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História do ensino industrial no Brasil: uma análise historiográfica da obra de Celso Suckow da Fonseca

History of industrial education in Brazil: a historiographic analysis of Celso Suckow’s works

Historia de la enseñanza industrial en Brasil: un análisis historiográfico de la obra de Celso Suckow da Fonseca

Resumo:

No presente trabalho realizamos uma análise historiográfica da obra História do ensino industrial no Brasil, de autoria do educador-engenheiro Celso Suckow da Fonseca (1905-1966). Utilizamos o método histórico, conforme descrito por Rüsen (2015), buscando compreender os pressupostos teórico-metodológicos que nortearam a obra. Os entendimentos de intelectual, lugar social e escrita da história são referenciais para a análise da fonte. Diante da sua atuação em diversos papéis no campo da educação profissional no Brasil, Suckow apresenta indícios de sua escrita engajada. A partir das matrizes interpretativas, propostas por Xavier (2011), apontamos elementos da matriz político-institucional na obra analisada, mas concomitantemente às matrizes sociológica e político-ideológicas.

Palavras-chave:
história da educação profissional; historiografia; intelectuais; método histórico

Abstract:

The present study performed a historiographic analysis of the work História do ensino industrial no Brasil, by the educator-engineer Celso Suckow da Fonseca (1905-1966). We used the historical method as described by Rüsen (2015), seeking to understand the theoretical and methodological assumptions that guides the work. The understandings of intellectual, social place and the writing of history are references for the analysis of the source. Given his work in various roles in the field of Vocational Education in Brazil, Suckow presents evidence of his engaged writing. From the interpretative matrices proposed by Xavier (2011), we point out elements of the political-institutional matrix in the work analyzed, but concomitantly with the sociological and political-ideological matrices.

Keywords:
history of vocational education; historiography; intellectuals; historical method.

Resumen:

En el presente trabajo realizamos un análisis historiográfico de la obra História do ensino industrial no Brasil, de autoría del educador-ingeniero Celso Suckow da Fonseca (1905-1966). Utilizamos el método histórico, según descrito por Rüsen (2015), buscando comprender los presupuestos teórico-metodológicos que guiaron la obra. Los entendimientos de intelectual, lugar social y escritura de la historia son referenciales para el análisis de la fuente. Ante su actuación en diversos papeles en el campo de la Educación Profesional en Brasil, Suckow presenta en su obra indicios de su escritura comprometida. A partir de las matrices interpretativas, propuestas por Xavier (2011), señalamos elementos de la matriz político-institucional en la obra analizada, pero concomitantemente a las matrices sociológicas y político-ideológicas.

Palabras clave:
historia de la educación profesional; historiografía; intelectuales; método histórico

Introdução

O presente trabalho insere-se como contribuição ao campo de produção de conhecimento em história da educação profissional no Brasil. Conforme Manfredi (2002Manfredi, S. M. (2002). Educação profissional no Brasil. São Paulo, SP: Cortez.), a educação profissional é “[...] um campo de disputa e negociação entre diferentes segmentos que compõem uma sociedade, desvelando a dimensão histórico-política das reformas de ensino, das concepções, projetos e práticas formativas” (Manfredi, 2002, p. 61).

De acordo com Ciavatta (2016Ciavatta, M. (2016). A produção do conhecimento sobre a configuração do campo da educação profissional e tecnológica. Holos, 6, 33-49. , p. 44), “[...] a educação profissional tem sido utilizada como uma estratégia de hegemonia política na educação, persuadindo os próprios trabalhadores e seus filhos de que essa formação para o trabalho é melhor do que a rua [...]”, sendo que, para a autora, a produção do conhecimento em educação profissional e tecnológica implica a compreensão histórica de como as políticas conduzem a esses resultados.

No processo de constituição de campo, a perspectiva histórica é um viés imprescindível para o debate e a compreensão da sociedade. Paradoxalmente, Medeiros Neta (2016Medeiros Neta, O. M. (2016). A configuração do campo educação profissional no Brasil. Holos, 6, 50-55.), ao realizar um levantamento da produção associada à educação profissional no Portal de Periódicos da Capes até o ano de 2014, encontra um corpus de 237 artigos, dos quais apenas 2,21%, ou seja, cinco trabalhos, têm a temática da história da educação associada à educação profissional1 1 O que é aparentemente pouco, mas também aponta a versatilidade de temas associados ao campo da educação profissional, pois o tema ‘trabalho e educação’, mesmo sendo o mais frequente nos artigos, apenas diz respeito a 11,95% da produção total (Medeiros Neta, 2016). .

Pari passu, o presente artigo está na interface entre os campos da educação profissional e o da história da educação e se estabelece nessa compreensão da relevância da perspectiva histórica para o campo da educação profissional. Assim, somos norteados pela seguinte indagação: “Quais os pressupostos teóricos e metodológicos que nortearam a produção historiográfica da obra História do ensino industrial no Brasil, de Celso Suckow da Fonseca?”.

Para tanto, estabelecemos como objetivo realizar uma análise historiográfica da obra História do ensino industrial no Brasil, publicada entre 1961 e 1962, de autoria do educador-engenheiro Celso Suckow da Fonseca (1905-1966), que se constitui como nossa fonte de análise historiográfica.

Quando analisamos os trabalhos historiográficos acerca da educação profissional, comumente encontramos a obra História do ensino industrial no Brasil como referência clássica desses trabalhos. Como afirma Rodrigues (2002Rodrigues, J. (2002). Celso Suckow da Fonseca e a sua “História do ensino industrial no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação, 2 (2[4]), 47-74., p. 48), a obra “[...] é, sem dúvida, um clássico da historiografia educacional brasileira [...]”, mas ainda pouco problematizada enquanto produção historiográfica. De igual modo, seu autor, Celso Suckow da Fonseca, é reconhecido como educador de contribuição notável ao Brasil. O mesmo foi tema de um dos volumes da Coleção Educadores, organizada pelo Ministério de Educação em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco2 2 Para maiores informações, consultar: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/34955 e http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ResultadoPesquisaObraForm.do?skip=0&co_categoria=133&pagina=1&select_action=Submit&co_midia=2&co_. . Esta produção em que Suckow é o tema, escrito por Ciavatta e Silveira (2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco.), se constitui em nosso ponto de partida para analisarmos o autor e sua obra.

A obra História do ensino industrial no Brasil, publicada pela Escola Técnica Nacional (fundada pelo próprio Celso Suckow para produção de livros técnicos e de informativos da instituição), é composta de dois volumes, sendo o primeiro formado por 15 capítulos e publicado em 1961.

Figura 1
História do ensino industrial 1ª edição do volume I.

Fonte: Os autores

No primeiro volume da obra, o autor apresenta as Corporações de Ofício europeias no medievo, constrói a história do ensino industrial no Brasil desde o descobrimento, aborda as Leis Orgânicas de Ensino e analisa suas consequências. Também se dedica ao papel e à ação das Forças Armadas no tocante ao ensino industrial e às estradas de ferro, bem como à criação do Senai e atuação da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI). Ainda escreve acerca da formação de professores e sobre a filosofia do ensino industrial.

No segundo volume, publicado em 1962 e formado por 23 capítulos, apresenta as iniciativas de ensino industrial de cada unidade da federação, com maior ênfase ao Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul.

Para análise, utilizamos o método histórico, conforme descrito por Rüsen (2015Rüsen, J. (2015). Teoria da história: uma teoria da história como ciência (Estevão C. de Resende Martins, trad.). Curitiba, PR: Editora da UFPR.), seguindo os procedimentos de heurística, crítica e interpretação. Entendemos que “O método histórico é a suma de todas as regras que determinam o pensamento histórico enquanto processo de pesquisa. Pesquisa guiada por regras que conferem ao conhecimento histórico justamente aquela capacidade de fundamentar que o caracteriza como ciência” (Rüsen, 2015Rüsen, J. (2015). Teoria da história: uma teoria da história como ciência (Estevão C. de Resende Martins, trad.). Curitiba, PR: Editora da UFPR., p. 170).

Assim, “[...] o método histórico é a regulação desse processo cognitivo, que torna seus procedimentos cognitivos (ou etapas reflexivas) particulares (distinguíveis artificialmente uns dos outros) reconstituíveis, controláveis e, com isso, criticáveis” (Rüsen, 2015Rüsen, J. (2015). Teoria da história: uma teoria da história como ciência (Estevão C. de Resende Martins, trad.). Curitiba, PR: Editora da UFPR., p. 171). Na etapa de heurística, motivados pela influência da obra de Fonseca (1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., 1962) no campo da história da educação profissional, estabelecemos nossa pergunta histórica.

Entendemos que, nessa indagação histórica, temos a possibilidade de que a pesquisa nos leve “[...] a resultados que correspondam às carências insatisfeitas de orientação de teu tempo” (Rüsen, 2015Rüsen, J. (2015). Teoria da história: uma teoria da história como ciência (Estevão C. de Resende Martins, trad.). Curitiba, PR: Editora da UFPR., p. 174), pois compreender os pressupostos historiográficos, os paradigmas teórico-metodológicos e o contexto sócio-histórico de uma produção com tamanha relevância nos conduz a melhor entendimento das intencionalidades da obra, bem como à sua leitura de forma mais profunda.

Na etapa de crítica, analisamos a qualidade da informação a ser obtida a partir da obra; daí optarmos por analisar a 1ª edição em detrimento da análise da 2ª edição, realizada por ocasião I Congresso Mundial de Formação Profissional, ou das edições digitais publicadas pelo Centro Federal de Educação Tecnológica ‘Celso Suckow da Fonseca’, no Rio de Janeiro, em situações celebrativas, respectivamente, o 30º ano da lei que transformou as escolas técnicas em Cefet’s e no centenário da Rede Federal de Educação Profissional. Vale ressaltar que as edições digitais comemorativas são da instituição cujo autor é patrono, pois Celso Suckow da Fonseca foi diretor da então Escola Técnica Nacional (ETN) por três mandatos.

Entendemos que as edições comemorativas trazem em si interesses e finalidades específicas distintas das existentes no momento de produção original, principalmente pelo distanciamento temporal entre as publicações. Analisar a publicação de 1961 nos capacita a uma aproximação temporal apropriada para responder, de forma mais objetiva, aos paradigmas teórico-metodológicos da produção e observar os indícios mais claros da presença do autor no texto, seus valores e compreensões sobre a realidade que viveu antes e durante o tempo em que se realizou a escrita da produção.

Por fim, efetuamos a interpretação filtrando os contextos importantes para a resposta da pergunta histórica, cientes de que “[...] o processo de conexão interpretativa é regulado metodicamente quando a representação determinante de um contexto temporal abrangente pode ser relacionada, de maneira controlável, às informações obtidas das fontes” (Rüsen, 2015Rüsen, J. (2015). Teoria da história: uma teoria da história como ciência (Estevão C. de Resende Martins, trad.). Curitiba, PR: Editora da UFPR., p. 185). Assim, sob a luz da biografia do autor, as informações obtidas pela análise crítica da fonte e os contextos históricos da produção, construímos a representação que expomos ao longo deste texto.

Celso Suckow da Fonseca: intelectual em seu lugar de fala

Entendemos que a produção do historiador se realiza por meio de uma operação e que “[...] encarar a história como uma operação será tentar, de maneira necessariamente limitada, compreendê-la como a relação entre um lugar [...], procedimentos de análise [...] e a produção de um texto” (Certeau, 1982Certeau, M. (1982). A operação historiográfica. In M. Certeau. A escrita da história (p. 65-109). Rio de Janeiro, RJ: Forense-Universitária., p. 66). Tal lugar é compreendido como lugar social, onde a pesquisa histórica se articula com a produção socioeconômica, política e cultural. Desse modo, o lugar social de Celso Suckow da Fonseca está vinculado à sua história de vida pessoal e profissional. Passemos a descrever a trajetória de vida de Fonseca, norteados pelos estudos de Rodrigues (2002Rodrigues, J. (2002). Celso Suckow da Fonseca e a sua “História do ensino industrial no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação, 2 (2[4]), 47-74.), Ciavatta e Silveira (2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco.).

Celso Suckow da Fonseca nasceu no Rio de Janeiro, em 1905, sendo filho do engenheiro de Luís Carlos da Fonseca e de Gilcka de Suckow da Fonseca. Teve em seu seio familiar o suporte para sua formação escolar e profissional. Seu pai foi, na década de 1930, diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil e membro da Academia Brasileira de Letras.

Em 1923, Celso Fonseca ingressou no Curso de Engenharia Civil da Escola Polytechnica do Rio de Janeiro, que concluiu em 1929, por ter se detido, em 1927, a estudar exclusivamente disciplinas do curso de Engenharia Mecânica e Eletricidade.

Ao longo de sua carreira, continuou, por diversas vezes, a completar sua formação. Assim, em 1939, já atuando profissionalmente como engenheiro da Estrada de Ferro Central do Brasil, onde, ao longo de 35 anos de profissão, ocupou diversos cargos, fez o curso superior de Locomoção no Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional de São Paulo. Entre os anos de 1947 e 1948, realizou, no State College da Pensilvânia (EUA), o curso de Administrador de Escola Técnica, num Programa de Cooperação Educacional firmado entre Brasil e Estados Unidos no ano de 19463 3 O Programa de Cooperação Educacional que cria a Comissão Brasileira-Americana de Educação industrial estabelece o objetivo de formar professores e gestores com transferência de recursos financeiros entre os dois países. Esse acordo é firmado num contexto de expansão industrial no Brasil e pelo desejo estaduniense de ampliação de sua influência sobre a América Latina, já observada durante a Segunda Guerra Mundial e mais ainda ansiada no período da Guerra Fria. Durante o período de vigor do acordo, brasileiros envolvidos com a educação industrial foram aos EUA para fazerem cursos de formação, bem como se estabeleceu o Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores (CPTP) da CBAI, inicialmente no Rio de Janeiro/RJ e em seguida em Curitiba/PR, onde se realizavam cursos de capacitação que, em seguida, eram promovidos em diversos pontos do país. Segundo Oliveria e Leszczynski (2009), até janeiro de 1951, 50 professores e diretores das escolas técnicas (dentre eles Celso Suchow da Fonseca) foram aos EUA para capacitação e mais de 600 professores foram capacitados em diferentes pontos do país a partir das ações da CPTP. , que deu início às atividades da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI) e se desenvolveu ao longo dos anos, pois o acordo inicial vigorava até 1948, mas foi renovado diversas vezes, estando ainda em vigor até 1963. Em 1963, Celso Suckow ainda concluiu um curso de formação de mão de obra qualificada da Escola Superior de Guerra.

A partir dessas informações, já vislumbramos que Fonseca buscou, ao longo de sua vida, constantes atualizações acadêmico-profissionais. Enquanto engenheiro, atuou na Estrada de Ferro Central do Brasil, onde concomitantemente instalou dez escolas profissionais no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Foi presidente do Hospital Geral dos Ferroviários, situado em Bauru (SP), no ano de 1956. Atuou na diretoria do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea) entre 1946 e 1966. Foi membro do Conselho Técnico do Sindicato dos Engenheiros em 1962. Também foi vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Estrada de Ferro Central do Brasil por dois mandatos.

Figura 2
Busto de Celso Suckow da Fonseca.

Fonte: Celso Suckow da Fonseca (2019Celso de Suckow da Fonseca (2019). Recuperado de: https://www.geni.com/people/Celso-de-Suckow-da-Fonseca/6000000041989132596
https://www.geni.com/people/Celso-de-Suc...
).

Tais atuações de Fonseca, em seu itinerário de vida, nos diversos espaços institucionais do campo profissional, conferiram-lhe reconhecimento e inserção numa rede de sociabilidade4 4 Entendemos por rede de sociabilidade “[...] as relações de simpatia e amizade, assim como rivalidades e ressentimentos que aproximam ou distanciam os membros pertencentes a um grupo de indivíduos. [...] Essa ‘arqueologia’ das estruturas de sociabilidade dos grupos intelectuais permite ao pesquisador desvendar as afetividades, as fidelidades e tensões, as tomadas de posições ideológicas e político-partidárias, as polêmicas e rupturas, as especulações e boatos em torno da vida pessoal e profissional dos homens de letras, os círculos de intelectuais em torno de uma figura de proeminência, o envolvimento em organizações estudantis, além da própria percepção que a sociedade de uma dada época faz dos intelectuais de seu tempo” (Correa, 2016, p. 275, grifo do autor). que transitava no mundo do trabalho e no campo educacional, integrando-o ao corpo de engenheiros e educadores cuja atuação nas escolas técnicas constituiu os rumos da educação industrial no Brasil a partir dos anos 1940.

De fato, muitos dos engenheiros-educadores que marcaram notoriamente a história da educação profissional no Brasil integrando sua atuação nas estradas de ferro, indústria e escolas profissionais, como Francisco Montojos5 5 Francisco Belmonte Montojos, engenheiro-educador, formou-se em engenharia pela Escola de Engenharia de Porto Alegre em 1925. Atuou no Serviço de Inspeção do Ensino Profissional Técnico entre 1927 e 1949. Mesmo com a transformação do Serviço de Inspeção em Superintendência do Ensino Industrial e, em seguida, Divisão de Ensino Industrial, Montojos continuou no comando do setor vinculado à educação industrial no Brasil. Além disso, durante a vigência do CBAI, Montojos acumulou a Superintendência da Comissão no governo brasileiro. Para mais informações, ver Pedrosa e Santos (2013). e Roberto Mange6 6 Robert Auguste Edmond Mange (1886-1955), suíço e naturalizado brasileiro, foi graduado em engenharia na Escola Politécnica de Zurique e, a convite do diretor da Escola Politécnica de São Paulo, Antônio Francisco de Paula Souza, veio em 1913 para lecionar nesta instituição. Em 1924, criou o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e tornou-se seu superintendente. Juntamente com Ítalo Bologna organizou, em 1930, o Serviço de Ensino na Estrada de Ferro Sorocabana. Em 1934, elaborou e dirigiu o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional de São Paulo (CFESP). Entre 1940 e 1942, fundou, junto com Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Para mais informações, ver Pedrosa (2014). , eram contemporâneos a Celso Suckow (Rodrigues, 2002Rodrigues, J. (2002). Celso Suckow da Fonseca e a sua “História do ensino industrial no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação, 2 (2[4]), 47-74.) e estiveram em contato direto com ele, constituindo a rede de intelectuais responsáveis por nortear a educação industrial após a Reforma Capanema7 7 Sobre os engenheiros-educadores e a atuação na Educação Profissional no Brasil da primeira metade do século XX, Olivia Morais de Medeiros Neta realizou estágio pós-doutoral na Universidade Federal Fluminense sob a supervisão da professora Maria Ciavatta. .

As atuações e discussões sobre o ensino industrial no Brasil constituiu as relações e afinidades entre esses intelectuais nos âmbitos interpessoal e profissional. Assim, compreendemos Sirinelli ao afirmar que

Todo grupo de intelectuais organiza-se também em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver. São estruturas de sociabilidade difíceis de apreender, mas que o historiador não pode ignorar ou subestimar (Sirinelli, 2003Sirinelli, J. (2003). Os intelectuais. In R. Rémond (Ed.), Por uma história política (2a ed., p. 231-269). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. , p. 248).

Desse modo, a partir das propostas que surgiam em meio à rede de sociabilidade, Celso Suckow e outros engenheiros-educadores que foram gestores de referência nas escolas profissionais existentes participaram ativamente das discussões para organização do ensino industrial que culminaram na criação das Escolas Técnicas Federais e do Senai. Nesse contexto, foram criadas as Leis Orgânicas de Ensino, de 1942 a 1946, conhecidas como Reforma Capanema8 8 A Reforma Capanema compreende a criação das Leis Orgânicas do Ensino que estruturaram o ensino industrial, reformularam o ensino comercial e criaram o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), bem como trouxeram mudanças no ensino secundário. .

Medeiros Neta, Lima, Barbosa e Nascimento (2018Medeiros Neta, O. M., Lima, E. L. M., Barbosa, J. K. S. F., & Nascimento, F. L. S. (2018). Organização e estrutura da educação profissional no Brasil: da Reforma Capanema às leis de equivalência. Holos,4, 223-235.), ao analisarem a organização e a estrutura da educação profissional no Brasil a partir da Reforma Capanema, mostram-nos o quanto as Leis Orgânicas de Ensino se constituem em marcos dessa historiografia, a serviço do ideário nacionalista de Getúlio Vargas em seu projeto de país, marcando a educação profissional com maior fortalecimento da dualidade estrutural da educação brasileira, pois existia uma escola pensada para a classe dominante e outra escola para as camadas mais populares, oriundas da classe trabalhadora. Assim, evidentemente o papel político e econômico também forjou as mudanças oriundas da reforma, que não carregou consigo somente os pensamentos dos que exerciam papéis na educação profissional existente. De fato, em certo modo, inclusive negou algumas das demandas destes, por exemplo, a superação da visão de que a educação para o trabalho era de caráter assistencialista aos menos favorecidos. Dessa maneira, perdurou a mentalidade de que as escolas técnicas eram destinadas aos desfavorecidos da fortuna, que deveriam ser gratos por poderem ser educados para o trabalho.

Outro marco dessa dualidade eram as restrições de acesso ao ensino superior de qualquer tipo apenas aos estudantes das escolas secundárias e, para os poucos alunos das classes subalternas que tentavam acesso ao ensino superior, havia a limitação aos cursos relacionados com a formação técnica do discente. Manfredi (2002Manfredi, S. M. (2002). Educação profissional no Brasil. São Paulo, SP: Cortez.) aponta que a Reforma Capanema acabava por promover grupos políticos depreciando a classe trabalhadora.

Nesse contexto, a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Bráz9 9 Wenceslau Braz Pereira Gomes (1868-1966), advogado e político, foi presidente do Brasil entre 1914 e 1918. A Escola Normal de Artes e Ofícios que leva seu nome foi criada pelo decreto 1.880 de 11 de agosto de 1917, durante seu governo, e foi inaugurada em 9 de novembro de 1918, mas iniciou suas atividades de formação de professores para o ensino nas escolas de aprendizes artífices apenas em 1919. torna-se, em 1942, Escola Técnica Nacional (ETN) e, já em 1943, Celso Suckow da Fonseca é alçado à condição de diretor dessa instituição, nomeado pelo presidente da República Getúlio Vargas, e sob a regência da Divisão de Ensino Industrial (DEI) do Ministério de Educação e Saúde, que estava sob a diretoria de outro engenheiro e educador, Francisco Montojos.

Figura 3
Inauguração oficial da ETN (1944).

Fonte: Inauguração oficial... (2019Inauguração oficial da Escola Técnica Nacional, em 7 de outubro de 1944. 2019. Recuperado de: http://www.cefet-rj.br/index.php/informativo-eletronico/3260-informativo-eletronico-marco-de-2017
http://www.cefet-rj.br/index.php/informa...
).

O mandado iniciado em 1943 se prolongou até 1951. Contudo, Celso Suckow ainda viria assumir a direção da ETN mais três vezes, por meio de eleições, sendo primeiramente para a gestão de 1960 até 1963, em seguida foi reeleito para o período de 1963 a 1966, e, por fim, novamente escolhido para gerir a instituição de 1966 até 1969, sendo que o último mandato foi interrompido por sua morte, numa viagem a convite da Fundação Ford, em que visitava as universidades e os institutos tecnológicos americanos para analisar os cursos superiores de curta duração, em outubro de 1966. Entre 1951 e 1960, Celso integrou, por aprovação em concurso público, o corpo docente da ETN como professor de desenho técnico.

Durante seu período na direção da ETN, segundo Ciavatta e Silveira (2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco., p. 21), “Celso Suckow buscou unir a escola ao mundo da produção”. Ainda conforme as autoras,

Quando Celso Suckow da Fonseca assumiu a direção da Escola Técnica Nacional, em 1943, o cenário era o de construção de um projeto de nacionalidade, no qual o Estado Novo assumia o processo de industrialização do país e a entrada do Brasil no mundo capitalista de produção estava a exigir a formação de homens para a indústria nacional (Ciavatta & Silveira, 2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco., p. 22).

Dessa forma, notamos que a atuação de Fonseca na gestão da ETN possibilitou-lhe tornar-se protagonista da construção da educação industrial no Brasil, que lhe conferiu uma atuação específica enquanto intelectual, segundo Sirinelli (2003Sirinelli, J. (2003). Os intelectuais. In R. Rémond (Ed.), Por uma história política (2a ed., p. 231-269). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. ), como sujeito político do processo histórico, engajado como ator na vida e nas lutas da sociedade. Ainda corrobora essa noção a afirmação sobre Celso Suckow de que

Seu ímpeto a destacaria ‘a Escola Técnica Nacional’ como uma das principais instituições de ensino profissional do país. Foi na prática que Celso Suckow da Fonseca foi solucionando os problemas e as exigências postos pelo novo quadro político e socioeconômico do país para a formação de profissionais para a indústria (Ciavatta & Silveira, 2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco., p. 26, grifo nosso).

Desse modo, percebemos a forte atuação e a noção de compromisso assumido diretamente por Celso Suckow enquanto agente da educação industrial a partir dos anos 1940. Vale lembrar que “[...] o engajamento e a função social parecem ser critérios definidores das possibilidades do estabelecimento de tipologias dos intelectuais enquanto grupo social” (Correa, 2016Correa, R. A. (2016). Os intelectuais e a escrita da história: as contribuições metodológicas de Jean-François Sirinelli. Escritas, 8(2), 265-278., p. 270).

Compreendendo a função da Escola Técnica Nacional de formar técnicos aptos ao trabalho no campo profissional, Celso Suckow da Fonseca buscou parcerias e convênios em vista de desenvolver uma estratégia de profissionalização que ajudasse os jovens a ingressarem no mundo do trabalho por meio de atividades reais em condições de trabalho reais. Assim, fomentou a criação de um sistema de estágios10 10 O Sistema de Estágios criado, iniciado na década de 1960, consistia em encaminhar alunos ao Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) no período de férias para “[...] avaliar o conhecimento adquirido pelo aluno no setor produtivo” (Ciavatta & Silveira, 2010, p. 33). Foram feitas tentativas de enviar alunos da 1ª série, que não lograram êxito; em seguida encaminharam-se alunos das 2ª e 3ª séries, mas a terceira tentativa em diante apenas se restringiu a enviar os alunos da 3ª série, pois a evasão e a imaturidade dos alunos atrapalhavam a experiência. Os chefes da seção que recebiam os estagiários tinham que preencher a Ficha de Acompanhemnto de Estágio, descrevendo as atividades desenvolvidas pelo estagiário. , que dava mais um passo na direção de aproximar escola e trabalho.

Ao buscarmos compreender, em Suckow da Fonseca, a noção de geração, ressaltamos que “[...] um intelectual se define sempre por referência a uma herança, como legatário” (Sirinelli, 2003Sirinelli, J. (2003). Os intelectuais. In R. Rémond (Ed.), Por uma história política (2a ed., p. 231-269). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. , p. 244-245). Destarte, podemos entender Celso Suckow da Fonseca como herdeiro profissional de seu pai, pois Luiz Carlos da Fonseca o introduziu na Estrada de Ferro Central do Brasil, empresa em que era diretor, na década de 1930, mas também como alguém que trazia, em seu vasto arcabouço intelectual, influências de pesquisadores que o antecederam e que lhe eram contemporâneos enquanto atores sociais da educação profissional, como os citados nas referências bibliográficas de sua obra, a saber, Francisco Montojos, João Lüderitz11 11 João Lüderitz foi diplomado na turma de 1904. Em 1910, Luderitz era diretor do Instituto Técnico-Profissional de Porto Alegre e na década de 1920 dirigiu o Instituto Parobé em Porto Alegre. Na década de 1920 dirigiu o Serviço de Remodelamento do Ensino Profissional. Participou das comissões do ensino industrial durante a década de 1930. Primeiro diretor nacional do Senai, de 1942 até 1948. (Pedrosa & Santos, 2013). , Tarqüínio de Souza Filho12 12 Tarqüínio de Souza Filho (1859-1908), nascido em Recife/PE e falecido no Rio de Janeiro/RJ, foi autor de O ensino técnico no Brasil (1886). Filho de um deputado geral pela Província do Rio Grande do Norte e professor de direito da Faculdade de Direito de Recife, formou-se também em Direito pela mesma instituição. Foi promotor público em Alagoas e, após mudar-se para o Rio de Janeiro, foi advogado e, a partir de 1887, professor na Escola Naval e no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Posteriormente também ensinou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Para maiores informações, ver Chamon (2017). , Horácio Silveira13 13 Horácio Augusto da Silveira (1885-1958) foi professor da primeira escola profissional feminina da cidade de São Paulo e, após um período lecionando no Grupo Escolar de Sertãozinho e, em seguida, no Liceu de Artes e Ofícios de Amparo, retomou suas atividades docentes na Escola Profissional Feminina como dirigente e tornou-se também superintendente do Ensino Profissional do Estado de São Paulo, entre 1934 e 1947. Para maiores informações, ver Carvalho (2011). , entre outros.

A construção de uma Escola Técnica Nacional voltada para o mundo da produção e colaboradora da formação de um país desenvolvido e apto ao mundo do capital pode ser considerada a herança geracional que buscava Celso Suckow da Fonseca enquanto seu legado. Contudo, entendemos que sua obra historiográfica foi, juntamente às ações de gestão da ETN, forte herança à educação industrial.

Como veremos a seguir, sua obra apresenta-se não apenas como um relato descritivo de acontecimentos históricos acerca do tema, mas também expõe as concepções pessoais acerca do ensino industrial, seu lugar de fala, as defesas das ideias desenvolvidas ao longo da atuação profissional, concepções pedagógicas etc.

Entendemos que a obra História do ensino industrial no Brasil, composta por dois volumes, o primeiro publicado em 1961, apresenta 15 capítulos e o segundo, publicado em 1962, 23 capítulos, foi uma das formas de difusão das ideias do autor e, pela presença constante em estudos historiográficos posteriores sobre o tema, como o de Manfredi (2002Manfredi, S. M. (2002). Educação profissional no Brasil. São Paulo, SP: Cortez.) e o de Rodrigues (2002Rodrigues, J. (2002). Celso Suckow da Fonseca e a sua “História do ensino industrial no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação, 2 (2[4]), 47-74.), ressaltamos a influência da obra na história da educação profissional ao longo dos anos no Brasil. Isso vem a ser importante, pois

[...] é preciso estudar a descida, das cúpulas da intelligentsia até a sociedade civil, dessas ideias fecundadas e analisar, de um lado, sua influência sobre os sobressaltos da comunidade nacional, e de outro, mais amplamente, sua assimilação - ou não - pela cultura política da época (Sirinelli, 2003Sirinelli, J. (2003). Os intelectuais. In R. Rémond (Ed.), Por uma história política (2a ed., p. 231-269). Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV. , p. 259).

Nesses termos, concordamos com Ciavatta e Silveira ao afirmarem que, na história, “[...] é a presença do narrador e sua forma de relato, os fatos que destaca e a forma como apresenta que dão a força e o colorido à sua história” (Ciavatta & Silveira, 2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco., p. 38).

Um olhar sobre a ‘história do ensino industrial’

Os procedimentos de análise historiográficos estão associados à instituição social que lhe fornece subsídios e limites, norteando os questionamentos históricos, a prática e as técnicas. Por fim, sabendo que “[...] não existe relato histórico no qual não esteja explicitada a relação com um corpo social e com uma instituição de saber” (Certeau, 1982Certeau, M. (1982). A operação historiográfica. In M. Certeau. A escrita da história (p. 65-109). Rio de Janeiro, RJ: Forense-Universitária., p. 93), temos que a produção do texto histórico contempla marcas de todo o processo de operação historiográfica.

Assim, em nosso movimento de analisar a obra História do ensino industrial no Brasil, de Celso Suckow, buscamos compreender os procedimentos realizados pelo autor de escrita historiográfica a partir da pesquisa histórica - que o próprio Celso Suckow afirmou durar mais de dez anos -, visando entender nesse movimento a matriz histórica na qual ele se alicerça e os registros de seu lugar de fala e de seu engajamento institucional.

Na escrita histórica, ocorre o que Certeau (1982Certeau, M. (1982). A operação historiográfica. In M. Certeau. A escrita da história (p. 65-109). Rio de Janeiro, RJ: Forense-Universitária.) denomina inversão escriturária, ou seja, expondo-se de forma cronológica a redação; na verdade, toma o final da pesquisa como seu início na escrita. Jörn Rüsen também compreende o processo de representação como algo distinto das etapas do método de pesquisa histórico, com efeito “[...] a representação [...] obedece a critérios que não são puramente cognitivos. Por tal razão, para analisá-la a teoria da história precisa recorrer não só aos critérios de um método de pesquisa, mas também a critérios ‘literários’” (Rüsen, 2015Rüsen, J. (2015). Teoria da história: uma teoria da história como ciência (Estevão C. de Resende Martins, trad.). Curitiba, PR: Editora da UFPR., p. 187, grifo do autor).

Portanto, lançamos nosso olhar, na obra de Celso Suckow da Fonseca, sobre as categorias lugar de fala (em que damos ênfase ao engajamento do autor), instituição social (em que apontamos as influências da rede de sociabilidade na qual Fonseca se inseria) e a matriz interpretativa da produção historiográfica.

Ao lermos História do ensino industrial no Brasil, notamos que Celso Suckow da Fonseca tem um lugar de fala bem marcado em sua escrita. Suckow escreve a história que herdou e que viveu ao longo de seu itinerário enquanto profissional e intelectual. Nessa perspectiva, defendemos que “[...] é em função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões, que lhe são propostas, se organizam” (Certeau, 1982Certeau, M. (1982). A operação historiográfica. In M. Certeau. A escrita da história (p. 65-109). Rio de Janeiro, RJ: Forense-Universitária., p. 67).

Dessa forma, sua obra demonstra parte de seu engajamento, nela, ele busca mostrar o que ele entendia ser a finalidade do ensino industrial no Brasil, os fatores limitantes historicamente enraizados na cultura da sociedade e as possíveis soluções para o futuro da educação industrial. A obra de Suckow é o espelho de toda a sua vida. Sobre tal, Ciavatta e Silveira (2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco., p. 49) afirmam que, “[...] sendo ele próprio um dos atores mais importantes desse processo, estando no centro dos acontecimentos na sua fase mais dinâmica [...] o autor revela notável domínio das informações, expondo sua visão dos fatos de forma direta e clara”.

As relações entre trabalho e educação estão latentes na obra e foram fios condutores à sua escrita da história do ensino industrial no Brasil. Um exemplo disso é o fato de que, “[...] como diretor, Celso Suckow da Fonseca seguia na luta ininterrupta pela ampliação do número de vagas, oferecendo aos filhos dos trabalhadores educação pública e de qualidade” (Ciavatta & Silveira, 2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco., p. 33), e, ao longo de toda a sua obra, o autor constantemente defendeu a universalização do ensino industrial a todas as camadas da população, criticando a concepção enraizada na cultura brasileira de que a aprendizagem de ofícios cabia exclusivamente aos pobres, num movimento por ele denominado de abastardamento do ensino de ofícios (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN.).

Celso Suckow afirma que

O fato de, entre nós, terem sido índios e escravos os primeiros aprendizes de ofício marcou com um estigma de servidão o início do ensino industrial em nosso país. É que, desde então, habituou-se o povo de nossa terra a ver aquela forma de ensino como destinada somente a elementos das mais baixas categorias sociais (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 18).

Segundo o autor, esse movimento nasceu no Brasil colonial, quando ocorreu a perda das prerrogativas sociais dos artífices existentes no primeiro momento ao longo processo de transmissão de conhecimento das profissões manuais para os escravos dentro das propriedades de terras, tornando essas profissões marginalizadas e mal remuneradas. Aliado a esse fato, temos a ação dos jesuítas que, segundo a sua Ratio Studiorum14 14 O programa de ensino dos jesuítas que por mais de dois séculos formou os estudantes brasileiros consistia nos estudos de gramática, humanidades e retórica alicerçada nos clássicos da literatura greco-romana. Aos que desejavam tornarem-se sacerdotes acresciam-se estudos de filosofia e teologia. Para mais informações, ver Paiva (2000). , priorizaram o ensino das humanidades, das primeiras letras e das ciências em detrimento do ensino de ofícios, que era praticado pelos padres da Companhia de Jesus apenas para suprir as necessidades imediatas de sua estruturação e manutenção na colônia. Assim, apenas os órfãos e índios aprendiam, junto aos jesuítas, ofícios manuais.

O autor ainda afirma que

Vem, pois, dos primeiros tempos de nossa civilização a mentalidade do desprezo pelos trabalhos que requerem o uso das mãos. Agravaram-na o fato de ter sido o desempenho das profissões manuais entregue aos escravos e o ensino de ofícios ministrado aos índios e africanos, enquanto o de humanidades era destinado a uma camada mais elevada da sociedade.

Aquela maneira de ver, aquela filosofia haveria de acompanhar por muito tempo o ensino necessário à indústria, como uma sobra agoureira que lhe seguisse a marcha e dificultasse os passos (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 19).

Ainda acerca do lugar de fala e compreendendo melhor o engajamento na instituição social, vemos na obra de Suckow da Fonseca a ênfase dada a momentos que tiveram influência direta sobre sua atuação, como na narração e análise das Leis Orgânicas de Ensino15 15 As Leis Orgânicas de Ensino foram um conjunto de decretos-leis promulgados entre 1942 e 1946 que constituíram reformas nos diversos ramos do ensino brasileiro e na criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, bem como do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946. Apesar de nem todos os decretos terem sido executados durante o Estado Novo, quando o ministro da Educação era Gustavo Capanema, elas ficaram conhecidas como Reforma Capanema. Foram reformados os ensinos industrial, comercial, agrícola, primário, secundário e normal. , das Leis de Equivalência16 16 As Leis Orgânicas de Ensino tornaram a educação brasileira rígida no tocante a cursos, currículos e formas de acesso a níveis de ensino distintos e/ou superiores. Visando atualizar as necessidades oriundas das transformações socioeconômicas do crescimento do capitalismo no Brasil na década de 1950, foram promulgadas as seguintes leis: lei nº 1.076/1950, lei nº 1.821/1953 e lei nº 3.552/1959. Tais leis foram permitindo paulatinamente transferências entre os ramos e ciclos de níveis de ensino e democratização no acesso ao ensino superior, pois até então o acesso era irrestrito a qualquer curso, apenas os que cursavam o ensino secundário e os demais ramos só podiam pleitear vagas no vestibular para cursos diretamente relacionados a sua formação profissional. e demais consequências. Nas palavras do autor,

O ensino industrial existira até então com um compartimento estanque, no conjunto da organização escolar do País. Um jovem que se matriculasse em uma escola profissional não teria o direito de prosseguir seus estudos [...].

Agora, não. Abria-se, alargava-se o horizonte. O rapaz que começasse em uma escola industrial poderia chegar a ser um engenheiro, um arquiteto, um químico. Ato de profundo alcance social, verdadeira democratização do ensino (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 266).

Assim, percebemos, no comentário elogioso de Suckow ao decreto-lei nº 4.073/1942, o quanto vigorou, na geração dos engenheiros-educadores que atuavam no ensino industrial, a percepção de um grande avanço rumo ao desenvolvimento e democratização do ensino nesse campo educacional com a Reforma Capanema17 17 Distintamente a Suckow em seu período de estabelecimento das leis e em sua escrita posterior Medeiros Neta et al. (2018, p. 226), em análise mais recente sobre o papel das Leis Orgânicas de Ensino na história da educação profissional, afirmam que tais leis tinham como “[...] finalidade velada em promover grupos políticos, com clara propensão voltada para agraciar empresários, em detrimento daqueles que pertenciam às classes mais pobres da população”, aumentando a dualidade estrutural entre o ensino secundário e o ensino industrial no Brasil. . Observamos o mesmo teor de envolvimento pessoal nas ações das Estradas de Ferro, na atividade do CBAI no ensino industrial ou no capítulo final do primeiro volume, em que o autor se permite expressar mais diretamente suas ideias ao dissertar sobre a filosofia do ensino industrial.

Suckow reflete sobre o processo de transmissão do conhecimento - ligado comumente à escola - e de transmissão de ofícios que apenas nos séculos XVI e XVII começaram a ser vistos como possíveis de interligação, criando um modelo embrionário de um sistema educacional para os trabalhadores. Contudo,

Apesar dessas ideias, entretanto, as escolas e as oficinas continuavam completamente separadas, constituindo dois campos de aplicação de diferentes espécies de atividades (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 648,).

É interessante perceber o quanto a definição de espaço é representativa para Suckow. Notamos em sua obra que ele defende a união do espaço da escola e da oficina como símbolo da compreensão de escola para indústria ou da educação industrial. Ainda no campo da filosofia da educação industrial, Fonseca aponta o marco internacional do surgimento de uma escola para órfãos de uma paróquia, na Alemanha de 1694, em que num mesmo estabelecimento se exerciam os ensinos intelectual e do ofício manual. Em seguida, o autor apresenta personalidades do campo da educação que contribuíram com a evolução do pensamento sobre o ensino aliado à prática manual, tais como Rousseau18 18 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi filósofo, escritor e compositor, é considerado um dos principais intelectuais do iluminismo. Sua obra de destaque no campo da educação é ‘Emílio’ ou ‘Da Educação’ (1762). Sobre a influência desta obra de Rousseau na educação, Fonseca (1961, p. 649) afirma que “[...] o pensamento dominante em sua obra educacional, que afirmava serem os trabalhos manuais um meio, um veículo para aumentar a capacidade de compreensão intelectual, abririam novos horizontes na esfera da educação e preparariam o caminho para as concepções que levariam a criação das ‘Escolas de Industria’ de Kindermann, em 1774”. , Pestalozzi19 19 Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) foi um educador suíço que, influenciado pelas ideias de Rousseau, buscou empreender uma reforma educacional. Em 1769, fundou seu primeiro instituto onde trouxe crianças pobres para ensinar a estas uma profissão, mas que acabou fechando tempos mais tarde. Em 1798, novamente empreendeu uma escola para órfãos. Contudo, Pestalozzi divergia de Rousseau em seu iluminismo, pois dava importância às experimentações e vivências dos alunos, buscando transformar princípios em práticas. e Fellenberg20 20 Philipp Emanuel von Fellenberg (1771-1844) foi um educador suíço e engenheiro agrônomo. Em 1799 decidiu dedicar-se à educação de jovens em Berna, aliando agricultura à educação. Durante algum tempo atuou em conjunto com Pestalozzi, mas, por haver incompatibilidades de concepções entre os dois, resolveram separar-se. Fellenberg continuou seu trabalho educativo por 45 anos. .

Ao desenvolver a evolução da mentalidade acerca do ensino profissional no Brasil, ainda sob a nomenclatura de filosofia da educação, Fonseca continua a tecer crítica contrária à mentalidade de trabalho manual como algo humilhante e por isso a educação profissional como educação de segunda categoria, jamais pensada para as elites intelectuais e culturais. Mais ainda se voltando para a perspectiva de espaço escolar, o autor aponta a importância dos Liceus de Artes e Ofícios, pois, segundo ele, “[...] o Liceu destinado a todas as classes sociais, representava uma reação contra a secular concepção do desprezo pelo trabalho das mãos” (Fonseca, 1961, p. 652). Suckow destaca a importância da Revolução Industrial, da abolição da escravidão e da proclamação da república, bem como o papel pioneiro das escolas profissionais da Prefeitura do Rio de Janeiro, e volta a marcar a importância das Leis Orgânicas de Ensino para, segundo seu ponto de vista, a evolução do projeto de educação industrial no Brasil.

Em Fonseca (1962Fonseca, C. S. (1962). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 2). Rio de Janeiro, RJ: ETN.), percebemos, já na extensão diferenciada dos capítulos sobre os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul (tendo o autor exercido atividades profissionais nos dois primeiros e parte de sua rede de sociabilidade nos dois últimos), que o autor tinha maior propriedade para historicizar o ensino industrial nesses locais, onde atuou direta ou indiretamente e nos quais teve maior acesso à documentação existente sobre a temática, bem como maior diálogo com os atores envolvidos no desenvolvimento da educação industrial.

Em cada capítulo de Fonseca (1962Fonseca, C. S. (1962). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 2). Rio de Janeiro, RJ: ETN.), vemos uma estrutura comum, de cunho descritivo, norteada pelas ações institucionalizadas de educação profissional ao longo das temporalidades históricas e da situação industrial e manufatureira da sociedade daquela região, descrevendo a existência ou não de uma vida industrial que demandasse uma educação profissional para a população. Acrescidas a essa ação historiográfica, quando possível, o autor incorpora pormenores da vida institucional oficiais, tais como os regulamentos e regimentos das instituições educativas. Seu processo de escrita descritivo é acompanhado da inserção de sutis opiniões pessoais sobre as instituições e as razões de seu sucesso ou fracasso dentro do projeto educacional. Como, por exemplo, ao expor a educação industrial no Rio Grande do Norte, Celso afirma, sem justificar ou comprovar suas colocações, que o insucesso da Casa de Educandos Artífices se deu por “[...] dificuldades materiais das instalações, a falta de espaço para o desenvolvimento das oficinas, a inexistência de professorado capaz e a incompreensão geral por parte da população, que se matinha fiel a mentalidade de emprestar aos ofícios um caráter humilhante” (Fonseca, 1962Fonseca, C. S. (1962). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 2). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 80). Por fim, em cada capítulo, o autor aponta a ação do SENAI naquela região e as consequências.

Em alguns capítulos mais sucintos, a omissão de documentação e a prevalência da narração demonstram a carência de documentação histórica ou a possibilidade do autor em obtê-la mediante sua rede de sociabilidade. Nesses capítulos, ao descrever o ambiente socioeconômico, comumente são tecidas críticas ao subdesenvolvimento industrial da localidade e a necessidade de maior investimento do Estado para o progresso socioeconômico da nação de forma equitativa.

Fonseca (1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN.) deixou claro, na apresentação de sua obra, que o norteamento de sua prática historiográfica é a narrativa da verdade dos fatos ocorridos, de modo metódico e baseado na documentação como validação de sua escrita. O autor afirmou que “[...] esta obra não tem veleidades históricas. Narra, apenas, a história do ensino industrial em nosso país, de maneira metódica e estritamente de acordo com a documentação existente” (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 7). Nisso percebemos a influência na concepção histórica positivista predominante em sua época.

Já vimos elementos que marcam seu trabalho na matriz político-institucional. Se aliarmos a isso o contexto temporal em que se insere a vida de Suckow enquanto educador e gestor, compreendemos que ele também busca a implementação de políticas públicas na construção de um aparato legal e burocrático para orientar a educação no país e dedica sua historiografia para estudar a legislação existente anteriormente ao seu tempo.

Assim, podemos entender que, enquanto objetivos, fontes escolhidas e métodos, o trabalho de Fonseca se insere na matriz político-institucional. Conforme Xavier (2011Xavier, L. (2011) Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil Republicano. In L. Xavier, E. Tambara & A. C. P. Ferreira .História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI (p. 19-43). Vitória, ES: EDUFES. , p. 21), a produção historiográfica inserida na matriz político-institucional21 21 Xavier (2011, p. 20) discute quatro possíveis matrizes interpretativas à historiografia da educação no Brasil, a saber: a matriz político-institucional, a matriz sociológica, a matriz político-ideológica e a matriz histórico-cultural. E “todas elas podem ser observadas como sucessivas em sua predominância, mas, também, simultâneas e imbricadas em suas permanências e complementaridades”. buscou explicar o país, evidenciando a trajetória da sociedade brasileira até o momento da escrita histórica; intencionava a implementação de “[...] políticas para a construção de um aparato legal-burocrático para o país”. Nesse contexto, deu grande relevo aos registros de toda a ação dos atores sociais - comumente os próprios historiadores e outros intelectuais - e enfatizou o estudo da legislação, das políticas públicas, enfim, tornando o documento prova cabal da história que se escrevia, conforme o modelo da escola histórica positivista de Augusto Comte22 22 Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857) foi filósofo, sociólogo, historiador, escritor e economista, criador da corrente filosófica do positivismo, segundo a qual, toda a humanidade percorria um processo natural para seu desenvolvimento, ou seja, uma concepção de progresso contínuo; além disso uma ênfase ao cientificismo - a ser compreendido como uma primazia das Ciências da Natureza que se tornam modelo para o desenvolvimento das Ciências Humanas e Sociais - em sua busca por leis gerais de explicações dos fenômenos. No campo educacional isso se concretizava no pensamento comteano de que cada indivíduo, em seu desenvolvimento intelectual, deveria passar pelas mesmas etapas evolutivas da humanidade bem como na prevalência do ensino de ciências da natureza sobre as humanidades para a formação do espírito científico. No Brasil, o positivismo influenciou a educação nos primeiros anos da república e após a década de 1970 com o tecnicismo. . E mais, “[...] tratava-se, portanto, de uma história endereçada aos grupos envolvidos no debate em torno de modelos e diretrizes a serem adotados pelo Estado, em face da reordenação política e institucional” (Xavier, 2011Xavier, L. (2011) Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil Republicano. In L. Xavier, E. Tambara & A. C. P. Ferreira .História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI (p. 19-43). Vitória, ES: EDUFES. , p. 22). Contudo, a escrita de Suckow da Fonseca traz constantes reflexões junto à descrição dos fatos.

Suckow levanta a bandeira da universalização do ensino e a denúncia contra a dualidade estrutural da educação brasileira, dentre outras que se estabelecem na matriz sociológica, que, para Xavier (2011Xavier, L. (2011) Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil Republicano. In L. Xavier, E. Tambara & A. C. P. Ferreira .História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI (p. 19-43). Vitória, ES: EDUFES. ), apresenta como grande objetivo captar as transformações ocorridas ao longo da história da educação, realizando uma descrição com reflexão e desmonumentalizando o papel da memória dos que realizaram os registros na matriz político-institucional e redimensionando o papel desses grupos na interpretação da história. Desse modo, com um aparato científico oriundo de parâmetros sociológicos, a educação se tornou objeto de pesquisa - assim como na obra de Fonseca (1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., 1962).

O autor elege a educação como objeto de pesquisa e capta as transformações ocorridas ao longo da história que apresenta com a ótica centrada na sociedade que existe e a que se estabelece após as continuidades e rupturas da história. Podemos ver isso quando o autor critica as taxações das corporações de ofícios ainda no período colonial, afirmando que eram “[...] motivo de empecilho ao desenvolvimento industrial, uma vez que aboliam a concorrência de preços e impediam a melhoria dos processos de fabricação” (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 39) também ao considerar positivas as ações que se desencadearam com a vinda de D. João VI e sua corte para o Brasil, permitindo que atividades industriais se estabelecessem no país e gerando desenvolvimento do ensino de ofícios por meio das escolas de ofício vinculadas às Forças Armadas, aos seminários etc.

Outro momento que marca a visão do autor sobre as transformações sociais ocorridas, demonstrando o caráter sociológico de sua prática de análise e crítica, ocorre quando defende a república em detrimento da monarquia, compreendendo-a como melhor ambiente para o desenvolvimento da educação. Ele afirma que

A República, como todos os movimentos políticos, abriria novos horizontes e indicaria outros rumos à educação nacional, democratizando-a.

[...] O Império caracterizara-se por uma apresentação especial da cultura, sob forma aristocrática, pois que visava a formação de elites e abandonava a educação da grande massa popular (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 147).

Ainda analisando a escrita historiográfica de Fonseca, notamos que por diversas vezes o autor estrutura sua representação a partir dos ciclos econômicos brasileiros. Isso é muito evidente no capítulo III do primeiro volume, mas se estende ao longo de sua obra. De modo geral, ele expressa a influência que a economia tem sobre a educação industrial na sociedade brasileira. Ciavatta e Silveira (2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco.) apontam a influência do historiador José Gabriel de Lemos Brito23 23 José Gabriel de Lemos Brito (1907-1963) foi historiador, escritor e professor de direito da UFRJ. Sua obra Pontos de partida para história econômica do Brasil (1923), citada nas referências bibliográficas de História do ensino industrial no Brasil, “[...] é parte do projeto de história da civilização de Pedro Calmon” (Ciavatta & Silveira, 2010, p. 52). sobre a história econômica do Brasil, cuja obra está relacionada nas referências bibliográficas de Fonseca (1962). Assim sendo, acreditamos que essa estruturação da obra em ciclos econômicos tem nessa influência sua raiz.

Tal compreensão é importante, pois na obra de Fonseca também encontramos elementos da matriz político-ideológica da historiografia da educação24 24 A matriz político-ideológica tornou-se uma reafirmação da postura crítica na análise historiográfica. Surgiu diante do novo papel dos intelectuais vinculados aos programas de pós-graduação no Brasil diante da implantação do regime de exceção a partir de 1964. Segundo Xavier, as pesquisas dessa matriz buscavam “[...] o entendimento das instituições de ensino como aparelhos de inculcação da ideologia do Estado e de seu funcionamento como instrumento de reforço das hierarquias vigentes no âmbito da luta de classes” (Xavier, 2011, p. 31). Sendo assim, vemos a influência do materialismo histórico como escola histórica que norteava essa matriz. Além disso, percebemos que em tais trabalhos se dava ênfase aos condicionantes socioeconômicos em detrimento dos de natureza cultural. Ainda percebemos que, nessa matriz, o Estado é visto como promotor e responsável pelas políticas educacionais; isso se refletia no retorno às fontes documentais na pesquisa histórica, mas vistas com mais criticidade, em um movimento dialético que analisava o planejamento educacional e sua relação com o desenvolvimento social e/ou as finalidades com seus valores ideológicos, tecnocráticos e culturais. , contudo não alicerçada no materialismo histórico-dialético e, sim, no liberalismo de Adam Smith e na concepção de indústria de modelo taylorista-fordista. Rodrigues (2002Rodrigues, J. (2002). Celso Suckow da Fonseca e a sua “História do ensino industrial no Brasil”. Revista Brasileira de História da Educação, 2 (2[4]), 47-74.) aponta que Suckow expressa em diversos momentos de sua obra o pensamento liberal que tinha. Com efeito, podemos notar na crítica às taxas impostas pelo governo às corporações de ofício. Além disso, ao comentar sobre a aplicação de exames psicotécnicos nas ações das escolas vinculadas às estradas de ferro, o autor afirma que “[...] até então não se procuravam os mais aptos, os mais indicados, aqueles que por suas tendências inatas teriam maior garantia de sucesso no exercício de uma profissão” (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 453), expressando, desse modo, outros elementos do pensamento liberal, a existência de aptidão inata nos indivíduos. Assim, para Suckow, por meio da igual oportunidade de ensino para todos, teríamos naturalmente a ascensão social dos mais ‘aptos’ e ‘capazes’, conforme expressa ao elogiar as Leis de Equivalência, dizendo que “[...] era a coroação das ideias democráticas da educação: igual oportunidade para todos” (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 295).

Fonseca reconhece a problemática da luta de classes e apresenta o Estado como detentor das soluções para superação de conflitos e desenvolvimento nacional a partir das políticas educacionais. Segundo o autor,

Saindo do âmbito estreito da mera instrução de ofício, em que a princípio se colocara, e passando ao problema muito mais amplo da formação humana, social e econômica, forneceu aquele ramo do ensino uma demonstração de suas possibilidades em atenuar a crise social que assoberba o mundo e que já aflige o Brasil.Dando ao pessoal da indústria não somente instrução profissional, mas educação no sentido mais geral do termo, faz com que lhe seja possível subir ao nível das classes mais cultas e nelas penetrar, diminuindo, assim, razões de queixas e de atritos. Por outro lado, permitindo aos elementos dessas outras classes seguirem os mesmos currículos e executarem trabalhos idênticos, que antes só eram feitos pelos futuros trabalhadores facilita a compreensão dos problemas da vida proletária por parte da camada situada em plano econômico mais alto, uma vez que lhe é dado sentir, com mais realismo, as dificuldades daqueles que lutam pela subsistência (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 667-668).

Entremeios, já antecipa intuitivamente o entendimento de que as instituições escolares estão a serviço do Estado e são por este controladas em vista do projeto de nação a se executar.

Desse modo, vê-se que História do ensino industrial no Brasil é uma obra historiográfica norteada por objetivos político-institucionais que apresenta práticas de análise sociológicas e político-ideológicas em suas concepções, bem como expressão o lugar de fala do autor, sendo esse lugar perpassado pelas relações de trabalho e educação.

Considerações finais

Ao realizar a análise historiográfica da obra História do ensino industrial no Brasil,de Celso Suckow da Fonseca, percebemos forte influência dos papéis exercidos pelo autor, enquanto educador, engenheiro, gestor e intelectual, em seu entendimento de educação profissional, apontando os indícios da sua escrita engajada, expressa na obra.

Também compreendemos que sua posição em uma instituição social de governo da Escola Técnica Nacional e como ator partícipe da condução do ensino industrial no Brasil, por meio da rede de sociabilidade construída enquanto engenheiro-educador de profissão, deixa em sua obra elementos peculiares que norteiam seu olhar sobre a temática. Esse olhar é percebido por meio de sua escrita, das escolhas de estruturação da obra e dos capítulos, das defesas de pensamentos e concepções etc.

Apontamos elementos do paradigma positivista dentro de seu trabalho, principalmente em sua forma de trabalhar com as fontes e o papel destas na comprovação histórica, caracterizando-o na matriz político-institucional, mas também verificando que de fato “[...] as matrizes podem se alternar em termos de dominância, podem se mesclar ou existir de modo concomitante” (Xavier, 2011Xavier, L. (2011) Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil Republicano. In L. Xavier, E. Tambara & A. C. P. Ferreira .História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI (p. 19-43). Vitória, ES: EDUFES. , p. 20), encontramos elementos da matriz sociológica nos processos, realizados pelo autor, de análise das fontes e, na compreensão de Rüsen (2015Rüsen, J. (2015). Teoria da história: uma teoria da história como ciência (Estevão C. de Resende Martins, trad.). Curitiba, PR: Editora da UFPR.), de interpretação da história. Isso ocorre na análise das transformações sociais e educacionais ao longo do tempo e, mais evidentemente, ao levantar as bandeiras de universalização da educação em vista da possibilidade de melhorias para as classes trabalhadoras e os setores populares, bem como na denúncia constante “[...] contra todo tipo de preconceito que estaria na base na organização social brasileira” (Xavier, 2011Xavier, L. (2011) Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil Republicano. In L. Xavier, E. Tambara & A. C. P. Ferreira .História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI (p. 19-43). Vitória, ES: EDUFES. , p. 26) e que gerou um abastardamento do trabalho manual na cultura brasileira, relegando-o aos membros de classes inferiores e gerando uma dualidade estrutural na organização da educação brasileira.

Também observamos elementos da matriz político-ideológica, expressos, dentre outras formas, ao estruturar sua obra a partir dos ciclos econômicos, da influência da economia sobre educação, do reconhecimento da luta de classes e do aparelhamento da educação para serviço dos ideais do Estado em seu projeto de desenvolvimento e de nação, na expressão do pensamento liberal e na compreensão taylorista-fordista para a indústria, pela qual caberia ao ensino fornecer “[...] elementos capazes de desempenhar qualquer função” (Fonseca, 1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 656).

Nesse sentido, Celso Suckow da Fonseca expressou na escrita a relação entre o passado, o presente e o futuro da educação industrial no Brasil, uma vez que ele se apresentava como agente de conexão entre um passado e um futuro que seria transformado por um novo ensino industrial no qual as escolas técnicas e os agentes, notadamente os engenheiros-educadores, seriam o meio para a mudança. Tal pensamento encontrava fundamento nas relações firmadas na CBAI e a formação administrativa dali decorrentes.

Evidentemente não esgotamos as possibilidades de análise historiográfica de Fonseca (1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., 1962), apenas fizemos um apontamento sobre um olhar possível. Ainda cabem muitas outras análises dessa obra que é tão relevante para o campo da história da educação profissional e tecnológica no Brasil.

Referências

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  • 1
    O que é aparentemente pouco, mas também aponta a versatilidade de temas associados ao campo da educação profissional, pois o tema ‘trabalho e educação’, mesmo sendo o mais frequente nos artigos, apenas diz respeito a 11,95% da produção total (Medeiros Neta, 2016).
  • 2
    Para maiores informações, consultar: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/34955 e http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ResultadoPesquisaObraForm.do?skip=0&co_categoria=133&pagina=1&select_action=Submit&co_midia=2&co_.
  • 3
    O Programa de Cooperação Educacional que cria a Comissão Brasileira-Americana de Educação industrial estabelece o objetivo de formar professores e gestores com transferência de recursos financeiros entre os dois países. Esse acordo é firmado num contexto de expansão industrial no Brasil e pelo desejo estaduniense de ampliação de sua influência sobre a América Latina, já observada durante a Segunda Guerra Mundial e mais ainda ansiada no período da Guerra Fria. Durante o período de vigor do acordo, brasileiros envolvidos com a educação industrial foram aos EUA para fazerem cursos de formação, bem como se estabeleceu o Centro de Pesquisas e Treinamento de Professores (CPTP) da CBAI, inicialmente no Rio de Janeiro/RJ e em seguida em Curitiba/PR, onde se realizavam cursos de capacitação que, em seguida, eram promovidos em diversos pontos do país. Segundo Oliveria e Leszczynski (2009Oliveira, D. E. D. M. B., & Leszczynski, S. A. C. (2009). O papel da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial na organização do ensino profissionalizante das escolas técnicas federais. In Anais do 8º Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas: História, Sociedade e Educação no Brasil.), até janeiro de 1951, 50 professores e diretores das escolas técnicas (dentre eles Celso Suchow da Fonseca) foram aos EUA para capacitação e mais de 600 professores foram capacitados em diferentes pontos do país a partir das ações da CPTP.
  • 4
    Entendemos por rede de sociabilidade “[...] as relações de simpatia e amizade, assim como rivalidades e ressentimentos que aproximam ou distanciam os membros pertencentes a um grupo de indivíduos. [...] Essa ‘arqueologia’ das estruturas de sociabilidade dos grupos intelectuais permite ao pesquisador desvendar as afetividades, as fidelidades e tensões, as tomadas de posições ideológicas e político-partidárias, as polêmicas e rupturas, as especulações e boatos em torno da vida pessoal e profissional dos homens de letras, os círculos de intelectuais em torno de uma figura de proeminência, o envolvimento em organizações estudantis, além da própria percepção que a sociedade de uma dada época faz dos intelectuais de seu tempo” (Correa, 2016, p. 275, grifo do autor).
  • 5
    Francisco Belmonte Montojos, engenheiro-educador, formou-se em engenharia pela Escola de Engenharia de Porto Alegre em 1925. Atuou no Serviço de Inspeção do Ensino Profissional Técnico entre 1927 e 1949. Mesmo com a transformação do Serviço de Inspeção em Superintendência do Ensino Industrial e, em seguida, Divisão de Ensino Industrial, Montojos continuou no comando do setor vinculado à educação industrial no Brasil. Além disso, durante a vigência do CBAI, Montojos acumulou a Superintendência da Comissão no governo brasileiro. Para mais informações, ver Pedrosa e Santos (2013Pedrosa, J. G., & Santos, O. G. (2013). A atuação de Francisco Montojos na constituição e na instituição do novo ensino industrial brasileiro (1394-1942). Educação & Tecnologia, 13(1), 1-16.).
  • 6
    Robert Auguste Edmond Mange (1886-1955), suíço e naturalizado brasileiro, foi graduado em engenharia na Escola Politécnica de Zurique e, a convite do diretor da Escola Politécnica de São Paulo, Antônio Francisco de Paula Souza, veio em 1913 para lecionar nesta instituição. Em 1924, criou o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e tornou-se seu superintendente. Juntamente com Ítalo Bologna organizou, em 1930, o Serviço de Ensino na Estrada de Ferro Sorocabana. Em 1934, elaborou e dirigiu o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional de São Paulo (CFESP). Entre 1940 e 1942, fundou, junto com Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Para mais informações, ver Pedrosa (2014Pedrosa, J. G. (2014). A atuação de Robert Auguste Edmond Mange (1885-1955) na constituição e na instituição do novo ensino industrial brasileiro nos anos 1930 e 1940. Educação & Tecnologia , 19(2), 47-58.).
  • 7
    Sobre os engenheiros-educadores e a atuação na Educação Profissional no Brasil da primeira metade do século XX, Olivia Morais de Medeiros Neta realizou estágio pós-doutoral na Universidade Federal Fluminense sob a supervisão da professora Maria Ciavatta.
  • 8
    A Reforma Capanema compreende a criação das Leis Orgânicas do Ensino que estruturaram o ensino industrial, reformularam o ensino comercial e criaram o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), bem como trouxeram mudanças no ensino secundário.
  • 9
    Wenceslau Braz Pereira Gomes (1868-1966), advogado e político, foi presidente do Brasil entre 1914 e 1918. A Escola Normal de Artes e Ofícios que leva seu nome foi criada pelo decreto 1.880 de 11 de agosto de 1917, durante seu governo, e foi inaugurada em 9 de novembro de 1918, mas iniciou suas atividades de formação de professores para o ensino nas escolas de aprendizes artífices apenas em 1919.
  • 10
    O Sistema de Estágios criado, iniciado na década de 1960, consistia em encaminhar alunos ao Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) no período de férias para “[...] avaliar o conhecimento adquirido pelo aluno no setor produtivo” (Ciavatta & Silveira, 2010, p. 33). Foram feitas tentativas de enviar alunos da 1ª série, que não lograram êxito; em seguida encaminharam-se alunos das 2ª e 3ª séries, mas a terceira tentativa em diante apenas se restringiu a enviar os alunos da 3ª série, pois a evasão e a imaturidade dos alunos atrapalhavam a experiência. Os chefes da seção que recebiam os estagiários tinham que preencher a Ficha de Acompanhemnto de Estágio, descrevendo as atividades desenvolvidas pelo estagiário.
  • 11
    João Lüderitz foi diplomado na turma de 1904. Em 1910, Luderitz era diretor do Instituto Técnico-Profissional de Porto Alegre e na década de 1920 dirigiu o Instituto Parobé em Porto Alegre. Na década de 1920 dirigiu o Serviço de Remodelamento do Ensino Profissional. Participou das comissões do ensino industrial durante a década de 1930. Primeiro diretor nacional do Senai, de 1942 até 1948. (Pedrosa & Santos, 2013).
  • 12
    Tarqüínio de Souza Filho (1859-1908), nascido em Recife/PE e falecido no Rio de Janeiro/RJ, foi autor de O ensino técnico no Brasil (1886). Filho de um deputado geral pela Província do Rio Grande do Norte e professor de direito da Faculdade de Direito de Recife, formou-se também em Direito pela mesma instituição. Foi promotor público em Alagoas e, após mudar-se para o Rio de Janeiro, foi advogado e, a partir de 1887, professor na Escola Naval e no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Posteriormente também ensinou na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Para maiores informações, ver Chamon (2017Chamon, C. S. (2017). O ensino profissional em debate no Brasil oitocentista. In Anais do 9ºCongresso Brasileiro de História da Educação (p. 2851-2863). João Pessoa, PB, Brasil, 9.).
  • 13
    Horácio Augusto da Silveira (1885-1958) foi professor da primeira escola profissional feminina da cidade de São Paulo e, após um período lecionando no Grupo Escolar de Sertãozinho e, em seguida, no Liceu de Artes e Ofícios de Amparo, retomou suas atividades docentes na Escola Profissional Feminina como dirigente e tornou-se também superintendente do Ensino Profissional do Estado de São Paulo, entre 1934 e 1947. Para maiores informações, ver Carvalho (2011Carvalho, M. L. M. (2011). A trajetória administrativa de Horácio Augusto da Silveira na primeira superintendência da educação profissional em São Paulo (1934-1947). In Carvalho, M. L. M. (Org.), Culturas, saberes e práticas: memórias e história da educação profissional (p. 35-60). São Paulo, SP: Centro Paula Souza.).
  • 14
    O programa de ensino dos jesuítas que por mais de dois séculos formou os estudantes brasileiros consistia nos estudos de gramática, humanidades e retórica alicerçada nos clássicos da literatura greco-romana. Aos que desejavam tornarem-se sacerdotes acresciam-se estudos de filosofia e teologia. Para mais informações, ver Paiva (2000Paiva, J. M. (2000). Educação jesuítica no Brasil Colonial. In E. M. T. Lopes, L. M. Faria Filho & C. G. Veiga, (Org.), 500 anos de educação no Brasil (2a ed., p. 43-59). Belo Horizonte, MG: Autêntica. ).
  • 15
    As Leis Orgânicas de Ensino foram um conjunto de decretos-leis promulgados entre 1942 e 1946 que constituíram reformas nos diversos ramos do ensino brasileiro e na criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, bem como do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946. Apesar de nem todos os decretos terem sido executados durante o Estado Novo, quando o ministro da Educação era Gustavo Capanema, elas ficaram conhecidas como Reforma Capanema. Foram reformados os ensinos industrial, comercial, agrícola, primário, secundário e normal.
  • 16
    As Leis Orgânicas de Ensino tornaram a educação brasileira rígida no tocante a cursos, currículos e formas de acesso a níveis de ensino distintos e/ou superiores. Visando atualizar as necessidades oriundas das transformações socioeconômicas do crescimento do capitalismo no Brasil na década de 1950, foram promulgadas as seguintes leis: lei nº 1.076/1950, lei nº 1.821/1953 e lei nº 3.552/1959. Tais leis foram permitindo paulatinamente transferências entre os ramos e ciclos de níveis de ensino e democratização no acesso ao ensino superior, pois até então o acesso era irrestrito a qualquer curso, apenas os que cursavam o ensino secundário e os demais ramos só podiam pleitear vagas no vestibular para cursos diretamente relacionados a sua formação profissional.
  • 17
    Distintamente a Suckow em seu período de estabelecimento das leis e em sua escrita posterior Medeiros Neta et al. (2018Medeiros Neta, O. M., Lima, E. L. M., Barbosa, J. K. S. F., & Nascimento, F. L. S. (2018). Organização e estrutura da educação profissional no Brasil: da Reforma Capanema às leis de equivalência. Holos,4, 223-235., p. 226), em análise mais recente sobre o papel das Leis Orgânicas de Ensino na história da educação profissional, afirmam que tais leis tinham como “[...] finalidade velada em promover grupos políticos, com clara propensão voltada para agraciar empresários, em detrimento daqueles que pertenciam às classes mais pobres da população”, aumentando a dualidade estrutural entre o ensino secundário e o ensino industrial no Brasil.
  • 18
    Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi filósofo, escritor e compositor, é considerado um dos principais intelectuais do iluminismo. Sua obra de destaque no campo da educação é ‘Emílio’ ou ‘Da Educação’ (1762). Sobre a influência desta obra de Rousseau na educação, Fonseca (1961Fonseca, C. S. (1961). História do ensino industrial no Brasil (Vol. 1). Rio de Janeiro, RJ: ETN., p. 649) afirma que “[...] o pensamento dominante em sua obra educacional, que afirmava serem os trabalhos manuais um meio, um veículo para aumentar a capacidade de compreensão intelectual, abririam novos horizontes na esfera da educação e preparariam o caminho para as concepções que levariam a criação das ‘Escolas de Industria’ de Kindermann, em 1774”.
  • 19
    Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) foi um educador suíço que, influenciado pelas ideias de Rousseau, buscou empreender uma reforma educacional. Em 1769, fundou seu primeiro instituto onde trouxe crianças pobres para ensinar a estas uma profissão, mas que acabou fechando tempos mais tarde. Em 1798, novamente empreendeu uma escola para órfãos. Contudo, Pestalozzi divergia de Rousseau em seu iluminismo, pois dava importância às experimentações e vivências dos alunos, buscando transformar princípios em práticas.
  • 20
    Philipp Emanuel von Fellenberg (1771-1844) foi um educador suíço e engenheiro agrônomo. Em 1799 decidiu dedicar-se à educação de jovens em Berna, aliando agricultura à educação. Durante algum tempo atuou em conjunto com Pestalozzi, mas, por haver incompatibilidades de concepções entre os dois, resolveram separar-se. Fellenberg continuou seu trabalho educativo por 45 anos.
  • 21
    Xavier (2011Xavier, L. (2011) Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil Republicano. In L. Xavier, E. Tambara & A. C. P. Ferreira .História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI (p. 19-43). Vitória, ES: EDUFES. , p. 20) discute quatro possíveis matrizes interpretativas à historiografia da educação no Brasil, a saber: a matriz político-institucional, a matriz sociológica, a matriz político-ideológica e a matriz histórico-cultural. E “todas elas podem ser observadas como sucessivas em sua predominância, mas, também, simultâneas e imbricadas em suas permanências e complementaridades”.
  • 22
    Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857) foi filósofo, sociólogo, historiador, escritor e economista, criador da corrente filosófica do positivismo, segundo a qual, toda a humanidade percorria um processo natural para seu desenvolvimento, ou seja, uma concepção de progresso contínuo; além disso uma ênfase ao cientificismo - a ser compreendido como uma primazia das Ciências da Natureza que se tornam modelo para o desenvolvimento das Ciências Humanas e Sociais - em sua busca por leis gerais de explicações dos fenômenos. No campo educacional isso se concretizava no pensamento comteano de que cada indivíduo, em seu desenvolvimento intelectual, deveria passar pelas mesmas etapas evolutivas da humanidade bem como na prevalência do ensino de ciências da natureza sobre as humanidades para a formação do espírito científico. No Brasil, o positivismo influenciou a educação nos primeiros anos da república e após a década de 1970 com o tecnicismo.
  • 23
    José Gabriel de Lemos Brito (1907-1963) foi historiador, escritor e professor de direito da UFRJ. Sua obra Pontos de partida para história econômica do Brasil (1923), citada nas referências bibliográficas de História do ensino industrial no Brasil, “[...] é parte do projeto de história da civilização de Pedro Calmon” (Ciavatta & Silveira, 2010Ciavatta, M., & Silveira, Z. S. (2010). Celso Suckow da Fonseca.Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco., p. 52).
  • 24
    A matriz político-ideológica tornou-se uma reafirmação da postura crítica na análise historiográfica. Surgiu diante do novo papel dos intelectuais vinculados aos programas de pós-graduação no Brasil diante da implantação do regime de exceção a partir de 1964. Segundo Xavier, as pesquisas dessa matriz buscavam “[...] o entendimento das instituições de ensino como aparelhos de inculcação da ideologia do Estado e de seu funcionamento como instrumento de reforço das hierarquias vigentes no âmbito da luta de classes” (Xavier, 2011Xavier, L. (2011) Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil Republicano. In L. Xavier, E. Tambara & A. C. P. Ferreira .História da educação no Brasil: matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI (p. 19-43). Vitória, ES: EDUFES. , p. 31). Sendo assim, vemos a influência do materialismo histórico como escola histórica que norteava essa matriz. Além disso, percebemos que em tais trabalhos se dava ênfase aos condicionantes socioeconômicos em detrimento dos de natureza cultural. Ainda percebemos que, nessa matriz, o Estado é visto como promotor e responsável pelas políticas educacionais; isso se refletia no retorno às fontes documentais na pesquisa histórica, mas vistas com mais criticidade, em um movimento dialético que analisava o planejamento educacional e sua relação com o desenvolvimento social e/ou as finalidades com seus valores ideológicos, tecnocráticos e culturais.
  • 27
    Como citar este artigo: Silva, J. C. da C, & Medeiros Neta, O. M. História do ensino industrial no Brasil: uma análise historiográfica da obra de Celso Suckow da Fonseca. (2019).Revista Brasileira de História da Educação, 19. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v19.2019.e091
  • 28
    Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2019
  • Aceito
    22 Set 2019
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