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Cinema para o Estudante de Medicina: um Recurso Afetivo/Efetivo na Educação Humanística

Movies for Medical Students: An Effective and Affective Resource in Humamstic Medical Education

Resumo:

O Humanismo é parte da formação do médico para construir-se como um profissional capaz de entender e cuidar de seus pacientes. As humanidades e as artes são recursos educacionais para promover o humanismo nos futuros médicos. O cinema é particular mente útil para educar a afetividade do estudante. Educar as emoções requer estratégias inovadoras modernas que não ao encontro das necessidades do estudante. O processo vai além do ensino teórico de atitudes para, utilizando a cultura da emoção e da imagem na qual o estudante está imerso, promover a reflexão vital. A abordagem metodológica trabalha as emoções do estudante como ponto de partida para, através de grupos de reflexão, possibilitar a construção de conceitos na relação médico-paciente e criar o hábito da reflexão habitual que pode ser transportada para as atividades do cotidiano. O objetivo deste aprendizado é promover no futuro médico exercício da reflexão, base do compromisso vocacional profissional. A metodologia pode ser usada em vários cenários de educação médica, sempre que os professores tenham familiaridade e gosto pelas humanidades e priorizem o aprendizado centrado no aluno.

Palavras-chave:
Cinema; Materiais de Ensino; Educação Médica; Medicina de Família

Abstract:

Humanism is a critical trait for physician to learn for developing like professionals who are commited to understand and caring for their patients. Humanities and ats are educational resources that can be used to develop future physicians’ humanism. Movies are particular useful resouce for developing medical students’ affeticve domain (i.e. atitudes and beliefes). Teaching in the affective domain requires innovative instructional stategies that meet our learners’ nedds and with techniques that are current and fit the stuudents’ culture. These strategies must move beyond lecturing about theoretical concepts to using modalities that stir learners’ emotions, provide visual images, and promote thinking and reflexion. The authors’ approach invokes learners’ emotins, aids the construction of concepts through relefctions in groups, helps them lear new ways to strengten physician/patiant relationships and communication skills, and gives them a framework to reflect on and apply these importante concepts in their daily lives. This innovative learning process aims to encourage the future physicians to become self-directed learners and develop career commitments. This methodology can be used in several educational sets for medical students and requires theachers who are familiar to humanities and to the student centered learning process.

Key-words:
Cinema; Teaching Materials; Education, Medical; Family Practice

MEDICINA E HUMANISMO

A verdadeira razão de ser da Medicina é o cuidado da pessoa doente. Esta é a origem histórica e a essência da profissão médica. O médico deve estar, pois, em função do paciente para cuidar dele com ciência e dedicação. Cuidar exige, em primeiro lugar, compreender, já que a compreensão do paciente é condição necessária prévia para dispensar os cuidados adequados. Compreender o paciente significa compreender a pessoa, a doença e o significado que a enfermidade tem para o paciente. A doença é para o enfermo uma maneira de estar na vida, quer dizer, uma forma de vida que tem sua linguagem própria e que deve encontrar no médico um receptor sensível, necessário à decodificação adequada dos significados.

Estas considerações pontuais nos colocam frente à questão central: a necessidade que o médico tem de incorporar uma perspectiva antropológica da doença através da qual pode realmente compreender o paciente em seu adoecer. E, como o médico não se limita à especulação teórica de conceitos mas tem de vivê-los na prática, deverá ser a sua uma antropologia ativa, que permeie sua atuação clínica. Humanismo e Antropologia não são para o médico um simples apêndice cultural ou um complemento interessante na sua formação; são a dimensão necessária de quem pretende compreender e cuidar com eficácia, além de um recurso de conhecimento e de possibilidades humanas por meio do qual constrói também a sua identidade como médico11. Monasterio F. Planteamiento del Humanismo Médico. Humanismo e Medicina. II Encuentro Cultural de la Sociedad Española de Médicos Escritores; 1992, Murcia (SP): Previsión Sanitária Nacional & Colégio Oficial de Médicos. 1992..

O humanismo é fonte de conhecimentos que o médico usa para sua profissão. Conhecimentos tão importantes- nem mais, nem menos - quanto os adquiridos por outros caminhos e que igualmente auxiliam no cuidado do ser humano enfermo. Percursos diferentes na aquisição do saber, que encontram na pessoa - terreno próprio do atuar médico - sua meta comum e propiciam, em mútua convivência, união de forças, sinergia na vontade de curar. Para Gregorio Maraftón, a formação humanística é tarefa e compromisso essencial do médico, fonte de conhecimentos, recurso instrumental na sua profissão: "O humanismo, ambicioso e ao mesmo tempo humilde, serve para amadurecer, para firmar e fazer prudente e eficaz o instrumento da profissão22. Maranón G. La medicina y nuestro tiempo. Madrid (SP): Espasa Calpe; 1954..

A medicina ocidental, cm sua origem, era uma ciência essencialmente humanística, assentando suas raízes e sistema teórico no homem como ser dotado de corpo e espírito. O médico era, antes de tudo, um filósofo: um conhecedor das leis da natureza e da alma humana. O progresso tecnológico e os avanços científico-positivos vieram, de algum modo, distrair o médico de suas verdadeiras raízes, onde se encontra o motivo e razão real de sua missão: o cuidado da pessoa enferma. O assim denominado processo desumanizante da medicina-verdadeiro paradoxo conceitual-poderia resumir-se nesta atitude de esquecimento das raízes históricas da profissão médica. Acaba-se prestando maior atenção ao processo de investigação do conhecimento das doenças e aos recursos terapêuticos do que ao próprio doente. A pessoa do enfermo e sua identidade correm o risco de se perderem no meio de um labirinto tecnológico, cuja importância, por outro lado, inegável. A re-humanizarão da medicina - quer dizer, a reconquista da postura humanística do médico- é um desafio atual, um resgate das origens, onde o progresso deve ser incorporado e colocado a serviço do doente, que deve ser o protagonista do cenário médico. As humanidades -ciências do homem- surgem neste contexto como recurso importante, que fará o médico lembrar-se na prática de sua verdadeira origem33. Gallian DMC. A (re)humanização da medicina. Psiquiatria na Pratica Médica 2000; 33 (2): 5-8..

A proposta de resgate do humanismo não obedece numa visão romântica da medicina, nem mesmo a uma estratégia de ação para trabalhar de modo mais humano questões de ordem prática e de importância evidente, como, por exemplo, a base de uma relação médico-paciente eficaz. A perspectiva humanística é uma imposição de rigor científico, no âmbito epistemológico. Dito com outras palavras: sem humanismo, a Medicina estaria amputando uma de suas fontes científicas do saber. É preciso recuperar a perspectiva humanística da Medicina, pois o humanismo é inato à profissão médica. Um médico sem humanismo não será propriamente médico; na melhor das hipóteses, trabalhará como um "mecânico de pessoas"44. González Biasco P. O médico de família, hoje. São Paulo: Sobramfa; 1997..

Historicamente, até finais do século 19, a Medicina apresentava um equilíbrio harmonioso entre as duas facetas inseparáveis que compõem a sua atuação: a ciência e a arte. Razões de ordem cultural na formação dos médicos, um progresso técnico mais vagaroso, um estilo e ritmo de vida onde a reflexão humanista fazia parte do quotidiano dos médicos podem explicar esse equilíbrio histórico. Em qualquer caso, é evidente que se requeria do médico um crescimento paralelo em ambos os setores - o técnico e o humanístico -para alcançar uma formação equilibrada, completa. Parece lógico pensar que, quando os avanços científicos se sucedem cm ritmo vertiginoso, para manter este equilíbrio é necessária uma ampliação do âmbito do humanismo, quer dizer, um humanismo à altura do avanço técnico. Talvez seja desta ampliação do humanismo, adaptada aos dias de hoje, em linguagem atual, que carece o processo de educação médica. Cai-se, assim, numa desproporção que se reflete cm profissionais formados tecnicamente, com sérias deficiências humanas. Profissionais disformes, com hipertrofias, sem equilíbrio, que naturalmente não conquistam a confiança do paciente que espera um médico equilibrado.

É missão da universidade e compromisso dos envolvidos no processo da formação médica ampliar o conceito humanista em moldes modernos, abrindo horizontes e novas perspectivas. A universidade, representativa do progresso, tem de se esforçar por atingir um novo e moderno equilíbrio das duas facetas da medicina, técnica e arte. E, para isso é preciso metodologia, sistemática, para reaprender a fazer as coisas quando estas são muitas e comandadas por um progresso científico que avança a cada segundo. É também missão da universidade recuperar o humanismo, sem impedir, de modo algum, a aplicação da ciência aos problemas da doença, mas, pelo contrário, fortalecendo-a em sua esfera apropriada e sobre bases mais amplas que as atuais. Humanizar o ensino médico requer uma avaliação do processo de ensino, para procurar um aprendizado técnico e humano, equilibrado e simultâneo55. Robb D. Ciência, humanismo e medicina. Rassegna 1985; 3: 21-32..

AS HUMANIDADES E A EDUCAÇÃO MÉDICA

O uso das humanidades na educação dos médicos constitui um recurso importante para a construção deste equilíbrio. Quando incorporado no processo de formação acadêmica, permite desenvolver a dimensão humana do profissional, vertente imprescindível no relacionamento com o paciente. É justamente a dimensão humana do médico que o paciente sabe avaliar melhor e sobre a qual faz convergir suas solicitações. Calman66. Calman KC. Literature in the education of the doctor. Lancet. 1997; 350: 1622-24. faz notar que o paciente quer um médico educado, alguém que não possua apenas conhecimentos, métodos clínicos e experiência, mas que também seja capaz de apreciar cada paciente como um ser humano que tem sentimentos e desejos; alguém que possa entendê-lo e ajudá-lo, explicando-lhe sua doença e amparando-o no sofrimento. Para saber lidar com estas realidades, as humanidades ajudam e, sobre tudo, educam. Educação é mais do que simples treino: implica uma atitude reflexiva no médico e um desejo contínuo de aprendizado ao longo de sua carreira profissional.

Atendendo a esta necessidade que procura caminhos para o moderno equilíbrio humanista, vêm emergindo linhas de pesquisa que integram as humanidades na formação dos estudantes de Medicina, mostrando que a arte facilita a compreensão das emoções humanas e das atitudes do paciente perante a doença, ajudando o médico a cuidar do paciente corretamente77. Calman KC, Downye RS, Duthie M. "Literature and medicine: a short course for medical students". Med Educ 1988; 22: 265-9.. A incorporação das humanidades na educação médica tem como objetivo educacional primordial despertar atitudes e valores, muitas vezes inesperados nos próprios estudantes, que estarão em função da escala de valores, da educação e da maturidade que cada um possua. Os objetivos não se medem tanto pelos resultados finais como pela capacidade de compreensão ampliada sobre o ser humano que o processo lhes traz, incluído o que se denomina resultados latentes. Na verdade, este processo educacional através das humanidades se assemelha a uma viagem: importa mais o que se aprende durante o tempo que leva do que propriamente o destino. Um processo que atenta mais para uma educação real, e não para o simples treino88. Downie RS, Hendry RA, Macnaughlon RJ, Smith BH. The humanizing medicine: a special study module. Med Educ 1997; 4: 276-80..

Não existe nestas iniciativas nada que possa ser interpretado como artificial ou mesmo como diletantismo, já que os próprios estudantes acusam falhas em seu processo de formação, mostrando-se particularmente receptivos a projetos desta índole. Um estudo interessante99. Maheux B, Delorme P, Beaudry J. Humanism in medical education: a study of educational needs perceived by trainees o three Canadian schools. Acad Med 1990; 65 (1):41-5. analisa a percepção dos estudantes de Medicina em relação às deficiências em sua formação humana. Aponta dois motivos para a carência de humanismo na educação dos futuros médicos: por um lado, o fato de o currículo médico estar, de ordinário, absolutamente preenchido e saturado de novas técnicas e conhecimentos, sem deixar espaço para discutir questões de caráter humanístico; por outro lado, é muito mais fácil ensinar conhecimentos técnicos do que promover mudanças de atitudes de vida e de valores, que seria o objetivo da formação humanística.

Criar o hábito de pensar e mostrar um caminho para a reflexão permanente são objetivos comuns de todas estas iniciativas humanísticas no processo de educação médica. Uma preocupação presente entre os educadores, que tem cada vez mais espaço nas publicações orientadas para a formação dos médicos.

Os recursos humanísticos na educação médica possuem o amplo espectro da condição humana. Cada vez com maior frequência, surgem iniciativas vinculadas às humanidades e às artes, na tentativa - urgente, e ao mesmo tempo, paciente e continuada - de conduzir o estudante de hoje, médico de amanhã, ao caminho da reflexão sobre a riqueza da dimensão humana. Assim, cursos curriculares, obrigatórios ou eletivos, são oferecidos nas escolas médicas, alguns com experiência de anos e convenientemente institucionalizados, outros ainda em caráter pioneiro. Literatura e teatro1010. Shapiro J. Literature and the Arts in Medical Education. Fam Med 2000; 32 (3): 157-8.,1111. Mathiasen H, Alpert JS. Only connect: musing on the relationship betwcen literature and medicine. Fam Med 2001; 33 (5): 349-51., poesia1212. Whitman N. A poet confronts his own mortality: what a poet can teach medical students and teacher. Fam Med 2000; 32 (10): 673-4., ópera1313. Moreto G, Roncoletta AF, Pinheiro TR, González Biasco P. Teaching humanities through opera: leading medical students to reflective altitudes. Conference Program. Symposium. WONCA 17th World Conference of Family Doctors- Orlando, Florida- Oct. 2004. e artes1414. González B1asco P, Levites MR, Roncoletta AFT, Moreto G, Freeman J. Arts and Humanism in medical education to promote family medicine. Conference Program. Symposium. WONCA 17th World Conference of Farnily Doctors- Orlando, Florida-Oct. 2004. compõem o mosaico de recursos que os educadores, em atitude verdadeiramente humanista, tomam emprestados das humanidades na tentativa de auxiliar na construção da identidade do futuro médico. O cinema também vai fazendo sua aparição na Literatura como um recurso humanístico possível na educação médica1515. González Blasco P. Literature and movies for Medical Students. Fam Med. 2001; 33 (6): 426-8.,1616. González Blasco P, Levites MR, Albini RR. O valor dos recursos humanísticos na educação médica: literatura e cine­ma na formação acadêmica. Rev Videtur. 1999; (8): 31-40..

O UNIVERSO DO ESTUDANTE: UMA CULTURA DA EMOÇÃO E DA IMAGEM

A dimensão afetiva - educação das emoções - apresenta importância particular no processo formativo. As emoções do aluno não podem ser ignoradas neste processo. O educador deve contempla-las e utiliza-las por se tratar de elemento considerado fundamental na perspectiva do educando, além de ser uma porta de entrada para compreender o universo do estudante.

Nos aprendizados da vida - adverte Ruiz Retegui1717. Ruiz Retegui A. Pulchrum: reflexiones sobre la Belleza desde la Antrupologia Cristiana. Madrid: Rialp; 1999. -, muitas das coisas mais importantes não se transmitem por argumentação, através do raciocínio lógico especulativo. Estes outros caminhos têm a ver com o amor que se coloque no processo de educar e com a consequente educação da afetividade. Com perspectiva histórica, o autor faz notar como o culto à estética surge, nos dias de hoje, desvinculado dos valores próprios do ser - transcendentais, em linguagem filosófica - aos quais sempre esteve atrelado: nos clássicos, o belo une-se ao bom, ao verdadeiro. Surge a dúvida - que certamente acomete muitos educadores - do possível risco que supõe educar apenas a sensibilidade, ancorar-se na estética e nas emoções, sendo que os outros valores - o bom, o verdadeiro - permanecem conceitos estranhos, pouco definidos para o universitário de hoje. Não seria esta uma educação fictícia, superficial, epidérmica, que não atingiria o núcleo do educando para promover atitudes duradouras e maduras?

Seguindo o raciocínio desse autor, podemos esclarecer que a educação através da estética, que atinge as emoções e a sensibilidade, não é uma tentativa de ancorar na emotividade os valores e atitudes que o estudante deveria incorporar. Trata-se de suscitar urna reflexão sobre estes valores e atitudes. É possível incorporar um conhecimento técnico ou mesmo treinar uma habilidade sem refletir sobre eles; mas é impossível adquirir valores, progredir cm virtudes, incorporar atitudes, sem um prévio processo de reflexão. É justamente desencadear este processo de reflexão, mediante recursos próximos ao estudante, o que se pretende com a estética, da qual o aprendizado através do cinema faz parte. Dito de outro modo: estabelecer um ponto de partida para uma atitude reflexiva, pista de decolagem para futuros aprendizados, sensibilização para ensinamentos posteriores, que virão através de conteúdos específicos e, na maior parte das vezes, personalizados no exemplo.

Em culturas como as da Grécia Antiga, do Medievo ou a Renascentista, onde o pensamento e a ação moral se estruturam de acordo com o esquema denominado clássico, o meio principal da educação moral é contar histórias1818. Macintyre A. Trás la virtud. Barcelona: Crítica; 1987.. Contar histórias seria o substitutivo lógico para a impossibilidade de todos os homens se submeterem às experiências intensas de situações humanas. Assim, as artes que contém histórias - teatro, literatura, ópera, cinema - teriam o papel de suprir as experiências que nem todos podem vivenciar. É deste modo que se pode produzir o que Aristóteles denominava catarse (purificação), caminho obrigatório no pensamento grego para chegar ao reconhecimento do belo, do pulchurum. Sem dúvida, o mais catártico é a realidade vivida; mas as histórias de vida, quando bem colocadas, têm um importante papel. Quer dizer: não é função da arte "contadora de histórias" ou narrativa o simples divertir ou passatempo; mas, sim, provocar sentimentos -alegria, entusiasmo, aprovação, rechaço, condenação- que configuram o "coração das gentes". Este era o papel da tragédia grega. Estas histórias, as tragédias, provocavam a catarse, que se pode entender· num duplo sentido. O primeiro, imediato, é a liberação dos sentimentos, como uma limpeza orgânica, como um purgante. O segundo, muito importante, é que mediante a catarse "colocam-se no seu lugar" todos estes sentimentos acumulados - emoções - que não poucas vezes se armazenam de modo desordenado1717. Ruiz Retegui A. Pulchrum: reflexiones sobre la Belleza desde la Antrupologia Cristiana. Madrid: Rialp; 1999..

Eis uma importante consideração que nos faz progredir cm nossa reflexão sobre o universo afetivo do estudante. Partimos da premissa de que as emoções devem ser contempladas no processo educacional, sendo insensatez ignorá-las. Neste ponto, os comentários dos estudiosos em antropologia, amparados nos ensinamentos dos clássicos, nos mostram que não basta contemplar as emoções, mas que é preciso utilizá-las, dar vazão a elas para que deste modo possam ir se colocando no seu lugar. Permitir no espaço acadêmico o fluir das emoções -através da discussão, de partilhar os sentimentos- abre caminhos para uma verdadeira reconstrução da afetividade.

Ferrés apresenta um estudo recente que constitui obra de consulta essencial para a questão que nos ocupa1919. Ferrés J. Educar en una cultura del espectáculo. Barcelona: Paidós; 2000.. Trata-se de uma notável análise sociológica do lema, que descreve as características da cultura do estudante- também do universitário- nos dias de hoje. Compreender a cultura e o universo onde o estudante está inserido é condição prévia necessária ao sucesso de qualquer projeto educacional.

O jovem estudante chega às mãos do educador inserido numa formação que privilegia a informação rápida, o impacto emotivo, a intuição, em detrimento do raciocínio linear, lógico e especulativo. É uma característica que diz respeito não apenas à educação e ao aprendizado, mas à própria vida na qual está inserido: uma cultura da pressa, onde a reflexão dificilmente tem vez. Anota textualmente o autor: "as pessoas se refugiam na velocidade, são impelidas ao presente, não conseguem pela pressa frequentar o passado". Trata-se de um contexto cultural onde predomina o fragmentário, o rápido, o sensorial, que naturalmente se traduz cm atitudes do imediato, dinâmicas, impacientes até.

Parece natural que neste universo seja a imagem sensorial, e não o conceito lógico que assuma a função de protagonista. É o que o autor denomina "cultura do espetáculo", um contexto onde o sensorial, a imagem são potencializados por atingirem diretamente o espectador, provocando emoções sem passar previamente pelo processo de compreensão intelectual. O espectador obtém uma recompensa afetiva imediata com a imagem. Na cultura da palavra e do conceito, que também atinge as emoções, torna-se necessária a passagem obrigatória prévia pelo processo racional para depois surgir a emoção. Com a imagem este caminho converte-se em atalhos, e as emoções são despertadas diretamente, sem necessidade de "pagar tributo prévio ao intelecto". Na cultura do conceito, é preciso compreender primeiro para se emocionar depois; na cultura da imagem, as emoções derivam diretamente dos significantes -que são o veículo que carrega os conceitos, o visual que se apresenta- sem ter que se chegar previamente nos significados, no conteúdo conceitual.

A cultura do espetáculo privilegia uma representação do mundo concreta, dinâmica, sensitiva e emotiva. As respostas racionais representadas pelo "estou de acordo" ou "discordo" são substituídas por respostas emotivas suscitadas pela imagem -"gosto" ou "não gosto"-, onde existe uma aceitação ou rejeição visceral, de impacto, sem participação do racional. Com isto não se pretende, em absoluto, dispensar a necessidade do raciocínio para a construção dos conceitos no aprendizado. Apenas se afirma que é preciso passar antes pelas emoções, porque é assim, deste modo, que os estudantes estão habituados a proceder. A emoção é porta de entrada para posteriores construções lógicas. Quem está acostumado a se guiar pelo sentimento, pela emoção -provocada na maioria das vezes por imagens, externas ou internas -dificilmente aceitará raciocínios lógicos se a emoção não lhe facilitar o caminho.

Esta é a situação contextual onde a geração atual se situa. E dela temos que partir se queremos interagir satisfatoriamente no processo educacional. A cultura do espetáculo nos aponta uma linguagem na qual é possível estabelecer sintonia com o educando. O educador tem, pois, de assumir uma postura que incorpore a emoção no processo educacional. Não basta contemplar as emoções, saber que elas existem e muito menos temê-las como elemento que pode sabotar o processo formativo. Torna-se necessário utilizá-las, mesmo como uma vacina sábia, que garanta a saúde do aprendizado. Deve-se chegar a uma postura conciliadora, permitindo que seja a emoção a que cumpra o papel que lhe cabe: ativar o desejo de aprender, motivar o estudante. Somente depois é possível, através da racionalidade, colocar os fundamentos conceituais.

Ferrésl919. Ferrés J. Educar en una cultura del espectáculo. Barcelona: Paidós; 2000. aponta que é preciso superar o dualismo prazer versus esforço no processo de aprendizado. Sendo evidente a imaturidade que consistiria em procurar o prazer sem esforço, vale pensar, por outro lado, na ineficácia de promover um esforço que tem de estar, a priori, desprovido de prazer. Talvez seja o momento de pensar cm educar com esforço a partir do prazer. Isto quer dizer que se pode aprender e ao mesmo tempo fazê-lo com prazer, divertindo-se. A dificuldade não é garantia de eficácia no aprendizado-nem na vida-, e o prazer, se decorre da motivação clara e continuada, impulsiona a não poupar os esforços necessários para superar as dificuldades, que, nesse ponto, se configuram como elemento acidental, sec1mdário. Uma perspectiva muito próxima, por analogia, à postura diante da vida quando se tem claro um sentido para viver, experimentando-se a conhecida sentença de Nietzsche: "Quando se tem um porquê na vida, qualquer como se torna suportável”2020. Frankl VE. Psicoterapia e sentido da vida. São Paulo: Quadrante; 1973..

Educar, pois, levando em conta o prazer, a tendência do que é desejado. Caberia perguntar como agir quando o desejo de prazer parece dificultar mais do que ajudar no processo de aprendizado. Os clássicos, educadores por excelência, nos oferecem uma importante ajuda. Platão afirma que a finalidade da educação é ensinar a desejar o que se deve desejar. Aristóteles também fala de educar o desejo. Estamos aqui perante um novo desafio: educar o desejo, mostrar os caminhos para que o desejo se eduque. Uma perspectiva de educa ensinar a sabedoria verdadeira; em palavras de Bernardo de Claraval: "Sábio é aquele a quem as coisas sabem como elas são".

Este processo requer naturalmente tato, habilidade, evitar precipitações, promovendo um aprendizado que respeite, de algum modo, o ritmo quase fisiológico da emotividade. Não se pode obrigar ninguém a sentir o que não sente. Pode-se simplesmente mostrar, e o tempo - e a reflexão sobre as emoções -se encarregará de aprimorar o paladar afetivo. Tal processo foi denominado, com sabor clássico, "educação sentimental"2121. Marías J. La educación sentimental. Madrid: Alianza Editorial; 1992.. Esta seria a função do educador, afinal um promotor da cultura, que deve despertar o desejo por aprender, contagiar o entusiasmo por conhecer e conseguir que o estudante invista o melhor de seus impulsos para procurar, também por meios próprios, o conhecimento que lhe será de utilidade. Esta é a função do educador e da universidade, que deve ser uma "projeção institucional do estudante"2222. Ortega y Gasset J. Missão da Universidade. Rio de Janeiro: EdUERJ; 1999..

É fácil deduzir a flexibilidade e a criatividade que se esperam do educador e que devem ter seu reflexo nas metodologias educacionais empregadas. Um educador trabalha com pessoas, não apenas com ideias e, portanto, não pode partir unicamente das ideias preestabelecidas, mas também deve se adaptar às reações suscitadas no interlocutor. A flexibilidade que a metodologia deve carregar consigo se apresenta como um verdadeiro desafio para o educador. "Se a nova geração não consegue converter as imagens cm pensamento" - comenta Ferrés, convergindo na cultura do espetáculo-, "é porque o educador antes não conseguiu converter o pensamento em imagens, chegar no concreto. Esta é a passagem obrigatória a que se deve recorrer nos dias de hoje para atingir o aluno".

Pode-se concluir com facilidade como nesta cultura do espetáculo, onde a imagem, as emoções e a intuição são privilegiadas por serem a sintonia natural na qual o estudante se move, o narrativo -a história concreta- encontra-se também potencializado sobre o discursivo. Tudo se faz história, exemplo, que se traduz em imagem. Uma imagem que pode ser rápida, imediata, momentâneo, como o próprio contexto cultural que está habituado ao dinamismo, às mudanças bruscas, a uma atitude de zapping e de clip, em palavras de Ferrés. Um terreno fértil que convida à utilização do cinema como recurso educacional.

O CINEMA COMO RECURSO EDUCACIONAL

Com acerto e profundidade filosófica, Julián Mnrías2121. Marías J. La educación sentimental. Madrid: Alianza Editorial; 1992. tece um amplo comentário sobre a função educadora do cinema no século 20, fazendo notar que o cinema aumenta as possibilidades do concreto, das vivências, que em cada pessoa se encontram reduzidas a um pequeno repertório de experiências reais. O cinema aumenta a possibilidade de ver e de ouvir. Aristóteles dizia que os homens desejam as percepções, e, sem dúvida, o cinema multiplicou notavelmente esta possibilidade. É como um aumento de opções para a catarse emotiva. Anota Marias num parágrafo sumamente expressivo:

O cinema nos descobre os recantos do mundo. Por meio dele reparamos nos detalhes. O cinema faz sair da abstração em que o homem culto costumava viver. (...) Apresenta a vida no seu concreto. O amor deixa de ser uma palavra e se torna visível em olhos, gestos, vozes, beijos. O cansaço é figura, precisa, de uma criança dormindo num canto, a figura deitada na cama, a maneira como se deixam cair os braços quando vence a fadiga ou o desânimo. Aprendemos, com o cinema, a ver os homens e as mulheres nas suas posturas reais, nos seus gestos, vivos, não posando para um quadro de história ou um retrato. Sabemos como é distinto comer, sentar-se, dar uma bofetada, cravar um punhal, e abraçar, e ir embora depois que se obteve uma negação a um pedido. (...) Quando falamos da pena de morte, não queremos dizer um artigo do código, quatro linhas de prosa administrativa, mas as costas de um homem contra o paredón, os eletrodos que buscam a pele nua, uma corda que aperta o pescoço, o mesmo que outras vezes foi objeto de carícias ou levou um colar de pérolas. A guerra não é uma retórica ou notícia: é lama, insônia, riso, alegria de uma carta, euforia da comida, uma mão que nunca voltará, a explosão que se anuncia como a evidência do irremediável. Tudo isto e muito mais viu e ouviu o homem do nosso século pela primeira vez na história. O que quer dizer que o seu mundo e sua vida, graças ao cinema, são inteiramente distintos do que sempre foram, e isto é justamente o que quer dizer educação.

A convivência virtual - nas palavras desse autor - toma­se enorme, amplifica-se e acontece de fato como experiência, o que, humanamente, na sua realidade corpórea, nunca teria sido possível. Os sentimentos, as paixões, já imaginados e descritos na literatura, encontram no cinema sua versão sensorial: conseguimos vê-los, ouvi-los, compreendê-los através das palavras pronunciadas. Fica assim enfatizada a função do cinema como um recurso de educação em atitudes humanas, e tudo o que cada atitude encerra: valores, virtudes, limitações, formas, enfim, o espectro amplíssimo dos modos de ser humano. Ainda aponta Marias:

Faz tempo que venho definindo o cinema como “um dedo que aponta”, que estabelece conexões entre as coisas, que as interpreta sem necessidade de dizer nada, que vai além da simples justaposição física das coisas para unir o que está junto e presente numa vida (...)Estas conexões dão relevo ao dramatismo que é a condição humana. Este é o antídoto do utilitarismo, da homogeneidade a que tantos estímulos conduzem hoje nosso mundo.

Uma homogeneidade que poderíamos denominar globalização em linguagem moderna, interpretando o sentir do autor, que conclui:

Assusta pensar o que seria o mundo atual, submetido a tantas pressões manipuladoras, se não existisse o cinema, que lembra o homem do mais verdadeiro da sua realidade, o seu acontecer, e assim o obriga a ver, imaginar, projetar, ter presenta a ilimitada diversidade da vida e a necessidade de escolher entre as trajetórias abertas. Não é excessivo dizer que o cinema é o instrumento por excelência da educação sentimental do nosso tempo.

As experiências vivenciadas através do cinema2323. González Blasco P, Roncoletta AFT, Moreto G, Levites MR, Azevedo RS. Recursos Literários e Cinematográficos na Educação Médica. Anais do II Congresso Paulista de Educação Médica; Maio, São Paulo; 2000.,2424. González Blasco P, Levites MR, Moreto G, Roncoletta A FT, Azevezdo RS. The value of humanistic resourccs in medical education: literature and movies for medical students. 16th World Congress of Family Doctors . Conference Program. Poster Session. May 2001; Durban, South Africa.,2525. González Blasco P, Gallian DMC, Roncoletta AFT, Moreto G. Cinema para o estudante de medicina: um recurso afetivo/efetivo na educação médica. XL Congresso da ABEM. Maio-Ago 2002, Fortaleza, 2002. ln: Revista Brasileira de Educação Médica. maio-ago. 2002; 26 (supl.1):70., no contexto educacional com os alunos apontam resultados alentadores, que descortinam novas perspectivas na formação médica. Assim, para citar as mais importantes, criam-se oportunidade e espaço para um diálogo amplo, multitemático, de questões que ocupam e preocupam, de fato, o estudante e que nem sempre encontram espaço formal acadêmico para serem abordadas. O educador surge como um facilitador do diálogo entre os alunos, expondo temas relativos ao ser humano e à vida, geralmente partindo das cenas apresentadas nos filmes, onde os estudantes, habitualmente, projetam seu mundo pessoal. O diálogo entre os alunos é enriquecedor e meio de crescimento pessoal, quando se aprende a ouvir as opiniões dos outros, existindo realmente uma troca de perspectivas.

O cinema é uma forma sensível do narrativo. Uma forma rápida, de impacto, na qual se contam histórias. Sendo a cultura do estudante adaptada a estes parâmetros, a experiência com o cinema provoca o relato de histórias. Na discussão, os alunos complementam seus pontos de vista com histórias pessoais: reais, de sua própria vida, ou fictícias, extraídas de outra fonte ou mesmo de outro filme. Cria-se deste modo um cenário propício, com trânsito livre para contar histórias, sendo o contato com o cinema o fator desencadeante. O contar histórias tem um desdobramento de caráter muito mais íntimo e pessoal: nas vivências com o cinema, os estudantes se espelham nos filmes. O espectador tem a oportunidade de viver o conflito como expressão metafórica de seus próprios conflitos, aos quais se transporta durante a experiência. Esta dimensão absolutamente pessoal enriquecerá as discussões posteriores à projeção, também como recurso de partilhar o vivenciado -não apenas as cenas observadas, mas os conflitos vividos- para clarificar, e em busca de ajuda. A experiência suscita sentimentos, emoção na discussão, os alunos procuram entender e esclarecer esses sentimentos.

Um parâmetro de qualidade, que de algum modo confirma a utilidade deste recurso na educação médica, é a facilidade com que os alunos transportam para o campo médico as vivências com o cinema, em produções que carecem de temática especificamente médica. Não é em absoluto necessário explicar por que as questões humanas que protagonizam os debates e discussões teriam importância na formação dos futuros médicos, pois é algo admitido e vivenciado explicitamente pelos, alunos. A cultura da imagem é essencialmente metafórica, e os alunos demonstram habilidade e rapidez para extrair das analogias as consequências educacionais implícitas, particularmente as relacionadas com a promoção de atitudes e valores.

A facilidade de traduzir a vivência cinematográfica cm objetivos práticos reais que orientem as atitudes cotidianas faz com que o alvo incorpore a linguagem cinematográfica como um meio de comunicação entre os alunos e mesmo entre os alunos e o professor. Esta linguagem servirá para exprimir-se e dar-se a conhecer, em processo inverso ao descrito na incorporação das metáforas: se o aluno transporta o vivenciado no cinema para a sua vida pessoal e se espelha nos filmes, também utilizará as cenas dos filmes para revelar seu universo interior. Será um recurso de expressão rápido, emotivo, pontual, concreto, narrativo: totalmente inserido na cultura da imagem e dos sentimentos na qual o estudante está contextualmente imerso. As frases de impacto, trechos de diálogos, situações contempladas nos filmes convertem-se em linguagem para se comunicar e também para se dar a conhecer. O cinema empresta ao aluno sua força comunicativa e através dele consegue exprimir realidades que com palavras não conseguiria tornar transparentes. A cultura discursiva e lógica, com a qual o aluno tem pouca familiaridade, é substi­tuída pela cultura da imagem e da emoção, não apenas para conhecer, mas para se exprimir e mostrar sua realidade vital como pessoa.

Os benefícios educativos da linguagem cinematográfica como meio de comunicação ultrapassam o espaço curricular acadêm.ico e se prolongam no aprendizado do cotidiano. As vivências com o cinema, que proporcionam ao estudante um meio de comunicação rápido e acorde com seu contexto cultural, fazem com que a reflexão se prolongue além do espaço dedicado às discussões. Deste modo, as vivências cinematográficas criam no aluno uma atitude reflexiva que, por estar ancorada num idioma de fácil recordação, atrelado a situações concretas e perpassado de atitudes perante a vida, o faz continuar no processo de reflexão durante o seu cotidiano. Assim, a história de vida, a frase de impacto, a situação vivenciada voltam à tona fora do espaço convencional de educação -fora da sala de aula ou da discussão programada- e incitam o aluno a continuar pensando, refletindo, numa permanência que é inquietude por aprender. É o que os alunos intitulam textualmente como "detonadores", isto é, provocadores de reflexão.

Em seu conjunto, a experiência com o cinema traz advertências importantes para o educador. Com o emprego desta metodologia pode-se comprovar o impacto que uma educação centrada na gratificação que a experiência proporciona, e não apenas no acúmulo de dados, traz para o estudante. A gratificação motiva, cria vontade de aprender, e o aprendizado acontece durante a experiência e consegue se prolongar depois, nas realidades do dia-a-dia. Uma vontade de aprender que permanece e desemboca naturalmente na reflexão, conseguindo-se assim a integração desejada: partir da emoção, da imagem, do concreto, para naturalmente-fisiologicamente e seguindo o ritmo do próprio aluno- chegar à construção de conceitos, à fundamentação lógica do aprendizado. O livre trânsito das emoções durante a vivência, amplificado pela discussão posterior, faz com que o aluno, quando se defronta fora da aula com situações ou mensagens similares, acrescente reflexão à emoção1919. Ferrés J. Educar en una cultura del espectáculo. Barcelona: Paidós; 2000..

Esta metodologia pode ser usada para vários cenários educacionais, sempre que os professores tenham familiaridade e gosto pelas humanidades e priorizem o aprendizado centrado no aluno, isto é, saibam estar atentos ao processo de aprendizado, à provocação nos alunos da vontade de refletir e aprender, mais do que ao conteúdo programático a ser cumprido a qualquer custo. Trabalhar emoções requer do docente disposição, criatividade e vontade de aprender junto com os alunos. O professor que atua como facilitador é, sem dúvida, um elemento determinante do sucesso desta metodologia.

Mas nem tudo corre por conta do carisma do educador. Existem cenários educacionais onde esta metodologia é perfeitamente adequada aos objetivos educacionais propostos. Assim, no caso da Medicina de Família como disciplina acadêmica2626. Roncolclta AFT, Moreto G, Levites MR, Janaudis MA, González Blasco P, Leoto RF. Princípios da Medicina de Família. São Paulo: Sobramfa ; 2003., que enfatiza a medicina centrada no paciente e não na doença, promove a discussão em grupos e Incorpora as humanidades de modo formal no seu currículo, o uso das artes e, em particular, do cinema para promover a reflexão é algo intrínseco e peculiar2727. González Blasco P. Medicina de Família & Cinema: Recursos Humanísticos na Educação Médica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002.. O presente trabalho recolhe também a experiência dos autores no uso do cinema para ensinar humanismo a estudantes de Medicina, como parte das atividades desenvolvidas pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família (Sobramfa), recolhidas em publicações e apresentadas em congressos internacionais2828. González Blasco P, Moreto G, Roncolctta AFf, Leoto RF, Valle TR. Humanities through cinema: using movie clips to teach family medicine core values and address students emotions. Conference Program. Workshop. WONCA 17th World Conference of Family Doctors- Orlando, Florida­Oct. 2004.

29. González Blasco P, Roncoletta AFT, Moreto C, Gallian DMC, Freeman J. Teaching humanities through Movies: A Cinema Course for Medical Students. Seminar. 36th Annual Spring Conference of the Society of Teachers of Family Medicine Atlanta, Georgia, USA September 2003.

30. Levites MR, PinheíroTR, Janaudis MA, González Blasco P. The value of humanistic resources in medical education: literature and movies for medical students. Conferencc Program. Symposium. WONCA 17th World Conference of Family Doctors. Orlando, Florida- Oct. 2004.
-3131. Levites MR, Valle TR, Golfan C, Janaudis MA, González Blasco P. The use of cinema to teach humanism in family medicine. Conference Program. Symposium. WONCA 17th World Confcrence of Family Doctors- Orlando, Florida-Oct. 2004..

O cinema surge, assim, como ume metodologia inovadora que pode colaborar eficazmente na formação humanística do futuro médico. Um médico que não terá mais remédio que ser humanista se pretende estar à altura das responsabilidades que a sociedade lhe exige. Um médico que conseguirá no seu cotidiano ser humanista, porque vê o paciente como pessoa, considera seu entorno social e psicológico, tem sensibilidade, afeto e ética, e demonstra cordialidade com o enfermo2828. González Blasco P, Moreto G, Roncolctta AFf, Leoto RF, Valle TR. Humanities through cinema: using movie clips to teach family medicine core values and address students emotions. Conference Program. Workshop. WONCA 17th World Conference of Family Doctors- Orlando, Florida­Oct. 2004.

29. González Blasco P, Roncoletta AFT, Moreto C, Gallian DMC, Freeman J. Teaching humanities through Movies: A Cinema Course for Medical Students. Seminar. 36th Annual Spring Conference of the Society of Teachers of Family Medicine Atlanta, Georgia, USA September 2003.

30. Levites MR, PinheíroTR, Janaudis MA, González Blasco P. The value of humanistic resources in medical education: literature and movies for medical students. Conferencc Program. Symposium. WONCA 17th World Conference of Family Doctors. Orlando, Florida- Oct. 2004.
-3131. Levites MR, Valle TR, Golfan C, Janaudis MA, González Blasco P. The use of cinema to teach humanism in family medicine. Conference Program. Symposium. WONCA 17th World Confcrence of Family Doctors- Orlando, Florida-Oct. 2004., Um médico que sabe viver, na prática e no dia-a-dia, a ciência e a arte da medicina.

Agradecimentos

Contribuíram de forma indispensável para a elaboração deste artigo Marcelo R. Levites e Marco Aurélio Janaudis, médicos da Sobramfa, a quem gostaríamos de agradecer explicitamente.

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    González Blasco P, Roncoletta AFT, Moreto C, Gallian DMC, Freeman J. Teaching humanities through Movies: A Cinema Course for Medical Students. Seminar. 36th Annual Spring Conference of the Society of Teachers of Family Medicine Atlanta, Georgia, USA September 2003.
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    Levites MR, PinheíroTR, Janaudis MA, González Blasco P. The value of humanistic resources in medical education: literature and movies for medical students. Conferencc Program. Symposium. WONCA 17th World Conference of Family Doctors. Orlando, Florida- Oct. 2004.
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    Levites MR, Valle TR, Golfan C, Janaudis MA, González Blasco P. The use of cinema to teach humanism in family medicine. Conference Program. Symposium. WONCA 17th World Confcrence of Family Doctors- Orlando, Florida-Oct. 2004.

APÊNDICE:

EXEMPLIFICANDO A EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO CINEMA

O que se pode obter com o cinema na educação?

  • Ensinar valores humanos, virtudes e atitudes;

  • Promover a reflexão individual, trabalhá-la educacionalmente e fomentar atitudes, elementos essenciais na formação da pessoa;

  • Criar uma linguagem de comunicação rápida e eficaz entre os estudantes e com o professor, que prolonga o aprendizado do dia-a-dia

Passos de uma metodologia

  • Utilizar cenas de filmes nao médicos, selecionadas previamente e editadas em clipes de acordo com determinado tema;

  • Fazer comentários simultâneos às cenas projetadas;

  • Ao final da projeção, discutir as cenas com os participantes: o que viram, o que sentiram, o que foi despertado;

  • Incentivar os participantes a montar seu próprio clipe com as cenas que sejam mais significativas para eles

A título de exemplo: cenas de filmes (clipes) com comentários

Idealismo

Instinto - "O que você perdeu? Suas ilusões"

Tuckcr - "Não importa se são 50 ou 50 milhões. O que conta é o ideal, o sonho”.

Bioética

Frankenstein - "Quem sou eu? Você alguma vez pensou na consequência dos seus atos?"

A dor e o sofrimento

Terra das Sombras - "A dor é o megafone de Deus para acordar um mundo adormecido"

Fortalecer os princípios diante das dificuldades

O Slrowde Trumam - "Aumente o vento...Ele continua atado ao barco"

Realismo e perspectivas de vida

Adorável Professor - ''A vida é o que te acontece enquanto estás ocupado fazendo planos"

O que é o amor: generosidade versus egoísmo

As Filhas de Marvin - "Sou feliz por que tive muito amor para dar em minha vida"

Amizade e nobreza: ajudar com criatividade

Perfume de Mulher- "Dê-me um motivo para não me matar. Danças tango e diriges uma Ferrari como ningém"

Suporte para as dúvidas vitais

Casablanca - "Eu não sei mais o que é certo...Você terá que pensar por nós dois"

Todo ser humano é único

Amistad - "A criança escrava nasce livre, sem correntes"

Liderança

Tempos de Glória - "Se vocês não vão receber o pagamento, ninguém receberá ... Para as batalhas é preciso mais do que descanço. É preciso caráter, pujança e coração"

Responsabilidade e compromisso

O Resgate do Soldado Ryan - “James, faça por merecer! Eu vivi minha vida da melhor maneira que pude. Espero que diante dos seus olhos tenha sido suficiente e tenha merecido o que todos vocês fizeram por mim”

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2005

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2004
  • Revisado
    07 Maio 2004
  • Revisado
    02 Dez 2004
  • Aceito
    25 Fev 2005
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