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Testes comportamentais em adultos: valores de referência e comparação entre grupos com e sem transtorno do processamento auditivo central

RESUMO

Objetivos:

gerar valores de referência para diferentes testes comportamentais de processamento auditivo central (PAC) em adultos normo-ouvintes, com estratificação de faixa etária, assim como, comparar os resultados segundo a variável presença ou ausência de transtorno do PAC(TPAC).

Métodos:

a casuística foi composta por 94 adultos normo-ouvintes, com pelo menos 11 anos de escolaridade, os quais foram distribuídos em dois grupos, conforme o desempenho nos testes de Identificação de Sentenças Dicóticas(DSI), Masking Level Difference(MLD), Randon Gap Detection Test(RGDT), Fala Comprimida Adaptado(FCA) e Testes de Padrão de Duração e Frequência(TPD/TPF). Os 64 sujeitos que apresentaram normalidade em todos os testes formaram o G1 e os 30 sujeitos com alteração em pelo menos um deles originaram o G2. Foi realizada uma descrição com valores de média, desvio padrão (DP), mínima, máxima e intervalo de confiança. Posteriormente, foi utilizado o teste não paramétrico de comparação entre variáveis U de Mann-Whitney. Em todas as análises foi considerado nível de significância de 5% (p≤0,05).

Resultados:

o somatório de dois desvios padrões ao desempenho médio do G1, originou valores de referência para os diferentes testes abordados. Quando comparados os grupos G1 e G2, o G1 apresentou melhores resultados, sendo esta significante nos testes DSI(orelha esquerda), MLD,RGDT,TPD e TPF para a faixa etária entre 18 e 29 anos e, DSI(orelha esquerda), RGDT e FCA(orelha direita) na faixa etária de 30 a 58 anos.

Conclusão:

foi possível gerar valores de referência para diferentes testes comportamentais de PAC, em adultos normo-ouvintes, assim como, constatar um melhor desempenho para o grupo com ausência de TPAC.

Descritores:
Audição; Testes Auditivos; Percepção Auditiva; Transtornos da Percepção Auditiva

ABSTRACT

Purpose:

to generate reference values for different behavioral central auditory processing (CAP) tests in normally hearing adults, with age stratification, as well as to compare the results, according to the presence or absence of CAP disorder (CAPD).

Methods:

the study sample consisted of 94 adults with normal auditory thresholds, with at least 11 years of schooling, who were divided into two groups, according to the performance in the Dichotic Sentences Identification Test (DSI), Masking Level Difference (MLD), Random Gap Detection Test (RGDT), Adapted Time-Compressed Speech (ATCS) and Duration and Frequency Pattern Tests (DPT/FPT).The 64 subjects who presented normality in all the tests formed the G1 group and the 30 subjects who presented alteration in at least one of them, originated the G2 group. To accomplish the analysis it was used the Mann-Whitney U Test. In all analyzes, the significance level was 5% (p≤0.05).

Results:

the sum of the two standard deviations for the mean performance of G1 yielded reference values for the different tests addressed. When G1 and G2 groups were compared, G1 presented better results, this being significant in the DSI (left ear), MLD, RGDT, DPT and FPT tests, for the group aged between 18 and 29 years and, DSI (right ear), RGDT and ATCS (right ear), for the group from 30 to 58 years.

Conclusion:

it was possible to generate reference values for different behavioral tests of CAP in normally hearing adults, as well as to verify a better performance for the group with no CAPD.

Keywords:
Hearing; Hearing Tests; Auditory Perception; Auditory Perceptual Disorders

Introdução

O principal meio de interação do indivíduo com o mundo é a comunicação e, para que esta seja efetiva, é necessária a integridade da audição, tanto em nível periférico quanto central11. Frota S, Pereira LD. Processamento auditivo: estudo em crianças com distúrbios da leitura e da escrita. Rev Psicopedag. 2010;27(83):214-22.. Portanto, o fato de um indivíduo apresentar audibilidade normal para tons puros e teste de inteligibilidade de fala, não implica que ele esteja apto a processar e interpretar as informações auditivas em geral, considerando-se todas as variáveis que podem influenciar nesse complexo processo de compreensão22. Balen SA, Bretzke L, Mottecy CM, Liebel G, Boeno MRM, Gondim LMA. Resolução temporal de crianças: comparação entre audição normal, perda auditiva condutiva e distúrbio do processamento auditivo. Rev Bras Otorrinolaringol. 2009;75(1):123-9..

Para isso, o mais indicado é a avaliação do processamento auditivo central (PAC), por meio de testes comportamentais que visam avaliar o desempenho auditivo do indivíduo simulando situações enfrentadas no dia a dia. O bom desempenho nessas situações pode refletir a integridade dos mecanismos fisiológicos auditivos, os quais são fundamentais no processamento acústico da informação, na percepção da fala, no aprendizado e na compreensão da linguagem33. Henriques MO, Costa MJ. Reconhecimento de sentenças no ruído, em campo livre, em indivíduos com e sem perda auditiva. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1040-7.,44. Correa BM, Rossi AG, Roggia B, Silva AMT. Análise das habilidades auditivas de crianças com respiração oral. Rev. CEFAC. 2011;13(4):668-75..

Os testes comportamentais, normalmente revelam déficits funcionais do PAC e são referência quando se trata de diagnóstico e reabilitação nessa área. Porém, é difícil descrever qual teste deve ser aplicado em cada caso, qual padrão de normalidade deve ser considerado, ou até mesmo quantos testes são necessários para um diagnóstico preciso na avaliação clínica55. Alonso R, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em crianças com transtorno de processamento auditivo (central): avaliação comportamental e eletrofisiológica. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(5):726-32.. Isso se deve a particularidade de cada paciente, seja ela em relação a faixa etária66. Buss LH, Rossi AG, Buss CH, Oliveira RC. Performance in the auditory abilities of selective attention and hearing memory in a group of elderly with hearing aids: influence of hearing loss, age and gender. Rev. CEFAC. 2013;15(5):1065-72.,77. Tun PA, Williams VA, Small BJ, Hafter ER. The effects of aging on auditory processing and cognition. Am J Audiol. 2012;21(2):344-50., nível de escolaridade88. Paulo DL, Yassuda MS. Queixas de memória de idosos e sua relação com escolaridade, desempenho cogntivo e sintomas de depressão e ansiedade. Rev Psiq Clin. 2010;37(1):23-6. ou configuração audiométrica99. Nishihata R, Vieira MR, Pereira LD, Chiari BM. Processamento temporal, localização e fechamento auditivo em portadores de perda auditiva unilateral. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(3):266-73..

Com isso, cada vez mais torna-se importante descrever uma bateria de testes comportamentais que seja eficiente na detecção de alterações centrais. Este estudo levou em consideração os aspectos individuais dos sujeitos, sendo fracionado por faixa etária, exigindo um nível mínimo de escolaridade e aceitando apenas sujeitos com normalidade auditiva periférica. Essa seletividade é crucial tendo em vista que, aparentemente, é inviável esperar que uma criança apresente resultados semelhantes a um adulto ou até mesmo que sujeitos de diferentes nacionalidades possuam as mesmas respostas, considerando-se a maturação do sistema nervoso central e as experiências vivenciadas no decorrer da vida1010. Bellis T. Differential diagnosis of (central) auditory processing disorder in older listeners. In: Musiek F, Chermak G (eds). Handbook of (Central) Auditory Processing Disorder. Auditory Neuroscience and Diagnosis San Diego Plural Publishing; 2007. p. 319-46.. Portanto, a justificativa deste estudo reside na busca de respostas mais específicas para a população adulta nacional, com boa escolaridade e representativo número de sujeitos.

Sendo assim, o objetivo desse estudo foi gerar valores de referência para diferentes testes comportamentais de PAC em adultos normo-ouvintes, com estratificação de faixa etária e satisfatório nível de escolaridade, assim como, comparar os resultados segundo a variável presença ou ausência de transtorno de PAC.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, sob o número 80732817.0.0000.5346 e apresenta caráter prospectivo, quantitativo e transversal. Todas as avaliações foram realizadas no Ambulatório de Audiologia de um Hospital Universitário de Santa Maria. Foram aceitos apenas os indivíduos que assentiram a participação voluntária e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual, continham informações sobre os procedimentos realizados, riscos, benefícios e confidencialidade dos dados da pesquisa, seguindo todos os preceitos éticos, conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Critérios de Elegibilidade

Para compor a amostra foram considerados os seguintes critérios de elegibilidade: sujeitos com idade entre 18 e 59 anos, limiares auditivos dentro dos limites da normalidade, ou seja, até 25 dB NA nas frequências de 250 a 8000 Hz1111. Lloyd II, Kaplan H. 1978 apud Momensohn-Santos TM, Russo ICP, Brunetto-Borgianni LM. Interpretação dos resultados da avaliação audiológica. In: Momensohn-Santos TM, Russo ICP (orgs). Prática da audiologia clínica. 6ed, São Paulo: Cortez, 2007., curva timpanométrica tipo “A”1212. Jerger J, Jerger MS, Mauldin L. Studies in impedance audiometry: I. normal and sensorineural ears. Arch Otolaryngol. 1972;96(6):513-23., reflexos acústicos contralaterais presentes bilateralmente, português brasileiro como língua materna, preferência manual direita1313. Oldfield RC. The assessment and analysis of handedness: the Edinburg Inventory. Neuropsychologia. 1971;9(1):97-113., a partir de onze anos de escolaridade (ensino médio completo), segundo o modelo metodológico do censo demográfico brasileiro realizado pelo IBGE em 2000. Além disso, ausência de comprometimento neurológico e/ou psíquico evidente e alteração retrococlear, avaliada por meio do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico com estímulo clique (PEATE clique).

Casuística

Assim, a casuística foi composta, por conveniência, por 94 sujeitos, sendo 42 do sexo masculino (44,7%) e 52 do sexo feminino (55,3%), com faixa etária entre 18 e 58 anos e média de idade de 28,04 anos. Desses 94 sujeitos, 64 pertenceram ao grupo G1 e 30 ao grupo G2. Essa distribuição foi realizada de acordo com o desempenho nos testes comportamentais de PAC: os sujeitos que apresentaram desempenho satisfatório em todos os testes formaram o G1, já os sujeitos que apresentaram alteração em um ou mais testes deram origem ao G2. A distribuição dos grupos foi realizada de acordo com o conceito de TPAC proposto pela ASHA1414. ASHA: (Central) Auditory Processing Disorders - The Role of the Audiologist [Position Statement], 2005 [acesso em ago 2012]. Disponível em: http://www.asha.org/policy.
http://www.asha.org/policy...
, ou seja, alteração em uma ou mais habilidade auditiva.

Para inferir sobre valores de referência é necessário utilizar dados limpos, ou seja, uma amostra sem qualquer alteração e, preferencialmente com fracionamento de faixa etária, considerando-se a maturação do sistema nervoso central. Portanto, quando for utilizado neste trabalho o termo valor de referência, lê-se os valores encontrados no grupo G1 (64 sujeitos), por estratificação de faixa etária: de 18 a 29 anos e de 30 a 58 anos.

Figura 1:
Distribuição dos grupos G1 e G2 de acordo com a faixa etária e sexo

Sendo assim, o G1 (n=64) foi composto por 51 sujeitos com idade entre 18 e 29 anos (média de 22,63) e 13 sujeitos de 30 a 58 anos (média de 38,54). Já o G2 (n=30), constituiu-se de 15 sujeitos com idade entre 18 e 29 anos (média de 22,93) e 15 sujeitos de 30 a 58 anos (média de 42,47).

Outros estudos já foram realizados buscando gerar valores de referência com amostras consideravelmente pequenas1515. Luz SV, Pereira LD. Teste de escuta dicótica utilizando dígitos em indivíduos idosos. Acta AWHO. 2000;19(4):180-4.,1616. Braga BHC, Pereira LD, Dias KZ. Normality tests of temporal resolution: Random Gap Detection Test and Gaps-in-noise. Rev. CEFAC. 2015;17(3):836-46.. Entende-se que a faixa etária de 30 a 58 anos apresenta uma amostra de menor relevância comparada a de 18 a 29 anos, porém, ainda assim, optou-se por realizar a estratificação de faixa etária, considerando o fato de que o sistema auditivo funciona de forma diferente da terceira década de vida em diante1717. Pascual-Leone A, Amedi A, Fregni F, Merabet LB. The plastic human brain cortex. Annu Rev Neurosci. 2005;28:377-401..

Procedimentos Gerais

Todos os sujeitos foram submetidos a uma Anamnese Audiológica, visando coletar informações sobre doenças pregressas, questões relacionadas a comunicação e histórico familiar de doenças auditivas e, a versão reduzida do teste de Dominância Manual de Edinburgh1313. Oldfield RC. The assessment and analysis of handedness: the Edinburg Inventory. Neuropsychologia. 1971;9(1):97-113., visando obter informações sobre a preferência manual em diferentes situações cotidianas. Para a inspeção visual do meato acústico externo utilizou-se o otoscópio clínico da marca Mikatos. A avaliação audiológica comportamental foi realizada em cabina com tratamento acústico, sendo a Audiometria Tonal Liminar, a Logoaudiometria e os testes de PAC executados no audiômetro da marca Interacoustics, modelo AD229e, utilizando-se fones supra aurais modelo TDH 39. As Medidas de Imitância Acústica foram realizadas no imitanciometro da marca Interacoustics, modelo AT235.

Ainda, o PEATE clique foi efetuado no equipamento Smart EP da marca Intelligent Hearing Systems (IHS). O estímulo foi apresentado, por meio de fones de inserção, nas orelhas direita e esquerda, numa velocidade de 27,7 estímulos por segundo, sendo promediados 2048 sweeps na intensidade de 80dBnNA, com uma janela de registro de 12 ms, filtros 100-3000 Hz passa alto e passa baixo respectivamente, taxa de repetição 100.0K, duração do estímulo de 100 µsec, polaridade rarefeita. Só foram incluídos na pesquisa sujeitos com PEATE clique dentro da normalidade, isto é, quando as latências absolutas das ondas I, III e V e os intervalos interpicos I-III, III-V e I-V apresentaram valores (ms) dentro do esperado para o equipamento: I=1,66 / DP=0,101; III=3,87 / DP=0,146; V=5,68 / DP=0,119; I-III=2,21 / DP=0,142; III-V=1,81 / DP=0,105; I-V=4,02 / DP=0,131, utilizando-se dois desvios padrões1818. Webster R. The auditory brainstem response (ABR): a normative study using the intelligent hearing system's smart evoked potential system [tese]. Towson, Maryland (USA): Towson University; 2017..

Procedimentos Específicos

Como bateria de PAC, foram aplicados seis testes na seguinte ordem: Teste de Identificação de Sentenças Dicóticas (DSI), Masking Level Difference (MLD), Teste de Padrão de Frequência (TPF), Fala Comprimida Adaptado (FCA), Randon Gap Detection Test (RGDT) e Teste de Padrão de Duração (TPD). Como ponto de corte para normalidade ou alteração, foram considerados os valores mais próximos encontrados na literatura, mesmo que fossem provenientes de uma população internacional, sem estratificação de faixa etária ou até mesmo com um reduzido número amostral.

O teste DSI foi aplicado na intensidade de 50 dB NS, com o objetivo de avaliar a habilidade auditiva de figura-fundo para sons verbais1919. Andrade NA, Gil D, Iório MCM. Elaboração da versão em Português Brasileiro do teste de identificação de sentenças dicóticas (DSI). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):540-5.. Iniciou-se pelo treino e em seguida foi realizada a etapa de integração binaural, porém apenas a segunda foi considerada na análise deste estudo. Nesses dois momentos, foram apresentadas duas sentenças simultaneamente, uma em cada orelha, e o sujeito apontou as duas frases ouvidas, em uma cartela, que permaneceu fixada a sua frente. Como critério de normalidade, foram seguidos os seguintes valores propostos por faixa etária2020. Andrade NA, Gil D, Iório MCM. Valores de referência para o teste de identificação de sentenças dicóticas em português brasileiro segundo orelha e idade. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81(5)459-65.: de 13 a 19 anos: 80% de acertos na OD e 70% na OE; de 20 a 29 anos: 80% de acertos na OD e 60% na OE; de 30 a 49 anos: 70% de acertos na OD e 60% na OE. Diferente dos outros testes, o objetivo de buscar novos valores de referência foi modificar a análise dos dados, tendo em vista que a autora utilizou para tal as medidas do percentil 5, podendo ter gerado valores inferiores.

Já o teste MLD é constituído pela determinação do limiar auditivo por um tom puro pulsátil de 500 Hz, na presença de um ruído mascarante em duas condições diferentes: ruído e tom puro apresentados em fase para ambas as orelhas; e tom puro apresentado em fase nas duas orelhas, com ruído em fase invertida em uma delas. Esse teste também foi realizado a 50 dB NS, na condição binaural e os sujeitos foram orientados a dizer “sim” quando escutassem o tom puro e “não” quando escutassem apenas o ruído. O resultado foi obtido pela subtração do limiar entre as duas condições. O MLD foi considerado normal na presença de diferenças de limiar maiores ou iguais a 10 dB entre as condições de sinal/ruído verificadas2121. Wilson RH, Moncrieff DW, Townsend EA, Pillion AL. Development of a 500-Hz masking-level difference protocol for clinic use. J Am Acad Audiol. 2003;14(1):1-8..

O teste FCA foi utilizado nessa pesquisa com o intuito de avaliar a habilidade de fechamento auditivo, de forma monoaural. Nesse teste, o sujeito escutou uma lista composta por 25 palavras dissílabas e as repetiu do modo que entendeu. O mesmo foi aplicado 40 dB NS, e foram utilizados como referência os valores médios encontrados para a faixa etária de 18 a 33 anos no teste já adaptado, isto é, 92% de acertos2222. Folgearini JS, Goulart LLA, Silva DD, Vellozo FF, Mezzomo CL, Garcia MV. Time-Compressed Speech Test: adaptation and validation. Rev. CEFAC. 2016;18(6):1294-301.. Apesar de apresentarem tal porcentagem, os autores do instrumento sugeriram que novos estudos fossem realizados buscando gerar normativas para as demais idades com uma amostra representativa.

O RGDT é composto por sequências de tons puros pareados, nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz. Os intervalos entre os tons variam de zero a 40ms em ordem aleatória. O teste foi realizado a 50 dB NS, na condição binaural e os sujeitos foram orientados a responder verbalmente se ouviram um ou dois tons. Foi aplicada a faixa treino e as faixas teste, buscando verificar o menor intervalo a partir do qual o indivíduo passou a identificar sempre dois tons. A análise se deu por meio da média das quatro frequências do teste e foram considerados normais resultados iguais ou inferiores a 10 ms para a faixa etária entre 20 e 40 anos e iguais ou inferiores a 15 ms para a faixa etária entre 41 e 59 anos1616. Braga BHC, Pereira LD, Dias KZ. Normality tests of temporal resolution: Random Gap Detection Test and Gaps-in-noise. Rev. CEFAC. 2015;17(3):836-46..

Para avaliar a habilidade auditiva de ordenação temporal foram aplicados os testes de Padrão de Frequência e Duração (TPF e TPD) da Auditec®. O TPF é elaborado por sequências compostas por três tons, sendo que dois dos tons apresentados são de uma frequência enquanto que o terceiro é apresentado em uma frequência diferente. O sujeito nomeou a sequência que ouviu, utilizando as respostas “fino” e “grosso”. O teste foi aplicado na condição binaural, em intensidade de 50 dB NS, e foi utilizado o padrão de normalidade proposto para adultos, com resultados iguais ou acima de 90% de acertos2323. Auditec. Evaluation manual of pitch pattern sequence and duration pattern sequence. St Louis: Auditec; 1997.. Já no TPD, o sujeito nomeou a sequência que ouviu, utilizando as respostas “curto” e “longo”. O teste também foi aplicado na condição binaural, em intensidade de 50 dB NS, e foi utilizado como padrão de normalidade resultados iguais ou acima de 67% de acertos, proposto para adultos2323. Auditec. Evaluation manual of pitch pattern sequence and duration pattern sequence. St Louis: Auditec; 1997..

Análise dos Dados

Para análise dos dados, primeiramente foi realizada uma descrição, com valores de média, desvio padrão (DP), mínima, máxima e intervalo de confiança. Posteriormente, foi utilizado o teste não paramétrico de comparação entre variáveis U de Mann-Whitney. Em todas as análises foi considerado nível de significância de 5% (p≤0,05).

Destaca-se novamente que para gerar os valores de referência, foi utilizado o valor médio encontrado para o grupo G1 e acrescido o valor de dois DP para mais e para menos, considerando a provável variabilidade de um sujeito para o outro.

Resultados

Na Tabela 1 é possível observar a descrição dos valores de referência, explicitados por meio dos achados do G1, assim como, a comparação entre os grupos G1 e G2 para todos os testes comportamentais de PAC aplicados, para a faixa etária de 18 a 29 anos. Percebe-se diferença estatisticamente significante na maior parte dos dados expostos na tabela, indicando melhor pontuação no grupo normal. A exceção encontra-se no teste DSI (orelha direita) e no teste FCA (ambas as orelhas), em que os valores permaneceram bastante semelhantes para ambos os grupos.

Tabela 1:
Descrição dos valores de referência para os testes comportamentais de processamento auditivo central e comparação entre os grupos G1 e G2 na faixa etária de 18 a 29 anos

Já na Tabela 2 observa-se novamente a descrição dos valores de referência (G1), bem como, a comparação entre os grupos G1 e G2 para todos os testes comportamentais de PAC aplicados, porém para a faixa etária de 30 a 58 anos. Neste caso, observa-se diferença significante no teste DSI (orelha esquerda), RGDT e FCA (orelha direita), com melhor desempenho no grupo normal.

Tabela 2:
Descrição dos valores de referência para os testes comportamentais de processamento auditivo central e comparação entre os grupos G1 e G2 na faixa etária de 30 a 58 anos

Discussão

A discussão das Tabelas 1 e 2 será realizada em conjunto para melhor compreensão dos dados. Inicialmente, no teste DSI, etapa de integração binaural, os valores médios encontrados foram bastante similares aos de um estudo pioneiro que objetivou padronizar o teste em indivíduos adultos normo-ouvintes, por faixas de idade2424. Andrade AN. Teste de Identificação de Sentenças Dicóticas - DSI: desempenho em indivíduos audiologicamente normais [tese]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2009.. Entretanto, a autora considerou como normalidade do DSI os valores do percentil 5, os quais mostram-se inferiores em relação à média de ambos os estudos. Não foi encontrada uma gama de pesquisas para comparação do teste já adaptado para o português brasileiro.

Na análise comparativa, o G2 apresentou resultados inferiores em ambas as faixas etárias estudadas quando comparado ao G1, com significância estatística apenas na orelha esquerda (Tabelas 1 e 2). Esses resultados trazem a importância de incluir um teste dicótico na bateria de PAC, tendo em vista que a tarefa de integração binaural, realizada constantemente no dia a dia das pessoas, em situações como sala de aula, conversas em grupo e nos próprios ambientes familiares, encontra-se degradada em indivíduos com TPAC2525. Rosa MRD, Ribas A, Marques JM. A relação entre o envelhecimento e a habilidade de escuta dicótica em indivíduos com mais de 50 anos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2009;12(3):331-43.. Normalmente a atividade de focar a atenção no que é importante e colocar em segundo plano aquilo que não interessa no momento, é uma atividade simples e corriqueira, levantando a hipótese de que sujeitos com queixas e alterações relacionadas ao PAC apresentam uma disfunção na transmissão inter-hemisférica. Essa hipótese ganha força, quando observa-se uma acentuada desvantagem da orelha esquerda para o G2, entretanto, esse fato, normalmente, é esperado para as populações de crianças e idosos, sendo o resultado do maior tempo de transmissão do hemisfério não dominante para estímulos linguísticos, até o hemisfério dominante para este tipo de estimulação, por meio do corpo caloso. Portanto, mesmo na população adulta, o presente estudo demonstra que o grupo com TPAC apresentou maior dificuldade nessa transferência do que o grupo normal.

Em relação ao teste MLD, ao observar os valores médios encontrados nas Tabelas 1 e 2, nota-se resultados semelhantes mesmo com o aumento da idade, sendo 14 dB para o grupo mais jovem e 13,1 dB para o grupo com idade entre 30 e 58 anos. Um estudo normalmente utilizado como referência2121. Wilson RH, Moncrieff DW, Townsend EA, Pillion AL. Development of a 500-Hz masking-level difference protocol for clinic use. J Am Acad Audiol. 2003;14(1):1-8. realizou uma série de experimentos em adultos jovens normo-ouvintes, buscando desenvolver um protocolo de aplicação simples para o MLD, utilizando-se um tom pulsátil de 500 Hz. Ao longo dos experimentos, os autores observaram que 95% dos sujeitos apresentaram resultado igual ou superior a 10 dB. Outra pesquisa2626. Mendes SC, Branco-Barreiro FCA, Frota S. Masking level difference: reference values in adults. Audiol., Commun. Res. 2017;22:e:1746., que buscou gerar valor de referência para o MLD em adultos jovens, do sexo feminino, com ensino superior incompleto, encontrou valor médio semelhante, 10,83 dB. Entretanto, é importante citar um renomado estudo também realizado com adultos normo-ouvintes2727. Musiek FE. Frequency (pitch) and duration pattern tests. J Am Acad Audiol. 1994;5(4):265-8., que encontrou como normalidade para o teste, resultados maiores ou iguais a 6 dB. Os resultados acima citados divergem entre si e são consideravelmente inferiores aos encontrados na presente pesquisa, demonstrando que nem sempre o MLD possui uma constância de respostas, mesmo em populações semelhantes.

Ainda, a comparação do desempenho entre os grupos no teste MLD, mostrou resultado inferior para o G2, com diferença estatisticamente significante no grupo mais jovem (Tabela 1). As médias de intensidade encontradas para o G1, nas faixas etárias de 18 a 29 anos e de 30 a 58 anos, demonstram que sujeitos normais conseguem manter sua atenção em um estímulo que encontra-se, respectivamente, até 14 dB e 13,1 dB abaixo de um ruído competitivo. Enquanto sujeitos com TPAC, necessitam reduzir o ruído em competição para conseguir focar sua atenção. Essa superioridade do grupo G1 já era esperada, devido ao fenômeno psicoacústico denominado masking release, isto é, indivíduos com função normal de tronco encefálico devem obter uma facilitação na detecção de um sinal apresentado na presença de um ruído bilateral competitivo, trazendo um melhor desempenho no teste11. Frota S, Pereira LD. Processamento auditivo: estudo em crianças com distúrbios da leitura e da escrita. Rev Psicopedag. 2010;27(83):214-22..

Quanto ao teste RGDT, quando se compara os valores médios obtidos na atual pesquisa à um estudo1616. Braga BHC, Pereira LD, Dias KZ. Normality tests of temporal resolution: Random Gap Detection Test and Gaps-in-noise. Rev. CEFAC. 2015;17(3):836-46. que buscou gerar normalidade para a habilidade auditiva de resolução temporal em indivíduos audiologicamente normais, com idade de 20 a 60 anos, encontra-se valores melhores. Tal estudo fracionou a faixa etária em quatro grupos com 10 sujeitos em cada, a saber: de 20 a 30 anos, de 31 a 40 anos, de 41 a 50 anos e de 51 a 60 anos, obtendo-se como valores médios 6 ms, 8 ms, 8,8 ms e 10,1 ms, respectivamente. Porém, é importante salientar que o critério de normalidade descrito neste estudo não foi realizado apenas com a média, e sim somando-a ao IC, portanto, os autores consideraram normais valores iguais ou inferiores a 10 ms para 20 a 40 anos e valores entre 10 e 15 ms para 41 a 60 anos. Os valores médios da presente pesquisa e da supracitada são diferentes, podendo este resultado ser atribuído ao modo de composição amostral, ou seja, tal estudo considerou como critério de inclusão para gerar essa normalidade, apresentar 95% ou mais de acertos no Teste Dicótico de Dígitos, que busca avaliar a habilidade de figura-fundo para sons verbais, enquanto a atual pesquisa exigiu normalidade em uma bateria completa de testes de PAC.

Ainda em relação ao teste RGDT, ao comparar o desempenho entre os grupos G1 e G2, observa-se diferença estatisticamente significante em ambas as faixas etárias estudadas (Tabelas 1 e 2). Tais resultados mostram que indivíduos normais conseguem perceber mínimos intervalos de silencio durante a fala encadeada, trazendo uma melhor compreensão da fala quando comparado ao grupo alterado. É importante trazer dados relacionados ao processamento temporal na população adulta, visto que muito se fala na degradação desses aspectos no envelhecimento2828. Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA, Momensohn-Santos TM. Desempenho do Teste de Detecção de Intervalo Aleatório- Random Gap Detection Teste (RGDT): estudo comparativo entre mulheres jovens e idosas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):503-7.. Porém, tal alteração pode não relacionar-se apenas aos aspectos estruturais, mas também funcionais do sistema nervoso auditivo central, causando em crianças e adultos dificuldades na identificação de pequenas variações acústicas da fala e, consequentemente, dificuldade em produzir de forma correta os sons verbais ou em interpretar a mensagem ouvida. Um estudo2929. Dias KZ, Jutras B, Acrani IO, Pereira LD. Random Gap Detection Test (RGDT) performance of individuals with central auditory processing disorders from 5 to 25 years of age. Int J Ped Otorhinolaryngol. 2012;76(2):174-8. que adotou uma metodologia bastante semelhante a presente pesquisa, porém com faixas etárias inferiores, de 5 a 25 anos, também encontrou uma correlação forte entre os sujeitos com TPAC e pior desempenho no teste RGDT. Com isso, os autores sugeriram a inserção do mesmo na bateria de testes proposta por Bellis1010. Bellis T. Differential diagnosis of (central) auditory processing disorder in older listeners. In: Musiek F, Chermak G (eds). Handbook of (Central) Auditory Processing Disorder. Auditory Neuroscience and Diagnosis San Diego Plural Publishing; 2007. p. 319-46., na categoria dos aspectos temporais.

Já no teste de FCA observa-se um aumento de acertos na orelha esquerda quando comparada a direita. Esse resultado talvez trouxesse uma indagação relacionada a comum vantagem da orelha direita para estímulos linguísticos, porém realmente não espera-se assimetria perceptual em testes monoaurais, devido a participação das duas vias contra e ipsilaterais do sistema nervoso auditivo, neutralizando a vantagem da orelha direita para esse tipo de estímulo1111. Lloyd II, Kaplan H. 1978 apud Momensohn-Santos TM, Russo ICP, Brunetto-Borgianni LM. Interpretação dos resultados da avaliação audiológica. In: Momensohn-Santos TM, Russo ICP (orgs). Prática da audiologia clínica. 6ed, São Paulo: Cortez, 2007.. Portanto, a superioridade da orelha esquerda na atual pesquisa, provavelmente está atribuída ao efeito aprendizagem. Esse fato ocorre, pois a mesma lista de palavras, embora em ordem diferente, é aplicada em ambas as orelhas, iniciando-se pela direita. Um estudo3030. Oliveira JC, Murphy CFB, Schochat E. Auditory processing in children with dyslexia: electrophysiological and behavior evaluation. CoDAS. 2013;25(1):39-44. que buscou avaliar a habilidade de fechamento auditivo fazendo uso de outro teste, Fala no Ruído, também verificou diferença entre as orelhas com melhor desempenho para a esquerda, sendo este fato justificado pelo efeito aprendizagem, uma vez que a mesma lista foi aplicada para ambas as orelhas e a esquerda foi a última a ser testada. Ainda, os autores que adaptaram o instrumento do FCA para a versão reduzida2222. Folgearini JS, Goulart LLA, Silva DD, Vellozo FF, Mezzomo CL, Garcia MV. Time-Compressed Speech Test: adaptation and validation. Rev. CEFAC. 2016;18(6):1294-301., o aplicaram em 73 sujeitos com idade entre 16 e 30 anos e obtiveram como valores médios para a orelha direita 92,11% e para a esquerda 92,66%, desta vez, não encontrando-se diferença entre as orelhas. Ressalta-se ainda que, para essa adaptação, não foram criadas novas palavras, mas selecionadas 25 a partir de um balanceamento fonético, dentre os itens lexicais já existentes no instrumento original. Portanto, indica-se a utilização da versão reduzida na avaliação da habilidade de fechamento auditivo, devido a melhor aplicabilidade e preservação das características do instrumento original.

Quando comparado o desempenho entre os grupos G1 e G2, observa-se maior porcentagem de acertos para o grupo normal (G1), porém com significância estatística apenas na orelha direita do grupo de 30 a 58 anos (Tabela 2). Essa maior dificuldade no grupo com TPAC já era esperada, tendo em vista a principal queixa encontrada nos dias atuais: um ambiente cotidiano raramente ideal para conversação. Quando os fatores extrínsecos que auxiliam o fechamento auditivo são conhecidos pelo ouvinte, é necessário pouquíssimo esforço para acompanhar a conversação, fatores tais como o conhecimento do assunto e dos aspectos fonêmicos da fala, a familiaridade com o vocabulário e com as regras do idioma, entre outros. Por outro lado, se um ou mais desses fatores estiverem ausentes, é essencial contar com a habilidade intrínseca do sistema nervoso auditivo central, a fim de conseguir interpretar o que é dito3131. Jacob LCB, Alvarenga KF, Zeigelboim BS. Avaliação audiológica do sistema nervoso auditivo central. Int Arch Otorhinolaryngol. 2000;4(4):144-51.. Portanto, qualquer intercorrência que reduza a redundância extrínseca do sinal auditivo pode interferir na capacidade do indivíduo em conseguir o fechamento auditivo, fato bastante comum na prática clínica.

Ainda observando os valores de referência nas Tabelas 1 e 2, o TPD também apresentou médias semelhantes mesmo com o acréscimo da idade. O valor de referência proposto pela Auditec® é de 67% de acertos, aparentemente simples de ser alcançado, pois permite uma considerável margem de erros. Por outro lado, um estudo nacional3232. Miranda-Gonsalez EC, Alvarez LS. Os efeitos da idade no processamento auditivo temporal em adultos. Arq Med Hosp Fac Cienc Med. 2016;61(3):123-7. avaliou 20 adultos, distribuídos em dois grupos etários, e obteve como média de acertos 80,6% para a faixa entre 35 e 45 anos e 74,3% para 46 a 55 anos. A metodologia deste trabalho não deixa explícita qual foi a versão do teste utilizada, porém pela descrição, acredita-se que também seja da Auditec®. Tais valores são consideravelmente superiores ao descrito anteriormente, porém ainda são inferiores aos encontrados na presente pesquisa. O grau de escolaridade não deve ser uma hipótese, pois o estudo também propõe um bom nível para os sujeitos em questão, porém, não foi aplicado nenhum teste de rastreio de PAC, apenas o Mini Exame de Estado Mental (MEEM), visando avaliar a função cognitiva, podendo os valores serem influenciados por sujeitos com alteração. Além disso, os próprios autores sugerem dar continuidade ao estudo, com o objetivo de aumentar o número da amostra e gerar resultados com maior confiabilidade.

Assim como o TPD, o TPF também apresenta uma normalidade já descrita pela Auditec®, que corresponde a 90% de acertos ou mais, valor bastante semelhante ao encontrado na presente pesquisa. Porém, desta vez, o estudo já citado3232. Miranda-Gonsalez EC, Alvarez LS. Os efeitos da idade no processamento auditivo temporal em adultos. Arq Med Hosp Fac Cienc Med. 2016;61(3):123-7., por faixas de idade, apresentou valores inferiores aos demais, sendo 69,5% para 35 a 45 anos e 67,3% para 46 a 55 anos. Ressalta-se novamente que este estudo não contou com nenhum teste de rastreio de PAC, podendo os valores serem influenciados por sujeitos alterados. Um estudo internacional3333. Majak J, Zamyslowska-Szmtke E, Rajkowska E, Sliwinska-Kowalska M. Auditory temporal processing tests - normative data for polish-speaking adults. Med Pracy. 2015;66(2):145-52. que buscou gerar valores de referência para este teste em uma população de 76 sujeitos normo-ouvintes, com idade entre 18 e 54 anos de idade, com aplicação monoaural, obteve como resultados médios, 81,4% de acertos para a orelha direita e 83,6% para a orelha esquerda, também inferiores aos encontrados na presente pesquisa. Este fato pode estar associado aos critérios de inclusão de tal estudo, que levou em consideração apenas as queixas e referências do próprio paciente, não aplicando nenhum protocolo ou questionário para quantificar os reais resultados.

Por fim, também observa-se diferença no desempenho entre os grupos G1 e G2 nos testes TPD e TPF, com significância apenas na faixa de adultos jovens (Tabela 1). Muitas evidências sugerem que as habilidades do processamento temporal são a base do PAC. O argumento que suporta esta proposição é que muitas características da informação auditiva são, de alguma forma, influenciadas pelo tempo3434. Samelli AG, Schochat E. The gaps-in-noise test: gap detection thresholds in normal-hearing young adults. Int J Audiol. 2008;47(5):238-45.. Portanto, o pior desempenho no grupo com TPAC (G2) está relacionado a maior dificuldade em reconhecer as características acústicas da fala, como detalhes prosódicos, de acento e ritmo, queixa bastante comum em sujeitos que apresentam tal transtorno. Ambos os testes mostraram-se satisfatórios na busca por alterações na habilidade de ordenação temporal, confirmando a generalizada aceitação dos mesmos nas baterias de testes comportamentais.

Para finalizar a discussão das Tabelas 1 e 2, salienta-se que os valores médios aqui descritos foram superiores aos encontrados na literatura em geral. Esse fato provavelmente está relacionado ao grupo sem queixas e alterações, assim como, com escolaridade mínima de 11 anos, que foi utilizado para gerar tais valores de referência. Entretanto, a ASHA1414. ASHA: (Central) Auditory Processing Disorders - The Role of the Audiologist [Position Statement], 2005 [acesso em ago 2012]. Disponível em: http://www.asha.org/policy.
http://www.asha.org/policy...
sugere que sejam empregados até dois DP nos testes de PAC, tendo em vista a variabilidade de respostas que pode ocorrer de um sujeito para o outro. Além disso, deve-se considerar uma importante análise da estatística, denominada Curva de Gauss, a qual fornece dados sobre a representatividade amostral. Nesse caso, utilizar apenas um DP representaria 68,27% da população, já utilizar dois DP, 95,45%. Sendo assim, a presente pesquisa sugere a adoção de dois DP em relação à média, sempre levando em consideração a história clínica do sujeito, buscando maior representatividade e menos diagnósticos e condutas equivocados.

Para mais fácil visualização, a Figura 2 traz os valores médios, os valores de DP, os valores de referência já prevendo a utilização dos dois DP e, por fim, os valores inteiros a serem utilizados na clínica audiológica, para todos os testes de PAC, por faixa etária. Salienta-se que tais valores são provenientes do G1, grupo sem TPAC.

Figura 2:
valores médios, de desvio padrão e de referência para os diferentes testes comportamentais de processamento auditivo central nas faixas etárias de 18 a 29 anos e de 30 a 58 anos

Por fim, sugere-se que novos estudos sejam realizados utilizando essa variabilidade proporcionada pelo DP, sendo de grande importância a atualização do diagnóstico audiológico, prezando a conduta correta para cada caso.

Conclusão

Foi possível gerar valores de referência para os diferentes testes comportamentais de PAC aqui expostos, em uma população de adultos normo-ouvintes, com estratificação de faixa etária e satisfatório nível de escolaridade. Ao comparar os resultados de tais testes entre os grupos com presença e ausência de TPAC, encontrou-se piores valores para o grupo alterado.

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    Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria Rio Grande do Sul, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2018
  • Aceito
    14 Ago 2019
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