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Trabalho, classe e capitalismo: sobre a interpretação de Marx por Postone

Labour, class and capitalism: on Postone’s interpretation of Marx

Resumo

O presente artigo apresenta uma análise crítica acerca da interpretação do pensamento de Karl Marx realizado pelo autor canadense Moishe Postone em sua obra Tempo, trabalho e dominação social. A discussão centra-se na maneira pela qual Postone reconstrói de maneira peculiar a crítica da economia política marxiana - principalmente os conceitos de trabalho, classe e sujeito - e como, ao fazê-lo, o autor cria impasses e incoerências na sua tentativa de renovar a teoria crítica de Marx.

Palavras-chave:
Marx; Postone; Trabalho; Classe; Capitalismo

Abstract

This article presents a critical analysis about the interpretation of the thought of Karl Marx conducted by Canadian author Moishe Postone in his work Time, Labor and Social Domination. The discussion centers on the way in which Postone reconstructs in a peculiar way the critique of Marxian political economy - mainly the concepts of labor, class and subject - and how, in doing so, the author creates impasses and inconsistencies in his attempt to renew Marx’s critical theory.

Keywords:
Marx; Postone; Labor; Class; Capitalism

Introdução1 1 Agradeço a Allan Hillani, Yuri Campagnaro, Vitor Dieter e Guilherme Leite Gonçalves pelas contribuições com a leitura, debate e crítica das ideias que se encontram nesse artigo. A responsabilidade pelo conteúdo, contudo, é tão somente deste autor.

Não é segredo que a última década do século XX marcou um período de severas dificuldades para o legado de Marx. O contexto da dissolução da União Soviética, aliado ao alastramento da hegemonia neoliberal pelo mundo criou um cenário onde o capitalismo parecia reinar inconteste e no qual a teoria social de Marx tornou-se profundamente desacreditada e impopular. O fim dos regimes políticos que se identificavam oficialmente com Marx marcou uma séria crise do marxismo, que, ao longo dos anos noventa, viu sua força na batalha das ideias desaparecer ao mesmo tempo em que se fortaleciam discursos como o do "fim da história" de Fukuyama ou o da morte das metanarrativas proposta pelo pós-modernismo lyotardiano2 2 Sobre esse tema, ver Hobsbawm (2011) e Therborn (2012). .

Assim, em uma época em que se tornou comum anunciar Marx como um pensador equivocado ou, na melhor das hipóteses, obsoleto, é digno de nota o esforço teórico elaborado no sentido de resgatar o potencial da crítica marxiana e defender sua atualidade feito por Moishe Postone em sua obra Tempo, trabalho e dominação social, de 1993POSTONE, Moishe. Time, labor and social domination: A reinterpretation of Marx's critical theory. New York: Cambridge University Press, 1993. (porém só em 2014 traduzida ao português). Postone, ao invés de abandonar seu referencial teórico com base em Marx em direção a alternativas como o pós-marxismo ou o "giro linguístico" como muitos de sua geração fizeram, apresentou nessa obra um estudo profundo dos textos marxianos tendo como objetivo demonstrar a pertinência da crítica da economia política enquanto uma teoria da dominação social, uma empreitada intelectual por si só meritória.

A obra de Postone, no entanto, não consiste em uma simples releitura ou um aprofundamento sobre Marx, pois a sua reinterpretação da análise marxiana sobre o capitalismo visa romper fundamentalmente com as linhas mestras daquilo que ele denominou de "marxismo tradicional". Nesse ponto a elaboração teórica postoniana revela-se perfeitamente como um fruto de sua época: Postone defende a teoria de Marx como indispensável para a compreensão da realidade social em um momento de forte descrédito do marxismo; contudo, ao mesmo tempo, ele procede de modo a remover do instrumental categorial de Marx todos aqueles elementos que a seu ver poderiam, ainda que vaga e indefinidamente, vincular o legado marxiano à experiência histórica do "socialismo real" e do marxismo oficial que a acompanhou. Em outras palavras, Postone está preocupado em desvencilhar Marx do peso da experiência dos regimes socialistas e vê-lo liberado para a criação de uma teoria crítica cuja análise do capitalismo não tenha que prestar contas a uma posição político-partidária específica e que igualmente não esteja presa aos modelos que predominaram na interpretação de Marx no século XX.

Essa maneira de proceder, entretanto, ainda que orientada pela louvável intenção de crítica do dogmatismo e do unilateralismo presentes em certas variantes do marxismo, não deixa de acarretar consequências bastante discutíveis, pois o preço que Postone paga pelo seu anseio de renovar Marx é o de lê-lo em um sentido que precipitadamente despe a obra marxiana de alguns de seus elementos mais fundamentais. Assim, o Marx desenhado em Tempo, trabalho e dominação social é um Marx no qual há pouco ou nenhum espaço para noções como exploração ou luta de classes e que se encontra depurado de ideias como as de emancipação da classe trabalhadora ou abolição da propriedade privada. Afinal, como o próprio Postone afirma reiteradamente, sua crítica é uma crítica do trabalho no capitalismo, e não uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho (POSTONE, 2014, p. 20).

Um dos objetivos principais de Postone em seu livro é que, de acordo com o próprio Marx, o capitalismo é melhor compreendido se visto como um sistema de dominação abstrata cujo motor está na lógica do valor ao invés de ser entendido como um modo de produção baseado na exploração da classe trabalhadora. Em sua leitura, a ideia de dominação de classe cede espaço para o mecanismo automático e impessoal do valor, cuja substância se encontra no trabalho abstrato e no caráter dual da mercadoria.

O esforço de Postone, portanto, ainda que ele não o assuma como tal, pode ser entendido, conforme apontou Werner Bonefeld (2004______. On Postone's Courageous but Unsuccessful Attempt to Banish the Class Antagonism from the Critique of Political Economy. Historical Materialism. Leiden, Brill, v. 12, n. 3, 2004, p. 103-124.), como uma tentativa de expurgar o antagonismo de classe da crítica da economia política marxiana. Postone certamente não nega a existência da luta de classes, porém a toma como um elemento que está fora do núcleo fundamental da análise de Marx do capitalismo, ou seja, um mecanismo subordinado e secundário em relação ao verdadeiro motor do capital que é o processo incessante de valorização do valor. A seu ver, a consideração da luta de classes como um componente central e ineliminável do capitalismo está mais relacionada com uma vulgarização de Marx cometida pelo "marxismo tradicional" do que com o que Marx realmente defendeu em sua obra madura (leia-se, n'O capital e nos Grundrisse).

É lícito então perguntarmos qual é a perspectiva de sucesso de Postone em sua empreitada intelectual. A questão principal a se levantar é: em que medida a crítica da economia política marxiana fica de pé quando se lhe remove a centralidade do antagonismo de classe? A nosso ver é aqui que a análise de Postone encontra suas principais dificuldades. Pois, ainda que bastante inovadora em alguns momentos, sua apropriação de Marx, ao mesmo tempo em que esclarece certos temas da obra marxiana, cria uma série de confusões conceituais e imprecisões que em grande parte se devem justamente à recusa em reconhecer que a análise da exploração feita por Marx não é um simples apêndice em sua teoria do capital, mas um de seus pilares estruturantes, sem o qual o conjunto da obra dificilmente se sustenta.

Para argumentar que o Marx maduro não é o teórico da exploração e da luta de classes, mas o teórico da crítica do valor enquanto forma de dominação abstrata, Postone é frequentemente levado a separar artificialmente pontos da teoria de Marx que estão umbilicalmente unidos e colocá-los em conflito, de modo que parece ser preciso sempre abrir mão de uma parte da teoria para que se possa aceitar a outra. Esse tipo de falsas dicotomias - que aparecem repetidamente ao longo de Tempo, trabalho e dominação social sempre ignorando a unidade orgânica das categorias marxianas - obviamente criam inconsistências teóricas e metodológicas que comprometem seriamente sua pretensão de renovar a crítica à sociedade capitalista nos termos do próprio Marx.

A seguir debateremos criticamente como a obra de Postone é seriamente prejudicada por operar no sentido de dualizar e separar aquilo que no pensamento de Marx está unido, e como esse expediente faz com que sua análise do capitalismo resulte não só incoerente e repleta de limites, mas também como uma versão do marxismo tão unilateral quanto aquelas que o autor visa combater. Esse eixo de análise se desenvolverá em dois pontos principais que explicitam os principais mecanismos pelos quais Postone cria um Marx sem classe: a) sua interpretação da categoria de trabalho em Marx e b) sua noção de capital como um sujeito autorreferente.

Comecemos, todavia, com uma breve exposição dos argumentos de Postone.

Postone contra o marxismo tradicional: o capital como dominação abstrata

A reinterpretação de Marx proposta por Moishe Postone em Tempo, trabalho e dominação social, está assentada, acima de tudo, em uma convicção central: a de que as interpretações do pensamento marxiano têm sido hegemonizadas por leituras reducionistas, rígidas e dogmatizantes que são responsáveis pela incompreensão da análise de Marx acerca da crítica da economia política. Tais leituras, além de terem reduzido o potencial crítico do marxismo, teriam sido responsáveis pelo fato de uma visão equivocada sobre o que é o capitalismo ter se tornado dominante na teoria social inspirada por Marx. A obra de Postone é, assim, uma resposta a essa situação. Para ele, a única saída para uma teoria que se pretende crítica é, contra os equívocos feitos em nome de Marx, resgatar o sentido original da teoria madura do pensador alemão (estabelecida sobretudo n'O capital e nos Grundrisse), repensando suas categorias fundamentais fora dos modelos corriqueiros oferecidos pelo marxismo.

Portanto, é no sentido de uma crítica do "marxismo tradicional" que Postone desdobra suas próprias reflexões. Vale a pena dar atenção especial a esse ponto, pois essa é uma expressão recorrente em Tempo, trabalho e dominação social, e que está presente, implícita ou explicitamente, em toda a obra como um pano de fundo contra o qual o autor, por contraste, delineia sua teoria. Marxismo tradicional é um termo utilizado por Postone para se referir a uma gama bastante variada de apropriações do pensamento de Marx. Tal denominação, porém, não alude propriamente a nenhuma vertente específica do marxismo, mas a uma matriz de leitura de Marx que tem algumas características básicas, sendo que as principais são: a elaboração de uma crítica do capitalismo que só o entende em termos de uma crítica da distribuição por focar a atenção nas categorias de mercado, propriedade privada dos meios de produção e luta de classes; a compreensão do capitalismo somente a partir da ideia de exploração do trabalho; a visão da classe trabalhadora como sujeito revolucionário; a incompreensão de que valor é uma categoria restrita ao capitalismo; e, principalmente, a defesa de uma concepção trans-histórica da categoria marxiana de trabalho (POSTONE, 2014, p. 72, 103-104, 147).

Aos olhos de Postone, se houve algum momento em que esse tipo de marxismo esboçado acima foi adequado para compreender a realidade social do capitalismo isso se deu apenas em relação ao capitalismo liberal do século XIX, pois o instrumental teórico do marxismo tradicional se revelou incapaz de explicar as mudanças pelas quais o capitalismo passou no século XX - principalmente quando se pensa no Estado de bem-estar social, nas políticas de cunho keynesiano e no estado soviético (POSTONE, 2004, p. 56). Sendo assim, capturar a fundo as formas de funcionamento do capitalismo contemporâneo implica mudar o ângulo de análise de uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho (ou seja, a crítica da exploração típica do marxismo tradicional, que segundo o autor se limita a questões de distribuição) para uma crítica do trabalho no capitalismo (e como ele está ligado a uma forma abstrata de dominação social que é independente da dominação de classe) (POSTONE, 2014, p. 31).

A ideia de uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho, defende Postone, está vinculada à noção de que em Marx existe um conceito trans-histórico, ou ontológico, de trabalho que atravessa diferentes formações sociais. Porém, de acordo com Postone, essa interpretação baseia-se em um equívoco: Marx não argumentou que "o trabalho seja o princípio da constituição social e a fonte de riquezas em todas as sociedades", mas que "o traço distintivo do capitalismo é precisamente o fato de suas relações sociais serem constituídas pelo trabalho", diferentemente de outras sociedades (2014, p. 20). Nesse sentido, entender o trabalho enquanto categoria trans-histórica implica não o entender em sua particularidade capitalista, e pior: acarreta também a projeção de uma categoria que é exclusiva da sociabilidade capitalista para toda a história humana.

Evitando esse caminho, Postone afirma que a especificidade histórica do trabalho no capitalismo consiste no seu papel enquanto uma atividade de mediação social. Isso quer dizer que o caráter do trabalho enquanto criador de mercadorias (trabalho abstrato) configura um elemento central no estabelecimento de relações sociais próprias da sociabilidade capitalista. Note-se que Postone não está falando aqui de relações de exploração do trabalho, mas do fato que, na medida em que os homens se relacionam por meio do intercâmbio de mercadorias, que têm em seu núcleo o valor, que, por sua vez, tem no trabalho abstrato sua substância, pode se dizer que é o trabalho que conforma a interdependência entre os homens. Ou seja, o fato do trabalho de um indivíduo ser o meio de aquisição do produto do trabalho de outros significa que "o trabalho e seus produtos medeiam a si próprios no capitalismo, são socialmente automediantes" (2014, p. 176).

Desse modo, o capitalismo é, por excelência, o tipo de sociedade constituída pelo trabalho, com isso diferenciando-se de formações pré-capitalistas, em que as relações interpessoais seriam "abertas" e "diretas". Ao contrário do marxismo tradicional, a quem Postone acusa de só ter entendido o capitalismo sob o aspecto da distribuição da riqueza por considerar equivocadamente que o que caracteriza o trabalho nesse modo de produção é a exploração, sua análise tenta capturar a lógica do capital pelo viés da produção ao mostrar o trabalho automediador como o terreno das interações entre as pessoas (2014, p. 148).

As categorias marxianas, como mercadoria e valor, são expressões dessas relações sociais mediadas pelo trabalho. Segundo Postone, o caráter dual da mercadoria enquanto valor de uso e valor significa que ela, além de ser a objetivação do trabalho em um produto material é também a objetivação de certas relações sociais - que, no entanto, assumem a forma aparente de uma relação entre coisas, como Marx descreveu com a ideia de fetichismo da mercadoria (2014, p. 184). Igualmente, a categoria de valor em Marx não é apenas uma medida de riqueza no sentido de criação de valores de uso (que Postone chama de riqueza material), mas ela configura uma forma de mediação abstrata das relações sociais, enquanto objetivação do trabalho abstrato. Afinal, considerando que a produção capitalista é orientada pela acumulação de valor e não pela criação de riqueza material, o valor aparece como um imperativo abstrato que se impõe sobre os indivíduos.

Assim, a questão principal para Postone é que, como sob o capitalismo os indivíduos são compelidos a produzir e trocar mercadorias para sobreviver, essas formas de mediação social se cristalizam em um sistema "quase objetivo" de relações que se torna um poder autônomo, uma estrutura social "quase independente" localizada acima dos indivíduos que se volta contra eles criando uma coerção impessoal sobre as atividades humanas. Eis aqui o centro de seu diagnóstico da característica mais crucial do capitalismo, que se inspira em uma releitura do problema da alienação em Marx na forma de uma dominação social abstrata.

Como o próprio autor afirma,

o que fundamentalmente caracteriza o capitalismo é uma forma historicamente específica de mediação social abstrata - uma forma de relações sociais que é única na medida em que é mediada pelo trabalho. Essa forma historicamente específica de mediação é constituída por determinadas formas de prática social e, ainda assim, se torna quase independente das pessoas envolvidas em tais práticas. O resultado é uma forma historicamente nova de dominação social - uma que sujeita as pessoas a imperativos e constrangimentos estruturais impessoais e crescentemente racionalizados que não podem ser compreendida adequadamente em termos de dominação de classe, ou, de modo mais geral, em termos da dominação concreta de grupos sociais ou de agências institucionais do estado e/ou da economia. Ela não tem local determinado e, embora constituída por certas formas de prática social, não parece ser social de forma alguma. (POSTONE, 2004, p. 59)

Em outras palavras, o modo de produção capitalista, distingue-se, acima de tudo, por criar uma estrutura de dominação social abstrata e impessoal que adquire vida própria e que se põe como uma força externa sobre e contra as pessoas, fazendo com que elas se submetam à engrenagem implacável da valorização do valor e à dinâmica temporal que a acompanha. Essa dominação, destaca Postone, não está fundada na luta de classes, mas em um nível mais profundo da lógica do capital, que é a acumulação de valor (2014, p. 150; 2004, p. 66-67). Sendo assim, não se pode esperar que a dominação capitalista seja contestada e superada pela ação organizada da classe trabalhadora; pelo contrário: o argumento postoniano é de que se as estruturas alienadas do capitalismo são constituídas pelo trabalho, então não faz sentido pensar que justamente os trabalhadores sejam capazes de ação anticapitalista, já que uma sociedade emancipada não deve ser fundada na afirmação do trabalho, mas na sua negação.3 3 Postone chega a afirmar não só que a classe trabalhadora não pode ser revolucionária, mas que ela está mais presa à estrutura do capital que os próprios capitalistas (2014, p. 414). .

Na verdade, Postone dedica parte de Tempo, trabalho e dominação social para tentar demonstrar que os trabalhadores não devem ser entendidos como uma espécie de sujeito histórico, mas que, diferentemente do que supõe o marxismo tradicional, o sujeito, na teoria de Marx, é o próprio capital. Ora, se o capital, sendo valor que se autovaloriza, é entendido como uma forma de mediação social que se impõe sobre os indivíduos submetendo-os a um processo ilimitado e infinito de produção pela produção (POSTONE, 2014, p. 308-309), então, conforme alega o autor, só ele mesmo pode ocupar o espaço de sujeito, de princípio ativo e dinâmico da realidade social.

Nesse sentido, Postone afirma, inclusive, que capital é a categoria marxiana que corresponde, no âmbito da crítica da economia política, ao Geist hegeliano, ou seja, à substância automovente e autorreferente que é ao mesmo tempo sujeito e objeto. A seu ver, em O capital, Marx não "inverteu" Hegel, mas aplicou as suas categorias a um objeto historicamente específico, mantendo assim o núcleo racional da dialética hegeliana ao mostrar que no capitalismo, o espírito, como categoria que forma o tecido da realidade, é o capital (2014, p. 102-103). Assim, a tarefa dos intérpretes de Marx não deveria ser ler Hegel pelo viés materialista e pensar o proletariado como a síntese entre sujeito e objeto conforme feito por Lukács em História e consciência de classe, mas perceber que

Marx caracteriza explicitamente o capital como a substância em processo que é o sujeito. Ao fazê-lo, Marx sugere que um sujeito histórico no sentido hegeliano existe realmente no capitalismo, mas ainda assim ele não o identifica com nenhum agrupamento social, como o proletariado ou a humanidade. Pelo contrário, Marx o analisa em termos da estrutura de relações sociais constituídas pelas formas de prática objetivante e apreendidas pela categoria do capital (e, portanto, valor). Sua análise sugere que relações sociais que caracterizam o capitalismo são de um tipo muito peculiar - elas possuem os atributos que Hegel atribuiu ao Geist. (2014, p. 96)

Em uma curiosa leitura da conexão entre Hegel e Marx, Postone postula que a lógica totalizante das estruturas alienadas de mediação social constituídas pelo trabalho abstrato é o real sujeito histórico presente no capitalismo. Essa lógica é caracterizada por ser autorreferente e automática, pois a valorização do valor é "um processo que existe pelo processo" (POSTONE, 2014, p. 309), além de ser total (no sentido de que, sendo uma unidade subjetiva-objetiva, nada pode escapar ou se sobrepor a ela). Com isso, o que o autor quer dizer é que no capitalismo o que determina a constituição da vida social não é a ação dos homens, mas a dinâmica socioeconômica posta pelo processo D-M-D', um sujeito sem rosto, autônomo e abstrato, que opera por meio de uma lógica cega que domina os indivíduos independentemente da vontade deles.

Postone, novamente nesse ponto, preocupa-se em sublinhar que essa forma de alienação não está fundada na exploração do trabalho, mas no próprio trabalho enquanto forma de mediação social, não podendo ela ser, portanto, apreendida por meio da noção de classe. Ora, em sua interpretação de Marx, o sujeito totalizante que é o capital não é criticado por dissimular uma situação de dominação que estaria camuflada por trás das aparências; na verdade, as formas sociais do capitalismo, ao invés de "esconder" ou "ocultar" relações sociais "reais" (como a exploração de classe) ou um sujeito "verdadeiro" (como a classe trabalhadora), são a própria realidade (2014, p. 99-100). Desse modo, a possibilidade de crítica do capitalismo, de acordo com Postone, só pode vir de uma negação desse sujeito total, e não da postulação de outro sujeito cuja essência negada deve se realizar em uma futura sociedade (POSTONE, 2004, p. 61).

O debate colocado por Postone, então, em grande parte gira em torno da questão de definir em que consiste o núcleo essencial do capital em seu nível mais fundamental e lógico e distingui-lo de suas características secundárias, variáveis e historicamente contingentes. Conforme exposto acima, Postone é bastante claro nessa separação: para ele, entender o capitalismo do ponto de vista da produção só é possível ao se compreender que seu âmago profundo é constituído pelo valor (2014, p. 40). Essa é a base de sua rejeição de outros elementos que foram - erroneamente, a seu ver - considerados pelo marxismo tradicional integrantes imprescindíveis do conceito marxiano de capital, tais como a propriedade privada dos meios de produção, o mercado e o antagonismo de classes. Como afirma o autor, "a teoria de Marx não considera as relações de classe, estruturadas pela propriedade privada e pelo mercado, como as relações sociais mais fundamentais do capitalismo" (2014, p. 451)4 4 Postone argumenta que o mercado e a propriedade privada dos meios de produção são características próprias do capitalismo do século XIX que, no entanto, foram extintas no pós-guerra com o aparecimento Estado de bem-estar social e o intervencionismo estatal na economia (2014, p. 25). Sendo assim, ambas são categorias que não explicam a estrutura mais profunda do capitalismo. .

A releitura postoniana de Marx parte da ideia de que a análise crítica do capitalismo deve focar sua atenção na produção capitalista e não somente no modo de distribuição da forma de riqueza produzida (valor). Essa, argumenta reiteradamente Postone, é uma tarefa que a tradição marxista não conseguiu realizar por ter se concentrado excessivamente na crítica da propriedade privada dos meios de produção, do mercado e da luta de classes sem perceber que essas categorias estão localizadas no âmbito da distribuição. Assim, em Tempo, trabalho e dominação social, esses elementos são dispensados como formas contingentes pertencentes a uma configuração histórica específica (a do capitalismo do século XIX), de modo que as mediações do conceito de capital ali apresentado são outras: o duplo caráter da mercadoria, o valor e o trabalho abstrato.

O mercado é visto por Postone como um mecanismo de repartição da produção econômica do capitalismo. Com frequência o autor afirma que as relações mercantis configuram um elemento exógeno que se encontra em um momento posterior à produção de valor, e que opera no sentido de determinar nas mãos de quem ficarão os recursos (2014, p. 23, 31, 38). A crítica ao mercado, então, é uma crítica à distribuição desigual dos bens entre as classes e, por isso, segundo Postone, não pode ser central por não atacar o cerne do capital. "A abolição do modo de coordenação de mercado e a superação do valor não são a mesma coisa" (2014, p. 335). O mesmo problema acontece com a propriedade privada dos meios de produção, conceito que é interpretado por Postone como um elemento que permite a apropriação privada da riqueza por uma classe, questão que se encontra na esfera da distribuição e não na produção5 5 Para Postone, quando a crítica coloca o planejamento econômico como alternativa ao mercado não se vê que o horizonte dessa discussão não atinge a produção. O mesmo acontece quando se propõe a propriedade coletiva dos meios de produção contra a propriedade privada. .

As duas categorias comentadas acima (mercado e propriedade privada) são vistas por Postone como o fundamento da relação entre as classes no capitalismo (2014, p. 405, 451). Entre outras coisas, isso significa que em sua leitura o antagonismo de classe também é percebido fora do âmbito da produção. De acordo com o autor,

se Marx considera que as relações de propriedade são relações de distribuição, segue-se que seu conceito de relações de produção não pode ser completamente entendido em termos de relações capitalistas de classe, enraizadas na propriedade privada dos meios de produção e expressas na distribuição desigual do poder e da riqueza. Pelo contrário, o conceito deve também ser entendido por referência ao modo de produção no capitalismo. (2014, p. 38)

Dessa maneira, em Postone, a luta de classes não atinge o nível mais profundo da existência do capitalismo. Longe de formar sua contradição fundamental, conforme defendido pelo marxismo tradicional, o antagonismo posto entre capitalistas e trabalhadores é, para ele, um conflito bem mais limitado e bem menos explosivo6 6 "Embora desempenha um papel importante na dinâmica do desenvolvimento capitalista, o antagonismo entre a classe capitalista e a classe trabalhadora não é idêntico à contradição estrutural fundamental da formação social tal como comecei a articular" (2014, p. 376) . Ora, se a luta de classes se estabelece em torno da apropriação e distribuição do valor ela acaba deixando intocado o problema central, que é justamente essa forma de riqueza que funda a dinâmica alienada intrínseca ao capitalismo (2014, p. 367).

Ao invés de colocar em risco o capitalismo e desestabilizar suas estruturas, a luta de classes, segundo Postone, tem o papel de dinamizá-lo e aperfeiçoá-lo (como feito pelas lutas dos trabalhadores no sentido da democratização e da humanização do capitalismo, mas não de sua abolição). Para ele, a teoria de Marx "não sustenta a ideia de que a luta entre capitalistas e trabalhadores seja entre a classe dominante da sociedade capitalista e a classe que encarna o socialismo - e que tal luta, portanto, aponta para além do capitalismo" (2014, p. 375). Fica claro, então, que o ponto de vista da crítica ao capitalismo não pode ser a sobreposição do projeto de uma classe sobre o da outra, já que tanto trabalhadores quanto capitalistas estão umbilicalmente atrelados ao capital, são momentos da mesma totalidade. Afirmar o "trabalho proletário", como diz Postone, como princípio de uma sociedade futura só tende a reforçar a característica mais central do capitalismo que é o trabalho como mediador social e a forma valor.

A contradição essencial do capitalismo identificada por Marx, a partir da qual deve ser feita a sua crítica, afirma Postone, não é aquela dada entre trabalho e capital, nem entre a produção social e sua apropriação privada, mas entre aquilo que o capitalismo é e aquilo que poderia ser (2014, p. 433). Ou seja, "entre o potencial das capacidades gerais da espécie acumuladas e a sua forma existente, alienada como constituída pela dialética entre as duas dimensões do trabalho e do tempo" (2014, p. 418). Assim, se o objetivo da crítica da economia política é o nível profundo do capital no qual residem as formas de dominação social abstrata postas pelo automovimento do valor, ela deve ser uma crítica do valor e do trabalho que o produz, e não apenas uma crítica da exploração.

Tendo exposto em linhas gerais o projeto postoniano de reinterpretação de Marx, veremos a seguir críticas e contra-argumentos que podem ser usados para questionar sua validade e apontar para suas insuficiências e imprecisões.

Postone e a unilateralização do conceito marxiano de trabalho

Vimos que um dos eixos principais da teoria de Postone se constrói em cima da discussão do conceito de trabalho em Marx. O autor canadense desenvolve nesse tema duas noções centrais: a) a negação de que existiria em Marx um conceito trans-histórico de trabalho, ou seja, uma concepção de trabalho que atravessa diferentes modos de produção7 7 Sobre isso, Postone é categórico: "a análise de Marx não se refere ao trabalho como geral e trans-historicamente concebido - uma atividade finalística que medeia entre os seres humanos e a natureza, criando produtos específicos para satisfazer necessidades humanas específicas - mas a um papel peculiar desempenhado pelo trabalho somente na sociedade capitalista" (2014, p. 19). ; e b) a defesa de que o trabalho em Marx, ao contrário, seria uma categoria específica do capitalismo, desempenhando nessa sociedade um papel peculiar, que é o de mediador das relações sociais. A nosso ver, ambas as afirmações são não só equivocadas, mas elas comportam uma confusão conceitual e metodológica que obscurece aspectos fundamentais da teoria marxiana.

Comecemos pela primeira alegação de Postone. Quando o autor de Tempo, trabalho e dominação social desenvolve sua crítica das interpretações trans-históricas do trabalho, ele o faz por entender que quando se toma o trabalho como um conceito trans-histórico, ou ontológico (como o fez o marxismo tradicional), isso necessariamente implica na desconsideração da especificidade histórica do trabalho no capitalismo e, consequentemente, na projeção do trabalho criador de valor para toda a história humana e na redução da crítica à esfera da distribuição8 8 "Se o 'trabalho' é o ponto de vista de uma teoria crítica, o enfoque da crítica torna-se necessariamente o modo da distribuição e apropriação do trabalho e seus produtos. De um lado, as relações sociais que caracterizam o capitalismo são vistas como extrínsecas ao trabalho em si (por exemplo, as relações de propriedade); de outro, o que é representado como a especificidade do trabalho no capitalismo é, na verdade, a especificidade da forma como ele é distribuído" (POSTONE, 2014, p. 78). . Portanto, para fugir desse erro ele nega que trabalho seja uma categoria com potencial heurístico fora do contexto histórico do modo de produção capitalista (2014, p. 82).

Na verdade, Postone vai mais longe e chega a considerar que o pensamento de Marx não comporta nenhum tipo de categoria trans-histórica:

Em um nível geral, a teoria de Marx não afirma que o trabalho é o princípio estruturador trans-histórico da vida social; não abrange a constituição da vida social como dialética sujeito-objeto mediada pelo trabalho (concreto). Na verdade, ela não oferece nenhuma teoria trans-histórica do trabalho, classe, história ou natureza da vida social. (2014, p. 451)

Embora a intenção de Postone ao afirmar isso seja a compreensível tentativa de evitar um de erro teórico, a posição que ele decide defender parece bastante precipitada. O motivo disso é o fato de ele compreender o tema a partir de uma falsa dicotomia: em sua visão, ou as categorias são trans-históricas e ontológicas ou elas são historicamente específicas e determinadas, o que faz com que ele, para esquivar-se das primeiras, só conceda validade às últimas. O problema, no entanto, é que essas duas formas de se lidar com o aparato categorial marxiano não são mutuamente exclusivas, pois não se segue que da compreensão do caráter historicamente específico do trabalho no capitalismo deva-se obrigatoriamente rejeitar qualquer dimensão trans-histórica desse conceito.

Dada a importância da crítica de Postone à concepção trans-histórica de trabalho na construção de seu argumento, era de se esperar que em Tempo, trabalho e dominação social, sua legítima preocupação em esquadrinhar uma concepção de trabalho própria do capitalismo viesse acompanhada de uma discussão sobre a relação entre as dimensões históricas e trans-históricas da teoria de Marx; no entanto, essa reflexão não é apresentada. O caminho escolhido por Postone é ler Marx como se todas as categorias empregadas na crítica da economia política dissessem respeito apenas à sociabilidade capitalista e, assim, tivessem validade apenas enquanto uma teoria do capitalismo.

Essa interpretação é bastante discutível por uma série de razões. A primeira é que Marx, em sua obra madura, ainda que estivesse voltado a explicar a realidade da sociedade capitalista, não deixou de utilizar categorias que têm significado trans-histórico, tais como valor de uso, trabalho concreto e riqueza material (aliás, o próprio Postone também não deixou de usá-las). Essas categorias permitem que se olhe para a realidade a partir de certas constantes mais abstratas que estão acima das especificidades históricas e, dessa maneira, elas providenciam parâmetros cruciais para que se entenda as características de uma formação histórica particular. Por exemplo, não há como se compreender a peculiaridade capitalista da forma valor sem ver que ela é uma determinação específica que se relaciona com uma forma mais geral (e trans-histórica) de riqueza que é o valor de uso.

Obviamente, essas categorias trans-históricas, por serem abstratas, não são em si mesmas suficientes para a análise de um modo de produção em particular; elas fornecem não mais do que linhas orientadoras gerais que servem de fundamento para uma análise que cuide de seu conteúdo específico dentro de uma formação socioeconômica dada com categorias mais precisas (FRACCHIA, 2004FRACCHIA, Joseph. On Transhistorical Abstractions and the Intersection of Historical Theory and Social Critique. Historical Materialism. Leiden, Brill, v. 12, n. 3, 2004, p. 125-146., 128). Ora, o que isso indica é que a teoria de Marx não opera apenas com uma dimensão sincrônica, no sentido da análise histórica do modo de produção capitalista; ela tem também uma dimensão diacrônica que trata dos aspectos da vida social que não variam historicamente e que, por isso mesmo, é imprescindível para se delinear a particularidade histórica do capitalismo. Essas duas dimensões, ao contrário do que supõe Postone, não se excluem em Marx, pois são complementares uma em relação à outra.

Além disso, as categorias trans-históricas são parte essencial da teoria de Marx na medida em que a concepção materialista da história de Marx e Engels tal como defendida n'A ideologia alemã se fundamenta nelas: a ideia de que o pressuposto da história humana, e, portanto, o fato primordial para a sua compreensão, é a organização corpórea dos indivíduos e a produção material da vida (independentemente da forma social específica em que venha a se apresentar, diga-se de passagem) (MARX; ENGELS, 2007MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 87). Note-se que essa noção não é abandonada por Marx e não está ausente da crítica da economia política, pelo contrário, a compreensão metodológica de que a produção material é o ponto de partida necessário da teoria social está pressuposta nas categorias que Marx utiliza em O capital9 9 Categorias como trabalho concreto, valor de uso e riqueza material são não apenas trans-historicamente abstratas, mas elas também cumprem o papel de enraizar a crítica de Marx do capitalismo em sua concepção materialista de história ao apontar para elementos que remetem à produção material da existência humana, como aponta Joseph Fracchia (2004, p. 132). . Um dos pontos mais evidentes disso é quando ele trata da questão do trabalho, ao afirmar que

como criador de valores de uso, como trabalho útil, o trabalho é, assim, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre o homem e a natureza e, portanto, da vida humana (MARX, 2013______. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 120)10 10 Em outro momento Marx afirma que "o processo de trabalho [...] é atividade orientada a um fim - a produção de valores de uso - apropriação do elemento natural para a satisfação de necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre homem e natureza, perpétua condição natural da vida humana e, por conseguinte, independente de qualquer forma particular dessa vida, ou melhor, comum a todas as suas formas sociais" (MARX, 2013, p. 261). .

Evidentemente, esse trecho de Marx contradiz de maneira explícita as alegações postonianas de que o pensador alemão não teria operado com um conceito trans-histórico de trabalho, ou mesmo com aspectos trans-históricos relativos à existência humana e sua relação com a natureza11 11 Para um excelente debate sobre o equívoco do argumento de que não existe em Marx uma concepção de natureza humana em Marx, ver o livro Marx and human nature, de Norman Geras (2016). . Curiosamente, Postone, embora rodeie essa passagem marxiana, nunca a cita diretamente nem a confronta para melhor justificar sua interpretação de Marx, limitando-se na maior parte do tempo a ignorá-la e a, no máximo, dizer que "esse trecho d'O capital é frequentemente retirado de contexto na apresentação de Marx e entendido como a apresentação de uma definição trans-historicamente válida do processo de trabalho" (2014, p. 320). Um arremate anticlimático e que não explica muita coisa12 12 Por outro lado, em certos momentos Postone parece admitir um conceito trans-histórico de trabalho, como quando postula que "Um exemplo desta última necessidade [trans-histórica] para Marx, é o fato de que uma forma de trabalho concreto, por mais determinada que seja, é necessária para mediar as interações materiais entre seres humanos e natureza e, assim, manter a vida social humana. Alguma atividade desse tipo, de acordo com Marx, é uma condição necessária para a existência humana em todas as formas de sociedade" (2014, p. 442). Trechos como esse são abertamente contraditórios com o que ele afirma em outras partes do livro, o que revela uma enorme confusão sobre o tema na obra. .

O que Marx expõe nessa passagem d'O capital é uma dimensão universal do trabalho (concreto) enquanto um pressuposto essencial da vida humana, sem o qual a própria existência social seria impossível. É importante destacar aqui que, apesar de Marx apresentar um conceito geral e trans-histórico de trabalho, isso em nenhum sentido redunda naquilo que Postone postulou como o equívoco necessário das concepções trans-históricas: a universalização do trabalho criador de valor, ou seja, do trabalho abstrato. Ora, como colocou Peter Hudis, uma coisa é a postulação do trabalho como condição universal da existência humana (como feito por Marx), outra coisa muito diferente é a falsa universalização de algo que é específico do capitalismo (o trabalho criador de valor) (Hudis, 2004, p. 157). O equívoco de Postone é tomar essas duas abordagens como se fossem a mesma coisa e, por consequência, atribuir à primeira o erro da segunda.

O resultado da confusão de Postone é que sua obra, conforme percebido por Marcelo Carcanholo, cai na armadilha do historicismo (2016, 304-305) por entender a teoria de Marx só como uma teoria sincrônica do capitalismo (o que ela de fato é, porém, como exposto acima, não apenas) sem levar em conta seus aspectos diacrônicos. Assim, ao criar uma oposição binária entre categorias trans-históricas e históricas (e escolhendo as últimas)13 13 Interessante notar que Postone critica as categorias trans-históricas mas em diversas partes de seu livro faz uso delas, como quando utiliza o conceito de riqueza material, sem o qual ele não consegue analisar a teoria do valor de Marx. Trata-se de uma contradição óbvia em seu discurso. Postone acaba barrando a entrada da concepção materialista da história em sua interpretação de Marx. Consequentemente, a discussão metodológica que funda o materialismo marxiano e sua noção central do papel do trabalho na produção da existência material são ignoradas.

O problema é que, fazendo isso, a teoria de Postone perde muito de seu potencial crítico. Ora, se todas as categorias de Marx dissessem respeito apenas à realidade capitalista, sua teoria não teria parâmetros normativos para pensar para além dela ou mesmo para criticá-la. Em outras palavras, uma análise que só conhece aquilo que é historicamente específico torna-se limitada por não ter instrumentos para pensar a existência humana fora do modo de produção já existente ou para imaginar alternativas à ordem estabelecida.

Isso fica evidente no debate aqui posto sobre o conceito de trabalho. Marx só conseguiu criticar o trabalho no capitalismo (trabalho abstrato) por empregar também uma concepção trans-histórica de trabalho (trabalho concreto) que o permitiu conceber a existência desse em formas não capitalistas. Assim, sem entender que Marx não fez não uma crítica ao trabalho em si (o processo de trabalho), mas uma crítica do trabalho em sua configuração capitalista (como suporte do processo de valorização), Postone acaba diluindo o trabalho concreto no abstrato e esvaziando a crítica marxiana. Ainda que em Tempo, trabalho e dominação social ele se refira diversas vezes ao duplo caráter do trabalho no capitalismo, ao negar as categorias trans-históricas ele chega a uma concepção de trabalho claramente unilateral que é incapaz de diferenciar o trabalho em geral de suas determinações capitalistas. O fato de Postone se valer de categorias trans-históricas como trabalho concreto e riqueza material não o isenta desse equívoco, ao contrário, só demonstra que em sua obra há uma confusão sobre o assunto, dado que sua rejeição retórica dos conceitos trans-históricos sequer encontra correspondência em sua prática analítica.

Assim, como assinalaram Geoffrey Kay e James Mott (2004KAY, Geoffrey; MOTT, James. Concept and Method in Postone's Time, Labor and Social Domination. Historical Materialism. Leiden, Brill, v. 12, n. 3, 2004, p. 169-187., p. 184), não há nada na adoção da dimensão trans-histórica do trabalho que leve inevitavelmente às posições que Postone renega, quais sejam, a limitação da análise à esfera da distribuição e à glorificação produtivista do trabalho industrial como realização da essência humana. Ao contrário, trata-se de levar a sério a concepção materialista de Marx de que o trabalho é um elemento ineliminável do ser social por ser a base da produção material da existência humana. Quando se parte desse pressuposto é possível ver que o uso do conceito trans-histórico de trabalho não é um erro em si mesmo, mas um componente central da crítica da economia política que, aliado à análise histórica específica, permite que Marx identifique quais aspectos do processo de trabalho são universais e quais pertencem apenas ao capitalismo. Desnecessário dizer que uma teoria incapaz de fazer essa distinção ficará desorientada em relação ao alvo de sua crítica.

A concepção de Postone do trabalho como automediador está ligada diretamente a sua rejeição do conceito trans-histórico de trabalho. Como se pode depreender a partir do exposto acima, a centralidade que ele dá à categoria trabalho para a compreensão do capitalismo não é derivada de uma noção materialista sobre a importância da atividade produtiva enquanto mediação insuprimível entre o homem e a natureza e entre os próprios homens, mas de sua percepção de que o trabalho (abstrato) estabelece certo tipo de relações sociais próprias da sociabilidade capitalista. Desse modo, a seu ver, o trabalho é socialmente mediador e, portanto, central, mas apenas no capitalismo.

Certamente, esse tipo de posição defendida por Postone só pode ser coerente com o pensamento de Marx se entendermos que o trabalho que Postone identifica como próprio do capitalismo é o trabalho abstrato, uma vez que não faria nenhum sentido afirmar que o trabalho concreto só existe no capitalismo. Infelizmente, essa identificação nem sempre está clara em seus escritos, pois Postone frequentemente chama o trabalho abstrato simplesmente de "trabalho", o que contribui para gerar certas imprecisões conceituais desnecessárias14 14 Como, por exemplo, acontece quando ele afirma que "a crítica marxiana tem como objeto uma determinada forma de mediação social constituída pelo trabalho, e não a mediação social em si" (POSTONE, 2014, p. 457). Essa frase só tem cabimento se o que Postone chama de "trabalho", seja lido como trabalho abstrato. . Quando Postone afirma que "a análise de Marx é uma crítica das relações sociais mediadas pelo trabalho" (2014, p. 67), supõe-se que o autor está falando do trabalho abstrato (pois, como vimos, seria um disparate pensar que Marx era crítico do trabalho concreto), porém, Postone se vale desse tipo de ambiguidade para dar suporte à sua alegação de que a crítica de Marx é contra o trabalho em si mesmo.

A raiz dessas inconsistências é a forma como o autor de Tempo, trabalho e dominação social enxerga a especificidade do trabalho no capitalismo. Postone está correto quando argumenta que o que caracteriza o trabalho nesse modo de produção é o fato dele operar como produtor de valor (ainda que esta seja uma caracterização incompleta), porém, a sua justificação para considerar o trabalho abstrato como automediador não é tão convincente.

Para Postone, o trabalho atua como mediação social por objetivar relações sociais fundadas no valor. Isso assim ocorre porque, a seu ver, o trabalho é o meio de aquisição de mercadorias: "ninguém consome o que produz, mas o próprio trabalho, ou os produtos do trabalho, funciona como o meio necessário de obtenção de produtos de outros" (Postone, 2014, p. 176)15 15 Essa de ideia de mediação como meio de aquisição, como bem percebeu David McNally (2004, 191-194) é bastante questionável, e tem muito pouco a ver com a noção de mediação em Hegel ou Marx. . Em outras palavras, uma forma abstrata de interdependência social é criada porque, em uma sociedade determinada por mercadorias "trabalha-se para poder adquirir outros produtos" (2014, p. 175), de modo que o trabalho cumpre a função de mediar socialmente a si mesmo (no sentido de que produtos do trabalho são trocados por outros produtos do trabalho).

Essa exposição do caráter do trabalho no capitalismo esbarra em um problema central. É verdade que as trocas de mercadorias se dão entre produtos do trabalho humano, mas isso não significa que a mediação socioeconômica identificada por Postone seja o próprio trabalho, pois no capitalismo os produtos do trabalho não são trocados diretamente, mas necessitam de um mediador específico, que é o dinheiro. É o dinheiro o elemento que cumpre a função de universalizador abstrato que possibilita que o produto de um trabalho específico, concreto, seja referenciado na linguagem universal das mercadorias e proceda ao "salto mortal" da troca, como afirmou Marx (2013______. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 180).

Se considerarmos, com Marx, que o dinheiro é "o mediador da circulação de mercadorias" (2013______. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 188) podemos perceber, então, como comentou Chris Arthur (2004ARTHUR, Christopher. Subject and Counter-Subject. Historical Materialism. Leiden, Brill, v. 12, n. 3, 2004, p. 93-102., p. 98-99), que Postone chega a uma conclusão bastante precipitada quando atribui essa função ao trabalho em si mesmo. Sua análise suprime o papel do dinheiro e, por isso, esquece que produtos do trabalho só podem ser trocados por meio de sua conversão no equivalente geral -- afinal, sem o dinheiro, um trabalho particular não tem como ser abstraído e representado socialmente como expressão de valor. Assim, se para Postone o papel de mediação social central do capitalismo é desempenhado por aquele elemento que opera como o meio de aquisição de mercadorias, sua conclusão deveria ser que esse papel é ocupado pelo dinheiro, e não pelo trabalho.

A confusão entre trabalho e dinheiro criada por Postone fica ainda mais evidente quando se percebe que as características das formas abstratas de interdependência social que ele imputa ao trabalho encontram ressonância nos escritos de Marx justamente quando este está tratando da questão do dinheiro. Ou seja, aquilo que em Postone é resultado da mediação trabalho, em Marx aparece como característica da mediação dinheiro. No capítulo do dinheiro dos Grundrisse, Marx faz referência a como a relação monetária cria uma "dependência coisal" entre os indivíduos, de modo que esses se veem dominados por abstrações deles independentes (2011, p. 111-112). Já n'O capital, Marx, ao tratar do dinheiro como meio de circulação, explica claramente que com a troca de mercadorias "desenvolve-se um círculo complexo de conexões que, embora sociais, impõe-se como naturais, não podendo ser controladas por agentes" (2013, p. 186).

Ora, não é preciso ir longe para perceber que aquilo que Postone desenvolve como uma crítica ao trabalho e suas formas de dominação abstratas, é na verdade uma crítica ao dinheiro e à circulação de mercadorias (ou seja, ao mercado, apesar de Postone não admiti-lo). Sendo assim, quando ele diz que no capitalismo as pessoas são dominadas pelo seu trabalho (2014, p. 324), o que ele está expressando é que elas são dominadas pelas relações abstratas de interdependência que operam impessoalmente por meio do dinheiro e do mercado. Curiosamente, Postone coloca em prática aqui precisamente o que combate no "marxismo tradicional": a elevação da esfera da distribuição sobre a das relações de produção.

Além disso, a ideia de Postone de que o trabalho seria automediador por ser o meio, por excelência, de aquisição de mercadorias parece ter como consequência que apenas os trabalhadores teriam capacidade de adquirir mercadorias, afinal Postone justifica sua posição dizendo que o trabalho é meio obrigatório para que se consiga o produto do trabalho dos outros. Assim, pelo modo como maneja os conceitos marxianos, ele parece não dar nenhum espaço para que se conceba a existência de uma classe de pessoas que se apropriam da riqueza social por outros métodos que não o próprio trabalho (por exemplo, por meio da renda, ou da exploração do trabalho alheio). Se ele o fizesse, teria que admitir que o mediador necessário das trocas mercantis não é o trabalho, mas o dinheiro, e que o trabalho só entra nessa equação pelo fato de que para os trabalhadores (e não para todos os indivíduos) o dinheiro só é adquirido por meio da venda de sua força de trabalho.

Dessa maneira, seria muito mais preciso se Postone, ao invés de escrever que no capitalismo "trabalha-se para conseguir bens", tivesse escrito que no capitalismo uma classe determinada vende a força de trabalho em troca de dinheiro para então adquirir bens, enquanto outra classe não produtora adquire dinheiro sem necessariamente trabalhar e, assim, se apodera de boa parte da riqueza produzida. Se a análise tivesse se estabelecido nesses termos, a teoria de Postone teria que proceder não a uma crítica do "trabalho" sem mais, mas a uma crítica do trabalho assalariado e da exploração. Ao não fazer isso, a concepção postoniana de trabalho automediador funciona como uma forma de evitar a entrada da luta de classes em sua reinterpretação de Marx.

A perspectiva adotada por Postone, então, o impede de perceber que a crítica marxiana ao trabalho no capitalismo não é uma crítica ao trabalho enquanto mediação das relações sociais. Em Marx o trabalho exerce, de fato, o papel de mediação, mas em um sentido muito diverso do que Postone dá a esse termo: para Marx, trata-se da interação metabólica entre homem e natureza e das interações entre os próprios homens. Isso indica que o que define o capitalismo para Marx, ao contrário do que afirma Postone, não é que o trabalho medeia as relações sociais, mas o fato das relações de produção se assentarem em um tipo de trabalho específico, que não é apenas o trabalho criador de valor, mas o trabalho assalariado criador de mais-valor, ou seja, explorado. Esse é um aspecto absolutamente central na explicação da especificidade do trabalho no capitalismo que é negligenciado pela análise postoniana.

No fim das contas, apesar de Postone se empenhar em delinear a especificidade do trabalho no capitalismo, tanto sua rejeição do conceito trans-histórico de trabalho quanto sua concepção de trabalho automediador são posições que o conduzem a uma visão unilateral do trabalho, frustrando a consecução de seu objetivo. Seu trato das categorias marxianas confunde o duplo caráter do trabalho e, via de regra, só o entende em sua dimensão alienada, enquanto trabalho abstrato, sem compreendê-lo também como o locus central da dominação de classe. Não surpreende, assim, que ele postule trabalho como uma categoria que está completamente subsumida ao movimento do capital. A consequência disso é que a visão antidialética de Postone falha em compreender que o trabalho não é apenas um espaço de produção de valor, mas da própria produção da existência social e que, portanto, ele não comparece na teoria marxiana apenas como objeto da crítica do capitalismo, mas também como o ponto de partida dessa crítica.

Sujeito, contradição e luta de classes

Um ponto significativo de Tempo, trabalho e dominação social, e que merece atenção, é a forma como Postone lida com a relação Hegel/Marx e o problema do sujeito na teoria social. Esse assunto de certo modo é uma chave para entender o argumento geral de Postone, já que ele estabelece uma conexão entre diversos tópicos apresentados pelo autor, como a relação entre ação e estrutura na teoria social, o problema da alienação e o ponto de vista da crítica de Marx. Para Postone, como comentado acima, o capital é uma totalidade abstrata que impõe sua lógica por meio de uma dominação impessoal que é exercida sobre os indivíduos. A valorização do valor, expressa na fórmula D-M-D', é um processo ilimitado, incessante e autorreferente, que tem em si mesmo seu telos, e que cria estruturas sociais "quase objetivas" que compõem um sistema alienado de relações sociais. O capital é, assim, na interpretação postoniana, o Geist hegeliano, o sujeito-objeto idêntico que estabelece o sentido da dinâmica sócio-histórica da sociedade moderna ao submeter as pessoas a sua lógica impiedosa.

Interpretar o conceito de capital como uma forma historicizada do sujeito hegeliano automovente, apesar de ser uma abordagem que tem certos méritos, parece ser uma forma bastante problemática de enxergar a crítica da economia política, e que gera incongruências na obra de Postone. Uma de suas dificuldades centrais é que ao postular que "o capital, e não o proletariado ou a espécie, é o sujeito total" (2014, p. 100), o autor canadense acaba minimizando, ou até mesmo negando o espaço para a ação humana. Em sua obra, os homens são retratados não como participantes ativos cuja prática constrói, ainda que com limites, a realidade social, mas como membros passivos que são inevitavelmente submetidos a uma estrutura social totalizante que está situada para além da vontade humana e sobre a qual os indivíduos não têm controle.

Ora, quando Postone nega a capacidade de ação para as classes e agrupamentos sociais e vê a lógica maquinal do capital como a única força social válida, ele está efetivamente eliminando a ideia fundamental de Marx segundo a qual os homens fazem a sua própria história - ainda que não o façam de livre e espontânea vontade - (2011b, p. 25) e reduzindo os indivíduos a meros apêndices inertes das estruturas sociais. Para não parecer que está sendo muito unilateral, Postone até se esforça para aliviar essa dificuldade ao adicionar o prefixo "quase" sempre que remete à lógica abstrata do capital: em sua obra, as relações capitalistas aparecem como "quase autônomas", "quase independentes", "quase objetivas", mas essa é uma estratégia meramente retórica que não resolve o problema da subordinação da prática social à estrutura em sua obra.

Em determinados momentos, intensificando sua tendência de ver o capital como um ente autônomo, Postone parece conferir a ele características sobre-humanas, como se a lógica do valor fosse onipresente, onipotente e intocável. O capital-sujeito aparece, então, como uma totalidade intangível que assume características de caráter quase teológico.

Como apontou Werner Bonefeld,

Sua teoria [a de Postone] do capital pressupõe que o capital reine supremo. O sujeito histórico tem que reinar supremo - do contrário sua determinação enquanto sujeito histórico faria pouco sentido. Contudo, contrastando com Postone, a concepção de Marx do capital como sujeito consiste em não mais que a hipótese teórica da economia política. Se, no entanto, o capital é realmente o sujeito, então nós estamos lidando com o 'invisível', e a teoria social se revelaria como uma teologia secularizada da coisa-capital como um sujeito extramundano. (2004, p. 113)

O que acontece aqui é que Postone, ao invés de proceder a uma crítica do capital como uma objetivação alienada da prática humana que, embora pareça um sujeito autorreferente, não o é, toma a aparência fetichizada do capital como a própria realidade. Ora, o capital não tem como ser o sujeito, a não ser enquanto uma manifestação alienada da atividade dos próprios homens que acaba por controla-los como se fosse algo exterior sem, note-se, na realidade o ser. Postone parece aqui esquecer que a crítica da alienação de Marx é uma crítica da inversão entre sujeito e objeto, no sentido de demonstrar que aquelas formas sociais que parecem ter vida própria são na verdade construções humanas (Bonefeld, 2014______. Critical Theory and the Critique of Political Economy: On subversion and negative reason. London: Bloomsbury Publishing, 2014., p. 6). No mesmo sentido, a crítica da economia política de Marx tem como tarefa tornar visível o conteúdo humano por trás das categorias econômicas, ou seja, desnaturaliza-las para que possam ser transformadas. Quando se aceita as formas objetivas do capital tal como aparecem, se ignora que elas são partes do "mundo encantado, distorcido e de ponta-cabeça" formado pelo capitalismo (Marx, 2017, p. 892) e que é esse mundo mistificado que precisa ser desconstruído em sua aparência fetichizada, e não simplesmente tomado tal como se apresenta.

O problema óbvio é que ao caracterizar o capital como uma lógica automática e absolutizante que é ao mesmo tempo sujeito e objeto Postone deixa bastante obscura a questão de como se pode desenvolver um projeto de crítica ou de transformação dessa realidade. Afinal, se o capital é convertido em um ente abstrato que a tudo engloba e que monopoliza a capacidade de agência, a consequência necessária é que não há nenhum ponto de vista a partir do qual se pode critica-lo e nenhum sujeito capaz de confronta-lo. Ou seja, o outro lado da moeda de fazer do capital um sujeito autônomo é a supressão da prática humana que poderia contestar a lógica alienada das estruturas de dominação abstrata, ficando-se assim com uma representação da realidade capitalista como algo inelutável.

Dessa maneira, o desejo de Postone de pôr em prática uma crítica social imanente que não venha de um ponto de vista normativo exterior a seu próprio contexto social, mas que esteja fundada no próprio movimento das contradições internas do capitalismo (2014, p. 109), é frustrado pelo fato de seu conceito de capital como sujeito total não admitir a possibilidade de espaços não capturados pela lógica alienante do valor. Curiosamente, Postone até chega a perceber que "uma crítica social imanente tem de mostrar que seu objeto, o todo social de que é parte, não é um todo unitário" (2014, p. 109), mas essa afirmação parece estar em desacordo com sua ideia de que o capital é um Geist totalizante objetivo-subjetivo. Assim, para conseguir conceber um ponto de vista para a crítica imanente, Postone teria que abandonar a identificação hegeliana entre sujeito e objeto que confere ao capital16 16 É significativo que, apesar de Postone desaprovar a interpretação lukacsiana do proletariado como união de sujeito e objeto, ele simplesmente inverte o sinal da equação para indicar que o verdadeiro elemento que constitui a identificação sujeito-objeto é o capital sem, no entanto, chegar questionar essa identificação em si mesma, que, como é sabido, foi reconhecida posteriormente pelo próprio Lukács como um dos principais equívocos teóricos de História e consciência de classe. e indicar quais elementos presentes na dinâmica do capitalismo escapam dos mecanismos do processo de valorização ao mesmo tempo em que o constituem. Esse, porém, é um caminho não tomado em Tempo, trabalho e dominação social. O autor da obra se limita a reafirmar que a luta de classes e o ponto de vista do proletariado não são capazes capaz de fornecer um parâmetro de crítica.

Postone se aproxima, desse modo, como notou Alex Callinicos (2014CALLINICOS, Alex. Deciphering Capital: Marx's Capital and its destiny. London: Bookmarks Publications, 2014., p. 219), de uma espécie de leitura estruturalista de Marx em que os aspectos históricos e dinâmicos da realidade social se encontram de antemão subsumidos à lógica da mercadoria e em que o capital aparece como um processo sem sujeito que paira sobre os antagonismos de classe. Essa posição teórica é um resultado direto da falsa contraposição criada por Postone entre a compreensão do capitalismo, de um lado, "como uma forma de sociedade" ou, de outro, "simplesmente como uma forma de dominação de classe" (2014, p. 87). O autor, porém, não mostra razão clara para que não se possa interpretar o capitalismo como, conforme diz ele, "um sistema de exploração de classe" e, ao mesmo tempo, um sistema que "constitui o próprio tecido da sociedade" (2014, p. 97).

Ao tratar essas duas perspectivas sobre o conceito de capital como se fossem mutuamente excludentes, o autor de Tempo, trabalho e dominação social acaba preso a uma definição parcial de capital. Sua leitura de Marx não leva em conta que a lógica do valor que se autovaloriza, mecanismo central da sociabilidade sob o capitalismo segundo Postone, não tem como ser entendida plenamente sem a compreensão do conflito de classe que está em seu cerne. Essa conexão entre os dois elementos, entretanto, só pode ser percebida quando saímos da esfera da circulação, onde "tudo se passa à luz do dia", e adentramos o "terreno oculto da produção" (MARX, 2013______. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 250). Nele, a aparência de que o capital é um sujeito que adiciona valor a si mesmo se desfaz, uma vez que ali se revela que o processo de valorização depende da extração de mais-valor criado pela força de trabalho.

É necessário lembrar que a fórmula geral do capital D-M-D' é referida por Marx ao modo como o capital "aparece imediatamente na esfera da circulação" (2013______. O capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 231). Assim, quando Postone assume o capital como sujeito autossuficiente e coloca o valor como seu motor, ele está tomando como certa apenas a aparência fenomênica da troca de mercadorias, esquecendo que por trás dela se encontra a dependência do capital sobre o trabalho vivo, o lado não contado da acumulação capitalista. Paradoxalmente, ao fazer isso Postone acaba agindo contra seu próprio conselho de que não se deve priorizar a esfera da circulação sobre a da produção (Hudis, 2004HUDIS, Peter. The death of the death of the subject. Historical Materialism. Leiden, Brill, v. 12, n. 3, 2004, p. 147-168., p. 162).

O que escapa a Postone, então, é que o impulso do capital de se autovalorizar não tem como se resolver em si mesmo; ele não pode ser plenamente autônomo como sua ideia de capital-sujeito leva a concluir. Ao contrário, a compulsão abstrata de autovalorização do capital só pode se satisfazer por meio de sua absorção vampiresca do trabalho vivo. Como afirma David McNally, em O capital "Marx demonstra a dependência insuperável do capital em relação ao trabalho assalariado. Ao fazê-lo, ele solapa as pretensões do capital de autonomia (autorreprodução não mediada) e fundamenta a luta inerente entre trabalho e capital na dualidade da mercadoria e do trabalho que a produz" (2004, 198). Assim, a autossuficiência do capital que transparece na imagem de sujeito promovida por Postone encontra aqui dificuldades. O autor parece ter esquecido que a ideia de capital como valor que se autoproduz é algo que foi reprovado pelo próprio Marx como um fetiche, uma postura que se restringe à aparência do capital tal como dada na superfície da circulação (MARX, 2017______. O capital: crítica da economia política: Livro III: o processo global da produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017., p. 892).

A dependência da valorização do capital em relação à exploração do trabalho implica que a luta de classes, diferentemente do que Postone argumenta, é uma contradição que se coloca no coração da produção capitalista. Ou seja, o conflito entre trabalhadores e capitalistas não é um elemento externo que é adicionado a posteriori por Marx (ou pelo marxismo tradicional) à lógica formal do valor, ao contrário, ele é parte intrínseca do processo de produção de valor, com o qual Postone está preocupado. Em O capital, a luta de classes aparece como elemento necessário dos desdobramentos dialéticos que se iniciam com o duplo caráter da mercadoria, sendo que a crítica de Marx demonstra que, como disse Chris Arthur, "o capital pode produzir valor apenas quando vence a luta de classes no seio da produção" (2016, p. 72). Postone, desse modo, se equivoca quando postula que aceitar a centralidade da luta de classes em Marx implica necessariamente em uma leitura "distribuicionista" que não compreende criticamente a dinâmica mais profunda do valor. Se, como argumentamos, esses elementos não se excluem sua conclusão deveria ser diferente: não há como capturar o funcionamento do valor e sua dominação abstrata sem apreender a dominação de classe, e vice-versa.

A razão principal do antagonismo de classes ser obscurecido na interpretação postoniana é sua visão unilateral do trabalho como um elemento integralmente subordinado ao valor e que, destarte, não tem a capacidade de se contrapor a ele. Como vimos, um dos grandes impulsos de sua obra é demonstrar que o proletariado não é o portador de subjetividade revolucionária. Contudo, a dependência do capital sobre o trabalho, faz com que o esse último seja um terreno instável de disputa onde as contradições do capitalismo se põem de forma aguda. Se o trabalho no capitalismo tem um duplo caráter é porque ele não é apenas trabalho abstrato, como Postone parece muitas vezes entender, mas trabalho concreto, criador de valores de uso. E a contradição aqui está no fato de que embora o objetivo da produção capitalista seja a acumulação de mais-valor por meio do trabalho abstrato, isso não tem como acontecer sem a dimensão contrária do trabalho concreto. Em outras palavras, a produção capitalista é um processo constante de conflito no qual o valor tenta sujeitar o valor de uso, assim como o trabalho abstrato o faz em relação ao trabalho concreto, mas em que o domínio daquele em relação esse nunca é completo e homogêneo, mas provisório e imperfeito.

É essa contradição que coloca a classe trabalhadora na posição peculiar de estar dentro e contra o capital. Como diz Bonefeld (1994BONEFELD, Werner. Human Practice and Perversion: Between Autonomy and Structure. Common Sense, v. 15, 1994., p. 43), no capitalismo essa classe está envolvida em uma dialética de integração e transcendência: ela ao mesmo tempo em que é uma parte constitutiva do capital também apresenta o potencial de se colocar em oposição a essa forma de sociedade. Conforme explica Carcanholo (2016, p. 310),

A força de trabalho, dentro do capitalismo [...] está inserida em um processo de trabalho (produtor de valores de uso) e em um processo de valorização que subordina aquele. Assim, a oposição da classe trabalhadora define-se em relação a essa subordinação do conteúdo material em relação à forma social do valor, e não a uma negação de todo o processo de trabalho.

Não se está afirmando que os trabalhadores carregam em si uma lógica autônoma e completamente alheia ao capital que irá antagonizá-lo imediatamente e inevitavelmente (como é a visão que Postone atribui ao marxismo tradicional), mas que a própria posição dessa classe dentro da produção capitalista lhe possibilita o confronto contra a lógica do valor. Logo, é precipitada a afirmação de Postone de que "a universalidade representada pelo proletariado é, em última análise, aquela do valor, o proletariado essencialmente constitui essa forma de riqueza abstrata e homogênea" (2014, p. 427). Uma declaração dessa só se explica pela falta, em sua obra, de uma visão dialética acerca do trabalho, o que, como comentamos na seção anterior, o reduz unidimensionalmente a seu aspecto abstrato.

Postone acertadamente sublinha diversas vezes que uma sociedade emancipada não deve ser constituída por uma distribuição equitativa do valor, mas por uma produção orientada para a criação de valores de uso, o que implica uma mudança radical da própria natureza da produção. Porém, ele não percebe que essa contradição entre valor e riqueza material, central em sua obra, não pode ser desvinculada das classes sociais em confronto no capitalismo. De fato, capitalistas e trabalhadores estão ligados à lógica total do capital, mas não estão vinculados a ela da mesma maneira, pois, estando contrapostos como exploradores e explorados, a capacidade de contestar e resistir a essa lógica só se coloca a esses últimos. Isso se revela na própria inserção das classes na estrutura econômica: enquanto capitalistas se movem dentro do processo D-M-D', comprar para vender e acumular, que representa o circuito do capital em seu impulso infinito em direção à valorização como um fim em si mesma, os trabalhadores se movem dentro do processo M-D-M, ou seja, a venda de força de trabalho em troca de salário para a obtenção de valores de uso como finalidade. Em outras palavras, na própria existência dessas classes dentro do capitalismo se encontram tendências antagônicas e inconciliáveis em relação ao sentido e à finalidade da produção, de modo que a disputa entre uma sociedade fundada na produção de valor e uma construída sobre a produção de riqueza material se manifesta também na contradição entre capital e trabalho.

Como afirma David McNally, (2004, p. 203)

as lutas de classe do ponto de vista do trabalho implicam, em alguma pequena parte, na resistência à forma mercadoria do trabalho e às formas de significado social associadas a ela. É nesse ponto da análise que a crítica do trabalho no capitalismo converge com a crítica do capital do ponto de vista do trabalho.

Desse modo, Postone se equivoca ao afirmar que a crítica ao capitalismo não pode ser feita tendo como referência o conflito entre capital e trabalho. Não há porque se supor, como faz o autor, que a luta de classes se resume a um embate distributivo que se resolve necessariamente sempre dentro da lógica da forma-valor e que se presta a, no máximo, aperfeiçoar as estruturas do capitalismo. Essa forma de enfocar a questão é uma desfiguração do conceito marxiano de luta de classes, pois desse ângulo ela deixa de ser uma verdadeira contradição estrutural (afinal, ela está pré-determinada a sempre se resolver dentro da ordem) e passa a ser uma mera disputa superficial. Em Marx, contudo, o conflito de classes se configura como um ponto de instabilidade do capitalismo não só porque é ineliminável, mas também porque ele coloca a constante possibilidade (não a inevitabilidade) dos trabalhadores resistirem e se insurgirem contra a lógica iníqua do trabalho abstrato, pondo fim à dinâmica infinita da valorização do valor.

Isso significa, entre outras coisas, que não há contradição entre uma crítica do trabalho no capitalismo e uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho. Essa na verdade é uma falsa antítese criada por Postone derivada de sua interpretação exagerada de que tomar o ponto de vista do trabalho significa automaticamente aceitar acriticamente a sua constituição alienada no capitalismo. Não é surpreendente que ele chegue a tal non sequitur, uma vez que o ponto de partida de sua teoria é uma compreensão unidimensional do trabalho seguida de uma problemática leitura do trabalho "automediador". Mas o que deve ser ressaltado é que é a experiência contraditória da classe trabalhadora - que é criadora tanto de trabalho abstrato quanto concreto, portanto, dependente do capital mas ao mesmo tempo capaz de se liberar dele - que a coloca como um sujeito que pode fornecer o ponto de vista de uma crítica imanente ao capitalismo. Essa crítica, no entanto, não implica na efetivação de uma essência metafísica dos trabalhadores (o "trabalho proletário", como chama Postone), nem na universalização do trabalho criador de mercadorias, pois se trata, como afirmou Arthur (2004ARTHUR, Christopher. Subject and Counter-Subject. Historical Materialism. Leiden, Brill, v. 12, n. 3, 2004, p. 93-102., p. 101), de uma autocrítica, no sentido de que o ponto de vista é também seu objeto. Em resumo, a crítica de Marx é contra a forma de existência do trabalho no capitalismo, ou seja, o trabalho explorado, produtor de (mais-) valor, mas ao mesmo tempo feita do ponto de vista do proletariado, que se encontra na posição única de poder se colocar não apenas contra a burguesia, mas contra a própria lógica abstrata do valor (e, ao fazê-lo, negar a si mesmo).

Sem perceber a luta de classes como uma contradição estrutural do capitalismo, a teoria postoniana acaba com uma imagem do capital como uma lógica impessoal, desencarnada, alheia aos conflitos sociais. Assim, sua representação do capital como o Geist hegeliano, embora tenha a vantagem de sublinhar como as relações capitalistas se impõem como uma forma de dominação impessoal, resulta no hipostasiamento do poder totalizante do capital: ele se torna uma força misteriosa que subordina os homens de maneira invisível, à qual não fica claro de que maneira se pode (se é que é possível) resistir. Afinal, se o capital monopoliza a agência, como agir contra ele?

Em resumo, o divórcio estabelecido por Postone entre forma-valor e luta de classes faz com que sua crítica anticapitalista fique presa a uma situação na qual está bloqueado o caminho para que se encontre alguma força social que possa se contrapor a um sistema cada vez mais dominador e alienante. Embora o autor indique contradições no funcionamento do capitalismo, elas aparecem apenas como tensões lógicas dos mecanismos do valor mas que não se conectam com sujeitos e lutas sociais concretas. Por isso, ao tomar o conflito entre capital e trabalho como uma disputa por distribuição que não é capaz de tocar as estruturas mais profundas do valor, Postone falha em indicar o fundamento para a crítica imanente do sujeito-capital. A questão de como fundar o movimento daquilo que existe (o capitalismo) em direção à sua superação é algo que está obscuro em sua obra.

A consequência, nesse ponto, é que, retirando o antagonismo de classe e a exploração do coração da crítica da economia política, o autor de Tempo, trabalho e dominação social acaba com a constatação excessivamente vaga de que a contradição fundamental do capitalismo é aquela dada entre "entre o que é e o que poderia ser" (2014, p. 433). Essa conclusão imprecisa e hesitante talvez seja a melhor expressão de que em Postone, a potência crítica da teoria marxiana, fornecida por sua capacidade de apresentar o capitalismo como um sistema em que a dominação de classe e a dominação impessoal do valor estão intrinsecamente entrelaçadas, fica debilitada.

Referências Bibliográficas

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  • 2
    Sobre esse tema, ver Hobsbawm (2011) e Therborn (2012).
  • 3
    Postone chega a afirmar não só que a classe trabalhadora não pode ser revolucionária, mas que ela está mais presa à estrutura do capital que os próprios capitalistas (2014, p. 414).
  • 4
    Postone argumenta que o mercado e a propriedade privada dos meios de produção são características próprias do capitalismo do século XIX que, no entanto, foram extintas no pós-guerra com o aparecimento Estado de bem-estar social e o intervencionismo estatal na economia (2014, p. 25). Sendo assim, ambas são categorias que não explicam a estrutura mais profunda do capitalismo.
  • 5
    Para Postone, quando a crítica coloca o planejamento econômico como alternativa ao mercado não se vê que o horizonte dessa discussão não atinge a produção. O mesmo acontece quando se propõe a propriedade coletiva dos meios de produção contra a propriedade privada.
  • 6
    "Embora desempenha um papel importante na dinâmica do desenvolvimento capitalista, o antagonismo entre a classe capitalista e a classe trabalhadora não é idêntico à contradição estrutural fundamental da formação social tal como comecei a articular" (2014, p. 376)
  • 7
    Sobre isso, Postone é categórico: "a análise de Marx não se refere ao trabalho como geral e trans-historicamente concebido - uma atividade finalística que medeia entre os seres humanos e a natureza, criando produtos específicos para satisfazer necessidades humanas específicas - mas a um papel peculiar desempenhado pelo trabalho somente na sociedade capitalista" (2014, p. 19).
  • 8
    "Se o 'trabalho' é o ponto de vista de uma teoria crítica, o enfoque da crítica torna-se necessariamente o modo da distribuição e apropriação do trabalho e seus produtos. De um lado, as relações sociais que caracterizam o capitalismo são vistas como extrínsecas ao trabalho em si (por exemplo, as relações de propriedade); de outro, o que é representado como a especificidade do trabalho no capitalismo é, na verdade, a especificidade da forma como ele é distribuído" (POSTONE, 2014, p. 78).
  • 9
    Categorias como trabalho concreto, valor de uso e riqueza material são não apenas trans-historicamente abstratas, mas elas também cumprem o papel de enraizar a crítica de Marx do capitalismo em sua concepção materialista de história ao apontar para elementos que remetem à produção material da existência humana, como aponta Joseph Fracchia (2004, p. 132).
  • 10
    Em outro momento Marx afirma que "o processo de trabalho [...] é atividade orientada a um fim - a produção de valores de uso - apropriação do elemento natural para a satisfação de necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre homem e natureza, perpétua condição natural da vida humana e, por conseguinte, independente de qualquer forma particular dessa vida, ou melhor, comum a todas as suas formas sociais" (MARX, 2013, p. 261).
  • 11
    Para um excelente debate sobre o equívoco do argumento de que não existe em Marx uma concepção de natureza humana em Marx, ver o livro Marx and human nature, de Norman Geras (2016).
  • 12
    Por outro lado, em certos momentos Postone parece admitir um conceito trans-histórico de trabalho, como quando postula que "Um exemplo desta última necessidade [trans-histórica] para Marx, é o fato de que uma forma de trabalho concreto, por mais determinada que seja, é necessária para mediar as interações materiais entre seres humanos e natureza e, assim, manter a vida social humana. Alguma atividade desse tipo, de acordo com Marx, é uma condição necessária para a existência humana em todas as formas de sociedade" (2014, p. 442). Trechos como esse são abertamente contraditórios com o que ele afirma em outras partes do livro, o que revela uma enorme confusão sobre o tema na obra.
  • 13
    Interessante notar que Postone critica as categorias trans-históricas mas em diversas partes de seu livro faz uso delas, como quando utiliza o conceito de riqueza material, sem o qual ele não consegue analisar a teoria do valor de Marx. Trata-se de uma contradição óbvia em seu discurso.
  • 14
    Como, por exemplo, acontece quando ele afirma que "a crítica marxiana tem como objeto uma determinada forma de mediação social constituída pelo trabalho, e não a mediação social em si" (POSTONE, 2014, p. 457). Essa frase só tem cabimento se o que Postone chama de "trabalho", seja lido como trabalho abstrato.
  • 15
    Essa de ideia de mediação como meio de aquisição, como bem percebeu David McNally (2004, 191-194) é bastante questionável, e tem muito pouco a ver com a noção de mediação em Hegel ou Marx.
  • 16
    É significativo que, apesar de Postone desaprovar a interpretação lukacsiana do proletariado como união de sujeito e objeto, ele simplesmente inverte o sinal da equação para indicar que o verdadeiro elemento que constitui a identificação sujeito-objeto é o capital sem, no entanto, chegar questionar essa identificação em si mesma, que, como é sabido, foi reconhecida posteriormente pelo próprio Lukács como um dos principais equívocos teóricos de História e consciência de classe.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2018
  • Aceito
    28 Maio 2019
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