medicina.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Organização, Estrutura e Funcionamento do SUS

Ao serem questionados acerca da organização, estrutura e funcionamento do sistema, alguns docentes se restringiram a julgar o SUS:

Sei que não funciona, o sistema de saúde tem posto de saúde para o atendimento básico da população, hospitais públicos mais especializados, hospitais clínicos e a rede particular. (inf.2)

Outros professores somente dividiram o sistema em público e privado, sem fazer considerações sobre como se estrutura ou se organiza:

O sistema de saúde do Brasil é dividido em duas partes, tem a parte privada, que é a parte particular de cada profissional, através de consultórios em hospitais que também muitas vezes são particulares (...). (inf.3)

Eu dividiria o sistema de saúde basicamente em dois sistemas, o sistema público ou previdenciário, e o sistema privado ou de mútuas ou seguro. O sistema previdenciário seria basicamente representado pelo SUS, e o sistema que oferece em alguns locais do país, principalmente na Região Sul e também na Região Sudeste, condições para que a maior parte da população possa ser atendida em doenças importantes, entretanto é muito defasado o SUS em várias áreas da medicina (...). (inf. 7)

Esses professores, no entanto, não mencionaram a relação de complementaridade que o setor privado deve ter com o público.

Quanto à organização e hierarquização do sistema, percebe-se que a maior parte dos professores apenas cita superficialmente estas questões:

Se estrutura em centros de referência e contra-referência, então tu tens uns centros que, organizados por bairros, os PAM’s, os postos de saúde que fazem aquele atendimento básico, da triagem básica, tem alguns centros de referência para algumas patologias. (inf. 4)

Nenhum dos professores, porém, conseguiu responder como se dá a descentralização, a hierarquização do sistema e a complementaridade do setor privado, conforme preconizado nos princípios do SUS.

Muitas vezes, os professores ainda fazem uso de certas terminologias, como "PAMs" e "sistema previdenciário", que remontam ao antigo e extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, demonstrando que não acompanharam as transformações do sistema de saúde.

Direito à Saúde

A reposta acerca do direito à saúde demonstrou que há professores que desconhecem o direito universal e equânime de todos os brasileiros à saúde:

Sei que em hipótese todo cidadão tem acesso, direito e acesso a um sistema básico de saúde (...). (inf.2)

A maior parte dos entrevistados reconheceu que a Constituição assegurava algum direito à saúde, embora sem definir claramente o que era isso. Porém o que chamou a atenção foi o fato de que nem todos concordaram com ele:

Eu acho que o serviço de saúde deveria ser pago para quem tem dinheiro, gratuito desde internação, remédio e transporte para pessoas que não têm dinheiro e serem atendidas no mesmo sistema, mas o pobre não deveria pagar e o rico com condições para pagar deveria pagar. (inf. 6)

Olha, pela Constituição todo mundo tem direito, só que o que eu acho é que a gente tem que botar o pé no chão para o que o SUS pode fornecer (...). Acesso tem que ser global, mas de saúde básica (...). (inf. 3)

Esta forma de conceber o sistema de saúde com universalidade sem eqüidade ou integralidade demonstra o posicio­namento de alguns professores em desacordo com os princípios do SUS. Isto nos faz pensar que eles podem cultivar tal descrédito em relação ao sistema com os estudantes, sem discutir a viabilidade teórica frente à disponibilidade de recursos, entre outras questões, que podem ser limitantes para a implementação do sistema. Isto não precisa, necessariamen­te, ser conteúdo curricular, mas pode aparecer na forma de "currículo oculto", na terminologia de Apple".

Princípios e Constituição do SUS

Outra pergunta dizia respeito aos princípios e à Constituição. Vários entrevistados declararam não saber o que dizem os princípios ou a Constituição a respeito do SUS:

Acho que não sei bem o que a Constituição diz a respeito da saúde. (inf. 2)

Eu desconheço os meandros desses princípios, mas, pelo que a gente vê na prática, não conheço, mais que está executado ali, o que a gente vê é que o médico tem que atender um número xis de doentes(...). (inf. 5)

Olha, sinceramente, eu desconheço como é feita a hierarquização do SUS, do que eu tenho idéia a tendência é municipalizar esse atendimento à saúde. (inf. 7)

Eu desconheço, em profundidade. Eu desconheço. Não tenho maiores conhecimentos. (inf. 9)

Três entrevistados não deixaram claro se compreenderam o que foi perguntado, pois não discutiram o conteúdo da pergunta, apenas afirmaram que teoricamente concordavam, mas na prática não funcionava. Entretanto, se contradiziam quando tentavam explicar por que não funcionava ou forneciam explicações simplistas:

Os princípios do SUS, teoricamente, né. Na prática, é uma coisa, na teoria é outra, na teoria não tenho nada contra, na prática eu acho que as coisas não podem ser privilégios de algumas pessoas, isso não pode, quando a gente está falando de saúde pública nós temos que dar o básico (...). (inf 3)

Teoricamente, ótimo, mas na prática não funciona, é por desonestidade do farmacêutico, desonestidade do atendente, do médico, e aí vai... o atendente no posto de saúde diz que o médico só vai aparecer das cinco para as onze às onze e trinta, a enfer­meira que não aparece, ocorre troca de atendente dia sim dia não, às vezes tem a medicação e diz que não tem para não trabalhar, falta educação e motivação (...). (inf. 6)

Os princípios do SUS estão corretíssimos desde que o País seja sério; no nosso caso, em que o País não é sério, então, embora a legislação esteja toda bem montada, na prática não funciona. (inf. 8)

Alguns informantes d eram respostas vagas, sem relação com a pergunta, o que nos faz supor que não compreenderam o que foi perguntado ou não sabiam do que a pergunta tratava:

Eu acho que aquele sistema de saúde básico está pecando em tudo, porque basta ver um paciente às vezes que não tem condições, sobretudo intelectuais, você vê que ele é enrolado, jogado de um lado para outro (...). (inf. 4)

Uma das repetições mais encontradas coloca em xeque o princípio da eqüidade e integralidade:

Sei que em hipótese todo cidadão tem acesso, direito e acesso a um sistema básico de saúde (...). (inf. 2)

Olha, pela Constituição todo mundo tem direito. Só que o que eu acho é que a gente tem que botar o pé no chão para o que o SUS pode fornecer (...). Acesso tem que ser global, mas da saúde básica (...). Os princípios do SUS, teoricamente, né, na prática é uma coisa, na teoria é outra, na teoria não tenho nada contra, na prática eu acho que as coisas não podem ser privilégios de algumas pessoas, isso não pode, quando a gente está falando de saúde pública, nós temos que dar o básico(...). (inf. 3)

Existe entre os entrevistados a compreensão de que apenas o sistema de saúde básico deve ser público, contrariando o princípio da integralidade do sistema, reservando somente àqueles com condições socioeconômicas favoráveis a possibilidade de atendimento integral e equânime.

Controle Social do SUS

Sobre o questionamento acerca de como as pessoas devem se organizar para reivindicar melhores condições de saúde, apenas dois dos entrevistados citaram a figura do conselho de saúde:

Existe a comissão municipal de saúde, o conselho municipal de saúde, o conselho estadual de saúde e o conselho federal de saúde; então, no conselho municipal de saúde deveriam participar das reuniões todos os cidadãos que são atingidos da unidade sanitária para levarem as suas reinvindicações (...). (inf. 8)

Pessoas da comunidade integram o conselho, não sei bem como as pessoas são escolhidas, mas sei que no município são o prefeito, o secretário municipal de saúde e um conselho de pessoas da comunidade, líderes comunitários provavelmente. (inf. 1)

Analisando as outras respostas, descobrimos como se dá o controle social para um dos entrevistados:

Isso acho que é na eleição, colocar pessoas boas, que tenham capacidade de gerenciar, não vejo outra coisa. (it,f. 3)

Percebe-se que, para ele, o cidadão só pode participar passivamente do sistema de saúde, por meio das eleições.

A maior parte dos entrevistados respondeu que as pessoas devem se organizar por meio de reuniões em bairros ou hospitais:

Em agremiações das comunidades, em associações de bairro, em associação seja ela qual for, e juntos cobrar do poder p1iblico (...). (inf. 2)

Eu acho que a coisa começa com a consciência do bairro, o líder da comunidade faz uma reunião com o pessoal do bairro e exige da prefeita, do prefeito, aquilo que está previsto (...). (inf. 5)

Talvez se pudesse montar reuniões em hospitais como se faz com grupo de diabéticos, grupo de gestantes, etc., retirar alguns líderes e fazer algum tipo de movimento, exigir algo melhor para a população. (inf. 7)

Eu acho que tudo parte da consciência, até mesmo de cada cidadão pelos seus direitos, lutar por seus direitos, se organizando em comunidade; eu acho que a necessidade de um local em termos de saúde pode ser diferente do outro: um precisa saneamento básico, trabalhar essa parte, outros precisam mais de outros aspectos da sapude, talvez um mais na pediatria, outro mais na ginecologia. (inf.9)

A maioria dos entrevistados, no entanto, não fez referência aos conselhos de saúde, demonstrando o distanciamento destes professores em relação ao órgão legítimo de planejamento das ações em saúde, que reserva um percentual de vagas diretamente aos trabalhadores da saúde.

Em nenhuma das respostas, nem entre os professores que demonstraram conhecer o conselho de saúde, foi atada a participação do profissional de saúde como um agente ativo no processo de planejamento, avaliação e transformação do sistema de saúde, permitindo inferir que a categoria médica desconhece, inclusive, a sua possibilidade de interferir nas mu danças.

Interessante observar que a resposta de um dos informantes levava a crer que somente pessoas com cargos de direção poderiam modificar o sistema:

Eu conheço poucas pessoas, não tenho noção para te dizer isso aí, as pessoas que são meus superiores no lugar em que trabalho são pessoas que sempre atuaram com muito boa vontade, dignamente, nunca que vi nada que pudesse ser contra qualquer procedimento deles, muito pelo contrário, a gente vê que eles querem arrumar as coisas, mas a gente vê que os problemas são acima deles e aí eles têm as mesmas dificuldades que nós. (inf. 3)

Outra resposta que chama atenção se refere à participação do professor/profissional de saúde:

É difícil isso de te responder. Acho que uma população se organizar, acho que tem que existir um conhecimento de como funciona; eu, que trabalho na área de saúde, sou médico e desconheço basicamente os princípios do SUS, imagine um trabalhador que ganha um salário mínimo e tem quatro filhos para sustentar, com ele vai conseguir ter uma informação desse tipo (...). (inf.7)

Assim, fica claro que a maior parte dos professores desconhece a existência de conselhos de saúde, a representatividade dos profissionais e sua importância para o avanço do sistema. Isto leva a crer que questões como legislação, regulamentação, organização e participação no sistema não têm significado frente a sua prática como professores e profissionais. Neste último caso, infere-se que seja uma prática liberal ou alternada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base neste estudo exploratório, percebe-se que os professores necessitariam de atualização e aprofundamento nos conhecimentos referentes aos princípios e à organização do SUS.

Acreditamos que somente se conhecerem seus direitos e deveres na qualidade de usuários e profissionais de saúde é que eles irão se incluir nas organizações que, junto às comunidades e aos conselhos de saúde, buscam melhorar o sistema.

Sensibilizados para a importância do profissional/professor da área da saúde como agente de construção de consciência crítica acerca das questões relacionadas à saúde, eles poderiam transmitir essas informações, fundamentais à formação dos estudantes de medicina, inclusive porque implicam o futuro concreto e imediato que os espera após formados.

Parece-nos importante alertar que, para as modificações curriculares e Promeds, não bastam metodologias criativas; é preciso preparar os professores no entendimento e adesão ao SUS, para que possam preparar os futuros profissionais de forma diferente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    Bardim L. Análise de conteúdo. Reto LA; Pinheiro A (trades). Análise de conteúdo. São Paulo: Ed. 70. 1977.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2004

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2003
  • Revisado
    08 Set 2003
  • Revisado
    25 Abr 2004
  • Aceito
    26 Abr 2004
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