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Prevalência de anquiloglossia e fatores que impactam na amamentação exclusiva em neonatos

RESUMO

Objetivo:

determinar a prevalência de anquiloglossia em recém-nascidos e verificar os fatores que interferem na amamentação exclusiva e geram dificuldades na amamentação.

Métodos:

trata-se de um estudo observacional longitudinal, realizado em maternidade pública do município de Teresina, PI, Brasil. A amostra foi composta por 397 pares (mães e bebês). Para o diagnóstico de anquiloglossia foi realizada a parte I do Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua com Escores para Bebês. Após seis meses do nascimento, as mães foram entrevistadas e responderam questões sobre indicação e realização de frenotomia e tempo de aleitamento materno. Foram realizados análise descritiva dos dados, teste Qui-quadrado e Regressão de Poisson bivariada e multivariada (p<0,05).

Resultados:

a prevalência de anquiloglossia foi de 4,3% (n=17). A taxa de retorno para segundo momento da pesquisa foi de 70,8% (n=281). Das crianças examinadas, 14 foram indicadas para frenotomia lingual, mas apenas uma foi submetida ao procedimento. Crianças com anquiloglossia tiveram tempo de amamentação exclusiva igual ao de crianças com frênulo da língua normal (valor de p=0,876). Anquiloglossia não apresentou associação com dificuldade de amamentação (RP=1,0 IC95%0,8-1,1, valor de p=0,441) ou constituiu fator para não amamentação exclusiva por 6 meses (RP=1,1 IC95%0,9-1,2, valor de p=0,390).

Conclusões:

a prevalência da anquiloglossia na população estudada foi de 4,3% e o uso de mamadeira no primeiro mês de vida e dificuldades de amamentação foram considerados como fatores impeditivos para amamentação exclusiva.

Descritores:
Anquiloglossia; Recém-Nascido; Aleitamento Materno

ABSTRACT

Objective:

to determine the prevalence of ankyloglossia in neonates and verify factors that interfere with exclusive breastfeeding and cause difficulties in breastfeeding.

Methods:

an observational longitudinal study conducted at a public maternity hospital in Teresina, Piauí, Brazil. The sample comprised 397 mother-child pairs. Ankyloglossia was diagnosed with the part I of the Baby Lingual Frenulum Assessment Protocol with Scores. Six months after the children were born, the mothers were interviewed and answered questions on the indication and performance of frenotomy and time of breastfeeding. Descriptive analysis of the data, chi-square test and bivariate and multivariate Poisson regression were conducted (p < 0.05).

Results:

the prevalence of ankyloglossia was 4.3% (n = 17). The attendance rate for the second moment of the research was 70.8% (n = 281). Of the examined children, 14 were indicated for lingual frenotomy, but only one was submitted to the procedure. The time of exclusive breastfeeding of children with ankyloglossia was equal to that of children with a normal lingual frenulum (p-value = 0.876). Ankyloglossia was not associated with breastfeeding difficulties (PR = 1.0 95%CI 0.8-1.1, p-value = 0.441), neither was it a factor for not breastfeeding exclusively for 6 months (PR = 1.1 95%CI 0.9-1.2, p-value = 0.390).

Conclusions:

the prevalence of ankyloglossia in the studied population was 4.3%. Baby bottle use in the first month of life and breastfeeding difficulties were hindering factors for exclusive breastfeeding.

Keywords:
Ankyloglossia; Infant, Newborn; Breast Feeding

Introdução

O frênulo lingual é uma prega mediana de túnica fibrodensa e conjuntiva, constituída de tecido conjuntivo e, ocasionalmente, de fibras superiores do músculo genioglosso, que se estende da face inferior da língua até o assoalho da boca11. Brito SF, Marchesan IQ, Bosco CM, Carrilho ACA, Rehder MI. Frênulo lingual: classificação e conduta segundo ótica fonoaudiológica, odontológica e otorrinolaringológica. Rev. CEFAC [journal on the internet] 2008 [Accessed 2021 Oct 26]; 10(3):343-51. Available at: https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300009. Epub 10 Out 2008. ISSN 1982-0216.
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200800...
. A língua tem função muito importante para sucção, fala e alimentação22. Gomes E, Araújo FB, Rodrigues VER. Freio lingual: abordagem clínica denteisciplinar da Fonoaudiologia e Odontopediatria. Rev Assoc Paul cir dente. 2015;69(1):20-4.. Em situações eventuais, pode ocorrer uma falha no processo de separação da língua do assoalho da boca, na qual o frênulo lingual causa uma restrição do movimento desse órgão, caracterizando a anquiloglossia33. Fraga MRBA, Barreto KA, Lira TCB, Celerino Tavares ITS, Menezes VA. Ankyloglossia and breastfeeding: what is the evidence of association between them? Rev. CEFAC. 2020;22(3):1-14..

Por décadas, tem havido um acalorado debate sobre se o frênulo lingual anormal de um bebê pode interferir negativamente no estabelecimento e manutenção de práticas adequadas de amamentação. Assim, foi levantada a hipótese de que a anquiloglossia pode reduzir a capacidade de recém-nascidos e bebês manterem a pega e a compressão da língua sobre o mamilo interrompendo ou dificultando a transferência eficiente do leite, causando dificuldade no ganho de peso do bebê e aumento do desconforto materno durante a amamentação44. Procopio IMS, Costa VPP, Lia EM. Frenotomia lingual em lactentes. RFO UPF. 2017;22(1):114-9.,55. Pompeia LE, IIinsky RS, Ortolani CLF, Faltin Júnior K. A influência da anquiloglossia no crescimento e desenvolvimento do sistema estomatognático. Rev. Paul. Pediatr. 2017;35(2):216-21..

A prevalência de anquiloglossia varia de 0,88% a 16,0%66. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610.

7. American Academy of Pediatric Dentistry. Policy on management of the frenulum in pediatric dental patients. The Reference Manual of Pediatric Dentistry. Chicago, III: American Academy of Pediatric Dentistry: 2020: 74-8.
-88. O'Shea JE, Foster JP, O'Donnell CP, Breathnach D, Jacobs SE, Todd DA et al. Frenotomy for tongue-tie in newborn infants. Cochrane database syst. rev. 2017;3:CD011065.doi:10.1002/14651858.CD011065.pub2.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD01106...
. Desde 2014, a triagem de recém-nascidos para detecção da anquiloglossia é obrigatória em todos os hospitais e maternidades do Brasil, devido à lei número 13.002/201466. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610.,99. BRASIL. Lei nº 13.002, de 20 de junho de 2014. Obriga a realização do Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês. Diário Oficial da União: P. 4 EDIÇÃO EXTRA, Brasília, DF, 23 jun. 2014..

O impacto da anquiloglossia sobre a amamentação tem sido exaustivamente pesquisado, tanto na área da Pediatria Médica quanto na Odontopediatria e Fonoaudiologia, especialidades que lidam frequentemente com tal condição11. Brito SF, Marchesan IQ, Bosco CM, Carrilho ACA, Rehder MI. Frênulo lingual: classificação e conduta segundo ótica fonoaudiológica, odontológica e otorrinolaringológica. Rev. CEFAC [journal on the internet] 2008 [Accessed 2021 Oct 26]; 10(3):343-51. Available at: https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300009. Epub 10 Out 2008. ISSN 1982-0216.
https://doi.org/10.1590/S1516-1846200800...
,44. Procopio IMS, Costa VPP, Lia EM. Frenotomia lingual em lactentes. RFO UPF. 2017;22(1):114-9.,66. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610.. De forma geral, esse assunto é questionável entre as profissões de saúde e equipes multidisciplinares, principalmente quando se discute a influência no processo da amamentação77. American Academy of Pediatric Dentistry. Policy on management of the frenulum in pediatric dental patients. The Reference Manual of Pediatric Dentistry. Chicago, III: American Academy of Pediatric Dentistry: 2020: 74-8..

Desta forma, este estudo teve como objetivo determinar a prevalência de anquiloglossia em recém-nascidos e verificar os fatores que interferem na amamentação exclusiva e geram dificuldades na amamentação.

Métodos

Este foi um estudo observacional longitudinal que avaliou o frênulo lingual de recém-nascidos de uma maternidade da cidade de Teresina, Brasil, e o histórico clínico relatado pelas mães.

O estudo foi realizado no período de agosto/2019 a setembro/2020, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Municipal de Saúde em Teresina (protocolo número 002/2019) e aquiescência do Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade São Leopoldo Mandic (protocolo CAAE 106392.3.0000.5374), atendendo às exigências éticas e científicas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) - (Normas de Pesquisa envolvendo Seres Humanos). Todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e não manifestaram atitudes negativas para a execução do estudo.

Os dados foram coletados na Maternidade Municipal Wall Ferraz, a qual é reconhecida como Centro de Referência no atendimento a gestantes e neonatos, urgências obstétricas e neonatais, contemplando os Princípios e Diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Para o cálculo amostral, considerou-se a média anual de 2.300 nascidos na maternidade e a prevalência de anquiloglossia de 16,0% 66. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610.,88. O'Shea JE, Foster JP, O'Donnell CP, Breathnach D, Jacobs SE, Todd DA et al. Frenotomy for tongue-tie in newborn infants. Cochrane database syst. rev. 2017;3:CD011065.doi:10.1002/14651858.CD011065.pub2.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD01106...
,1010. Messner AH, Walsh J, Rosenfeld RM, Schwartz SR, Ishman SL, Baldassari C et al. Clinical Consensus Statement: Ankyloglossia in Children. Otolaryngology Head and Neck Surgery. 2020;162(5):597-611.. Considerou-se um nível de significância de 95%, erro amostral de 3,5% e acréscimo de 15% para a compensação de possíveis perdas. A amostra final deveria ser constituída por 411 pares mães/bebês e foi adquirida por conveniência.

Os critérios de inclusão para o estudo foram: bebês saudáveis de ambos os sexos, nascidos a termo, com índice de Apgar >7 no primeiro minuto e peso mínimo de 2.500 gramas. Foram excluídos do estudo os recém-nascidos com prematuridade e/ou complicações perinatais, diagnósticos de síndromes genéticas, distúrbios neurológicos com comprometimentos motores ou qualquer fator que impedisse a amamentação. Os dados referentes aos critérios de inclusão e exclusão foram obtidos por meio dos prontuários médicos sob a guarda da referida maternidade.

A coleta dos dados ocorreu com a realização de exame clínico da cavidade oral nos recém-nascidos por meio do Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua com Escores para Bebês66. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610. e aplicação de questionário dirigido às mães, após a criança completar 6 meses do nascimento.

O exame clínico da cavidade oral foi realizado com os bebês deitados em seus berços por um único examinador previamente treinado, com formação em Odontopediatria e larga experiência em Odontologia para Bebês, posicionado ao lado do berço, que inicialmente verificava a presença de selamento labial; para a visualização completa do frênulo lingual era realizado uma manobra de elevação da língua com os dedos indicadores observando o aspecto da ponta da língua, a fixação do frênulo na língua, bem como, a fixação no assoalho da boca (visível a partir das carúnculas sublinguais ou da crista alveolar inferior), espessura do frênulo, se o frênulo era visível ou se era necessário uma segunda manobra para sua visualização, se o bebê conseguia colocar a língua para fora e, finalmente, o posicionamento da língua durante o choro. Utilizaram-se rolos de algodão ou gaze para secar a região e realizar o diagnóstico de avaliação do frênulo lingual. O examinador usou óculos, máscaras, gorros e luvas de procedimento e foi auxiliado por um voluntário que segurava uma lanterna com a finalidade de iluminar a região examinada1111. World Health Organization. Oral Health Surveys - Basic Methods. 5th ed. Geneva: World Health Organization, 2013.) .

A presença de anquiloglossia foi determinada usando primeiramente a Parte I do protocolo66. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610.. Essa parte avalia a postura de lábios em repouso; tendência do posicionamento da língua durante o choro; forma da ponta da língua quando elevada durante o choro e frênulo da língua (possibilidade de visualização, espessura, fixação na face sublingual e fixação no assoalho da boca). O somatório dos resultados finais dos escores indicam como frênulo NORMAL os valores ≤4; os valores 5 e 6 indicam o frênulo DUVIDOSO; e as pontuações ≥7 ALTERADO, de acordo com as recomendações da Cartilha do Teste da Linguinha1212. Cartilha do Teste da Linguinha: para mamar, falar e viver melhor. São José dos Campos, SP: Pulso Editorial, 2014. Available at: https://www.sbfa.org.br/fono2014/pdf/testelinguinha2014_livro.pdf.

Para aqueles recém-nascidos com o escore 5 ou 6, agendou-se uma consulta após o período de 30 dias para aplicar o protocolo completo, enquanto os de escores ≥7 foram encaminhados para os Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), com o objetivo de realizarem a intervenção cirúrgica. Portanto, neste estudo, usou-se o ponto de corte de sete pontos para estimar a prevalência de anquiloglossia na amostra.

Após completados 6 meses de nascimento dos bebês, as mães foram contatadas, por telefone, pela pesquisadora principal e responderam a um questionário semiestruturado1313. Karall D, Ndayisaba JP, Heichlinger A, Kiechl-Kohlendorfer U, Stojakovic S, Leitner H et al. Breast-feeding duration: early weaning-do we sufficiently consider the risk factors? J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;61(5):577-82.,1414. Alves JS, Oliveira MIC, Rito RVVF. Orientações sobre amamentação na atenção básica de saúde e associação com o aleitamento materno exclusivo. Ciênc. saúde colet. 2018;23(4):1077-88. sobre perfil sociodemográfico (idade, profissão, escolaridade e condições de moradia), uso de cigarro e álcool, tipo de parto, tipo de mamilo, presença ou não de depressão pós-parto, tempo de aleitamento materno exclusivo (AME), nível de conhecimento e expectativas maternas sobre o AME, uso de chupeta ou mamadeira durante o primeiro mês de vida, indicação para fazer a frenotomia e se fizeram ou não o procedimento cirúrgico.

Além disso, as mães foram questionadas sobre as dificuldades da amamentação. As perguntas incluíram relatos sobre engasgos frequentes e estalos de língua realizados pelo recém-nascido durante a amamentação; cansaço excessivo ao amamentar; dificuldades em pegar o seio; irritabilidade e inquietação do recém-nascido durante amamentação, associados ou não a mamadas curtas e choro frequente; baixo fluxo de leite associado à dificuldade em pegar o peito. No caso de resposta positiva a pelo menos uma dessas perguntas, a mãe era considerada com dificuldade para amamentar33. Fraga MRBA, Barreto KA, Lira TCB, Celerino Tavares ITS, Menezes VA. Ankyloglossia and breastfeeding: what is the evidence of association between them? Rev. CEFAC. 2020;22(3):1-14..

Os dados foram analisados usando Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, Chicago, IL, EUA, versão 20.0). A dificuldade em amamentar e a amamentação exclusiva por 6 meses foram consideradas as variáveis dependentes. Já as variáveis socioeconômicas e demográficas e a anquiloglossia foram consideradas variáveis independentes.

Foi realizada análise descritiva dos dados com os valores apresentados em frequências absolutas, porcentagens, média e desvio padrão, mediana, valores mínimo e máximo. Os Testes Qui-quadrado e Teste Mann-Whitney foram realizados, considerou-se valor de p<0,05 como significante.

A regressão de Poisson com variância robusta no método Stepwise foi utilizada para determinar as associações entre dificuldade em amamentar e amamentação exclusiva por 6 meses e as variáveis independentes. A magnitude da associação foi avaliada pelas razões de prevalência (RP) não-ajustadas e ajustadas, intervalos de confiança de 95% e valores de p. As variáveis com os valores de p ≤0,20 na análise univariada foram incluídas no modelo ajustado. Apenas as variáveis com um valor de p <0,05 permaneceram no modelo final.

Resultados

Foram realizados 411 convites para pares de mães e bebês, mas após aplicação dos critérios de elegibilidade, 397 pares de mães e bebês foram entrevistados e examinados, em até 48h após o nascimento. A amostra foi adquirida por conveniência.

Das 397 mães que deveriam participar da segunda fase da pesquisa, houve um retorno de 70,8%. Estas mães responderam a diversas questões cujos dados estão descritos nas Tabelas 1 e 2. Observou-se que as mães pesquisadas são jovens, 54,9% possuem menos que 25 anos, 57,4% responderam que o parto foi tranquilo, 59,4% tiveram seu filho por parto normal e 97,5% não relatou intercorrência no parto. Dentre as que já tinham filhos, a maioria conseguiu amamentar por 6 meses. Além disso, 34,5% das mães relataram dificuldade de amamentação e 4,0% das mães possuíam mamilo não protruso (Tabela 1).

Tabela 1:
Perfil das mães dos neonatos nascidos em maternidade municipal na cidade de Teresina - Piauí (N=397)

Dentre as crianças avaliadas, 56,4% eram do sexo feminino, 98,0% não possuíam nenhum hábito não nutritivo instalado até 48 horas após o nascimento e 2,5% já faziam complementação com fórmulas artificiais. Apenas, 40,1% das crianças mamaram exclusivamente por 6 meses (Tabela 2).

Tabela 2:
Perfil dos neonatos nascidos em maternidade municipal na cidade de Teresina - Piauí (n=397)

A prevalência de anquiloglossia foi de 4,3%, conforme descrito na Tabela 2. Os bebês com anquiloglossia foram encaminhados ao Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) para frenotomia lingual, mas apenas uma (0,3%) criança foi submetida ao procedimento. Das 17 crianças diagnosticadas com anquiloglossia, não foi possível o contato com a mãe de três delas após seis meses. Das 14 restantes, observou-se que sete fizeram o uso do AME por seis meses; uma mamou por 5 meses; duas por 4 meses; uma por 3 meses; duas por 2 meses e uma mamou por 1 ½ meses. Crianças com anquiloglossia tiveram tempo de amamentação exclusiva (mediana= 6 meses) igual ao das crianças com língua normal (mediana= 6 meses, Teste de Mann-Whitney; valor de p=0,876). No que se refere ao uso de chupetas e mamadeiras no primeiro mês de vida, apenas uma utilizou mamadeira e três fizeram uso da chupeta. Dor no mamilo foi autorrelatado por cinco mães.

Houve uma associação significante entre amamentação exclusiva e dificuldade de amamentação (valor de p<0,001); uso de chupeta (valor de p<0,001) e de mamadeira (valor de p<0,001) no primeiro mês de vida. No entanto, não houve associação entre a ocorrência de anquiloglossia nos recém-nascidos e a amamentação exclusiva (valor de p=0,779) (Tabela 3).

Tabela 3:
Associação entre a amamentação exclusiva e as características da mãe e do recém-nascido, tipo de parto, características da mãe e a ocorrência de anquiloglossia dos neonatos nascidos em maternidade municipal na cidade de Teresina - Piauí (n=281)

Na regressão múltipla, observou-se que os bebês que fizeram uso de mamadeira no primeiro mês de vida apresentaram maior probabilidade de não serem amamentados de forma exclusiva por 6 meses (RP=1,2 IC95% 1,1-1,3) comparados àqueles que não usaram mamadeira. Além disso, as mães que tiveram dificuldade de amamentação possuíram maior probabilidade de não amamentarem de forma exclusiva por 6 meses (RP=1,4 IC95% 1,3-1,5) comparadas àquelas que não tiveram dificuldade na amamentação (Tabela 4).

Tabela 4:
Análise de regressão de poisson bivariada e multivariada da amamentação exclusiva

A análise bivariada mostra que há associação entre dificuldade de amamentação com aspecto do mamilo (valor de p<0,001), com experiência prévia de amamentação (valor de p=0,011), com mamar exclusivamente por 6 meses (valor de p<0,001), com uso de chupeta (valor de p<0,001) e com mamadeira (valor de p<0,001) no primeiro mês de vida. Entretanto, não houve associação entre dificuldade de amamentação e anquiloglossia (valor de p=0,266) (Tabela 5).

Tabela 5:
Associação entre as dificuldades da amamentação e as características da mãe e do recém-nascido e a ocorrência de anquiloglossia dos neonatos nascidos em maternidade municipal na cidade de Teresina - Piauí

Após a análise bivariada, a regressão de Poisson mostrou que mães que tinham mamilo não protruso tiveram maior probabilidade de apresentar dificuldade de amamentação (RP=1,3 IC95%1,1-1,6) se comparadas a mães com mamilo protruso. Além disso, crianças que não foram amamentadas exclusivamente por 6 meses tiveram maior probabilidade de apresentar dificuldade de amamentação (RP=1,4 IC95%1,3-1,5) do que crianças que foram amamentadas exclusivamente por 6 meses (Tabela 6).

Tabela 6:
Análise de regressão de poisson bivariada e multivariada da dificuldade de amamentar com características da mãe e do recém-nascido e a ocorrência de anquiloglossia dos neonatos nascidos em maternidade municipal na cidade de Teresina - Piauí

Discussão

Evidências científicas têm demonstrado a relevância do aleitamento materno em benefício da saúde da criança, especialmente sobre a redução da morbimortalidade infantil e o potencial preventivo sobre as doenças e agravos crônicos. Além disso, reconhece-se a influência do aleitamento materno sobre o desenvolvimento na infância e consequentes repercussões para a vida adulta1515. Diercks GR, Hersh CJ, Baars R, Sally S, Caloway C, Hartnick CJ. Factors associated with frenotomy after a multidisciplinary assessment of infants with breastfeeding difficulties. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2020;138:110212.

16. Salustiano LPQ, Diniz ALD, Abdallah VOS, Pinto RMC. Fatores associados à duração do aleitamento materno em crianças menores de seis meses. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(1):28-33.
-1717. Moraes BA, Strada JKR, Gasparin VA, Espírito-Santo LCD, Gouveia HG, Gonçalves AC. Breastfeeding in the first six months of life for babies seen by Lactation Consulting. Rev. Latino-Am.Enfermagem. [journal on the internet] 2021 [accessed 2021 Mai 26]; 29:e3412. Available at: https://www.scielo.br/j/rlae/a/5CS4DJJb7J8j3mPSQHMMFWR/?format=pdf⟨=en. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3538.3412
https://www.scielo.br/j/rlae/a/5CS4DJJb7...
.

Dessa forma, é notável uma crescente inquietação a respeito de fatores associados à interrupção do aleitamento materno. Dentre esses fatores, destaca-se a anquiloglossia como possível agente influenciadora na prática da amamentação. Isso posto, é conveniente averiguar a prevalência da anquiloglossia e se esta condição impacta no aleitamento materno exclusivo, escopos principais do presente estudo.

A despeito das variações e da ausência de uma padronização nos critérios de diagnóstico da anquiloglossia, a prevalência observada na população estudada foi de 4,3%, valor contido no intervalo de variação expresso nos referenciais consultados,(66. Martinelli RLC, Marchesan IQ, Berretin-Felix G. Protocol for infants: relationship between anatomic and functional aspects. Rev. CEFAC. 2013;15(3):599-610.

7. American Academy of Pediatric Dentistry. Policy on management of the frenulum in pediatric dental patients. The Reference Manual of Pediatric Dentistry. Chicago, III: American Academy of Pediatric Dentistry: 2020: 74-8.
-88. O'Shea JE, Foster JP, O'Donnell CP, Breathnach D, Jacobs SE, Todd DA et al. Frenotomy for tongue-tie in newborn infants. Cochrane database syst. rev. 2017;3:CD011065.doi:10.1002/14651858.CD011065.pub2.
https://doi.org/10.1002/14651858.CD01106...
.

Das 17 crianças que apresentaram anquiloglossia na triagem neonatal, e que foram encaminhadas ao CEO para frenotomia lingual, somente uma foi submetida à intervenção cirúrgica.

Os resultados do presente trabalho não mostraram associação entre anquiloglossia e dificuldades no aleitamento, tendo em vista que crianças com anquiloglossia apresentaram tempo de amamentação exclusiva semelhante às crianças com diagnóstico de frênulo normal, o que também foi observado em pesquisas conduzidas em diferentes áreas da saúde1818. Venancio SI, Toma TS, Buccini GS, Sanches MTC, Araújo CL, Figueiró MF. Anquiloglossia e aleitamento materno: evidências sobre a magnitude do problema, protocolos de avaliacão, segurança e eficácia de frenotomia: parecer técnico científico. São Paulo: Instituto de Saúde; 2015.,1919. Fujinaga CI, Chaves JC, Karkow IK, Klossowski DG, Silva FR, Rodrigues AH. Lingual frenum and breast feeding: descriptive study. Audiol Commun Res. [journal on the internet] 2017 [accessed 2021 Mai 31];22(e1762). Available at: http://doi.org/10.1590/2317-6431-2016-1762
http://doi.org/10.1590/2317-6431-2016-17...
. Neste aspecto, deve-se considerar que estar em amamentação exclusiva não significa que o bebê não apresente dificuldades para mamar, uma vez que na literatura há ensaios clínicos randomizados apontando a interferência da anquiloglossia na amamentação2020. Berry J, Griffiths M, Westcott C. A double-blind, randomized, controlled trial of tongue-tie division and its immediate effect on breastfeeding. Breastfeed Med. 2012;7(3):189-93.,2121. Buryk M, Bloom D, Shope T. Efficacy of neonatal release of ankyloglossia: a randomized trial. Pediatrics. 2011;128(2):280-8..

Dificuldades no aleitamento, tais como dor e rachaduras no mamilo materno, ingurgitamento do seio materno e recusa do peito pelo bebê estão presentes em até 80% dos relatos de mães de crianças portadoras de anquiloglossia2222. Suter VG, Bornstein MM. Ankyloglossia: facts and myths in diagnosis and treatment. J Periodontol. 2009;80(8):1204-19.. No presente trabalho, metade das crianças com anquiloglossia (7) foram amamentadas exclusivamente no peito por 6 meses; outras crianças (3) foram amamentadas por mais de quatro meses e, suas mães, quando questionadas sobre o desmame precoce, alegaram a volta ao trabalho e recusa por parte da criança como motivos determinantes; algumas mães (5) relataram dor e incômodo no bico do seio somente no começo do processo.

A baixa adesão à frenotomia e a constatação de que a anquiloglossia não interferiu no tempo de AME, na casuística estudada, sugerem que, nem sempre, o frênulo alterado provoca interferências nas funções de sucção e deglutição1010. Messner AH, Walsh J, Rosenfeld RM, Schwartz SR, Ishman SL, Baldassari C et al. Clinical Consensus Statement: Ankyloglossia in Children. Otolaryngology Head and Neck Surgery. 2020;162(5):597-611.,2323. Brandão CA, Marsillac MWS, Barja-Fidalgo F, Oliveira BH. Is the Neonatal Tongue Screening Test a valid and reliable tool for detecting ankyloglossia in newborns? Int J Paediatr Dent. 2018;28(4):380-9.,2424. Souza-Oliveira AC, Cruz PV, Bendo CB, Bouzada MCF, Batista WC, Martins CC. Does ankyloglossia interfere with breastfeeding in newborns? - a cross-sectional study. J Clin Transl Res. 2021;7(2):263-9., reforçando a necessidade de um acompanhamento individualizado dos casos2424. Souza-Oliveira AC, Cruz PV, Bendo CB, Bouzada MCF, Batista WC, Martins CC. Does ankyloglossia interfere with breastfeeding in newborns? - a cross-sectional study. J Clin Transl Res. 2021;7(2):263-9.. Por outro lado, convêm salientar que a frenotomia lingual proporciona redução na dor mamilar, melhorando o processo de amamentação e deglutição exercido pela criança1919. Fujinaga CI, Chaves JC, Karkow IK, Klossowski DG, Silva FR, Rodrigues AH. Lingual frenum and breast feeding: descriptive study. Audiol Commun Res. [journal on the internet] 2017 [accessed 2021 Mai 31];22(e1762). Available at: http://doi.org/10.1590/2317-6431-2016-1762
http://doi.org/10.1590/2317-6431-2016-17...

20. Berry J, Griffiths M, Westcott C. A double-blind, randomized, controlled trial of tongue-tie division and its immediate effect on breastfeeding. Breastfeed Med. 2012;7(3):189-93.

21. Buryk M, Bloom D, Shope T. Efficacy of neonatal release of ankyloglossia: a randomized trial. Pediatrics. 2011;128(2):280-8.

22. Suter VG, Bornstein MM. Ankyloglossia: facts and myths in diagnosis and treatment. J Periodontol. 2009;80(8):1204-19.

23. Brandão CA, Marsillac MWS, Barja-Fidalgo F, Oliveira BH. Is the Neonatal Tongue Screening Test a valid and reliable tool for detecting ankyloglossia in newborns? Int J Paediatr Dent. 2018;28(4):380-9.

24. Souza-Oliveira AC, Cruz PV, Bendo CB, Bouzada MCF, Batista WC, Martins CC. Does ankyloglossia interfere with breastfeeding in newborns? - a cross-sectional study. J Clin Transl Res. 2021;7(2):263-9.
-2525. Silva PI, Vilela JER, RanK RCI, Rank MS. Lingual frenectomy in babies: case report. Revista Baiana de Odontologia. 2016;7(3):220-7..

É importante ressaltar que, a despeito dos resultados encontrados na população estudada não terem indicado um fator impeditivo no processo da amamentação, é indispensável um rigoroso acompanhamento clínico, haja vista que uma anquiloglossia não tratada pode impactar no crescimento orofacial, na respiração oral noturna e na fala55. Pompeia LE, IIinsky RS, Ortolani CLF, Faltin Júnior K. A influência da anquiloglossia no crescimento e desenvolvimento do sistema estomatognático. Rev. Paul. Pediatr. 2017;35(2):216-21.,2626. Ferrés-Amat E, Pastor-Vera T, Rodriguez-Alessi P, Ferrés-Amat E, Mareque-Bueno J, Ferrés-Padró E. The prevalence of ankyloglossia in 302 newborns with breastfeeding problems and sucking difficulties in Barcelona: a descriptive study. Eur J Paediatr Dent. 2017;18(4):319-25..

Os resultados mostram que 40,1% dos bebês foram amamentados exclusivamente por 6 meses. Esta proporção encontra-se próxima à verificada pela II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal, que foi de 40,7% 2727. Brasil. Ministério da Saúde (MS). II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2009.. Pesquisas semelhantes encontraram taxas que variaram de 12,7 a 50,1%1313. Karall D, Ndayisaba JP, Heichlinger A, Kiechl-Kohlendorfer U, Stojakovic S, Leitner H et al. Breast-feeding duration: early weaning-do we sufficiently consider the risk factors? J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015;61(5):577-82.,1717. Moraes BA, Strada JKR, Gasparin VA, Espírito-Santo LCD, Gouveia HG, Gonçalves AC. Breastfeeding in the first six months of life for babies seen by Lactation Consulting. Rev. Latino-Am.Enfermagem. [journal on the internet] 2021 [accessed 2021 Mai 26]; 29:e3412. Available at: https://www.scielo.br/j/rlae/a/5CS4DJJb7J8j3mPSQHMMFWR/?format=pdf⟨=en. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3538.3412
https://www.scielo.br/j/rlae/a/5CS4DJJb7...
,1818. Venancio SI, Toma TS, Buccini GS, Sanches MTC, Araújo CL, Figueiró MF. Anquiloglossia e aleitamento materno: evidências sobre a magnitude do problema, protocolos de avaliacão, segurança e eficácia de frenotomia: parecer técnico científico. São Paulo: Instituto de Saúde; 2015. de AME em crianças aos 6 meses.

Embora o AME seja considerado o padrão ouro de alimentação nos primeiros seis meses de vida2626. Ferrés-Amat E, Pastor-Vera T, Rodriguez-Alessi P, Ferrés-Amat E, Mareque-Bueno J, Ferrés-Padró E. The prevalence of ankyloglossia in 302 newborns with breastfeeding problems and sucking difficulties in Barcelona: a descriptive study. Eur J Paediatr Dent. 2017;18(4):319-25.,2828. Horta BL, Loret de Mola C, Victora CG. Breastfeeding and intelligence: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatr. 2015;104(467):14-9.,2929. Pereira RSV, Oliveira MIC, Andrade CLT, Brito AS. Fatores associados ao aleitamento materno exclusivo: o papel do cuidado na atenção básica. Cad. Saúde Pública. 2010;26(12):2343-54., o seu sucesso envolve um processo complexo que, além do desejo materno de amamentar, sofre influências de fatores biológicos, sociais, culturais, econômicos e políticos1616. Salustiano LPQ, Diniz ALD, Abdallah VOS, Pinto RMC. Fatores associados à duração do aleitamento materno em crianças menores de seis meses. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(1):28-33.,1717. Moraes BA, Strada JKR, Gasparin VA, Espírito-Santo LCD, Gouveia HG, Gonçalves AC. Breastfeeding in the first six months of life for babies seen by Lactation Consulting. Rev. Latino-Am.Enfermagem. [journal on the internet] 2021 [accessed 2021 Mai 26]; 29:e3412. Available at: https://www.scielo.br/j/rlae/a/5CS4DJJb7J8j3mPSQHMMFWR/?format=pdf⟨=en. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3538.3412
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,2929. Pereira RSV, Oliveira MIC, Andrade CLT, Brito AS. Fatores associados ao aleitamento materno exclusivo: o papel do cuidado na atenção básica. Cad. Saúde Pública. 2010;26(12):2343-54..

Ofertas de bicos e chupetas, primiparidade e mamilo não protruso são condições associadas ao desmame precoce1717. Moraes BA, Strada JKR, Gasparin VA, Espírito-Santo LCD, Gouveia HG, Gonçalves AC. Breastfeeding in the first six months of life for babies seen by Lactation Consulting. Rev. Latino-Am.Enfermagem. [journal on the internet] 2021 [accessed 2021 Mai 26]; 29:e3412. Available at: https://www.scielo.br/j/rlae/a/5CS4DJJb7J8j3mPSQHMMFWR/?format=pdf⟨=en. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3538.3412
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,1818. Venancio SI, Toma TS, Buccini GS, Sanches MTC, Araújo CL, Figueiró MF. Anquiloglossia e aleitamento materno: evidências sobre a magnitude do problema, protocolos de avaliacão, segurança e eficácia de frenotomia: parecer técnico científico. São Paulo: Instituto de Saúde; 2015.,3030. Buccini GDS, Pérez-Escamilla R, Paulino LM, Araújo CL, Venancio SI. Uso de chupeta e interrupção da amamentação exclusiva: revisão sistemática e meta-análise. Matern Child Nutr. 2017;13(3):e12384.,3131. Brown CR, Dodds L, Legge A, Bryanton J, Semenic S. Factors influencing the reasons why mothers stop breastfeeding. Can J Public Health. 2014;105(3):179-85., relatadas na literatura e encontradas no presente trabalho, segundo o relato de 34,5% das mães entrevistadas. É necessário realçar que, das 17 crianças diagnosticadas com anquiloglossia, três delas fizeram uso de chupeta e uma fez uso de mamadeira no primeiro mês de vida. O que contraria a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) a qual considera evitar o uso de bicos até que o hábito de aleitamento esteja estabelecido3030. Buccini GDS, Pérez-Escamilla R, Paulino LM, Araújo CL, Venancio SI. Uso de chupeta e interrupção da amamentação exclusiva: revisão sistemática e meta-análise. Matern Child Nutr. 2017;13(3):e12384..

No entanto, as mães com experiência prévia de amamentação e de amamentação exclusiva por 6 meses conseguiram amamentar por mais tempo, sugerindo que, experiências prévias de amamentação bem-sucedidas são importantes. Tais achados encontram respaldo em trabalhos disponíveis1414. Alves JS, Oliveira MIC, Rito RVVF. Orientações sobre amamentação na atenção básica de saúde e associação com o aleitamento materno exclusivo. Ciênc. saúde colet. 2018;23(4):1077-88.,1616. Salustiano LPQ, Diniz ALD, Abdallah VOS, Pinto RMC. Fatores associados à duração do aleitamento materno em crianças menores de seis meses. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012;34(1):28-33.,2929. Pereira RSV, Oliveira MIC, Andrade CLT, Brito AS. Fatores associados ao aleitamento materno exclusivo: o papel do cuidado na atenção básica. Cad. Saúde Pública. 2010;26(12):2343-54..

Fatores como idade avançada da mãe, baixa renda materna, uso de cigarro e bebida alcóolica durante a gravidez e amamentação e baixa escolaridade são apontados, na literatura, como interferência negativa no tempo de AME1414. Alves JS, Oliveira MIC, Rito RVVF. Orientações sobre amamentação na atenção básica de saúde e associação com o aleitamento materno exclusivo. Ciênc. saúde colet. 2018;23(4):1077-88.,1818. Venancio SI, Toma TS, Buccini GS, Sanches MTC, Araújo CL, Figueiró MF. Anquiloglossia e aleitamento materno: evidências sobre a magnitude do problema, protocolos de avaliacão, segurança e eficácia de frenotomia: parecer técnico científico. São Paulo: Instituto de Saúde; 2015.,2929. Pereira RSV, Oliveira MIC, Andrade CLT, Brito AS. Fatores associados ao aleitamento materno exclusivo: o papel do cuidado na atenção básica. Cad. Saúde Pública. 2010;26(12):2343-54.,3131. Brown CR, Dodds L, Legge A, Bryanton J, Semenic S. Factors influencing the reasons why mothers stop breastfeeding. Can J Public Health. 2014;105(3):179-85.. No entanto, não impactaram a amamentação na presente pesquisa, sendo que a maioria das mães entrevistadas no presente estudo apresentaram idade inferior a 25 anos, não tendo sido estudado o nível socioeconômico das participantes.

Algumas limitações podem ser mencionadas no presente estudo: ainda que o desenho da pesquisa tenha sido longitudinal, o tempo de seguimento foi curto (06 meses); a falta de padronização dos procedimentos diagnósticos e de avaliação de mamada fragiliza a discussão, sobretudo, na análise comparativa entre os diversos estudos consultados; por fim, o aparente desinteresse pela causa, representado pela ausência total da população estudada no agendamento para o reteste. Além do desinteresse, deve ser considerada a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, a exemplo do Teste da Orelhinha3232. Alvarenga KF, Gadret JM, Araújo ES, Bevilacqua MC. Triagem auditiva neonatal: motivos da evasão das famílias no processo de detecção precoce. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):241-7., que apresenta pouca adesão ao reteste.

Dificuldades de ordem técnica se apresentaram no segundo momento da coleta; a maior de todas foi, sem dúvida, a pandemia de covid 19 cuja declaração pela OMS aconteceu em março de 2020; tal problema impediu a entrevista presencial com as mães, como estava prevista inicialmente; só restou então a possibilidade de entrevista-las por meio de telefone celular e aí constatou-se a grande troca de número de telefone por parte delas; cartas foram enviadas pelos correios aos endereços fornecidos na tentativa de contato, às vezes, bem sucedidos e em outros não.

É importante incentivar e orientar as gestantes, no sentido de valorizarem os testes que avaliam a presença de possíveis alterações no frênulo lingual dos bebês, bem como os benefícios do AME, no mínimo até os seis meses de vida. Da mesma forma realça-se a necessária integralização de uma equipe multidisciplinar, com o objetivo de estabelecer uma tomada de decisão conjunta, tanto no diagnóstico como na necessidade e oportunidade cirúrgica, visando facilitar o AME.

Algumas limitações do estudo devem ser consideradas, tendo em vista que a amamentação não foi avaliada pelo profissional, mas investigada a partir das respostas das mães, por meio de contato telefônico. A avaliação do bebê em posição deitada também pode ter prejudicado a visualização correta das características anatômicas do frênulo lingual, uma vez que a recomendação é de que o bebê esteja na posição inclinada. Adicionalmente, deve se considerar que o número pequeno de bebês diagnosticados com anquiloglossia pode não ter sido suficiente para associar as dificuldades de amamentação com anquiloglossia.

De todo modo, a presente pesquisa reforça uma orientação comunitária, tanto na prática de políticas públicas quanto em atendimentos privados, sobre a necessidade da identificação precoce da anquiloglossia e sua potencial interferência na amamentação. Além disso, alerta para outros importantes fatores associados, tais como tipo de mamilo, uso de chupetas e mamadeiras no primeiro mês de vida do neonato, que podem conjuntamente interferir de forma negativa no tempo de aleitamento materno.

Conclusão

A prevalência da anquiloglossia na população estudada foi de 4,3% e não caracterizou como um fator impeditivo para a amamentação. Foram considerados como fatores impeditivos para amamentação exclusiva o uso de mamadeira no primeiro mês de vida e dificuldades de amamentação. Foi observado como fator associado à dificuldade de amamentação o mamilo não protruso.

Agradecimentos

Ao Centro Universitário UNINOVAFAPI, pela concessão de bolsa de capacitação e à Profª Dra Isabela Floriano Nunes Martins pelas sugestões dadas.

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  • Trabalho de pesquisa desenvolvido na Maternidade Municipal Wall Ferraz, Teresina, Piauí, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2021
  • Aceito
    24 Jan 2022
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