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Regulação da formação de professores para o ensino do Direito no Brasil: análise a partir de dois casos

REGULATION OF TEACHER TRAINING TO THE LEGAL EDUCATION: ANALYSIS FROM TWO CASES

Resumo

Este artigo analisa a regulação da formação de professores oferecida nos cursos de mestrado e de doutorado dos Programas de Pós-Graduação em Direito (PPGDs) da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e da Universidade Federal do Ceará (UFC). A pesquisa, de caráter documental, foi desenvolvida a partir da seguinte questão norteadora: como ocorre a regulação da formação de professores oferecida nos cursos de mestrado e de doutorado dos PPGDs da UNIFOR e da UFC? Por meio da análise documental, foram abordados a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/1996, os documentos de avaliação e regulação elaborados, de 2017 a 2019, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), os Regimentos Internos (RIs) vigentes em 2020 e os programas das disciplinas ofertadas por ambos os PPGDs. A análise dos documentos possibilitou observar que, atualmente, a LDB pouco regula a formação de professores na pós-graduação, o que, consequentemente, repercute na avaliação dos PPGDs realizada pela CAPES, que privilegia a pesquisa em detrimento da formação docente, dissociando ensino e pesquisa, levando os PPGDs a preterir a formação de professores para os cursos de Direito. A pesquisa revelou que, no tocante à avaliação da qualidade dos cursos feita pela CAPES, a formação de pesquisadores ocupa lugar privilegiado, enquanto a docência ocupa lugar desvalorizado, quase invisível. Além das especificidades dos dois programas analisados, destaca-se, na regulação da formação de professores para o magistério superior em geral, a ausência de um preparo articulado entre pesquisa, teoria e prática do trabalho docente, fundamental à formação e ao exercício da profissão de professor, fato que compromete significativamente a profissionalização e a construção de identidades docentes, assim como a qualidade do ensino oferecido nos cursos de Direito no Brasil.

Palavras-chave
Formação de professores; ensino do Direito; pós-graduação stricto sensu; regulação; avaliação

Abstract

This article analyzes the regulation of the teacher training for university professors offered in master's and doctoral courses in postgraduate programs in Law (PPGDs) at the University of Fortaleza (UNIFOR) and the Federal University of Ceará (UFC). The research, of documentary character, was developed from the following guiding question: how does the regulation of teacher training for university professors offered in the master's and doctoral courses of the PPGDs of UNIFOR and UFC occur? Through documentary analysis, the National Education Guidelines and Bases Law (LDB) n. 9.394/1996 were addressed, the evaluation and regulation documents prepared, from 2017 to 2019, by the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES), the current Internal Regulations in 2020 and the programs of the disciplines offered by both PPGDs. The analysis of the documents made it possible to realize that, currently, the LDB little regulates the training of professors in postgraduate education, which, consequently, has repercussions on the evaluation of PPGDs carried out by CAPES, which favors research to the detriment of teacher training, dissociating teaching and research, leading PPGDs to neglect teacher training for Law courses. The research revealed that, with regard to CAPES’ evaluation of the quality of courses, the training of researchers occupies a privileged place, while teaching occupies a devalued, almost invisible place. In addition to the specificities of the two programs analyzed, in the regulation of teacher training for higher education in general, the absence of an articulated preparation between research, theory and practice of teaching work, which is fundamental to the formation and exercise of the teaching profession, is a fact that significantly compromises the professionalization and the construction of teaching identities, as well as the quality of teaching offered in Law courses in Brazil.

Keywords
Teacher training; Legal education; postgraduate programs in Law; regulation; evaluation

Introdução

Nos últimos anos, houve, no Brasil, significativo aumento no número de cursos de pós-graduação em Direito (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a.), sobretudo em instituições privadas, fato que repercutiu no crescimento da oferta de professores para os cursos de Direito. Diante dessa realidade, e considerando que os estudantes de mestrado e de doutorado deveriam, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/1996, ser “preparados” para o exercício da docência nos programas de pós-graduação stricto sensu (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.), analisamos a regulação da formação para o magistério superior1 1 Designa os atos normativos e os parâmetros de funcionamento dirigidos à formação docente para o Ensino Superior, com o estabelecimento de regras e procedimentos para a garantia do respeito a elas. No que concerne a essa regulação, verificamos, a partir de nossa análise, a inexistência de regras claras e de instrumentos de acompanhamento e de avaliação específicos para a formação de professores do Ensino Superior, revelando uma indeterminação de diretrizes que visem garantir a relação entre teoria e prática do trabalho docente e entre pesquisa e formação docente na pós-graduação stricto sensu, aspecto especialmente abordado nas seções posteriores. em dois Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Direito (PPGDs) no estado do Ceará.

Nossa escolha metodológica de analisar dois PPGDs do mesmo estado foi feita com base nos seguintes critérios: 1) a antiguidade na formação de mestres e doutores no contexto local e regional. O PPGD da UFC possui o curso de mestrado mais antigo do Ceará, e o PPGD da UNIFOR, o de doutorado. Atualmente, apenas esses dois programas têm cursos de mestrado e de doutorado, diferentemente dos outros três PPGDs existentes no estado, os quais, por terem sido criados recentemente, ofertam somente cursos de mestrado; 2) o impacto na quantidade de professores de diversas Instituições de Ensino Superior (IESs) do Ceará, notadamente nos cursos de Direito; 3) a distinta natureza de seus regimes jurídico-administrativos: a UNIFOR, fundação privada, e a UFC, autarquia pública federal; e 4) a diferença entre os conceitos atribuídos pela CAPES aos dois programas. O PPGD da UFC possui conceito 4, que é o mais recorrente entre os PPGDs no país (atualmente, são 37 com essa avaliação); e o PPGD da UNIFOR possui conceito 6, que é o mais elevado na área do Direito e o menos comum entre os PPGDs (apenas 11 foram avaliados com esse conceito).

Mesmo considerando suas especificidades, os PPGDs que integram o recorte desta pesquisa fazem parte do sistema nacional de pós-graduação, e estão submetidos aos mesmos imperativos normativos da LDB e normativos e avaliativos da CAPES que os demais, razão pela qual também podemos refletir, a partir do cenário local, sobre dados da regulação da formação de professores nos cursos de mestrado e de doutorado em Direito que também dizem respeito ao contexto nacional.

Dito isso, partindo desse contexto local e bastante paradigmático, este artigo também contribuirá para o questionamento e a reflexão sobre a realidade mais ampla da pós-graduação em Direito no Brasil, o que, contudo, não dispensa pesquisas que interpelem os quadros empíricos específicos de PPGDs de outros estados e regiões, para que tenhamos um mosaico empírico-analítico que contemple o particular e o geral da regulação da formação de professores nos cursos de mestrado e doutorado em Direito no país.

Para a abordagem da regulação da formação para o magistério superior, em âmbito nacional/geral e local/específico, considerando os dois programas escolhidos, realizamos uma pesquisa de caráter documental, haja vista que a regulação analisada se encontra em documentos textuais legais e institucionais.

A pesquisa documental foi realizada a partir da perspectiva dialética, como referenciada por Gamboa (1994GAMBOA, Silvio Sanchéz. A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto. In: FAZENDA, Ivani. Metodologia da pesquisa educacional. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1994., 2007GAMBOA, Silvio Sanchéz. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007. e 2013GAMBOA, Silvio Sanchéz. Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética entre perguntas e respostas. Chapecó: Argos, 2013. p. 41-127.) e Severino (2001)SEVERINO, Antônio Joaquim. A pesquisa em educação: a abordagem crítico-dialética e suas implicações na formação do educador. Contrapontos, v. 1, n. 1, p. 11-22, 2001.. Sob essa orientação epistemológica, a investigação foi construída sob a perspectiva do confronto entre os documentos analisados e a literatura especializada do campo de formação de professores e do Direito educacional.

A pesquisa contou com a análise documental (FLICK, 2009FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237.; CELLARD, 2012CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Tradução Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 295-316.) da LDB n. 9.394/1996 e de documentos elaborados pela CAPES, quais sejam, o Documento de Área de Direito de 2019 (referente à Avaliação Quadrienal 2017-2020), o Relatório de Avaliação de Área de 2017 e as Fichas de Avaliação dos PPGDs da UNIFOR e da UFC de 2017 (referentes à Avalição Quadrienal 2013-2016). Além desses documentos, analisamos os RIs vigentes em 2020 e os programas das disciplinas ofertadas pelos PPGDs pesquisados. Todos esses documentos são de domínio público e possuem livre acesso pela internet, o que nos possibilitou organizar suas cópias em acervo digital constituído para viabilizar a realização desta pesquisa.

Inicialmente, foi examinado um documento de cada vez, e, ao final da análise de cada texto, foram realizados cotejos para a identificação de conceitos-chave, frases e sentidos que se vinculam à formação de professores, e, mais especificamente, à formação de professores para atuarem no ensino do Direito, conforme a tensão entre a teoria e a empiria dos documentos, entendidos ao mesmo tempo como dados (FLICK, 2009FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237.)2 2 Segundo Flick (2009), “[…] os documentos não são somente uma simples representação dos fatos ou da realidade” (FLICK, 2009, p. 232). Conforme o autor, eles são produzidos por alguém ou por uma instituição e possuem um fim prático e algum tipo de uso por parte dos atores, individuais ou coletivos, a quem se destinam os dados neles contidos. Os aspectos comunicacionais dos documentos mostram que eles não são “contêineres de conteúdo”, mas sim “dispositivos comunicativos metodologicamente desenvolvidos na construção de versões sobre os eventos” (FLICK, 2009, p. 234), os quais são ações de atores sociais que devemos analisar contextualmente. Por isso, na visão de Flick (2009), é apropriado fazermos uso dos documentos como dados, ultrapassando o que ele chama de “uma mera análise de textos” (FLICK, 2009, p. 236), que toma os textos como um elemento estático e não como uma ação. Por meio dos documentos analisados podemos construir “[…] uma versão específica de um evento ou processo e, normalmente, também em uma perspectiva mais ampla […]” podemos “[…] decifrar um caso específico de uma história de vida ou de um processo” (FLICK, 2009, p. 236). e como fontes (CELLARD, 2012CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Tradução Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 295-316.).3 3 Em uma perspectiva dos documentos como fontes, Cellard (2012) afirma que o documento escrito possibilita a realização de importantes análises sobre os fenômenos sociais, o que faz dele “[…] uma fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais […]” (CELLARD, 2012, p. 295).

Realizamos a análise em duas etapas, a saber: a análise preliminar de cada documento e a análise do conjunto dos documentos previamente selecionados. A análise preliminar contou com a leitura e o fichamento crítico de cada documento, considerando-se os contextos histórico, social, político e econômico; os autores e os atores que o ensejaram e aos quais ele se dirige; os interesses, a autenticidade e a confiabilidade do texto; a natureza do texto; os conceitos-chave e a lógica interna do texto. A análise do conjunto dos textos baseou-se nos resultados da análise preliminar para reunirmos todas as partes: questões de pesquisa, discussão teórico-metodológica, contexto, autores e atores, interesses, confiabilidade, natureza dos textos, conceitos-chave.

Enfim, com a análise realizada, levamos em consideração o debate teórico e as questões de pesquisa, com a finalidade de produzir uma interpretação originária do confronto entre a teoria e a empiria dos documentos analisados, compreendendo a formação de professores nos PPGDs e a sua regulação como fenômenos histórico-sociais.

O texto que se segue é composto de cinco partes. Na primeira, realizamos uma breve discussão sobre os aspectos legais concernentes à regulação da formação docente, articulada a uma reflexão teórica sobre os desencontros entre pesquisa e formação de profissionais da docência na pós-graduação stricto sensu. Na segunda, estudamos os documentos da CAPES que avaliam os PPGDs no Brasil. Na terceira e quarta partes, analisamos os documentos internos dos PPGDs da UNIFOR e da UFC, respectivamente, a fim de investigar a regulação da formação de professores nesses dois contextos específicos. Na última parte, apresentamos algumas considerações finais sobre a formação de professores para o Ensino Superior, especialmente para a ensino do Direito.

1. A LDB e os desafios da formação de professores para o Ensino Superior e para a docência em Direito no Brasil

A Lei n. 9.394/1996 (LDB) é o principal instrumento normativo que dispõe sobre a formação de professores dos ensinos Fundamental, Médio e Superior. Para os fins deste artigo, destacaremos alguns dispositivos que tratam da formação de professores do Ensino Superior, notadamente os contidos no título VI da lei (intitulado “Dos Profissionais da Educação”), considerando a repercussão das alterações realizadas no texto da LDB, principalmente em seu art. 61.

O texto original do art. 61, alterado por atos normativos posteriores,4 4 O art. 61 da LDB foi alterado pela Lei n. 12.014/2009, e, depois, pela Medida Provisória n. 746/2016 e pela Lei n. 13.415/2017. chegou a trazer uma redação que abrangia a formação de profissionais da educação de todos os níveis e modalidades de ensino. Observemos:

Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:

I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;

II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades. (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.)

Notamos que, segundo esse dispositivo, era necessário que, independentemente da modalidade de ensino (básico ou superior) em que o professor atuasse ou pretendesse atuar, a formação dos professores capacitasse docentes para a relação entre teoria e prática, de forma que o ensino não permanecesse alheio à realidade da qual os professores, os alunos e a instituição educadora fizessem parte. Segundo esse dispositivo, a formação para a docência deveria considerar a formação pela qual os professores já passaram e suas experiências anteriores.

Pela redação anterior, os docentes de todos os níveis e modalidades de ensino eram considerados “profissionais da educação”. O art. 61, como mencionamos, sofreu diversas modificações, mas, a nosso ver, a mudança mais substancial ocorreu em 2009, com a Lei n. 12.014, que lhe conferiu uma nova redação, a saber:

Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:

I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio;

II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas;

III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.

Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos:

I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;

II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço;

III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades (Redação dada pela Lei n. 12.014/2009). (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.)

Em análise sobre as exigências para o exercício do magistério superior no Brasil, no âmbito normativo, Rodrigues (2009RODRIGUES, Horácio Wanderlei. O exercício do magistério superior e o direito educacional brasileiro. Sequência, v. 30, n. 58, p. 35-46, jul. 2009.; 2017RODRIGUES, Horácio Wanderlei. O direito educacional brasileiro e o exercício do magistério superior. In: COSTA, Fabrício Veiga; MOTTA, Ivan Dias da; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (org.). Proposições crítico-reflexivas sobre o direito à educação na sociedade contemporânea. Maringá: IDDM, 2017. p. 349-366. (Coleção Caminhos Metodológicos do Direito).) concluiu que “o Direito Educacional exige que todos os docentes do Ensino Superior brasileiro possuam pós-graduação”, que, segundo o autor, deve incluir, necessariamente, “conteúdos voltados à formação pedagógica” (RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Horácio Wanderlei. O direito educacional brasileiro e o exercício do magistério superior. In: COSTA, Fabrício Veiga; MOTTA, Ivan Dias da; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona (org.). Proposições crítico-reflexivas sobre o direito à educação na sociedade contemporânea. Maringá: IDDM, 2017. p. 349-366. (Coleção Caminhos Metodológicos do Direito)., p. 350). Todavia, ao longo dos anos 2000, com as mudanças ocorridas na legislação que trata da formação de professores da Educação Superior, a exemplo da edição da Resolução n. 1/2001 e da Resolução n. 1/2007, da Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE), e, principalmente, das alterações na redação do art. 61 da LDB, pode-se afirmar que a regulação da formação de professores para o Ensino Superior brasileiro sofreu retrocessos que permitiram maior relativização da “preparação para o exercício do magistério superior”.

Vejamos que a LDB deixou de aplicar os fundamentos da formação de professores à docência no Ensino Superior, restringindo sua aplicação ao Ensino Básico. Ademais, reduziu a abrangência do termo “profissionais da Educação”, não o aplicando mais a docentes do Ensino Superior. É preciso considerar os efeitos dessa realocação de palavras, pois como lembra Austin (1990)AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer: palavras em ação. Tradução Danilo Marcondes Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990., as palavras não só dizem coisas, mas também fazem coisas, sobretudo se consideramos que estamos falando de uma lei federal que estabelece diretrizes para a educação nacional.

Veiga (2014VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Formação de professores para a educação superior e a diversidade da docência. Revista Diálogo Educacional, v. 14, n. 42, p. 327-342, 2014., p. 331) destaca que o professor do Ensino Superior é um múltiplo profissional, uma vez que tem de lidar com atividades de ensino, de pesquisa, de extensão, de avaliação, de gestão, etc. Porém, muitos professores, ao iniciarem suas atividades como docentes, detêm apenas os conhecimentos específicos de sua área de atuação, sem que tenham “os conhecimentos pedagógicos necessários à realização do ensino” (VEIGA, 2014VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Formação de professores para a educação superior e a diversidade da docência. Revista Diálogo Educacional, v. 14, n. 42, p. 327-342, 2014., p. 332). Por isso, conforme a autora, a formação pedagógica do professor deve ser vista como integrante de uma política institucional, na medida em que “a docência requer formação profissional para seu exercício” (VEIGA, 2014VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Formação de professores para a educação superior e a diversidade da docência. Revista Diálogo Educacional, v. 14, n. 42, p. 327-342, 2014., p. 332), ou seja, é uma atividade profissional que requer a incorporação de conhecimentos e habilidades específicas para a sua realização.

A LDB, em seu art. 66, afirma que os professores do Ensino Superior devem ser “preparados” por meio de pós-graduação, notadamente nos cursos de mestrado e doutorado. Observemos: “Art. 66º. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.).

Nota-se que a LBD “[…] não concebe a docência universitária como processo de formação, mas sim como preparação para o exercício do magistério superior, a qual será realizada prioritariamente (e não exclusivamente) em pós stricto sensu” (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010., p. 40, grifos das autoras). Portanto, para se tornar professor universitário, conforme o texto atual da LDB, não se faz necessário que os futuros professores da Educação Superior passem por um processo de formação específico destinado à reflexão sobre a profissão docente, sobre os saberes específicos da docência, sobre a avaliação, sobre o processo de ensino e aprendizagem, sobre a gestão escolar, etc.

Cunha (2013CUNHA, Maria Isabel da. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do campo na pesquisa e na ação. Educação e Pesquisa, n. 3, p. 609-625, 2013., p. 612) afirma que há dois caminhos ou dois espaços preferenciais nos quais o professor se desenvolve profissionalmente, que são a formação inicial e a formação continuada. Segundo a autora, a formação inicial diz respeito aos “processos institucionais de formação de uma profissão que geram a licença para o seu exercício e o seu reconhecimento legal e público”, enquanto a formação continuada diz respeito às “iniciativas instituídas no período que acompanha o tempo profissional dos professores” (CUNHA, 2013CUNHA, Maria Isabel da. O tema da formação de professores: trajetórias e tendências do campo na pesquisa e na ação. Educação e Pesquisa, n. 3, p. 609-625, 2013., p. 612).

Nos PPGDs, há que se reconhecer que os discentes têm trajetórias e percursos bastante diferentes: há, por um lado, aqueles que ingressam no mestrado logo após o término da graduação, e que só vão trabalhar como professores após a conclusão do mestrado/doutorado; e, por outro, há aqueles que já atuam como professores, que têm experiência profissional na Educação Superior, e que ingressam nos programas de pós-graduação, especialmente nos cursos de mestrado e de doutorado, para dar continuidade à sua formação como pesquisador/professor. De qualquer modo, pensamos que essa última categoria de discentes não está excluída da necessária formação teórica e pedagógica, inclusive, para que, em sua formação acadêmica, haja a oportunidade da reflexão sobre o seu trabalho docente e o seu acúmulo prático, o que se espera encontrar na “preparação” para o magistério superior, como aquela prevista para ocorrer prioritariamente em programas de mestrado e doutorado no país (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.).

Na esteira do art. 66 da LDB n. 9.394/1996 e do debate acadêmico sobre a profissionalização e a construção de uma identidade docente, a exemplo dos trabalhos de Therrien (2002)THERRIEN, Jacques. O saber do trabalho docente e a formação do professor. In: SHIGUNOV NETO, Alexandre; MACIEL, Lizete Shizue Bomura (org.). Reflexões sobre a formação de professores. Campinas: Papirus, 2002. p. 103-114., Weber (2007)WEBER, Silke. Formação docente e projetos de sociedade. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE), v. 23, n. 2, p. 181-198, 2007., Tardif (2010)TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2010., Pimenta e Anastasiou (2010)PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010., Dotta, Lopes e Giovanni (2011)DOTTA, Leanete Thomas; LOPES, Amélia; GIOVANNI, Luciana Maria. Educação superior e formação de professores: o papel da investigação na constituição identitária profissional docente. Perspectiva, v. 29, n. 2, p. 561-594, 2011., Veiga (2014)VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Formação de professores para a educação superior e a diversidade da docência. Revista Diálogo Educacional, v. 14, n. 42, p. 327-342, 2014. e Angelo e Forte (2016)ANGELO, Jordi Othon; FORTE, Joannes Paulus Silva. Os (difíceis) caminhos da formação de professores de Direito no Brasil. Scientia: Revista de Ensino, Pesquisa e Extensão, v. 3, n. 6, p. 1-19, 2016., a formação docente que se disponibiliza na pós-graduação stricto sensu deve ser respeitada e cumprida por todos(as) os(as) estudantes, mesmo que eles(as) demonstrem experiência no âmbito da docência. Dito isso, entendemos que, na pós-graduação stricto sensu, a estruturação de diretrizes para a abordagem científica e técnica da docência no Ensino Superior é imprescindível para a formação acadêmica e profissional dos(as) alunos(as) voltada para o trabalho docente, quer se trate de um(a) mestrando(a) ou doutorando(a) sem experiência prática com a docência, quer se trate de um(a) professor(a) profissional, com formação e experiência docentes. Ademais, a profissionalização continuada e a identidade docente (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010., p. 108-116) são elaboradas de modo conjunto e articulado durante os estudos, pesquisas e práticas dos(as) professores(as), nos processos iniciais e contínuos de sua formação, o que também faz da pós- graduação stricto sensu um nível acadêmico de formação, ao mesmo tempo inicial e continuada, para a docência no Ensino Superior.5 5 Considerando que o bacharelado em Direito não é um curso de formação de professores, como o são as licenciaturas, a pós-graduação stricto sensu torna-se, sobretudo, um espaço de formação inicial de professores, e não de formação continuada.

Ressaltamos que nosso interesse, neste artigo, centra-se na formação de professores oferecida a discentes pelos PPGDs, de modo que não estamos analisando a formação continuada oferecida aos professores dos PPGDs. Nesse sentido, também destacamos que a formação a que nos referimos:

Não se trata de, em um período médio de dois ou quatro anos (mestrado/doutorado), formar integralmente um professor, mas de, nesse período, apresentar, discutir, refletir e construir elementos que subsidiam – e subsidiarão – uma prática social complexa: a docência no ensino superior. Trata-se de um início formal da construção de uma identidade docente. (CORRÊA e RIBEIRO, 2013CORRÊA, Guilherme Torres; RIBEIRO, Victoria Maria Brant. A formação pedagógica no ensino superior e o papel da pós-graduação stricto sensu. Educação e Pesquisa, v. 39, n. 2, p. 319-334, 2013., p. 331)

É, portanto, sobre a regulação desse início de formação que nos interessamos nesta pesquisa.

Segundo a LDB, o profissional que porventura cursasse mestrado ou doutorado estaria preparado para o exercício do magistério superior ou para ministrar aulas, mas não formado para ser professor. Diga-se, aliás, que essa lei sequer disciplina o modo como deveria ser feita essa preparação nos cursos de pós-graduação stricto sensu. Ao contrário, pois, em vez de aplicar a regra do art. 65, segundo a qual a formação de professores deve conter prática de ensino de, no mínimo, 300 horas, exclui dessa regra a formação de professores do Ensino Superior, não estipulando um mínimo de horas de prática de ensino à pós-graduação stricto sensu, como se observa: “Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas” (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.).

Levando em conta esse artigo, constata-se, mais uma vez, que o entendimento previsto na LDB, conforme seu texto atual, é o de que a pós-graduação stricto sensu não precisa ser necessariamente um espaço para formar professores, mas para “preparar” profissionais para o exercício do magistério, significando que “o profissional que decide ingressar na vida acadêmica e procura um mestrado ou doutorado para se tornar professor pode concluir seu curso sem ter um único contato sequer com a docência, ainda que teoricamente” (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Juliana Ferrari. A formação dos professores dos cursos de Direito no Brasil: a pós-graduação stricto sensu. 2010. 174 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/10236. Acesso em: 20 out. 2021.
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, p. 47). Nesse sentido, “os programas de pós-graduação stricto sensu desenvolvem atividades, fundamentalmente, voltadas à formação de pesquisadores, em detrimento da necessária formação pedagógica de profissionais para o exercício do magistério superior” (PAIVA, 2010PAIVA, Giovanni Silva. Recortes da formação docente da educação superior brasileira: aspectos pedagógicos, econômicos e cumprimento de requisitos legais. Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação, v. 18, n. 66, p. 157-174, 2010., p. 170). Para Paiva (2010PAIVA, Giovanni Silva. Recortes da formação docente da educação superior brasileira: aspectos pedagógicos, econômicos e cumprimento de requisitos legais. Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação, v. 18, n. 66, p. 157-174, 2010., p. 170), há uma presunção equivocada, segundo a qual um bom pesquisador é, inevitavelmente, um bom professor, o que teria justificado a preferência de atividades prioritárias direcionadas à formação de pesquisadores no âmbito dos programas de pós-graduação stricto sensu.

A partir da leitura dos dispositivos legais destacados anteriormente, depreende-se, assim, que o texto atual da LDB não considera a formação docente para o Ensino Superior tão relevante como o é para o Ensino Básico, visto que não regula os processos de formação inicial e de formação continuada dos professores, e na medida em que incumbe aos cursos de pós-graduação stricto sensu a mera “preparação” para o exercício do magistério. Além disso, não impõe nenhuma obrigação aos PPGs destinada à formação específica para a docência, de forma que “uma mudança de cenário fica a critério das instituições de ensino” (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Juliana Ferrari. A formação dos professores dos cursos de Direito no Brasil: a pós-graduação stricto sensu. 2010. 174 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/10236. Acesso em: 20 out. 2021.
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, p. 48), isto é, na prática, a LDB desresponsabiliza os PPGs da obrigação de formar professores, e concede às IES e aos PPGs a faculdade de formar – ou não – professores (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Juliana Ferrari. A formação dos professores dos cursos de Direito no Brasil: a pós-graduação stricto sensu. 2010. 174 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/10236. Acesso em: 20 out. 2021.
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).

Torres e Almeida (2013, p. 15), ao debruçarem-se sobre a análise do campo da pedagogia universitária, afirmam que as três principais características do Ensino Superior são: a valorização dos conhecimentos técnico-disciplinares em detrimento dos conhecimentos pedagógicos; o prestígio da pesquisa em detrimento do ensino de graduação; e a omissão de políticas públicas e institucionais quanto à formação de professores. A primeira característica está relacionada à predominância das aulas “magistrais” e “conteudistas” (TORRES e ALMEIDA, 2013, p. 15), típicas de um modelo de “ensino bancário” (FREIRE, 1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.), em que o processo educativo é reduzido ao ato de “passar” e “transmitir” o conteúdo, e em que o professor da Educação Superior é “um mero ‘dadorde aulas, um repetidor de informações” (DOTTA, LOPES e GIOVANNI, 2011DOTTA, Leanete Thomas; LOPES, Amélia; GIOVANNI, Luciana Maria. Educação superior e formação de professores: o papel da investigação na constituição identitária profissional docente. Perspectiva, v. 29, n. 2, p. 561-594, 2011., p. 587, grifos dos autores). A segunda característica denota a preterição do ensino diante da pesquisa. De acordo com as autoras, há um descompasso entre o valor financeiro e simbólico atribuído às atividades de docência e às atividades de pesquisa porque a “carreira docente é pensada a partir da produção científica voltada à pesquisa” (TORRES e ALMEIDA, 2013, p. 15), isto é, à medida que são produzidas e publicadas pesquisas, viabilizam-se, por consequência, mudanças salariais e ascensões nos níveis da carreira. A terceira e última característica está associada à omissão – da LDB e das políticas públicas – relacionadas à formação de professores, como vimos anteriormente. Conforme destacam as autoras, as disposições legais estabelecidas na LDB quanto à formação de professores para o Ensino Superior são “minimalistas”, e não primam pelo “conhecimento pedagógico na condução do ensino, da extensão e, quiçá, da própria pesquisa” (TORRES e ALMEIDA, 2013, p. 16).

Formar para a docência não significa dissociá-la da pesquisa, ao contrário, significa formar o profissional docente para o exercício do ensino, da pesquisa e da extensão, de forma que se habilite a utilizar instrumentos teórico-metodológicos da pesquisa, do ensino e da extensão em sua prática do trabalho docente, complementarmente. Por esse motivo, Demo (2005)DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 7. ed. Campinas: Autores Associados, 2005. propõe o desafio de educar pela pesquisa, tomando-a como princípio educativo e atitude cotidiana em que docentes e discentes desenvolvem o questionamento reconstrutivo, com o qual podemos conhecer a realidade que nos cerca de modo crítico e criativo, o que deve levar à competência formal (qualidade técnico-científica e profissional) e política (qualidade cidadã), na educação Básica e Superior. Ressalta, contudo, que a educação pela pesquisa não é uma visão pedagógica da prática do trabalho docente, mas um olhar propedêutico sobre o processo de educação, isto é, uma forma de tornar a pesquisa um instrumento próprio e necessário ao processo de educar.

Severino (2004)SEVERINO, Antônio Joaquim. A docência no ensino superior: construindo e compartilhando o conhecimento. Claretiano – Revista do Centro Universitário, n. 4, p. 7-16, 2004., por seu turno, acredita que a pesquisa deve se tornar eixo para a (re)estruturação da universidade, pois “a prática da pesquisa no âmbito do trabalho universitário contribuiria significativamente para tirar o ensino superior dessa atual irrelevância” (SEVERINO, 2004SEVERINO, Antônio Joaquim. A docência no ensino superior: construindo e compartilhando o conhecimento. Claretiano – Revista do Centro Universitário, n. 4, p. 7-16, 2004., p. 8). O que se observa nessa análise, assim como em Demo (2005)DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 7. ed. Campinas: Autores Associados, 2005., é que a pesquisa é um pressuposto para o processo de construção do conhecimento e, consequentemente, para a implementação de mudanças nos modelos de ensino atualmente vigentes.

Oliveira (2010)OLIVEIRA, Juliana Ferrari. A formação dos professores dos cursos de Direito no Brasil: a pós-graduação stricto sensu. 2010. 174 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/10236. Acesso em: 20 out. 2021.
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destaca que o foco dos cursos de mestrado e de doutorado é a formação para a pesquisa, de modo que aquele que desejar ter uma formação para o exercício da docência poderá sair da pós-graduação stricto sensu sem ter tido nenhum contato teórico ou prático com a docência. A ênfase exclusiva na pesquisa implica despreparo para a docência, e a consequência desse despreparo são os professores que, “na marra”, aprendem a ser professores (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.). Ingressando na sala de aula sem preparo teórico-metodológico sobre os saberes e práticas docentes, a profissão docente torna-se corolário da pesquisa ou mesmo do exercício de profissões técnicas, como as de juiz, advogado, delegado, etc.

O fato de afirmarmos, em diversos momentos do texto, que há predominância ou ênfase exclusiva da pesquisa na política de avaliação da CAPES não nos permite, de modo nenhum, pressupor que as pesquisas produzidas nos cursos de mestrado e de doutorado em Direito sejam teórico-metodologicamente sofisticadas, de altíssima qualidade, ou que tenham relevante impacto científico e social. Fazemos essa ressalva, pois não é nosso objetivo investigar a qualidade das pesquisas produzidas por discentes e docentes nos PPGDs do Brasil afora, o que demandaria, certamente, outros estudos. Chamamos a atenção tão somente para a recorrência da categoria “pesquisa” no discurso oficial da CAPES (em grande parte, orientada por uma lógica produtivista) e para o consequente apagamento da formação inicial de professores nos PPGDs e nas políticas de avaliação da pós-graduação brasileira.

Dito isso e levando em consideração a realidade dos cursos jurídicos do Brasil, em que, em regra, a docência é uma profissão subsidiária das outras profissões jurídicas (FGV DIREITO SP, 2013ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV DIREITO SP). Núcleo de Metodologia de Ensino. Observatório do Ensino do Direito. Relatório do Observatório do Ensino do Direito. v. 1, n. 1, outubro, 2013. Disponível em: http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/relatorio_oed_out_2013quem_e_o_professor_de_direito_no_brasil.pdf. Acesso em: 20 abr. 2016.
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), e considerando, ainda, que a pós-graduação deveria ser o espaço de “preparação” (ou formação) de professores do Ensino Superior, lançamos as seguintes perguntas: como são avaliados os cursos de mestrado e de doutorado em Direito, no Brasil? Quais são os critérios utilizados para aferir sua qualidade? No intuito de respondê-las, analisaremos, no próximo tópico, alguns documentos da CAPES que dispõem sobre essa avaliação.

2. A CAPES e a avaliação dos cursos de pós-graduação em Direito: a valorização da pesquisa e a desvalorização da formação de professores para o ensino superior

A CAPES é responsável, entre outras funções, pela avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu oferecidos pelas IESs, e o faz por meio de Fichas de Avaliação, Relatórios e Documentos de Área, que são elaborados a cada quatro anos.

O Documento de Área e os Relatórios de Avaliação – que são documentos produzidos pela Diretoria de Avaliação da CAPES – visam ao estabelecimento das diretrizes para a formação a ser oferecida nos cursos de mestrado e doutorado e à definição dos critérios de avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu. O último Documento de Área disponível no site da CAPES refere-se à Avaliação Quadrienal de 2017, concernente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.

O documento está dividido em duas partes: “I – Considerações sobre o estado da arte da área”6 6 Essa parte é dividida em: a) tendências, apreciações, orientações, diagnóstico da área (incluindo a distribuição dos PPGs por região, nota e modalidade) e b) interdisciplinaridade na área (BRASIL, 2019a, p. 1). e “II – Considerações sobre o futuro da área”.7 7 Essa parte é dividida em: a) inovações, transformações e propostas; b) adoção da autoavaliação como parte da avaliação dos PPGs; c) planejamento dos PPGs da área no contexto das IESs; perspectivas de impacto dos PPGs da área na sociedade; d) perspectivas do processo de internacionalização dos PPGs; e) perspectivas de redução de assimetrias regionais e intrarregionais; f) visão da área sobre fusão, desmembramento e migração de PPGs; g) visão da área sobre a modalidade a distância; h) visão da área sobre a modalidade profissional (especialmente o nível de doutorado); i) medidas de indução de interação com a Educação Básica ou outros setores da sociedade; j) visão da área sobre formas associativas; e k) visão da área sobre mecanismos de solidariedade (Minter, Dinter e Turma Fora de Sede) (BRASIL, 2019a, p. 1).

A primeira parte do Documento de Área da CAPES trata das considerações gerais sobre o estágio atual da área do Direito, faz uma breve consideração sobre o surgimento e a formação da pós-graduação em Direito, e aborda as características e tendências dessa área de conhecimento nos últimos anos.8 8 “Neste documento, que possui caráter descritivo e orientativo, apresentam-se a visão da Área para temas como: (a) o estado-da-arte da Área e seus programas; (b) a visão da Área sobre planejamento e autoavaliação; (c) a inserção social dos programas; (d) a questão da internacionalização dos programas; (e) o exame das assimetrias e desigualdades regionais e dentro das unidades federadas; (g) as orientações da Área sobre temas como fusão, fragmentação e migração de PPGs; cursos na modalidade à distância; cursos na modalidade profissional (especialmente o nível de doutorado); medidas de indução de interação com a educação básica ou outros setores da sociedade; as formas associativas e os mecanismos de solidariedade” (BRASIL, 2019a, p. 3).

O documento da CAPES é bastante extenso, e traz o cenário atual da pós-graduação em Direito no Brasil, apontando que houve significativo aumento no número de cursos de pós-graduação em Direito no país, especialmente em instituições de ensino privadas. Atualmente, de todos os 109 PPGDs, 72 são particulares, 30 são públicos federais e sete são públicos estaduais (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a., p. 4). Ademais:

Entre 2013 e 2019, a Área de Direito cresceu substancialmente ao passar de 84 (oitenta e quatro) para 109 (cento e nove) programas, excluídos os aprovados em 2019 na fase de reconsideração. Quanto a cursos de doutorado, no mesmo período, a evolução deu-se de 30 (trinta) para 42 (quarenta e dois) cursos. A mais notável mudança na Área centrou-se nos mestrados profissionais. De 1 (um) único curso, em 2016 chegou-se a 4 (quatro) cursos. No ano de 2019, a Área passou a contar com 11 (onze) mestrados profissionais .(BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a., p. 4)

Nessa primeira parte do documento, outras questões importantes são levantadas, como o desequilíbrio regional quanto à distribuição dos PPGDs no Brasil, o regime de trabalho do corpo docente dos PPGDs e a interdisciplinaridade na área de avaliação. Além disso, há um tópico que trata sobre a configuração da área do Direito, em que se destaca a sua política geral. Observou-se que as diretrizes que orientam a política geral da área do Direito são direcionadas à avaliação dos programas de mestrado e de doutorado pela produção em pesquisa, com uma perspectiva de aplicação das pesquisas em contextos sociais específicos (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a., p. 16).

Já na segunda parte, “Considerações sobre o futuro da Área”, são trazidas as perspectivas da CAPES sobre as futuras avaliações e sobre as expectativas quanto à atual avaliação. Logo nos primeiros parágrafos, o documento expressa que, após o último ciclo avaliativo, houve “uma valorização maior das publicações em periódicos. Essa orientação deve-se manter, conquanto a produção em livros seja característica da Área e mereça ser também apreciada adequadamente” (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a., p. 14). Destacamos que em nenhuma das partes do documento e em nenhum dos seus diversos itens se mencionou a formação para a docência como diretriz da política geral da área do Direito.

No Relatório de Avaliação, outro documento elaborado pela CAPES, há um quesito bastante interessante que merece nosso destaque, qual seja, a “Eficiência do Programa na formação de mestres e doutores bolsistas: Tempo de formação de mestres e doutores e percentual de bolsistas titulados” (BRASIL, 2017aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Relatório de Avaliação 2017. Brasília: CAPES, 2017a., p. 27). Esse documento associa a eficiência da formação de bolsistas em mestres e doutores à quantidade de meses em que esses estudantes defendem suas dissertações e teses. Não há, nesse quesito, por exemplo, nenhum critério relacionado à formação teórico-prática para a docência oferecida aos bolsistas. Dessa forma, segundo a CAPES, o respeito aos prazos para a conclusão dos cursos é o único critério utilizado para avaliar a “eficiência da formação de mestres e doutores bolsistas”, e, consequentemente, para a classificação dos PPGDs em “muito bons”, como se percebe a seguir:

MUITO BOM é o Programa de Pós-Graduação com um tempo para a titulação de até 30 meses para o mestrado e 48 meses para o doutorado; BOM o Programa de Pós-Graduação com um tempo para a titulação de até 36 meses para o mestrado e até 52 meses para o doutorado. (BRASIL, 2017aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Relatório de Avaliação 2017. Brasília: CAPES, 2017a., p. 27)

É evidente que a pesquisa ocupa um espaço de destaque na pós-graduação stricto sensu em Direito no Brasil, o que não significa que haja, como dito anteriormente, a produção de trabalhos de qualidade em todos os PPGDs do país.

Pela análise dos documentos oficiais da CAPES, instituição responsável pela avaliação dos PPGs, nota-se que a formação para a docência oferecida pelos cursos de mestrado e doutorado em Direito não passa pelo mesmo controle, fiscalização e incentivo que a pesquisa, uma vez que a avaliação dos PPGs se dá, sobretudo, em razão de um aspecto meramente formal, que, por sua vez, está bastante associado à quantidade de produção de docentes e discentes. Cabe, então, questionar-nos sobre o lugar da formação de professores nos cursos de mestrado e de doutorado, especialmente em Direito, foco desta análise.

Ainda no Relatório de Avaliação, é apresentado um panorama dos PPGDs no Brasil, bem como são destacados os critérios utilizados para avaliar os mestrados e doutorados como “muito bons”, “bons”, “regulares”, “fracos” ou “insuficientes”. O documento também é bastante extenso, e, por si só, demandaria uma análise mais aprofundada em outro momento. Entretanto, considerando que buscamos analisar a formação para a docência oferecida nos PPGDs, destacamos o seguinte trecho, que trata da “coerência, consistência, abrangência e atualização das áreas de concentração, linhas de pesquisa, projetos em andamento e proposta curricular” (BRASIL, 2017aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Relatório de Avaliação 2017. Brasília: CAPES, 2017a., p. 21). O documento considera:

MUITO BOM o curso que demonstrar (1) articulação e coerência entre disciplinas, projetos de pesquisa, linhas de pesquisa e áreas de concentração; (2) consistência entre as linhas de pesquisa, que devem manter organicidade entre si e uma forte ligação com a área de concentração; (3) relevância da temática das disciplinas, dos projetos de pesquisa, das linhas de pesquisa e das áreas de concentração, evitando repetição dos tradicionais “ramos” do Direito, que desconsidera qualquer problematização ou especificação crítica e (4) atualização e relevância dos programas e bibliografias das disciplinas; (5) adequação dos títulos das disciplinas com suas ementas. Nos cursos com duas áreas de concentração, é imprescindível que haja pontos de contato que unam as áreas de concentração. Nos cursos com três ou mais áreas de concentração a proximidade entre áreas de concentração não é fator determinante para o conceito. Em todas as hipóteses devem ser observados os números mínimos de docentes por área de concentração e a consistência interna de cada área de concentração. (BRASIL, 2017aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Relatório de Avaliação 2017. Brasília: CAPES, 2017a., p. 20)

O documento aborda “distribuição das atividades de pesquisa e de formação entre os docentes do programa”, mas não detalha nem conceitua o que seriam “atividades de formação”. Como se vê, há uma confusão semântica no próprio documento da CAPES, que não diferencia formação docente para discentes (cuja regulação estamos analisando) de formação continuada para docentes dos PPGDs. Com isso, observa-se que o critério utilizado para avaliar a qualidade dos cursos se constitui da participação de professores nessas “atividades de formação”, isto é, baseia-se na formação continuada oferecida aos docentes dos PPGDs. Ressaltamos que, embora na avaliação dos PPGDs seja importante considerar a existência de mecanismos de aprimoramento de saberes, habilidades e técnicas pedagógicas para os professores em atividade, acreditamos que a falta de atenção da CAPES à formação de discentes para a docência aponta para a existência de um contrassenso: exatamente a instituição que deveria “estimular, mediante a concessão de bolsas de estudo, auxílios e outros mecanismos, a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior […]”9 9 Texto do art. 1º, § 1º, inc. III, da Lei n. 8.405, de 8 de janeiro 1992, que institui como fundação pública a CAPES e deu outras providências. (BRASIL, 1992BRASIL. Lei n. 8.405, de 9 de janeiro de 1992. Autoriza o Poder Executivo a instituir como fundação pública a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 jan. 1992.), deixa à deriva vários discentes dos PPGDs, principalmente, os “aspirantes a professor”.

Diga-se que, para a CAPES, é “MUITO BOM o programa no qual (1) a totalidade do Corpo Docente desenvolve atividades de pesquisa, orientação e formação no programa e (2) Docentes Colaboradores não assumam mais de 20% das orientações no Programa […]” (BRASIL, 2017aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Relatório de Avaliação 2017. Brasília: CAPES, 2017a., p. 24). A avaliação, portanto, leva em consideração o engajamento de professores dos programas em atividades de pesquisa, de orientação e de formação, e não a qualidade da formação oferecida aos alunos nesses cursos.

Tendo em vista esses documentos da CAPES, percebe-se que especialmente a pesquisa é tomada como elemento central para o desenvolvimento e aprimoramento acadêmicos nos PPGs, embora não se considere devidamente a dimensão qualitativa e o impacto da produção científica.

Observa-se que, a despeito de a lei incumbir à pós-graduação stricto sensu a função de preparar os professores para a docência no Ensino Superior, o documento de Área de Direito e o Relatório da CAPES não mencionam a formação de professores como objetivo dos cursos de mestrado e de doutorado. Fala-se em fomento e reconhecimento da pesquisa, em produção científica, em publicações, etc., mas se esquece de tratar do fomento à docência, de reconhecimento e de formação do profissional docente.

Uma vez que analisamos o modo como a CAPES avalia e afere a qualidade dos PPGDs do Brasil, passaremos, nos tópicos seguintes, à investigação de como os PPGDs da UNIFOR e da UFC regulam a formação oferecida em seus cursos de mestrado e de doutorado, com o fito, especialmente, de observar como cada uma dessas instituições regula, em suas políticas institucionais, a formação de professores. No tópico seguinte, analisaremos como se regula a formação de professores no PPGD-UNIFOR. Para tanto, examinaremos o seu RI e a Ficha de Avaliação Quadrienal (2017) da CAPES.

3. A formação de professores no Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UNIFOR (PPGD-UNIFOR)

A UNIFOR é uma IES privada, seu curso de mestrado em Direto Constitucional está em vigência desde o ano de 1999; e o de doutorado, desde 2007 (foi o primeiro curso de doutorado em Direito criado no estado do Ceará). Atualmente, a nota de avaliação da CAPES é 6 (BRASIL, 2017bBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ficha de Avaliação do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Brasília: CAPES, 2017b.). Vejamos, de antemão, o que diz o art. 3º do RI do PPGD-UNIFOR, que elenca os objetivos dos cursos de mestrado e de doutorado:

Art. 3º. É objetivo do Programa proporcionar formação científica ampla e aprofundada no âmbito dos estudos jurídicos, devendo, para consecução de suas finalidades: I – qualificar Professores, pesquisadores e outros profissionais, com vista à capacitação de pessoal para a Universidade e outras instituições de ensino, pesquisa e extensão, contribuindo para a formação de Docentes universitários; II– estimular e desenvolver atividades de pesquisa científica; III – contribuir para o ensino, pesquisa e extensão, para conhecimento aprofundado dos problemas nacionais, com ênfase nas necessidades regionais; IV – aperfeiçoar a formação de bacharéis, cientistas e profissionais do Direito, com o objetivo de expandir qualitativamente a Ciência Jurídica e promover sua maior interação com a sociedade e os agentes jurídicos, contribuindo para a formação de recursos humanos especializados; e V – cooperar para a integração dos estudos jurídicos no processo de desenvolvimento social e econômico do país, em especial do estado do Ceará e da região Nordeste. (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 313, grifos nossos)

Pelo que se nota na análise do RI, a formação para a docência aparece como um dos objetivos do PPGD, o que mostra adequação ao que dispõe o art. 66 da LDB, o qual determina que a preparação para a docência far-se-á, prioritariamente, na pós-graduação stricto sensu (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.). No entanto, faz-se necessário observar quais são os mecanismos institucionais destinados à implementação desses objetivos. Segundo o art. 29 do RI:

Art. 29. Os cursos de mestrado e de doutorado deverão ter, respectivamente, no mínimo, 24 (vinte e quatro) e 48 (quarenta e oito) créditos em atividades de ensino e pesquisa. §1º Das 24 (vinte e quatro) unidades de créditos em disciplinas, exigidas para o mestrado, 12 (doze) serão obtidos dentre as disciplinas obrigatórias comuns, às duas áreas de concentração e dentre as específicas de cada área de concentração para qual o acadêmico foi aprovado. Os outros doze créditos (4 disciplinas) serão obtidos diante das disciplinas eletivas, escolhidas pelo acadêmico, mediante opinião do Professor Orientador e de iniciação à docência. Para o Doutorado são exigidos dos 48 (quarenta e oito) unidades de créditos, dos quais 12 (doze) são obtidas em disciplinas obrigatórias na área de concentração do acadêmico e 36 (trinta e seis) em disciplinas eletivas, assim em outras atividades previstas pelo Programa. (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 325-326)

Percebe-se que os estudantes devem, segundo esses dispositivos, cumprir uma carga horária mínima em disciplinas obrigatórias e optativas nos cursos de mestrado e de doutorado. No RI, estão elencadas todas as disciplinas, obrigatórias e optativas, que são distribuídas de acordo com as áreas de concentração.

As disciplinas obrigatórias para as duas áreas de concentração são “Epistemologia Jurídica” (3 créditos) e “Didática do Ensino Jurídico” (3 créditos).10 10 A ementa da disciplina “Didática do Ensino jurídico” conta com os seguintes assuntos: “O ensino e o aprendizado do Direito. O que se ensina e o que se aprende. Métodos tradicionais de ensino e métodos participativos. Desenvolvimento de habilidades próprias dos juristas mediante uso de instrumentos apropriados em sala de aula. Avaliação do Aprendizado. Perspectivas, instrumentos e modalidades de Avaliação. Instrumentos de apoio tradicionais e avançados (tecnologia)” (UNIFOR, 2018, p. 196). A ementa prevê assuntos relevantes da formação do professor para os cursos de Direito, como os processos de ensino e aprendizagem e de avaliação. No entanto, também contempla assuntos pouco ou de forma nenhuma relacionados à formação pedagógica de profissionais para o magistério superior. Hegeto (2019, p. 102) lembra que a disciplina de Didática tem como escopo “proporcionar ao aluno o estudo sobre os elementos do ensino (temas clássicos da Didática) e sobre o processo ensino aprendizagem”. Com essa visão, a expectativa dessa disciplina, especificamente para o ensino jurídico, leva-nos a pensar que a tônica deveria ser a da pesquisa, dos estudos e da prática sobre o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos ensinados na área específica. Nesse sentido, o escopo da disciplina não deveria ser formar um jurista, tampouco um coach, mas sim um professor, um profissional da docência em Direito que trabalharia, com base em sua formação científica e em sua prática pedagógica, com o processo de ensino e aprendizagem de futuros profissionais do campo jurídico. Entretanto, ao analisarmos os objetivos e o conteúdo programático, constatamos uma miscelânea de temas não explicitados na ementa, alguns ligados ao trabalho docente na Educação Superior e outros ligados ao trabalho do jurista e a atividades não acadêmicas, como a de coaching, em um formato de receituário. Quanto à metodologia de ensino, é mister esclarecer que a análise e a instrumentalização dos métodos são diferentes de “instrumento de apoio” e uso de recursos tecnológicos para o trabalho docente. Não há clareza quanto a uma metodologia de ensino específica para os cursos de Direito. Além disso, o documento aponta para um tema alienígena em uma disciplina de didática voltada para o ensino jurídico, a saber: “Desenvolvimento de habilidades próprias dos juristas mediante uso de instrumentos apropriados em sala de aula” (UNIFOR, 2018, p. 196). Quanto à bibliografia, registramos poucos títulos, dos quais cinco tratam de assuntos pertinentes à metodologia do ensino jurídico, mas não especificamente de didática do Ensino Superior, em publicações realizadas até 2014. A incorporação dessa última disciplina ao conjunto das disciplinas obrigatórias representa uma significativa mudança, pois ela não era obrigatória no período em que fora realizada a penúltima avaliação da CAPES, em 2013 (BRASIL, 2013BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ficha de Avaliação do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Brasília: CAPES, 2013.). Quanto às disciplinas optativas,11 11 Estas são todas as 23 disciplinas optativas oferecidas pelo PPGD-UNIFOR: art. 29, §1º, inc. II – São específicas para a Área de Concentração de Direito Constitucional Público e Teoria Política, do Mestrado e Doutorado: a) Direitos e Garantias Fundamentais; b) Teoria da Democracia; c) Hermenêutica Constitucional; d) Teoria do Poder; e) Teoria da Justiça; f) Teoria Constitucional Tributária. III – São específicas para a Área de Concentração de Direito Constitucional nas Relações Privadas, do Mestrado e Doutorado: a) A proteção da personalidade na sociedade das incertezas; b) Autonomia e Direito Privado na Constituição; c) Dimensão funcional do Direito Civil: autonomia privada; contratos e propriedade; d) Direito das organizações empresariais; e) Relações negociais na Sociedade da Informação; f) Relações de trabalho e regulação g) Regulação, Econômica e Mercado IV – São disciplinas para as duas Áreas de Concentração de Direito Mestrado e Doutorado: Constituição Estado e Economia; Democratização e Controle do Poder Judiciário; Direito Ambiental: Sustentabilidade dos Recursos Hídricos; Direito Constitucional Comparado Latino-Americano; Direito dos danos na sociedade de risco; Teoria e Prática Contemporânea dos Direitos Culturais; Estrutura Constitucional do Estado Federal; Filosofia do Direito; Fundamentos Sociológicos do Direito e do Estado; Instituições de Direito Processual; Jurisdição Constitucional; Mediação e Arbitragem no Estado Democrático; Metodologia da pesquisa em Direito; Multiculturalismo e Direitos Humanos; Ordem Constitucional Econômica e Relações Internacionais; Pensamento Constitucional Brasileiro; Posse e Conflitos Agrários; Previdência privada complementar, riscos e seguros; Princípios Constitucionais da Administração Pública; Processo, Garantismo e estado Democrático de Direito; Seminários Especiais; Teoria da Constituição; e Teria Geral do Negócio Jurídico (UNIFOR, 2018, p. 326-327). o art. 33, §1º, do RI apenas dispõe que “o aluno deve cursar pelo menos 50% (cinquenta por cento) das disciplinas eletivas integrantes da sua área de concentração” (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 328). Ademais, segundo outro dispositivo:

Art. 32. São atividades obrigatórias para o Corpo Discente, independentes de atribuição de créditos, a participação em Grupos de Pesquisa credenciados junto ao Diretório de Grupos do CNPq, bem como em outras atividades didático-pedagógicas estabelecidas pela Coordenação do Programa. (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 328)12 12 Sublinhamos um aspecto interessante no PPGD-UNIFOR, que é a existência de um grupo de pesquisa chamado “Grupo de Estudos e Pesquisas: Ensino e Pesquisa no Direito (GEPEDI)”, registrado desde 2014 no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Perceba que o RI do PPGD-UNIFOR, em seu art. 3º, estabeleceu como objetivo principal “proporcionar formação científica ampla e aprofundada no âmbito dos estudos jurídicos” (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 313) por meio também da qualificação e da formação de professores universitários. Ocorre que, pelo que se observa da análise desse documento, a formação para a docência não foi tratada do mesmo modo que a formação para a pesquisa, fato que confirma a preferência na pós-graduação stricto sensu em Direito, no Brasil, pela formação para a pesquisa em detrimento da formação para o ensino (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Juliana Ferrari. A formação dos professores dos cursos de Direito no Brasil: a pós-graduação stricto sensu. 2010. 174 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/10236. Acesso em: 20 out. 2021.
https://tede2.pucsp.br/handle/handle/102...
). Há alguns elementos que fundamentam essa constatação.

O primeiro deles é a disposição das disciplinas. No mestrado, por exemplo, o estudante tem de cursar 24 créditos (equivalentes a oito disciplinas de três créditos cada); no doutorado, o estudante precisa cursar 48 créditos (equivalentes a 16 disciplinas de três créditos cada). No mestrado, são quatro disciplinas obrigatórias – cujos conteúdos são especialmente teórico-jurídicos –, e apenas uma delas é destinada à formação de professores.

Quanto às outras disciplinas, as optativas (quatro), pelo menos 50% delas, isto é, duas, devem ser correlatas à área de pesquisa do estudante. Em suma, o estudante de mestrado tem de, necessariamente, cursar do total de oito disciplinas de seu curso, pelo menos, seis referentes à sua área de concentração de pesquisa, enquanto as outras duas poderão ser escolhidas livremente entre as outras optativas.

Ressalta-se também que das 36 disciplinas ofertadas há apenas duas disciplinas referentes à discussão sobre a docência no Ensino Superior, a “Didática no Ensino Superior” (obrigatória) e “Estágio de Docência” (optativa). O RI dispõe sobre o Estágio de Docência em seus arts. 36 e 37:

Art. 36. Os discentes do Programa beneficiários de bolsas fornecidas por órgãos de fomento à pesquisa deverão participar do Programa de Estágio de Docência da UNIFOR, que se caracteriza pelo exercício de atividades didático-pedagógicas em disciplinas da graduação, sob a supervisão e avaliação, sempre que possível, dos seus respectivos orientadores, devendo obedecer aos critérios e procedimentos estabelecidos nas normas da UNIFOR e do órgão de fomento respectivo. (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 330-331, grifo nosso)

Esse dispositivo determina que os estudantes beneficiários de bolsa de agências de fomento à pesquisa devem participar de Estágio de Docência. Porém, há outro dispositivo que desobriga os estudantes que não recebem bolsa de participar da disciplina de Estágio de Docência. O art. 37, aliás, impõe restrições à participação dos estudantes que não são beneficiários de bolsas de agências financiadoras no componente curricular de Estágio de Docência:

Art. 37. Os discentes do Programa que não são beneficiários de bolsas fornecidas por órgãos de fomento à pesquisa podem participar do Estágio de Docência, desde que atendam aos seguintes requisitos:

I – obter a concordância do Orientador por escrito;

II – não ter pendências financeiras e/ou acadêmicas com o Programa.

Parágrafo Único – O Estágio de Docência conferirá ao Discente 3 (três) créditos por semestre e só poderá ser realizado em 1 (um) semestre para o Mestrado e em 2 (dois) semestres para o Doutorado. (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 330-331)

Portanto, há três requisitos que os estudantes não beneficiários de bolsa de incentivo à pesquisa devem preencher para poder cursar o Estágio de Docência: a) precisam obter a concordância do orientador, por escrito; b) não devem ter pendências financeiras com a IES; e c) não devem ter pendências acadêmicas com o programa. Observa-se, ainda, que o Estágio de Docência só pode ser realizado em, no máximo, um semestre pelos estudantes de mestrado; e em dois, pelos estudantes de doutorado.

Por fim, é importante destacar que não há, na Avaliação Quadrienal de 2017 (BRASIL, 2017bBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ficha de Avaliação do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Brasília: CAPES, 2017b.), nenhuma informação sobre a quantidade de egressos do programa que, atualmente, trabalham como professores. Contudo, na Ficha de Avaliação Trienal de 2013 foram levantados dados sobre os destinos profissionais dos estudantes do PPGD-UNIFOR. Segundo esse documento, em 2010, 60% dos egressos dos cursos de mestrado e doutorado em Direito da UNIFOR atuavam como professores; em 2011, 42%; e, em 2012, 50% (BRASIL, 2013BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ficha de Avaliação do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Brasília: CAPES, 2013., p. 2).13 13 Quanto aos egressos do PPGD-UFC, a Ficha de Avaliação de 2017 (BRASIL, 2017b) não indica exatamente quantos ex-alunos atualmente são professores, apenas destaca que: “Desde a primeira turma de doutorandos em 2013, três egressos do programa foram aprovados em concursos públicos para professor da UFC e outros dois estão ministrando aulas em Cursos de Graduação de Universidades privadas. O programa de mestrado também já formou muitos professores, inclusive seu próprio coordenador. Além disso, concluíram seu mestrado na UFC ministros do STJ, juízes, procuradores da república e outros profissionais. Quanto a obras de relevância, deve-se destacar que a obra de um dos professores fundamentou a edição da Súmula Vinculante 24, do STF” (BRASIL, 2017b, p. 7).

Os dados da Avaliação Trienal de 2013 apontam para o rumo seguido pela maioria dos estudantes que cursaram mestrado ou doutorado no PPGD-UNIFOR, os quais iniciaram ou continuaram a atuar profissionalmente como professores. Constatamos que muitos desses egressos, a despeito de terem outras ocupações/profissões e de terem cursado pós-graduação stricto sensu, cuja marca é o privilégio à formação para a pesquisa (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Juliana Ferrari. A formação dos professores dos cursos de Direito no Brasil: a pós-graduação stricto sensu. 2010. 174 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/10236. Acesso em: 20 out. 2021.
https://tede2.pucsp.br/handle/handle/102...
), curiosamente direcionaram-se à atuação como professores universitários.

Vimos, neste tópico, como o PPGD-UNIFOR regula a formação para a docência em seus cursos de mestrado e doutorado; no tópico seguinte, iremos nos debruçar sobre o estudo dessa regulação no PPGD-UFC, analisando seu RI e a Ficha de Avaliação Quadrienal (2017) da CAPES.

4. A formação de professores no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD-UFC)

O curso de mestrado em Direito da UFC está em vigência desde o ano de 1977 (é o mais antigo do estado do Ceará); e o de doutorado, desde 2011. Atualmente, sua nota de avaliação da CAPES é 4 (BRASIL, 2017cBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ficha de Avaliação do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Brasília, DF: CAPES, 2017c.). O art. 3º do RI do PPGD-UFC14 14 Considerando que a pesquisa que originou este artigo se centrou na análise da regulação da formação de professores para o ensino do Direito entre os anos de 2017 e 2019, os RIs e os programas de disciplinas analisados foram aqueles que estavam em vigência no período. Em 21 de julho de 2020, o texto anterior do RI do PPGD-UFC (2015) foi ratificado. Em 3 de março de 2021, ano de publicação deste artigo, o Colegiado do PPGD da UFC aprovou algumas alterações na redação do regimento daquele programa, as quais, a propósito, não trouxeram mudanças significativas em relação à redação anterior do regimento analisado, permanecendo basicamente as mesmas orientações normativas em relação à formação docente. O RI do PPGD-UFC, datado de 21 de julho de 2020, com as alterações realizadas em 3 de março de 2021, está disponível em: https://ppgdireito.ufc.br/wp-content/uploads/2021/09/regimento-interno-ppgd-atualizado-03.03.2021.pdf. Acesso em: 13 nov. 2021. enuncia que “é objetivo do Programa possibilitar a competência científica e profissional dos graduados, desenvolvendo e aprofundando aptidões para a pesquisa, o ensino e extensão e para as profissões qualificadas” (UFC, 2015UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015., p. 1). Este dispositivo diz quais são os objetivos da pós-graduação stricto sensu sem fazer menção aos instrumentos a serem utilizados para a obtenção dos resultados, especialmente no que tange à formação para a docência.

Os arts. 4º e 5º do RI dispõem sobre a integralização curricular e estabelecem o tempo máximo de conclusão dos cursos:

Art. 4º O Curso de Mestrado terá duração máxima de 24 (vinte e quatro) meses, excepcionalmente prorrogáveis por mais 03 (três) meses, pressupondo a integralização de, no mínimo, 30 (trinta) créditos, dos quais 06 (seis) referentes às atividades de dissertação.

Art. 5º O Curso de Doutorado terá duração máxima de 48 (quarenta e oito) meses, excepcionalmente prorrogáveis por mais 06 (seis) meses, pressupondo a integralização de, no mínimo, 60 (sessenta) créditos, dos quais 12 (doze) referentes às atividades relativas à tese. (UFC, 2015UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015., p. 1)

Esses dispositivos tratam da obrigatoriedade de os estudantes cursarem um número mínimo de créditos referente a atividades de pesquisa. As disciplinas são distribuídas em “disciplinas da área de concentração”15 15 O RI do PPGD-UFC dispõe sobre a área de concentração e sobre as linhas de pesquisa: “Art. 22. Os Cursos de Mestrado Acadêmico e Doutorado em Direito, com área de concentração em ‘Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico’, se desdobram em três linhas de pesquisa: Direitos Fundamentais e Políticas Públicas, Ordem Constitucional, internacionalização e sustentabilidade e ‘Relações Sociais e Pensamento Jurídico’” (UFC, 2015, p. 10). e em “disciplinas propedêuticas”, segundo o art. 23 do RI16 16 Segundo o art. 23 do RI do PPGD-UFC, as disciplinas são divididas quanto à área de concentração e às disciplinas propedêuticas; “I – Disciplinas Da Área De Concentração: A) Teoria dos Direitos Fundamentais – 64h; B) Controle Social das Finanças Públicas – 64h; C) Direitos das Relações Internacionais e Contemporaneidade – 64h; D) Direitos Fundamentais do contribuinte – 64h; E) Direito Político na Ordem Constitucional – 64h; F) Direito Administrativo e a Tutela Jurídica dos Direitos Fundamentais – 64h; G) Ordem Jurídica e Econômica na Perspectiva dos Direitos Fundamentais - 64h; H) Teoria da Cidadania – 64h; I) Direitos da Personalidade – 64h; J) Direitos Sociais na perspectiva dos Direitos Sociais – 64h; K) Meio Ambiente, Sustentabilidade e Direitos Fundamentais – 64h; L) Proteção Internacional do Meio Ambiente – 64h; M) História do Direito e do Pensamento Jurídico – 64h; N) Estudos do Imaginário Jurídico – 64h. II – Disciplinas Da Área Propedêutica: A) Filosofia do Direito – 64h; B) Sociologia do Direito e do Estado – 64h; C) Teoria Geral do Direito – 64h; D) Metodologia do Ensino Jurídico – 32h; E) Hermenêutica Constitucional – 32h; F) Pesq. Jurídica e Elaboração de Tese e Dissertação – 32h; G) Filosofia do Estado – 64h; H) Teoria da Argumentação – 32h; I) Epistemologia Jurídica – 64h” (UFC, 2015, p. 10-11, grifos nossos). (UFC, 2015UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015., p. 10-11). Ocorre, entretanto, que o texto do RI apresenta algumas contradições e lacunas, o que dificultou bastante sua compreensão. Por meio da análise de seu texto verificamos que todas as disciplinas teóricas – da “área de concentração” e das “propedêuticas” – são optativas, e que as únicas atividades obrigatórias para os estudantes de mestrado são o Seminário de Integração, a proficiência em um idioma estrangeiro, o Estágio de Docência I (com 64 horas), a qualificação e a dissertação. Já para os estudantes de doutorado, são os Estágios de Docência II e III (de 64 horas/aula cada), a proficiência em língua estrangeira, o Seminário de Integração, a qualificação de tese e a tese (UFC, 2015UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015., p. 16-17).

Como se vê, a maior parte das atividades obrigatórias é destinada a atividades de pesquisa, e, de forma muito incipiente, direciona-se à formação pedagógica. O fato de os estágios de docência serem obrigatórios para alunos de mestrado e doutorado (independentemente de receberem bolsa ou não) aponta para uma característica relevante do PPGD-UFC. Entretanto, ainda assim, evidencia-se que há um descompasso entre a formação para a pesquisa e a formação para a docência oferecida nesse programa. Isso porque a única disciplina teórica oferecida – optativa, aliás – que é referente à formação de professores é a de “Metodologia do Ensino Jurídico”,17 17 No período de realização de nossa pesquisa, inexistiam informações detalhadas sobre as disciplinas no site do PPGD-UFC. No que tange à disciplina “Metodologia do Ensino Jurídico”, havia apenas a lista das referências bibliográficas e uma ementa de que constam os temas a serem abordados durante o curso, que são: “A visão interdisciplinar e sistêmica do Direito. Problemas curriculares. Patologia do Ensino Jurídico e as tentativas de renovação. Os ideais de mutação da didática Jurídica diante de um novo contexto sociocultural e do processo de desenvolvimento. Aspectos didáticos do ensino jurídico” (UFC, 2020). Nesse documento, não há detalhes sobre a metodologia empregada nem sobre os conteúdos abordados, o que dificulta sua análise. Quanto à bibliografia, percebemos que seus títulos mais atuais são publicações do ano de 2008, não havendo uma atualização de estudos e pesquisas sobre formação de professores e ensino do Direito nos últimos 13 anos, período em que houve expressivo crescimento da Educação Superior, notadamente privada (BRASIL, 2019b), e dos cursos de Direito no Brasil (BRASIL, 2019a). Contudo, diferentemente da disciplina de “Didática do Ensino Jurídico” do PPGD-UNIFOR, essa disciplina do PPGD-UFC traz autores relevantes do campo da Educação, como Paulo Freire, Noam Chomsky, Jean Piaget, José Carlos Libâneo, Cipriano Carlos Luckesi, Ilma Passos Veiga, Maria Isabel da Cunha, Marco Antonio Moreira, etc. (UFC, 2015). A ementa verificada estava disponível em: http://www.ppgdireito.ufc.br/public_html/index.php/grade-curricular/112-metodologia-do-ensino-juridico-02-creditos-32h-a. Acesso em: 19 set. 2020. Após a aprovação deste artigo para publicação, a referida ementa foi alterada, estando disponível em: https://ppgdireito.ufc.br/pt/disciplinas/grade-curricular/dbp7200-metodologia-do-ensino-juridico-32h-optativa/. Acesso em: 13 nov. 2021. que conta apenas com 32 horas/aula (dois créditos), diferentemente das outras disciplinas teóricas, que têm, cada uma, 64 horas/aula (quatro créditos). Ademais, como se trata de uma disciplina optativa, os estudantes podem realizá-la ou não. Com isso, a despeito de os estágios de docência serem obrigatórios no PPGD-UFC, há, na prática, uma sobreposição dos saberes técnicos e da experiência sobre os saberes pedagógicos,18 18 Sobre isso, cabe lembrar o trabalho de Guimarães (2008, p. 128). Em sua pesquisa com professores de Direito em uma instituição privada no Distrito Federal, a autora chegou à conclusão de que, no processo de construção dos saberes referentes à prática docente, os saberes da experiência e os saberes disciplinares sobrepujavam o saber pedagógico. uma vez que os estudantes podem realizar essas atividades práticas, sem, sequer, terem passado por um processo de formação elementar para o exercício da profissão de professor.

Embora a disciplina de estágio docente possibilite articular teoria e prática, “há que se atentar para o fato de que um bom teórico nem sempre é um bom professor; essas duas realidades precisam coexistir, e não ser entendidas como polaridades” (JOAQUIM, VILLAS BOAS e CARRIERI, 2013JOAQUIM, Nathália de Fátima; VILLAS BOAS, Ana Alice; CARRIERI, Alexandre de Pádua. Estágio docente: formação profissional, preparação para o ensino ou docência em caráter precário? Educação e Pesquisa, v. 39, n. 2, p. 351-365, 2013., p. 263). Além disso, há outro elemento que precisa ser destacado, sobretudo, quando falamos dos cursos de Direito e de outros cursos que só existem na modalidade de bacharelado, a saber:

[…] a maior parte dos pós-graduandos são [sic] bacharéis e não possui nenhum tipo de formação em licenciatura. Por isso, a formação desses professores merece um maior cuidado, uma vez que o estágio, muitas vezes, é a única alternativa oferecida a eles para a construção de uma postura didática diante de uma turma de alunos. (JOAQUIM, VILLAS BOAS e CARRIERI, 2013JOAQUIM, Nathália de Fátima; VILLAS BOAS, Ana Alice; CARRIERI, Alexandre de Pádua. Estágio docente: formação profissional, preparação para o ensino ou docência em caráter precário? Educação e Pesquisa, v. 39, n. 2, p. 351-365, 2013., p 363)

Essa observação é bastante relevante porque, diferentemente das licenciaturas e dos cursos de pós-graduação stricto sensu em Educação, em que a discussão teórica sobre Didática é inerente à formação oferecida aos alunos, nos cursos de Direito, tal discussão não lhe é familiar.

Registra-se, ainda, que, como observamos em outra oportunidade de pesquisa, nos cursos de Direito, “muitos professores das disciplinas técnicas são pessoas que também exercem atividades técnico-jurídicas (magistratura, advocacia, etc.), e, na maioria das vezes, se identificam muito menos com a profissão de professor que com as outras profissões do campo jurídico” (ANGELO e FORTE, 2016ANGELO, Jordi Othon; FORTE, Joannes Paulus Silva. Os (difíceis) caminhos da formação de professores de Direito no Brasil. Scientia: Revista de Ensino, Pesquisa e Extensão, v. 3, n. 6, p. 1-19, 2016., p. 8), fato que dificulta os processos de profissionalização (WEBER, 2007WEBER, Silke. Formação docente e projetos de sociedade. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE), v. 23, n. 2, p. 181-198, 2007.) e de construção identitária profissional docente (DOTTA, LOPES e GIOVANNI, 2011DOTTA, Leanete Thomas; LOPES, Amélia; GIOVANNI, Luciana Maria. Educação superior e formação de professores: o papel da investigação na constituição identitária profissional docente. Perspectiva, v. 29, n. 2, p. 561-594, 2011.).

Nota-se que, no PPGD-UFC, a escolha das disciplinas é feita em razão da sua adequação à pesquisa realizada pelo estudante na pós-graduação; enquanto a preparação teórico-metodológica para o exercício da docência depende, sobretudo, de um interesse pessoal em se tornar professor.

Constata-se, novamente, que, de modo geral, a formação de professores nos cursos de pós-graduação stricto sensu ocorre facultativamente, haja vista que a formação para a pesquisa é composta de disciplinas e atividades obrigatórias, enquanto a formação para a docência é permeada por uma concepção voluntarista, que faculta ao estudante escolher se quer ou não se formar professor, fato confirmado por nossa análise dos documentos da CAPES e dos RIs dos dois PPGDs. Assim, os programas de pós-graduação, “predominantemente, são portadores de propostas identitárias voltadas à pesquisa” (DOTTA, LOPES e GIOVANNI, 2011DOTTA, Leanete Thomas; LOPES, Amélia; GIOVANNI, Luciana Maria. Educação superior e formação de professores: o papel da investigação na constituição identitária profissional docente. Perspectiva, v. 29, n. 2, p. 561-594, 2011., p. 588). Uma das consequências da lacuna existente quanto à formação pedagógica é o despreparo para o exercício da docência, corroborando o fato de que:

Na maioria das instituições de ensino superior, incluindo as universidades, embora seus professores possuam experiência significativa e mesmo anos de estudo em suas áreas específicas, predomina o despreparo e até um desconhecimento científico do que seja o processo de ensino e aprendizagem, pelo qual passam a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de aula. (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010., p. 37)

Dessa forma, ingressando na sala de aula sem embasamento teórico e prático sobre a docência, levando apenas os saberes da experiência (THERRIEN, 2002THERRIEN, Jacques. O saber do trabalho docente e a formação do professor. In: SHIGUNOV NETO, Alexandre; MACIEL, Lizete Shizue Bomura (org.). Reflexões sobre a formação de professores. Campinas: Papirus, 2002. p. 103-114.; TARDIF, 2010TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.), “os professores recebem ementas prontas, planejam individual e solitariamente, e é nesta condição – individual e solitariamente – que devem se responsabilizar pela docência exercida” (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no ensino superior. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010., p. 37).

Considerações finais

Iniciamos este artigo analisando alguns dispositivos da LDB. Vimos que, a despeito de falar sobre a “preparação” de docentes do Ensino Superior na pós-graduação, o seu conteúdo regulatório é ínfimo, não estabelecendo efetivamente diretrizes concernentes à docência no Ensino Superior. Em seguida, examinamos documentos da CAPES que avaliam os cursos de mestrado e de doutorado em Direito, e percebemos que, no que tange aos critérios dessas avaliações, não é observada a formação docente oferecida nos PPGDs. Pelo contrário, o enfoque da avaliação da CAPES está, sobretudo, na averiguação da quantidade e da qualidade das pesquisas e das publicações dos professores e dos estudantes. As disciplinas dos programas de pós-graduação stricto sensu, aliás, são avaliadas segundo sua adequação às linhas de pesquisa e às áreas de concentração dos PPGDs.

Analisamos também os RIs dos PPGDs da UNIFOR e da UFC a fim de desvendar como é regulada a formação de professores oferecida aos estudantes. Em ambos os programas percebemos que há forte privilégio da pesquisa em detrimento da docência, o que se percebe pela existência de apenas uma disciplina teórica e uma disciplina prática referente à formação para a docência.

No PPGD-UNIFOR, os estudantes têm de cursar uma disciplina teórica relacionada à docência, mas lhes é facultado (salvo para os bolsistas) cursar uma disciplina prática, que lhes permita cotejar a teoria e a prática da sala de aula. No PPGD-UFC, os estudantes têm de cursar uma disciplina “prática” – que, muitas vezes, tem forma e conteúdo muito flexíveis –, sem que tenham tido nenhuma formação teórica prévia sobre a docência. Em ambos os casos, observa-se uma opcionalidade que pode levar a uma dissociação curricular entre teoria e prática do trabalho docente e a uma rarefeita relação formal entre pesquisa e formação docente.

O que há em comum entre esses dois contextos é um desequilíbrio e uma dissociação entre formação para a pesquisa e para a docência, e um deslocamento entre teoria e prática do trabalho docente. Evidentemente, as desarticulações entre pesquisa e docência têm níveis diferentes, a depender de cada um desses contextos. Porém, o caso do PPGD da UFC chama mais a atenção pela não obrigatoriedade de nenhuma disciplina teórico-pedagógica e pela falta de estruturação e organização do modo de funcionamento dos Estágios de Docência. Com a análise dos RIs dos PPGDs da UNIFOR e da UFC, concluímos que, ainda que em medidas diferentes, a formação oferecida nesses programas é insuficiente para formar professores, pois se destina quase que exclusivamente à pesquisa, e pouco à reflexão e à prática da docência.

A insuficiência de formação para o trabalho docente nos dois programas analisados aponta para dois fatores estruturais: o primeiro, de ordem legal, decorrente do fato de a LDB não tratar a pós-graduação stricto sensu como espaço efetivo de formação de professores, inexistindo uma regulação específica sobre ela; e o segundo, e talvez o mais relevante, é de ordem político-institucional, e decorre dos parâmetros e critérios de avaliação da CAPES, que se baseiam quase que exclusivamente na formação de pesquisadores, privilegiando a produção em pesquisa e o número de publicações, independentemente da qualidade e do impacto dos trabalhos desenvolvidos.

Observamos que a formação de professores do Ensino Superior não tem o mesmo destaque nos documentos analisados que a formação de professores do Ensino Básico.

Mesmo que se leve em conta que os contextos da escola e da universidade são diferentes, e que, inclusive, cabe mais especificamente à Educação Superior a tarefa de produzir conhecimento novo e de formar profissionais de áreas científicas e tecnológicas diversificadas, as finalidades e os princípios que orientam a educação nacional são os mesmos para todos os níveis, de acordo com a LDB.19 19 Vejamos o que dispõem esses artigos da LDB: “Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extraescolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; XII – consideração com a diversidade étnico-racial; XIII – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida” (BRASIL, 1996).

Ademais, seja ensinando crianças, adolescentes e adultos nos ensinos Fundamental e Médio; seja ensinando adolescentes e adultos20 20 Importante destacar que muitos estudantes ingressam nos cursos superiores a partir dos 17 anos, o que significa que os professores do Ensino Superior não lidam apenas com adultos, mas também com adolescentes recém-egressos do Ensino Médio. no Ensino Superior, há um desafio comum com o qual professores têm de lidar: formar pessoas, mesmo que sejam ressalvadas as diferentes modalidades e níveis da educação nacional e suas distintas funções. Como constatamos, no caso do Ensino Superior, em vez de haver uma previsão precisa de uma “formação de professores”, a norma fala de uma “preparação” no âmbito dos PPGs, que, pela regulação (in)existente, está sujeita à precariedade, sobretudo, em razão da dissociação entre pesquisa, ensino e extensão, e da sobreposição das atividades de pesquisa sobre as de formação docente de mestrandos(as) e doutorandos(as). Dessa forma, ser professor no Ensino Superior torna-se resultado “natural” do exercício da pesquisa, ou, ainda, se consideramos a realidade dos cursos de graduação em Direito, do exercício de profissões técnico-jurídicas.

A irrelevância atribuída à formação de professores do Ensino Superior, como já salientamos, decorre, em termos legais, do texto atual da LBD, e reverbera no modo como são elaboradas as políticas institucionais de avaliação dos cursos em que deveriam ser formados, ou melhor, “preparados”, futuros professores. Como demonstramos, a CAPES, instituição responsável pela avaliação dos programas de pós-graduação stricto sensu, preza, sobretudo, pelo engajamento de docentes e discentes em atividades de pesquisa.21 21 A título de exemplo, destacamos a Portaria n. 105 da CAPES, de 25 de maio de 2017 (que aprovou o RI e criou departamentos, setores, etc. no âmbito da CAPES) (BRASIL, 2017d). Ao analisarmos seu conteúdo, observamos que se criou a Coordenação-Geral de Formação de Docentes da Educação Básica, em que se consideram duas dimensões da formação: a daqueles que já são professores (formação continuada) e a daqueles que estão em processo de formação para sê-lo (estudantes das licenciaturas). A inexistência de uma Coordenação de formação de docentes da Educação Superior no âmbito da CAPES nos chamou atenção e nos provocou bastante. Diante disso, perguntamos: por que não fora criada uma Coordenação de Formação de Docentes da Educação Superior? As respostas a esse questionamento, certamente, só seriam alcançadas adequadamente se empreendêssemos uma outra pesquisa, em que analisássemos as falas dos atores envolvidos na elaboração dessa política. De acordo com o art. 60 da Portaria n. 105/2017, o órgão interno da CAPES responsável pela pós-graduação stricto sensu é a Coordenação Geral de Avaliação e Acompanhamento da Pós-Graduação. Nesse artigo, estabeleceu-se a competência dessa Coordenação. Ao todo, são 13 incisos, mas em nenhum deles sequer se cita a locução “formação de professores”. A despeito de o escopo deste trabalho não ser analisar esta Portaria, podemos afirmar que seu conteúdo corrobora o que identificamos nos documentos da CAPES analisados nesta pesquisa, a saber: do ponto de vista legal e político-institucional, há uma desvalorização da formação para a docência no Ensino Superior em detrimento da formação para a pesquisa. Consequentemente, os PPGs por ela avaliados buscam adequar-se aos critérios estabelecidos em suas Fichas de Avaliação e Documentos de Área. Com isso, a “relevância” atribuída à docência não decorre apenas da comparação das funções desenvolvidas por docentes em suas respectivas categorias de Ensino Básico ou Superior, mas, notadamente, dos dispositivos legais e das políticas institucionais que conferem tratamentos diferenciados e desiguais para a docência em diferentes contextos, dispensando maior atenção à formação para a docência na Educação Básica, e deixando a formação para a docência na Educação Superior à mercê das contingências.

Por fim, em razão dessa confluência de fatores, negligencia-se e invisibiliza-se a formação de professores para o Ensino Superior, o que acarreta a ausência de um preparo articulado entre pesquisa e formação docente e entre teoria e prática do trabalho docente, relações fundamentais ao exercício da profissão de professor, fato que compromete significativamente a profissionalização e a construção de identidades docentes, assim como a qualidade do ensino oferecido nos cursos de Direito no Brasil.

  • 1
    Designa os atos normativos e os parâmetros de funcionamento dirigidos à formação docente para o Ensino Superior, com o estabelecimento de regras e procedimentos para a garantia do respeito a elas. No que concerne a essa regulação, verificamos, a partir de nossa análise, a inexistência de regras claras e de instrumentos de acompanhamento e de avaliação específicos para a formação de professores do Ensino Superior, revelando uma indeterminação de diretrizes que visem garantir a relação entre teoria e prática do trabalho docente e entre pesquisa e formação docente na pós-graduação stricto sensu, aspecto especialmente abordado nas seções posteriores.
  • 2
    Segundo Flick (2009)FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237., “[…] os documentos não são somente uma simples representação dos fatos ou da realidade” (FLICK, 2009FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237., p. 232). Conforme o autor, eles são produzidos por alguém ou por uma instituição e possuem um fim prático e algum tipo de uso por parte dos atores, individuais ou coletivos, a quem se destinam os dados neles contidos. Os aspectos comunicacionais dos documentos mostram que eles não são “contêineres de conteúdo”, mas sim “dispositivos comunicativos metodologicamente desenvolvidos na construção de versões sobre os eventos” (FLICK, 2009FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237., p. 234), os quais são ações de atores sociais que devemos analisar contextualmente. Por isso, na visão de Flick (2009)FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237., é apropriado fazermos uso dos documentos como dados, ultrapassando o que ele chama de “uma mera análise de textos” (FLICK, 2009FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237., p. 236), que toma os textos como um elemento estático e não como uma ação. Por meio dos documentos analisados podemos construir “[…] uma versão específica de um evento ou processo e, normalmente, também em uma perspectiva mais ampla […]” podemos “[…] decifrar um caso específico de uma história de vida ou de um processo” (FLICK, 2009FLICK, Uwe. Utilização de documentos como dados. In: FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Tradução Joyce Elias Costa. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 230-237., p. 236).
  • 3
    Em uma perspectiva dos documentos como fontes, Cellard (2012)CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Tradução Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 295-316. afirma que o documento escrito possibilita a realização de importantes análises sobre os fenômenos sociais, o que faz dele “[…] uma fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais […]” (CELLARD, 2012CELLARD, André. A análise documental. In: POUPART, Jean et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Tradução Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 295-316., p. 295).
  • 4
    O art. 61 da LDB foi alterado pela Lei n. 12.014/2009, e, depois, pela Medida Provisória n. 746/2016 e pela Lei n. 13.415/2017.
  • 5
    Considerando que o bacharelado em Direito não é um curso de formação de professores, como o são as licenciaturas, a pós-graduação stricto sensu torna-se, sobretudo, um espaço de formação inicial de professores, e não de formação continuada.
  • 6
    Essa parte é dividida em: a) tendências, apreciações, orientações, diagnóstico da área (incluindo a distribuição dos PPGs por região, nota e modalidade) e b) interdisciplinaridade na área (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a., p. 1).
  • 7
    Essa parte é dividida em: a) inovações, transformações e propostas; b) adoção da autoavaliação como parte da avaliação dos PPGs; c) planejamento dos PPGs da área no contexto das IESs; perspectivas de impacto dos PPGs da área na sociedade; d) perspectivas do processo de internacionalização dos PPGs; e) perspectivas de redução de assimetrias regionais e intrarregionais; f) visão da área sobre fusão, desmembramento e migração de PPGs; g) visão da área sobre a modalidade a distância; h) visão da área sobre a modalidade profissional (especialmente o nível de doutorado); i) medidas de indução de interação com a Educação Básica ou outros setores da sociedade; j) visão da área sobre formas associativas; e k) visão da área sobre mecanismos de solidariedade (Minter, Dinter e Turma Fora de Sede) (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a., p. 1).
  • 8
    “Neste documento, que possui caráter descritivo e orientativo, apresentam-se a visão da Área para temas como: (a) o estado-da-arte da Área e seus programas; (b) a visão da Área sobre planejamento e autoavaliação; (c) a inserção social dos programas; (d) a questão da internacionalização dos programas; (e) o exame das assimetrias e desigualdades regionais e dentro das unidades federadas; (g) as orientações da Área sobre temas como fusão, fragmentação e migração de PPGs; cursos na modalidade à distância; cursos na modalidade profissional (especialmente o nível de doutorado); medidas de indução de interação com a educação básica ou outros setores da sociedade; as formas associativas e os mecanismos de solidariedade” (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a., p. 3).
  • 9
    Texto do art. 1º, § 1º, inc. III, da Lei n. 8.405, de 8 de janeiro 1992, que institui como fundação pública a CAPES e deu outras providências.
  • 10
    A ementa da disciplina “Didática do Ensino jurídico” conta com os seguintes assuntos: “O ensino e o aprendizado do Direito. O que se ensina e o que se aprende. Métodos tradicionais de ensino e métodos participativos. Desenvolvimento de habilidades próprias dos juristas mediante uso de instrumentos apropriados em sala de aula. Avaliação do Aprendizado. Perspectivas, instrumentos e modalidades de Avaliação. Instrumentos de apoio tradicionais e avançados (tecnologia)” (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 196). A ementa prevê assuntos relevantes da formação do professor para os cursos de Direito, como os processos de ensino e aprendizagem e de avaliação. No entanto, também contempla assuntos pouco ou de forma nenhuma relacionados à formação pedagógica de profissionais para o magistério superior. Hegeto (2019HEGETO, Léia de Cássia Fernandes. A disciplina de didática nos cursos de formação de professores. Formação Docente, v. 11, n. 20, p. 89-108, 2019., p. 102) lembra que a disciplina de Didática tem como escopo “proporcionar ao aluno o estudo sobre os elementos do ensino (temas clássicos da Didática) e sobre o processo ensino aprendizagem”. Com essa visão, a expectativa dessa disciplina, especificamente para o ensino jurídico, leva-nos a pensar que a tônica deveria ser a da pesquisa, dos estudos e da prática sobre o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos ensinados na área específica. Nesse sentido, o escopo da disciplina não deveria ser formar um jurista, tampouco um coach, mas sim um professor, um profissional da docência em Direito que trabalharia, com base em sua formação científica e em sua prática pedagógica, com o processo de ensino e aprendizagem de futuros profissionais do campo jurídico. Entretanto, ao analisarmos os objetivos e o conteúdo programático, constatamos uma miscelânea de temas não explicitados na ementa, alguns ligados ao trabalho docente na Educação Superior e outros ligados ao trabalho do jurista e a atividades não acadêmicas, como a de coaching, em um formato de receituário. Quanto à metodologia de ensino, é mister esclarecer que a análise e a instrumentalização dos métodos são diferentes de “instrumento de apoio” e uso de recursos tecnológicos para o trabalho docente. Não há clareza quanto a uma metodologia de ensino específica para os cursos de Direito. Além disso, o documento aponta para um tema alienígena em uma disciplina de didática voltada para o ensino jurídico, a saber: “Desenvolvimento de habilidades próprias dos juristas mediante uso de instrumentos apropriados em sala de aula” (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 196). Quanto à bibliografia, registramos poucos títulos, dos quais cinco tratam de assuntos pertinentes à metodologia do ensino jurídico, mas não especificamente de didática do Ensino Superior, em publicações realizadas até 2014.
  • 11
    Estas são todas as 23 disciplinas optativas oferecidas pelo PPGD-UNIFOR: art. 29, §1º, inc. II – São específicas para a Área de Concentração de Direito Constitucional Público e Teoria Política, do Mestrado e Doutorado: a) Direitos e Garantias Fundamentais; b) Teoria da Democracia; c) Hermenêutica Constitucional; d) Teoria do Poder; e) Teoria da Justiça; f) Teoria Constitucional Tributária. III – São específicas para a Área de Concentração de Direito Constitucional nas Relações Privadas, do Mestrado e Doutorado: a) A proteção da personalidade na sociedade das incertezas; b) Autonomia e Direito Privado na Constituição; c) Dimensão funcional do Direito Civil: autonomia privada; contratos e propriedade; d) Direito das organizações empresariais; e) Relações negociais na Sociedade da Informação; f) Relações de trabalho e regulação g) Regulação, Econômica e Mercado IV – São disciplinas para as duas Áreas de Concentração de Direito Mestrado e Doutorado: Constituição Estado e Economia; Democratização e Controle do Poder Judiciário; Direito Ambiental: Sustentabilidade dos Recursos Hídricos; Direito Constitucional Comparado Latino-Americano; Direito dos danos na sociedade de risco; Teoria e Prática Contemporânea dos Direitos Culturais; Estrutura Constitucional do Estado Federal; Filosofia do Direito; Fundamentos Sociológicos do Direito e do Estado; Instituições de Direito Processual; Jurisdição Constitucional; Mediação e Arbitragem no Estado Democrático; Metodologia da pesquisa em Direito; Multiculturalismo e Direitos Humanos; Ordem Constitucional Econômica e Relações Internacionais; Pensamento Constitucional Brasileiro; Posse e Conflitos Agrários; Previdência privada complementar, riscos e seguros; Princípios Constitucionais da Administração Pública; Processo, Garantismo e estado Democrático de Direito; Seminários Especiais; Teoria da Constituição; e Teria Geral do Negócio Jurídico (UNIFOR, 2018UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR). Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito Constitucional. Fortaleza: UNIFOR, 2018., p. 326-327).
  • 12
    Sublinhamos um aspecto interessante no PPGD-UNIFOR, que é a existência de um grupo de pesquisa chamado “Grupo de Estudos e Pesquisas: Ensino e Pesquisa no Direito (GEPEDI)”, registrado desde 2014 no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 13
    Quanto aos egressos do PPGD-UFC, a Ficha de Avaliação de 2017 (BRASIL, 2017bBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ficha de Avaliação do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Brasília: CAPES, 2017b.) não indica exatamente quantos ex-alunos atualmente são professores, apenas destaca que: “Desde a primeira turma de doutorandos em 2013, três egressos do programa foram aprovados em concursos públicos para professor da UFC e outros dois estão ministrando aulas em Cursos de Graduação de Universidades privadas. O programa de mestrado também já formou muitos professores, inclusive seu próprio coordenador. Além disso, concluíram seu mestrado na UFC ministros do STJ, juízes, procuradores da república e outros profissionais. Quanto a obras de relevância, deve-se destacar que a obra de um dos professores fundamentou a edição da Súmula Vinculante 24, do STF” (BRASIL, 2017bBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ficha de Avaliação do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza. Brasília: CAPES, 2017b., p. 7).
  • 14
    Considerando que a pesquisa que originou este artigo se centrou na análise da regulação da formação de professores para o ensino do Direito entre os anos de 2017 e 2019, os RIs e os programas de disciplinas analisados foram aqueles que estavam em vigência no período. Em 21 de julho de 2020, o texto anterior do RI do PPGD-UFC (2015)UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015. foi ratificado. Em 3 de março de 2021, ano de publicação deste artigo, o Colegiado do PPGD da UFC aprovou algumas alterações na redação do regimento daquele programa, as quais, a propósito, não trouxeram mudanças significativas em relação à redação anterior do regimento analisado, permanecendo basicamente as mesmas orientações normativas em relação à formação docente. O RI do PPGD-UFC, datado de 21 de julho de 2020, com as alterações realizadas em 3 de março de 2021, está disponível em: https://ppgdireito.ufc.br/wp-content/uploads/2021/09/regimento-interno-ppgd-atualizado-03.03.2021.pdf. Acesso em: 13 nov. 2021.
  • 15
    O RI do PPGD-UFC dispõe sobre a área de concentração e sobre as linhas de pesquisa: “Art. 22. Os Cursos de Mestrado Acadêmico e Doutorado em Direito, com área de concentração em ‘Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico’, se desdobram em três linhas de pesquisa: Direitos Fundamentais e Políticas Públicas, Ordem Constitucional, internacionalização e sustentabilidade e ‘Relações Sociais e Pensamento Jurídico’” (UFC, 2015UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015., p. 10).
  • 16
    Segundo o art. 23 do RI do PPGD-UFC, as disciplinas são divididas quanto à área de concentração e às disciplinas propedêuticas; “I – Disciplinas Da Área De Concentração: A) Teoria dos Direitos Fundamentais – 64h; B) Controle Social das Finanças Públicas – 64h; C) Direitos das Relações Internacionais e Contemporaneidade – 64h; D) Direitos Fundamentais do contribuinte – 64h; E) Direito Político na Ordem Constitucional – 64h; F) Direito Administrativo e a Tutela Jurídica dos Direitos Fundamentais – 64h; G) Ordem Jurídica e Econômica na Perspectiva dos Direitos Fundamentais - 64h; H) Teoria da Cidadania – 64h; I) Direitos da Personalidade – 64h; J) Direitos Sociais na perspectiva dos Direitos Sociais – 64h; K) Meio Ambiente, Sustentabilidade e Direitos Fundamentais – 64h; L) Proteção Internacional do Meio Ambiente – 64h; M) História do Direito e do Pensamento Jurídico – 64h; N) Estudos do Imaginário Jurídico – 64h. II – Disciplinas Da Área Propedêutica: A) Filosofia do Direito – 64h; B) Sociologia do Direito e do Estado – 64h; C) Teoria Geral do Direito – 64h; D) Metodologia do Ensino Jurídico – 32h; E) Hermenêutica Constitucional – 32h; F) Pesq. Jurídica e Elaboração de Tese e Dissertação – 32h; G) Filosofia do Estado – 64h; H) Teoria da Argumentação – 32h; I) Epistemologia Jurídica – 64h” (UFC, 2015UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015., p. 10-11, grifos nossos).
  • 17
    No período de realização de nossa pesquisa, inexistiam informações detalhadas sobre as disciplinas no site do PPGD-UFC. No que tange à disciplina “Metodologia do Ensino Jurídico”, havia apenas a lista das referências bibliográficas e uma ementa de que constam os temas a serem abordados durante o curso, que são: “A visão interdisciplinar e sistêmica do Direito. Problemas curriculares. Patologia do Ensino Jurídico e as tentativas de renovação. Os ideais de mutação da didática Jurídica diante de um novo contexto sociocultural e do processo de desenvolvimento. Aspectos didáticos do ensino jurídico” (UFC, 2020UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2020.). Nesse documento, não há detalhes sobre a metodologia empregada nem sobre os conteúdos abordados, o que dificulta sua análise. Quanto à bibliografia, percebemos que seus títulos mais atuais são publicações do ano de 2008, não havendo uma atualização de estudos e pesquisas sobre formação de professores e ensino do Direito nos últimos 13 anos, período em que houve expressivo crescimento da Educação Superior, notadamente privada (BRASIL, 2019bBRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da Educação Superior 2018: notas estatísticas. Brasília, 2019b.), e dos cursos de Direito no Brasil (BRASIL, 2019aBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Documento de Área 2017. Brasília: CAPES, 2019a.). Contudo, diferentemente da disciplina de “Didática do Ensino Jurídico” do PPGD-UNIFOR, essa disciplina do PPGD-UFC traz autores relevantes do campo da Educação, como Paulo Freire, Noam Chomsky, Jean Piaget, José Carlos Libâneo, Cipriano Carlos Luckesi, Ilma Passos Veiga, Maria Isabel da Cunha, Marco Antonio Moreira, etc. (UFC, 2015UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC). Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD). Regimento Interno do Programa de Pós-graduação em Direito. Fortaleza: UFC, 2015.). A ementa verificada estava disponível em: http://www.ppgdireito.ufc.br/public_html/index.php/grade-curricular/112-metodologia-do-ensino-juridico-02-creditos-32h-a. Acesso em: 19 set. 2020. Após a aprovação deste artigo para publicação, a referida ementa foi alterada, estando disponível em: https://ppgdireito.ufc.br/pt/disciplinas/grade-curricular/dbp7200-metodologia-do-ensino-juridico-32h-optativa/. Acesso em: 13 nov. 2021.
  • 18
    Sobre isso, cabe lembrar o trabalho de Guimarães (2008GUIMARÃES, Júnia Gonçalves de Souza. Os saberes docentes de bacharéis docentes de uma instituição superior privada do Distrito federal. 2008. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1773/1/2008_JuniaGoncalvesSouzaGuimaraes.pdf. Acesso em: 20 out. 2021.
    https://repositorio.unb.br/bitstream/104...
    , p. 128). Em sua pesquisa com professores de Direito em uma instituição privada no Distrito Federal, a autora chegou à conclusão de que, no processo de construção dos saberes referentes à prática docente, os saberes da experiência e os saberes disciplinares sobrepujavam o saber pedagógico.
  • 19
    Vejamos o que dispõem esses artigos da LDB: “Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extraescolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; XII – consideração com a diversidade étnico-racial; XIII – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida” (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.).
  • 20
    Importante destacar que muitos estudantes ingressam nos cursos superiores a partir dos 17 anos, o que significa que os professores do Ensino Superior não lidam apenas com adultos, mas também com adolescentes recém-egressos do Ensino Médio.
  • 21
    A título de exemplo, destacamos a Portaria n. 105 da CAPES, de 25 de maio de 2017 (que aprovou o RI e criou departamentos, setores, etc. no âmbito da CAPES) (BRASIL, 2017dBRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Portaria n. 105, de 25 de maio de 2017. Aprova o Regimento Interno e torna público o Quadro Demonstrativo dos Cargo sem Comissão e das Funções de Confiança da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasília, DF, maio 2017. 2017d.). Ao analisarmos seu conteúdo, observamos que se criou a Coordenação-Geral de Formação de Docentes da Educação Básica, em que se consideram duas dimensões da formação: a daqueles que já são professores (formação continuada) e a daqueles que estão em processo de formação para sê-lo (estudantes das licenciaturas). A inexistência de uma Coordenação de formação de docentes da Educação Superior no âmbito da CAPES nos chamou atenção e nos provocou bastante. Diante disso, perguntamos: por que não fora criada uma Coordenação de Formação de Docentes da Educação Superior? As respostas a esse questionamento, certamente, só seriam alcançadas adequadamente se empreendêssemos uma outra pesquisa, em que analisássemos as falas dos atores envolvidos na elaboração dessa política. De acordo com o art. 60 da Portaria n. 105/2017, o órgão interno da CAPES responsável pela pós-graduação stricto sensu é a Coordenação Geral de Avaliação e Acompanhamento da Pós-Graduação. Nesse artigo, estabeleceu-se a competência dessa Coordenação. Ao todo, são 13 incisos, mas em nenhum deles sequer se cita a locução “formação de professores”. A despeito de o escopo deste trabalho não ser analisar esta Portaria, podemos afirmar que seu conteúdo corrobora o que identificamos nos documentos da CAPES analisados nesta pesquisa, a saber: do ponto de vista legal e político-institucional, há uma desvalorização da formação para a docência no Ensino Superior em detrimento da formação para a pesquisa.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem pelo apoio da Coordenação de Aperfeiçoam ento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    17 Set 2021
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