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Genograma: informações sobre família na (in)formação médica

Genogram: information about family in medical (in)formation

Resumos

Os autores apresentam o genograma como um instrumento clínico de trabalho para o profissional de saúde. Fundamentado na teoria sistêmica, o genograma possibilita analisar o contexto psicossocial do paciente, sua família e sua doença. Por ser um mapa relacional, facilita a visualização do contexto familiar, funcionando como uma "radiografia" psicossocial do paciente. Os autores sugerem seu uso na prática clínica e fornecem exemplos de sua aplicação. Concluem ser um instrumento que favorece a identificação de estressores no contexto familiar, no estabelecimento da relação entre estes e o processo saúde-doença. O genograma evidencia a identificação de padrões transgeracionais de doença e de redes de apoio psicossocial, além de possibilitar a ampliação de estratégias terapêuticas mais adequadas.

Psicologia médica; Educação médica; Terapia familiar; Saúde da família; Relações familiares; Prática profissional


The authors present the genogram as a clinical work tool for the health professional. Based on systemic theory, the genogram provides a psychosocial analysis of the patient's context, family and disease. As a relational map, it delivers a view of the family context and works as the patient's psychosocial "x-ray". This tool is suggested for purposes of clinical practice and there are examples of clinical cases in which it has already been applied. The authors conclude that this tool makes it easier to identify stressor factors in the family context and shows the kind of relationship that has been established between them and the health and disease process. This tool also provides evidence of transgenerational disease patterns as well as psychosocial support networks present in that context, in addition to facilitating the application of more adequate therapeutic strategies.

Medical psychology; Medical education; Family therapy; Family health; Family relation; Professional practice


PESQUISA

Genograma: informações sobre família na (in)formação médica

Genogram: information about family in medical (in)formation

José Roberto Muniz; Evelyn Eisenstein

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Benjamim Batista, 27 apt. 202 Rio de Janeiro - RJ 22461-120 E-mail: munize@gmail.com

RESUMO

Os autores apresentam o genograma como um instrumento clínico de trabalho para o profissional de saúde. Fundamentado na teoria sistêmica, o genograma possibilita analisar o contexto psicossocial do paciente, sua família e sua doença. Por ser um mapa relacional, facilita a visualização do contexto familiar, funcionando como uma "radiografia" psicossocial do paciente. Os autores sugerem seu uso na prática clínica e fornecem exemplos de sua aplicação. Concluem ser um instrumento que favorece a identificação de estressores no contexto familiar, no estabelecimento da relação entre estes e o processo saúde-doença. O genograma evidencia a identificação de padrões transgeracionais de doença e de redes de apoio psicossocial, além de possibilitar a ampliação de estratégias terapêuticas mais adequadas.

Palavras-chave: Psicologia médica; Educação médica; Terapia familiar; Saúde da família; Relações familiares; Prática profissional.

ABSTRACT

The authors present the genogram as a clinical work tool for the health professional. Based on systemic theory, the genogram provides a psychosocial analysis of the patient's context, family and disease. As a relational map, it delivers a view of the family context and works as the patient's psychosocial "x-ray". This tool is suggested for purposes of clinical practice and there are examples of clinical cases in which it has already been applied. The authors conclude that this tool makes it easier to identify stressor factors in the family context and shows the kind of relationship that has been established between them and the health and disease process. This tool also provides evidence of transgenerational disease patterns as well as psychosocial support networks present in that context, in addition to facilitating the application of more adequate therapeutic strategies.

Key words: Medical psychology; Medical education; Family therapy; Family health; Family relation; Professional practice.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a medicina vem promovendo acentuado progresso na detecção das desordens do organismo humano. Aprofundam-se os conhecimentos, aprimoram-se as técnicas de diagnóstico e tratamento, e ampliam-se os recursos oferecidos aos doentes. No entanto, esses recursos se fundam em modelos advindos predominantemente do conhecimento biomédico, da racionalidade médica, criando uma situação dicotômica, em que pacientes são considerados portadores (ou não) de doenças e desta forma são tratados.

Essa abordagem fruta de um reducionismo - ou talvez por essa mesma razão -, tem sido largamente utilizada na prática clínica, por seu caráter simplista e pragmático, mas está longe de abranger a dimensão múltipla e complexa dos problemas de saúde.

Para Tesser1, "a atual crise da atenção à saúde está ligada ao exercício cotidiano desse saber biomédico, cuja racionalidade procura fatos numa relação de causalidade linear e mecânica". Outras ordens de fatores, além dos biológicos e psicológicos, "outras instâncias de relações envolvendo o ser humano, sua cultura, seu entorno social e ambiental, por exemplo, não são necessariamente contempladas"2. Desta forma, os conceitos devem se ampliar na direção da multidisciplinaridade e da contextualização.

Percebe-se que a doença e suas várias formas de expressão resultam de inúmeros fatores, biológicos, psicológicos, sociais e culturais, sempre presentes em qualquer situação, ainda que em graus diversos de influência. O reducionismo biológico mais comumente empregado deve dar lugar a um pluralismo explicativo, que é preferível a uma visão explicativa monística3.

Para Hossne4, a ciência médica é o entroncamento das ciências biológicas (ciências naturais) com as ciências humanas, e o preparo do médico, por mais completo que seja em ciências naturais e em tecnologia, é incompleto sem a formação humanística. O autor sugere três posturas:

■ Análise global, ou histórica, pois os fenômenos envolvidos, de variada natureza (biológicos, psicológicos, sociais, econômicos etc.), estão interligados e são interdependentes;

■ Nova visão da realidade - um novo "paradigma", com profunda mudança de pensamentos, valores e percepções;

■ Busca de flexibilização.

Sabe-se que: a vida humana ultrapassa as fronteiras do biológico e do mental, mergulhando num meio social e cultural de maneira indissociável; os doentes e suas famílias procuram ajuda com seus corpos e mentes, trazendo suas crenças, mitos e padrões de funcionamento; não existem problemas psicossociais sem implicações biológicas. Somente nas últimas décadas é que se desenvolveram estudos que evidenciam a influência do papel da família na saúde e na doença de seus membros, assim como em seus processos de recuperação5.

O GENOGRAMA: UM MAPA RELACIONAL

Desde meados da década de 1950, o genograma - assim denominado por Guerin em 1972 - tem sido utilizado como instrumento em Terapia Familiar Sistêmica (TFS) como forma eficiente de obter informações da constituição familiar. São retratos gráficos da história e do padrão familiar, que identificam a estrutura básica, o funcionamento e os relacionamentos da família e, assim, evidenciam estressores, constituindo um mapa relacional do paciente e sua família. De fácil execução e por seu formato gráfico, o genograma facilita a visualização do contexto familiar e de suas principais características6, reunindo maiores possibilidades de detecção dos aspectos psicossociais. Nele são registrados dados de importância para o indivíduo, tais como separações, doenças, mortes, acidentes, cirurgias e internações. O cronograma familiar é uma lista de eventos importantes que se deseja destacar. É colocado ao lado do genograma, para evitar excesso de dados no gráfico.

Como uma radiografia, o genograma permite a leitura rápida e abrangente (gestalt) da organização familiar em uma única folha de papel, facilitando a percepção da situação psicossocial pelos profissionais de saúde.

Referenciais teóricos

De acordo com a Teoria Geral dos Sistemas7, o contexto do evento é fundamental para entender os processos que se desenvolvem, ao invés da análise do evento isolado de seu ambiente. Observam-se padrões de funcionamento dos organismos biológicos de interdependência por meio de seus sistemas internos. O conjunto de sistemas integrados funciona como um organismo, ou seja, uma unidade funcional e numa relação de interdependência com o meio ambiente em que está contido. É influenciado por este e o influencia. O conhecimento das informações ou dos dados isolados não é suficiente. É preciso situá-lo em seu contexto, para que adquira sentido8.

Por intermédio dos conceitos da teoria sistêmica, há uma mudança paradigmática da visão centrada no indivíduo para uma visão do sistema relacional - portanto, dentro de um contexto, em relação ao seu ambiente, seu ecossistema. "Não é mais possível considerar o indivíduo sem o seu contexto"8.

A teoria sistêmica serviu também de base teórica para um dos ramos da prática psicoterápica no atendimento e compreensão da dinâmica familiar, que ficou conhecido como terapia familiar sistêmica (TFS). Entre vários e importantes conceitos desenvolvidos pela TFS, destaca-se o do Ciclo de Vida Familiar, de Carter & McGoldrick9. A família é estudada como "um sistema que se move através do tempo", de um estágio para o outro, no processo de desenvolvimento familiar, exigindo mudanças e adaptações na estrutura de organização familiar.

Foram definidos como estressores verticais aqueles derivados dos padrões, mitos, segredos e legados familiares transmitidos através das gerações; já os estressores horizontais são as ansiedades presentes no decorrer do desenvolvimento, conforme a família avança no tempo. Estes últimos podem ser previsíveis (evolutivos), como a crise normal da adolescência, ou imprevisíveis (acidentais), como o surgimento de uma doença ou de uma morte prematura. É na confluência do eixo dos estressores verticais com o eixo dos estressores horizontais que se encontra o indivíduo, em seu contexto social e cultural.

Em 1985, McGoldrick et al.6 publicaram o principal e mais abrangente guia do assunto até hoje escrito: Genograms - assessment and intervention. Nele se destaca, entre as várias utilizações do genograma, a aplicação na prática médica para:

■ registro sistêmico das doenças e suas correlações no contexto familiar, salientando a responsabilidade de tratar indivíduos não isoladamente, mas no contexto de suas famílias;

■ contribuição para estabelecer um rapport entre o clínico e o paciente;

■ desenvolvimento do diagnóstico e planejamento terapêutico.

"O genograma talvez seja o instrumento clinicamente mais útil até agora desenvolvido para avaliar conexões entre família e doença"6.

Ultimamente, o genograma tem sido ensinado no curso de graduação de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O aluno realiza seu próprio genograma, como experiência de aprendizado e de conhecimento de seu contexto familiar, o que tem se mostrado uma vivência de impacto, pois confronta o estudante com aspectos de sua vida pessoal nos quais, em geral, não havia pensado antes. Frequentemente, o estudante toma conhecimento de padrões transgeracionais e de estressores no seu próprio contexto familiar desconhecidos até então e que vão contribuir para o entendimento de suas características pessoais e familiares. Legitima-se a importância desses aspectos que, posteriormente, poderão ser reconhecidos como relevantes na compreensão dos contextos psicossociais de seus pacientes. Trata-se de um processo pessoal de aprendizagem em que o aluno irá vivenciar emocionalmente esta experiência. É uma oportunidade única na formação médica do aluno ficar no lugar do entrevistado e não do entrevistador.

Além disso, o aluno pratica a construção conjunta do genograma com pacientes, procurando estabelecer correlações nos processos de saúde, doença e ciclo de vida e também da identificação de estressores. Após a realização do genograma, este é discutido e interpretado em sala de aula com ajuda do professor, consolidando o aprendizado. Essas aulas funcionam também como uma discussão de caso, ajudando na formação de um diagnóstico situacional10. O genograma é considerado um recurso estratégico no ensino de Psicologia Médica, e seu uso é recomendado como ferramenta de descrição da família e de seus padrões de relacionamento no Programa Saúde da Família (PSF)11.

Um instrumento gráfico

O genograma representa, por meio de símbolos, os constituintes de pelo menos três gerações do paciente em tela (ou paciente identificado - PI), sendo o gênero masculino representado por um quadrado, e o feminino, por um círculo. Os casais são ligados por linha horizontal e, sobre esta, as datas do casamento e, se for o caso, da separação e divórcio, conforme as informações colhidas. Todas as datas de eventos relevantes são registradas para que sejam estabelecidas correlações contextuais na análise posterior. As mortes, doenças e transtornos dos indivíduos são assinalados no próprio genograma, facilitando sua imediata identificação. Por exemplo, as mortes são identificadas por um "x" dentro do símbolo, a data da morte imediatamente acima do símbolo, na parte de dentro a idade que o individuo tinha quando morreu e a doença ou causa da morte ao lado. Esta simbologia foi padronizada por um comitê organizado no início da década de 1980, o Grupo Norte-Americano de Pesquisa em Atenção Primária (North American Primary Care Research Group), que definiu os símbolos práticos a serem utilizados no genograma.

Desta forma, podem-se registrar informações sobre os membros da família e suas relações transgeracionais, permitindo uma rápida visão gestáltica dos complexos padrões familiares. Isto contribui para levantar hipóteses de como um problema clínico pode estar correlacionado ao contexto psicossocial daquela família no decorrer do tempo.

As relações afetivas entre os membros da família também são representadas, por meio das linhas de relacionamento. Estas são construídas junto ao paciente e/ou com os familiares durante a entrevista de feitura do genograma. As linhas possibilitam identificar a intensidade de envolvimento emocional entre os membros da família.

Aplicações práticas

O profissional de saúde pode recorrer ao genograma a cada novo atendimento que fizer, a fim de se inteirar e lembrar dos dados disponíveis. A data de feitura do genograma deve ser anotada no canto inferior direito, podendo ser atualizada sempre que necessário.

A anamnese colhida segundo o modelo biomédico hegemônico acaba por privilegiar dados ligados diretamente a doença orgânica, história fisiológica, dados epidemiológicos e endêmicos, condições físicas habitacionais, história patológica pregressa e outros, que, apesar da importância inquestionável, são insuficientes para uma abrangência maior na compreensão da complexidade do processo saúde-doença.

Na configuração proposta, o genograma reúne informações sobre a doença do paciente identificado, as doenças e transtornos familiares, rede de apoio psicossocial, antecedentes genéticos, causa de morte de pessoas da família, além dos aspectos psicossociais apresentados, que, junto com as informações colhidas na anamnese, enriquecerão ainda mais a análise a ser feita. Desta maneira, os profissionais de saúde estarão em melhores condições de realizar um atendimento mais abrangente, de forma a poder detectar as necessidades assistenciais do paciente, levando em conta seu contexto psicossocial.

McDaniel et al.5 postulam cinco níveis de envolvimento que o médico pode estabelecer em seu relacionamento com a família:

■ NÍVEL 1: Ênfase mínima na família; ação restrita ao doente.

■ NÍVEL 2: Dar informação médica e conselhos - ensinar pelo menos a um membro da família sobre a doença e tratamento em consultas educativas.

■ NÍVEL 3: Identificar sentimentos e dar apoio - encorajar os membros da família a explicar suas preocupações. O médico deverá ser capaz de formular perguntas que detectem as manifestações da família relativas às preocupações e sentimentos quanto à condição do doente e como isto afeta a família. Deve ser empático, encorajando as pessoas a se esforçarem no enfrentamento dos problemas como um grupo (coesão) e identificar as disfunções familiares.

■ NÍVEL 4: Apoio sistêmico e intervenção planejada - o médico de família deve se engajar aos membros da família (inclusive os relutantes) em consultas planejadas (uma ou mais). Deve também ajudar a família a aceitar maneiras alternativas (e mutuamente negociadas) de lidar com as dificuldades e ser capaz de ajudar as pessoas a ajustarem seus papéis dentro da família, para dar apoio sem sacrificar a autonomia de ninguém.

■ NÍVEL 5: Terapia familiar - o médico de família deve ter habilidades para lidar com emoções intensas da família e as suas próprias emoções, e neutralidade para lidar com fortes pressões dos membros da família ou de outros profissionais.

DISCUSSÃO

Considerando a família como um sistema cujos membros mantêm relações de interdependência, o surgimento de doenças, transtornos ou quaisquer outras disfunções, seja de forma aguda ou crônica, irá afetar intensamente o sistema familiar, provocando necessárias adaptações de todos os envolvidos direta ou indiretamente.

Tradicionalmente, o ensino de Psicologia Médica utiliza conceitos psicanalíticos para explicar o desenvolvimento psíquico e evolutivo com ênfase no indivíduo. Contudo, por sua complexidade, tais conceitos nem sempre são compreendidos e elaborados pelos estudantes, o que dificulta sua utilização na prática do aprendizado.

Tem-se dado mais atenção às reações individuais ao adoecimento, mas a maneira como essas adaptações vão acontecer no âmbito da família interessa a todos (família, escola, trabalho, etc.) e aos profissionais de saúde em particular, já que dessas adaptações familiares irá depender o sucesso das intervenções médicas de qualquer natureza (adesão ao tratamento, preparo para cirurgia, comunicação de notícias difíceis, etc.). Por exemplo, a evolução clínica da obesidade de um adolescente se relaciona diretamente com a aceitação do transtorno não só pelo próprio paciente, como pelos membros de sua família. E é a partir dessa aceitação do problema que se desenvolverá o processo de reeducação alimentar com a modificação dos padrões alimentares da família, fundamental para o sucesso terapêutico.

A busca da integralidade da assistência, o estabelecimento de vínculos que possibilitem a aderência aos tratamentos propostos e alianças de compromisso e de responsabilidade mútua entre os profissionais, pacientes e seus familiares indicam novas direções na atenção da saúde. E, consequentemente, novas direções também na formação profissional, na compreensão dos processos saúde-doença e no aprimoramento das capacitações. O genograma, como instrumento de aprendizado, favorece a identificação do contexto familiar, contribuindo para a formação integral do estudante.

Outro problema relevante é a dificuldade em avaliar situações de estresse, tão comuns como fatores presentes e desencadeantes nos processos de doença. Essas situações não se apresentam de maneira clara e muitas vezes nem são detectadas pelas próprias pessoas envolvidas, que poderiam relatá-las aos profissionais de saúde. Desta maneira, dificultam-se as formas de avaliação necessárias a uma assistência adequada.

O genograma, como um instrumento gráfico, facilita a visão do contexto psicossocial e das situações de estresse agudas ou crônicas, tanto para o paciente (e seus familiares), como para o profissional de saúde, ampliando as formas de detecção das situações conflituosas e problemáticas. É, por isso, um instrumento facilitador na promoção da assistência em seus diferentes níveis. Sua apresentação gráfica, condensada numa única página, indica seu uso no prontuário médico, servindo de consulta para os membros da equipe de saúde e facilitando o acesso à situação psicossocial, para uma visão integral do paciente. A Figura 4 apresenta um exemplo de genograma e sua leitura interpretativa.


Quanto à qualidade de permitir melhor visualização, o campo da Psicopatologia que estuda a Atenção sustenta que:

através da organização e do agrupamento de objetos a serem percebidos, podemos estender a amplitude da Atenção. Se separarmos nove grãos de feijão em três grupos de três grãos, podemos vê-los mais facilmente. Este é um exemplo simples do princípio segundo o qual a organização tem como função permitir, à pessoa, dirigir a Atenção para maior quantidade de material.12

Assim, é possível perceber, com um simples olhar, situações complexas. Desta maneira, a organização dos membros de uma família dentro do mapa relacional favorece tanto o profissional quanto os clientes, a percepção mais clara do conjunto. Este olhar do conjunto de suas famílias provoca, não raro, forte impressão, interesse e curiosidade nas pessoas entrevistadas. Além disso, o fato de a construção do genograma ser interativa faz com que o paciente defina a qualidade das relações afetivas por meio das linhas de relacionamentos. Ele se vê e se "sente" representado no instrumento.

O genograma permite identificar padrões transgeracionais de doenças ou transtornos, além de evidenciar condutas problemáticas observadas nos membros da família ao longo do tempo, no seu ciclo de vida. Por conseguinte, situa o problema atual num contexto histórico, possibilitando estabelecer correlações hipotéticas entre os vários fatores psicossociais concorrentes na situação estudada. É o que podemos observar no genograma apresentado na Figura 5.


Não se trata de estabelecer relações de causa e efeito, mas, sim, de correlacionar o complexo de elementos presentes na situação clínica examinada.

O genograma é apresentado como um instrumento de investigação de utilidade na prática clínica, pois:

■ favorece a identificação dos fatores de estresse no contexto familiar;

■ estabelece correlações entre esses fatores e o processo saúde-doença;

■ permite uma visão conjunta do contexto por meio de um mapa gráfico, utilizando símbolos convencionados;

■ correlaciona às informações biomédicas e psicossociais;

■ identifica padrões transgeracionais de doenças, transtornos ou condutas problemáticas nos membros da família;

■ situa o problema atual dentro de um processo evolutivo e histórico do indivíduo;

■ favorece o rapport entre médico e paciente;

■ ajuda na identificação da rede de apoio psicossocial.

Por meio da análise do genograma, é possível detectar a existência (ou não) da rede de apoio psicossocial, na família nuclear e/ou extensiva, ou ainda de qualquer outra pessoa próxima. Isto permitirá identificar aqueles que podem ser convidados a participar do tratamento ou vir a colaborar de alguma forma em prol do atendimento de seu parente ou amigo. Apoios de diferentes tipos devem ser considerados e identificados. Há os que têm capacidade de responder com reações emocionais adequadas de apoio e compreensão, e outros que são capazes de ajudar em providências objetivas, tarefas a fazer, e que podem ser igualmente de grande ajuda nas necessidades do paciente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo biopsicossocial do processo saúde-doença é abordado amplamente no âmbito teórico da educação médica, mas não há uma tradução deste modelo no ensino da prática médica, essencialmente de caráter biomédico. A medicina biopsicossocial quase se restringe à retórica de sala de aula. Isto se deve à dificuldade e complexidade da aplicação clínica deste modelo.

O genograma possibilita um manejo prático para a avaliação das questões psicossociais. Pode ser aplicado na prática médica pública e privada, contribuindo para a análise dos fatores psicossociais que influenciam o indivíduo, sua doença e seu tratamento, assim como as consequências desses processos na família. Por sua forma gráfica, facilita a visão do conjunto desses fatores.

A construção interativa do genograma e o interesse pela narrativa apresentada e pela história familiar do indivíduo favorecem o vínculo e a comunicação, contribuindo positivamente para a relação médico-paciente.

O genograma é um instrumento que facilita o entendimento dos complexos processos de saúde-doença no contexto psicossocial, podendo também contribuir para o estabelecimento de estratégias terapêuticas, ampliando as ações de saúde.

REFERÊNCIAS

1. Tesser C, Luz M, Campos G. In: Rozemberg B, Minayo M. A experiência complexa e os olhares reducionistas. Ciênc. saúde coletiva. 2001;6(1):115-123.

2. Rozemberg B, Minayo M. A experiência complexa e os olhares reducionistas. Ciênc. saúde coletiva. 2001;6(1):115-123.

3. Kendler K. Toward a Philosophical Structure for Psychiatry. Am J Psychiatry 2005; 162:433-440.

4. Hossne W. Educação Médica e Ética. In: Marcondes E, Gonçalves E. (org) Educação Médica. S.Paulo: Sarvier; 1998:130-139.

5. McDaniel S, Hepworth J, Doherty W. Terapia Familiar Médica. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994.

6. McGoldrick M, Gerson R, Shellenberger S. Genograms Assessment and Intervention. New York: SecEd. W.W.Norton & Company; 1985.

7. Bertalanffy L. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes; 1975.

8. Morin E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez Ed., 2000.

9. Carter B, McGoldrick M. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.

10. Ferrari H, Luchina I, Luchina N La interconsulta médico-psicológica em el marco hospitalário. Buenos Aires: Nueva Vision; 1971.

11. Moysés S et all. Ferramenta de Descrição da Família e dos seus Padrões de Relacionamento. Rev Méd.Paraná. 1999;57(1/2):28-33.

12. Ballone GJ. Curso de Psicopatología: Atenção e Memória. [online]. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.Br/index2.

Recebido em: 12/07/2007

Reencaminhado em: 07/11/2007

Reencaminhado em: 12/05/2008

Aprovado em: 13/05/2008

CONFLITO DE INTERESSES: Declarou não haver.

  • 1. Tesser C, Luz M, Campos G. In: Rozemberg B, Minayo M. A experiência complexa e os olhares reducionistas.
  • Ciênc. saúde coletiva. 2001;6(1):115-123.
  • 2. Rozemberg B, Minayo M. A experiência complexa e os olhares reducionistas. Ciênc. saúde coletiva. 2001;6(1):115-123.
  • 3. Kendler K. Toward a Philosophical Structure for Psychiatry. Am J Psychiatry 2005; 162:433-440.
  • 4. Hossne W. Educação Médica e Ética. In: Marcondes E, Gonçalves E. (org) Educação Médica. S.Paulo: Sarvier; 1998:130-139.
  • 5. McDaniel S, Hepworth J, Doherty W. Terapia Familiar Médica. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994.
  • 6. McGoldrick M, Gerson R, Shellenberger S. Genograms Assessment and Intervention. New York: SecEd. W.W.Norton & Company; 1985.
  • 7. Bertalanffy L. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes; 1975.
  • 8. Morin E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez Ed., 2000.
  • 9. Carter B, McGoldrick M. As Mudanças no Ciclo de Vida Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.
  • 10. Ferrari H, Luchina I, Luchina N La interconsulta médico-psicológica em el marco hospitalário. Buenos Aires: Nueva Vision; 1971.
  • 11. Moysés S et all. Ferramenta de Descrição da Família e dos seus Padrões de Relacionamento. Rev Méd.Paraná. 1999;57(1/2):28-33.
  • 12. Ballone GJ. Curso de Psicopatología: Atenção e Memória. [online]. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.Br/index2
  • Endereço para correspondência:
    Rua Benjamim Batista, 27 apt. 202
    Rio de Janeiro - RJ
    22461-120
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      13 Maio 2008
    • Revisado
      12 Maio 2008
    • Recebido
      12 Jul 2007
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