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Fixação do fragmento osteocondral após luxação aguda da patela no esqueleto imaturo Trabalho realizado no Servic¸o de Ortopedia e Traumatologia Professor Nova Monteiro, Hospital Municipal Miguel Couto, Rio de Janeiro,RJ, Brasil.

Resumos

A fixação da fratura osteocondral após a luxação aguda da patela é um tratamento infrequente, bem como a localização desse fragmento na região lateral do côndilo femoral lateral que funciona como um corpo livre. O objetivo desta pesquisa foi apresentar um caso de fratura osteocondral da patela em sítio não usual, assim como a terapêutica adotada e o seguimento clínico.

Osteocondrite; Fraturas ósseas; Patela; Articulação do joelho


Fixation of an osteochondral fracture after acute patellar dislocation is an infrequent form of treatment. Likewise, the location of this fragment in the lateral region of the lateral femoral condyle, functioning as a free body, is uncommon. The aim of this study was to present a case of osteochondral fracture of the patella at an unusual site, along with the therapy used and the clinical follow-up.

Osteochondritis; Bone fractures; Patella; Knee joint


Introdução

A luxação aguda da patela no esqueleto imaturo não é uma lesão incomum na faixa entre 13 e 15 anos.11. Nietosvaara Y, Aalto K, Kallio PE. Acute patellar dislocation in children: incidence and associated osteochondral fractures. J Pediatr Orthop. 1994;14(4):513-5.

A fratura osteocondral intra-articular tem sido uma complicação estimada em torno de 5% após a luxação aguda da patela em crianças, porém enfatizamos que um fragmento da rótula que funciona como corpo livre articular é bastante raro.11. Nietosvaara Y, Aalto K, Kallio PE. Acute patellar dislocation in children: incidence and associated osteochondral fractures. J Pediatr Orthop. 1994;14(4):513-5.

O objetivo desta pesquisa foi apresentar a fixação do fragmento osteocondral após uma luxação aguda da patela, enfatizar a localização do fragmento em região não usual, a terapêutica adotada e o seguimento clínico.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, de 14 anos, saudável, que sofreu uma queda da própria altura com um trauma direto no joelho direito foi levado à emergência do nosso hospital. O paciente evoluiu imediatamente com dor, hemartrose e incapacidade de deambular. O exame físico revelou edema no joelho direito e hipermobilidade da patela quando comparado ao lado contralateral. Na ocasião do trauma o paciente pesava 60 kg e media 1,68 m de altura.

A radiografia do joelho direito evidenciou uma fratura marginal da patela com um fragmento osteocondral localizado na região lateral do côndilo femoral lateral (fig. 1). Foi feita uma tomografia computadorizada do joelho direito para tentar confirmar o diagnóstico, bem como dimensionar o tamanho do fragmento osteocondral (fig. 1).

O exame físico associado aos exames de imagens confirmou o diagnóstico de luxação aguda de patela associada com um corpo livre articular localizado na região lateral do côndilo femoral lateral.

A cirurgia ocorreu dois dias após a internação, com o uso do torniquete e incisão reta medial ao joelho direito. A técnica cirúrgica empregada foi a redução cruenta e osteossíntese com três parafusos metálicos canulados de 3 mm no fragmento osteocondral da patela. O ligamento patelofemoral medial foi reparado com uma sutura transóssea (figs. 2A e 2B). A osteossíntese foi testada com uma flexão cuidadosa da articulação do joelho.

No pós-operatório o joelho foi imobilizado por seis semanas com um imobilizador longo de joelho, que era removido para exercícios de reabilitação ativa, a fim de evitar atrofia do quadríceps. O programa consistia em exercícios isométricos para o quadríceps durante o período de imobilização e exercícios ativos para o quadríceps com progressivo aumento do arco de movimento. O arco de movimento completo e a função total do joelho foram obtidos em cinco meses.

Nosso paciente foi avaliado com uma semana, 15 dias, um mês, 45 dias, dois meses e assim mensalmente até o sexto mês, quando as consultas passaram a ser trimestrais. Nosso seguimento é de dois anos e o paciente voltou às suas atividades habituais acompanhado com um controle radiológico (fig. 3). Na avaliação funcional do joelho usamos o sistema de Lysholm modificado.22. Tegner Y, Lysholm J. Rating systems in the evaluation of knee ligament injuries. Clin Orthop Relat Res. 1985;(198):43-9. Obtivemos a média de 94 pontos no joelho direito, considerada excelente segundo o mesmo sistema de avaliação (fig. 4).

Discussão

Em relação ao sexo, a literatura evidencia predominância do feminino.11. Nietosvaara Y, Aalto K, Kallio PE. Acute patellar dislocation in children: incidence and associated osteochondral fractures. J Pediatr Orthop. 1994;14(4):513-5. Nosso caso vai em contrapartida com a literatura e enfatiza a importância do relato de caso. Achamos que o sexo feminino é mais acometido por causa da maior frouxidão ligamentar, bem como das alterações hormonais decorrentes do início do ciclo menstrual.

A faixa média segundo a literatura é de 13,3 anos, corroborada pelo nosso paciente, que tinha 14 anos.11. Nietosvaara Y, Aalto K, Kallio PE. Acute patellar dislocation in children: incidence and associated osteochondral fractures. J Pediatr Orthop. 1994;14(4):513-5.

Hernandez et al.33. Hernandez AJ, Favaro E, Laraya MH. Luxação aguda da patela. Rev Bras Ortop. 2004;39(3):65-74. observaram que fragmentos osteocondrais após a luxação da patela podem passar despercebidos na radiografia do joelho. Nosso pensamento corrobora essa afirmação. Em razão disso, apesar de termos feito o diagnóstico por meio das radiografias, solicitamos a tomografia computadorizada para o melhor entendimento da lesão. Infelizmente nosso serviço não dispõe de ressonância magnética, pois seria solicitada. Achamos que a ressonância magnética é um exame de imagem que avalia de forma mais adequada os tecidos moles do joelho.

Nomura et al.44. Nomura E, Inoue M, Kurimura M. Chondral and osteochondral injuries associated with acute patellar dislocation. Arthroscopy. 2003;19(7):717-21. observaram em sua série a faceta medial da patela como o sítio mais frequente da fratura osteocondral. Contudo, não observaram fragmento na região lateral do côndilo femoral lateral. Em razão disso, achamos nosso caso raro e importante para publicação.

Conrad e Stanitski55. Conrad JM, Stanitski CL. Adolescent acute patellar dislocation. Oper Tech Sports Med. 2001;9(3):190-3. concluem que o sucesso do tratamento depende de um diagnóstico precoce do fragmento osteocondral, bem como de uma rápida abordagem cirúrgica. Corroboramos esse pensamento e enfatizamos que um estudo de imagem bem feito favorece o planejamento cirúrgico. Felus e Kowalczyk66. Felus J, Kowalczyk B. Age- related differences in medial patellofemoral ligament injury patterns in traumatic patellar dislocation: case series of 50 surgically treated children and adolescents. Am J Sports Med. 2012;40(10):2357-64. e Bitar et al.77. Bitar AC, D'Elia CO, Demange MK, Viegas AC, Camanho GL. Estudo prospectivo randomizado sobre a luxação traumática da patela: tratamento conservador versus reconstrução do ligamento femoropatelar medial com tendão patelar - mínimo de dois anos de seguimento. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):675-83. afirmam que o tamanho do fragmento osteocondral implicará sua fixação ou remoção. Hinton e Sharma88. Hinton RY, Sharma KM. Acute and recurrent patellar instability in the young athlete. Orthop Clin North Am. 2003;34(3):385-96. observaram que os fragmentos osteocondrais geralmente não apresentam tamanho suficiente para a redução e fixação e normalmente são removidos. Nietosvaara et al.,11. Nietosvaara Y, Aalto K, Kallio PE. Acute patellar dislocation in children: incidence and associated osteochondral fractures. J Pediatr Orthop. 1994;14(4):513-5. em sua casuística, fixaram apenas três casos. Em função disso, nosso caso torna-se relevante por causa do bom resultado funcional e da terapêutica adotada.

Conrad e Stanitski55. Conrad JM, Stanitski CL. Adolescent acute patellar dislocation. Oper Tech Sports Med. 2001;9(3):190-3. evidenciaram que há inúmeros materiais para a fixação do fragmento osteocondral após a luxação aguda da patela. Usamos parafusos canulados metálicos, pois era o único dispositivo de fixação que tínhamos no momento em nosso hospital. Kramer e Pace99. Kramer DE, Pace JL. Acute traumatic and sports- related osteochondral injury of the pediatric knee. Orthop Clin North Am. 2012;43(2):227-36. observaram que na população pediátrica, por causa da falta de estudos ou pesquisas com longo prazo de seguimento, não há como afirmar a superioridade de um implante sobre o outro.

Em nossa opinião, a artrotomia medial foi a melhor abordagem cirúrgica por causa da localização do fragmento osteocondral, bem como da visualização do ligamento patelofemoral medial. Kramer e Pace99. Kramer DE, Pace JL. Acute traumatic and sports- related osteochondral injury of the pediatric knee. Orthop Clin North Am. 2012;43(2):227-36. concordaram que fragmentos da patela devem ser abordados por esse acesso.

Hinton e Sharma88. Hinton RY, Sharma KM. Acute and recurrent patellar instability in the young athlete. Orthop Clin North Am. 2003;34(3):385-96. defendem o exercício precoce bem orientado e progressivo de acordo com o nível de dor do paciente. Eles relatam que com essas atitudes diminuem a atrofia do quadríceps e ajudam a manter a cartilagem articular saudável. Concordamos com esse pensamento.

Figura 1
Avaliação pré-operatória do joelho direito.

Figura 2
(A e B) Análise intraoperatória.

Figura 3
Radiografia pós-operatória do joelho direito.

Figura 4
Avaliação funcional pós-operatória.

Conclusão

A fixação do fragmento osteocondral da patela com parafusos metálicos após a luxação aguda foi uma boa conduta terapêutica. A localização não usual desse fragmento que funciona como um corpo livre articular torna essa lesão rara. Nosso paciente segue um pós-operatório de dois anos de seguimento com um excelente resultado segundo o sistema de escore usado.

REFERENCES

  • 1
    Nietosvaara Y, Aalto K, Kallio PE. Acute patellar dislocation in children: incidence and associated osteochondral fractures. J Pediatr Orthop. 1994;14(4):513-5.
  • 2
    Tegner Y, Lysholm J. Rating systems in the evaluation of knee ligament injuries. Clin Orthop Relat Res. 1985;(198):43-9.
  • 3
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  • 4
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    Conrad JM, Stanitski CL. Adolescent acute patellar dislocation. Oper Tech Sports Med. 2001;9(3):190-3.
  • 6
    Felus J, Kowalczyk B. Age- related differences in medial patellofemoral ligament injury patterns in traumatic patellar dislocation: case series of 50 surgically treated children and adolescents. Am J Sports Med. 2012;40(10):2357-64.
  • 7
    Bitar AC, D'Elia CO, Demange MK, Viegas AC, Camanho GL. Estudo prospectivo randomizado sobre a luxação traumática da patela: tratamento conservador versus reconstrução do ligamento femoropatelar medial com tendão patelar - mínimo de dois anos de seguimento. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):675-83.
  • 8
    Hinton RY, Sharma KM. Acute and recurrent patellar instability in the young athlete. Orthop Clin North Am. 2003;34(3):385-96.
  • 9
    Kramer DE, Pace JL. Acute traumatic and sports- related osteochondral injury of the pediatric knee. Orthop Clin North Am. 2012;43(2):227-36.
  • Trabalho realizado no Servic¸o de Ortopedia e Traumatologia Professor Nova Monteiro, Hospital Municipal Miguel Couto, Rio de Janeiro,RJ, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2013
  • Aceito
    12 Jul 2013
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