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Situando o traço: Uma proposta filosófica para a Teoria da Comparação Jurídica

Situating the trace: A philosophical proposal for the Theory of Legal Comparison

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo principal oferecer ao leitor a apresentação de uma nova perspectiva dentro dos estudos jurídicos comparados. A aqui denominada “Filosofia do direito comparado” ou “perspectiva cultural do direito comparado” se apresenta como um poderoso arcabouço intelectual interdisciplinar que proporciona as indagações necessárias para a realização de reflexões epistemológicas no campo do direito comparado. Essas reflexões, mais do que contribuírem para um refinamento da produção da dogmática jurídica comparada, revigoram o debate em torno da comparação jurídica e reverberam a importância do próprio campo para o estudo do direito interno, reafirmando a importância dos estudos comparados para a ciência jurídica.

Palavras-chave:
Direito Comparado; Teoria da Comparação Jurídica; Filosofia da Comparação Jurídica; Pierre Legrand

Abstract

This paper aims to provide the reader a new perspective in legal comparative studies. The so-called “philosophy of comparative law” or “cultural approach of comparative law” presents itself as a powerful interdisciplinary intellectual framework that provides the necessary inquiries for the realization of epistemological reflections in the field of comparative law. These reflections, rather than contributing to a refinement of the production of comparative legal studies, reinvigorate the debate around legal comparison and reverberant the importance of the field itself for the study of domestic law, reaffirming the importance of comparative studies for legal science.

Keywords:
Comparative law; Theory of Legal Comparison; Philosophy of Comparative Law; Pierre Legrand

“Com um olho, observar o mundo exterior, com o outro o fundo de si mesmo” Amadeo Modigliani

Introdução: filosofia como crítica 1 1 Este trabalho é dedicado ao professor Pierre Legrand. O autor gostaria de agradecer a leitura e observações de Sérgio Maia Tavares, pesquisador do Centro de Estudos em Direito da EU- Universidade do Minho, Bruno Farage, Mestre em Direito pela UERJ e professor de Direito Constitucional da Faculdade Doctum/ Juiz de Fora e as importantes observações realizadas pelos avaliadores.

A filosofia foi conceituada das mais diversas formas no decorrer dos últimos séculos e tem se mostrado como parte integrante e indissociável do processo de produção do conhecimento cientifico em todas as culturas do globo (EDELGLASS; GARFIELD, 2011 EDELGLASS, William e GARFIELD, Jay L. The Oxford Handbook of World Philosophy. Oxford: Oxfod University Press, 2012. ).

Em que pese a profundidade e a importância do debate em torno do processo de conceituação do termo “filosofia”, não pretendemos investigar tal questão. Tampouco iremos fazer uma abordagem etimológica sobre o mesmo. Adotamos aqui a ideia inicial, na esteira de Karl Jaspers JASPERS, Karl. Way to Wisdom: An Introduction to Philosophy. Yale: Yale University Press, 2003. , de compreendermos a filosofia como uma atitude de reflexão crítica humana em relação ao seu próprio ser que, uma vez atrelada ao estudo das ciências, contribui de forma essencial ao desenvolvimento do conhecimento cientifico, mas que é um processo anterior a ele (2003, p.8). 2 2 No mesmo sentido, ver: GADAMER, Hans-Georg. Elogio de la teoria: discursos y artículos. Barcelona: Ediciones Península, 2000. p.23-45

Neste sentido, e direcionando essa limitação conceitual em benefício dos objetivos desse trabalho, compreendemos a filosofia como o processo de reflexão crítica metodologicamente estruturada que contribui para a produção de uma série de distintos conhecimentos. Em suma, em que pese considerações divergentes, consideramos aqui a filosofia em seu sentido de “meta-disciplina” como o processo de produção crítica do conhecimento sobre um determinado objetivo analisado. 3 3 Para uma valiosa contribuição à Introdução do estudo da Filosofia, ver: STEIN, Ernildo. Uma breve introdução à Filosofia. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005

Assim, e na esteira de Michel Foucault, entendemos o processo/projeto do pensar filosófico como aquele empreendido no sentido de analisar de forma metodologicamente organizada, mas também de uma maneira a procurar construir estruturas de reflexão que são distintas daquelas já produzidas anteriormente pelo pesquisador.

Essa “atividade filosófica” atua, portanto, como uma espécie de “curiosidade (...) praticada com obstinação. Não como aquela que procura assimilar aquilo que convém conhecer, mas aquela que nos permite nos afastar de nós mesmos”. O objetivo é realizar um trabalho crítico sobre pensar o próprio ato de pensar ( FOUCAULT, 1984 FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité tome 2: L’Usage des plaisirs. Paris: PUF, 1984. ).

Esse processo crítico, quando direcionado ao direito, dá vazão a um modo de investigação cientifica que potencializa operações intelectuais que são caracterizadas por sua interdisciplinaridade e, exatamente em razão deste fato, produzem um amplo e importante resultado teórico. O próprio conceito de disciplina, por sua vez, está conectado à ideia da limitação da pesquisa, da criação de um espaço dogmático, que impede a construção do saber fora dos espaços institucionalizados e submete a liberdade do pesquisador às regras profissionais. A interdisciplinaridade é, por si só, um ato de rebeldia contra a disciplina imposta pelo dogmatismo e é utilizada frequentemente por diversos intelectuais para combatê-lo ( LEGENDRE, 1999 LEGENDRE, Pierre. Sur la question dogmatique en Occident, Paris: Fayard, 1999. ).

Neste momento surge o inevitável conflito com as estruturas da formação do pensamento jurídico. A predomínio histórico da perspectiva “técnica” da formação do jurista, em suma, o domínio da transferência da informação jurídica sem uma perspectiva crítica e reflexiva, impregna diversos campos da ciência jurídica e faz com que a lição dogmática seja o (frágil) fio condutor do dito raciocínio jurídico. Trata-se de um verdadeiro obstáculo epistemológico 4 4 Para o conceito de obstáculo epistemológico, ver: BACHELARD, Gaston. La formation de l’esprit scientifique: Contribution à une psychanalyse de la connaissance objective. Paris : Librairie philosophique J. VRIN, 5 ed, 1967, p. 16. que atinge profundamente o campo da ciência jurídica. 5 5 Segundo o Stanford Encyclopedia of Philosophy: “Defined narrowly, epistemology is the study of knowledge and justified belief (…)epistemology is about issues having to do with the creation and dissemination of knowledge in particular areas of inquiry”. Voir: Steup, Matthias, "Epistemology", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2016 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = < http://plato.stanford.edu/archives/fall2016/entries/epistemology/ >

O pensar analítico que a reflexão crítica sobre o próprio direito impõe, nos termos delimitados anteriormente, o pensar filosófico sobre o Direito, rompe esse obstáculo epistemológico e insere o sujeito dessa operação num novo e amplo leque de possibilidades interrogativas, fornecendo as condições que consideramos ideias para se refletir de forma científica. 6 6 No mesmo sentido, especialmente no que tange o trabalho do juízes, ver: KRONMAN, Anthony Townsend. The Value of Moral Philosophy. In: Harvard Law Review ,Cambridge, v. 1751, 1998. p.1751-1767

O trabalho de reflexão filosófica do direito é feito obrigatoriamente de forma interdisciplinar 7 7 Para um estudo sobre a importância da interdisciplinaridade no direito, ver:BOTTINI, Eleonora; BRUNET, Pierre; ZEVOUNOU, Lionel (dir). Usages de l’interdisciplinarité em droit. Paris: Presses Universitaires de Paris Ouest, 2014. exatamente pelo fato de buscar em outros campos do conhecimento, interrogações que ultrapassam a próprio o direito, realizando um processo de pensamento complexo 8 8 Para uma melhor compreensão do conceito de pensamento complexo e seu método ver: Morin, Edgar. Introduction à la pensée complexe. Paris: Éditions du Seuil, 2005. Ver também: Morin, Edgar. La méthode: La connaissance de la connaissance. Paris: Éditions du Seuil, 1986 que irá produzir novos questionamentos, ultrapassando assim o quadro totalizante e reduzido da dogmática jurídica. 9 9 Para autores como Charles Fried, a maneira como refletimos hoje o direito é resultado direto do raciocínio desenvolvido pela filosofia moral, política e jurídica. Para detalhes, ver: FRIED, Charles. Philosophy Matters.In: Harvard Law Review, Cambridge, v. 111, n. 7, maio 1998. p.1739-1750

Como podemos facilmente desconfiar, a produção de reflexão crítica em diversos campos do saber das ciências socais, especialmente as aplicadas, são relegadas a um espaço que, em que pese seu propagado prestígio, é acusado de pouco influenciar o campo da efetivação prática.

Por outro lado, e ainda pior, há campos de interseção entre o direito e a filosofia que são pouco explorados em todo o mundo. Geralmente esses são espaços de reflexão que estão capturados por uma disciplina que a dogmática jurídica impõe e que pouco se desenvolvem nesse sentido.

A situação ainda é pior quando o próprio campo dogmático da disciplina é pouco explorado, sendo composto por importantes, porém reduzidas, iniciativas intelectuais, como no caso do Direito Comparado.

O campo do direito comparado é historicamente conectado com o processo de construção de um conhecimento que frequenta mais de um sistema jurídico. Entretanto, essa característica positiva, a possibilidade de identificar e compreender sistemas jurídicos distintos, vem raramente acompanhadas de um procedimento de reflexão crítica sobre comparação.

Podemos dizer que aquilo que é considerado um processo de comparação jurídica é, na verdade, um árduo, e algumas vezes inspirado, trabalho de sistematização da observação de uma lei estrangeira em contraposição a um outro sistema jurídico. Este trabalho, ainda assim, é quase sempre restrito a uma perspectiva dogmática.

Essa realidade na pesquisa jurídica comparativa, a contraposição dogmática de dois sistemas legais, vem caracterizando, ainda hoje, a maioria das colaborações realizadas nesse campo do conhecimento jurídico.

A inclinação, por grande parte dos autores, por uma perspectiva positivista/ortodoxa do direito comparado, identificada com o trabalho de Zweigert e Kotz (1998) e seus herdeiros, acaba prevalecendo sobre abordagens críticas como as desenvolvidas por Frankenberg (1985 ______. Critical Comparisons: Re-thinking Comparative Law, In: Harvard International Law Journal, vol.26, nº2, 1985, p. 411-456. ; 2013 ______ (ed). Order from Transfer, Comparative Constitutional Design and Legal Culture, Northampton, Edward Elgar Publishing, 2013. ; 2014 ______. The Innocence of Method – Unveiled: Comparison as an Ethical and Political Act, Journal Of Comparative Law, vol.9, 2014, pp.222-258. ; 2016) 10 10 Vinculada à escola do Critical Legal Studies. Sobre o tema, ver: Unger, Roberto Mangabeira. The Critical Legal Studies Moviment: Anther Time, A Greater Task. London: Verso, 2015. . Há, por outro lado, alguns importantes trabalhos sendo produzidos, tornando-se verdadeiros espaços de reflexão sobre o próprio direito comparado.

Algumas destas pesquisas vão no sentido de refletir sobre o processo de realização da comparação jurídica, seus desafios e sua dimensão epistemológica ( SACCO, 1991 SACCO, Rodolfo. La comparasion juridique au servisse de la connaissance du droit. Paris: Economica, 1991. ; VAN HOECKE, 2004 VAN HOECKE, Mark (Org.). Epistemology and Methodology of Comparative Law. Oxford: Hart Publishing, 2004. ; SAMUEL, 2014 SAMUEL, Geoffrey. An Introduction to Comparative Law Theory and Method. Oxford: Hart Publishing, 2014. ). Outros constroem sua abordagem de forma altamente interdisciplinar produzindo importantes e desafiadoras colaborações entre o Direito e os estudos de tradução (GLANERT, 2011). Essas contribuições podem ser consideradas como parte de um esforço intelectual pessoal que converge de forma coletiva para o desenvolvimento de uma verdadeira teoria da comparação jurídica. 11 11 Sobre o tema, ver: Campos Dutra, Deo. Da Ortodoxia à Crítica: Teorias da Comparação Jurídica (mimeo)

De forma paralela, e em muitos momentos cooperativa, podemos destacar um aporte dotado de uma abordagem que é francamente conectada com a reflexão crítica sobre seu sujeito de pesquisa e que, portanto, guarda enormes pontos de contato com a filosofia, sendo diretamente influenciado por diversas formulações desenvolvidas neste campo do saber.

O objetivo deste artigo e apresentar ao leitor a perspectiva culturalista do direito comparado, através de seu principal expoente, Pierre Legrand, aqui considerada como a primeira iniciativa de uma apropriação sistematizada pelo campo do direto comparado de pontos de reflexões produzidos pela filosofia continental.

O culturalismo se distingue das outras contribuições dentro da teoria da comparação jurídica exatamente porque pode ser considerado não como um herdeiro da construção intelectual dos autores que a sustentam, mas como uma reinterpretação original dessas mesmas fundações filosóficas, tendo como perspectiva a comparação jurídica. Neste sentido, entendemos, esta construção teórica pode ser categorizada como uma verdadeira filosofia da comparação jurídica.

Essa primeira e importante interseção dentro do âmbito do direito comparado, traz consigo diversas formulações teóricas que desafiam a maneira pela qual a comparação jurídica tem sido percebida nas últimas décadas por diversos motivos. Dois merecem destaque.

O primeiro deles é sua profunda e bem articulada crítica epistemológica às fundações da comparação jurídica ortodoxa. O segundo é a importante e complexa construção de uma teoria da comparação jurídica que absorve de diversos campos do saber filosófico suas mais instigantes contribuições. Essa é, sobretudo, sua mais importante contribuição.

A filosofia do direito comparado, sua interlocução com outros campos da teoria da comparação jurídica, sua inédita contribuição interdisciplinar e consequentes indagações são, portanto, o objeto de pesquisa deste trabalho.

1.Um raro intercâmbio: Filosofia e Direito Comparado

A contribuição dada pela filosofia no processo de produção intelectual crítica do direito foi utilizada em diversos campos que trabalham com a análise da interseção entre sistemas jurídicos nacionais e internacionais. A realização bem-sucedida deste procedimento intelectual pode ser observada, por exemplo, quando analisamos o direito dentro da perspectiva da teoria política ( WALDRON, 2012 WALDRON, Jeremy, Legal and Political Philosophy. In:COLEMAN, Jules L.,HIMMA, Kenneth Einar e SHAPIRO, Scott J.The Oxford Handbook of Jurisprudence and Philosophy of Law, Oxford: Oxford University Press, 2012. Pp. 352-383. , p. 352). 12 12 Aqui, entendemos a teoria política como “um ramo da ciência política que agrega contribuições de variadas disciplinas, mas, especialmente, da filosofia política e da história das ideias políticas”. Mais detalhes, ver: http://www.cienciapolitica.org.br/areas-tematicas/teoria-politica/

Podemos identificar também, em diversos momentos históricos, influentes produções no campo da reflexão filosófica do direito internacional público ( DEL VECCHIO, 1931 DEL VECCHIO, Giorgio. La Société des Nations au point de vue de la philosophie du droit international / par Giorgio Del Vecchio. Recueil des cours, Volume 38 (1931-IV), pp. 541-649. ) e privado ( BATIFFOL, 1956 BATIFFOL, Henri. Aspects philosophiques du droit international privé. Paris: Dalloz, 1956 ). Recentemente, importantes trabalhos dedicaram suas atenções nos campos da Filosofia do Direito Internacional Público ( BESSON; TASIOULAS, 2010 BESSON, Samantha e TASIOULAS, John. The Philosophy of International Law. Oxford: Oxford University Press, 2010. ) e da filosofia dos direitos humanos ( CRUFT; LIAO; RENZO, 2015 CRUFT, Rowan, LIAO, S. Matthew e RENZO, Massimo. Philosophical Foundations of Human Rights. Oxford: Oxford University Press, 2015 ). O direito internacional privado, por sua vez, contou recentemente com produções interdisciplinares no campo da teoria política ( LINARELLI, 2016 LINARELLI, JOHN. Toward A Political Theory For Private International Law. In: Duke Journal Of Comparative & International Law, Vol 26, 2016. pp.299-235 ).

Em um de seus últimos escritos, a crítica filosófica de Dworkin em relação ao direito internacional público contribui com importantes insights sobre o tema, ao abordar uma interessante perspectiva que aproxima o direito internacional público, a teoria do direito e a teoria política (DWORKIN, 2015).

Por outro lado, a contribuição do saber filosófico ao campo das disciplinas jurídicas que estudam o direito numa perspectiva que ultrapassa o sistema jurídico nacional, não obteve, no estudo do direito comparado, a atenção devida.

Poucas contribuições marcam esse diálogo, como por exemplo, aquelas desenvolvidas nos Estados Unidos por Pound (1951) POUND, Roscoe. Philosophy Of Law And Comparative Law. In: University of Pennsylvania Law Review, vol 100, nº1, 1951. Pp1-19 , Graveson (1958) GRAVESON, R. H. Philosophy and function in Comparative Law. In: International and Comparative Law Quarterly, vol 7, 1958. p.649-658. , ou por Northrop (1960) NORTHROPT, F. S. C. The Comparative Philosophy Of Comparative Law.In: Cornell Law Quarterly, vol.45, 1959/60. pp.617-657 na metade do século passado. Na França, esse diálogo pode ser observado em Pfersmann já no início do século XXI (2001).

Uma importante figura no campo da teoria do direito, Rescoe Pound é um dos fundadores da primeira revista norte-americana de direito comprado, e traz destacadas contribuições para o tema. Talvez a mais importante entre elas seja aquela que assume claramente o espaço fundamental da filosofia como parte integrante do processo de pré-compreensão necessária para que possa ser iniciado qualquer tipo de trabalho jurídico- comparativo (1951 POUND, Roscoe. Philosophy Of Law And Comparative Law. In: University of Pennsylvania Law Review, vol 100, nº1, 1951. Pp1-19 , p.2). Entretanto, seu texto, em que pese sua importância histórica, está na verdade preocupado com a filosofia do direito e não com uma possível filosofia do direito comparado.

Graverson, por sua vez, articula seu argumento no sentido de que a comparação é um dos mais importantes instrumentos que a mente humana utiliza para conseguir obter uma compreensão global dos objetos analisados. Não é possível, inclusive, escapar do processo interno da realização da comparação para a produção de nossa própria razão, complementa o autor. Em sua defesa do universalismo e da common law, Graverson acreditava que a melhor forma para solucionar os problemas da modernidade seria encontrada justamente através do direito comparado (1958 GRAVESON, R. H. Philosophy and function in Comparative Law. In: International and Comparative Law Quarterly, vol 7, 1958. p.649-658. , p. 655).

Já Northrop, destacava a importância da compreensão única de que cada sociedade dá a termos usualmente aplicados ao direito, como lei, justiça e sanção. Uma relapsa atenção do pesquisador a estas importantes diferenças culturais, pode comprometer todo o trabalho de quem pretendia perscrutar em direitos como aqueles que eram produzidos por sociedades asiáticas ( 1960 NORTHROPT, F. S. C. The Comparative Philosophy Of Comparative Law.In: Cornell Law Quarterly, vol.45, 1959/60. pp.617-657 , p.629).

Por fim, e deslocando nosso olhar para a Europa, Pfersmann aproxima questões oriundas do direito comparado àquelas desenvolvidas no quadro da teoria do direito, criticando de forma incisiva e contribuindo para um debate no campo da teoria da comparação jurídica, a denominada por ele “fraqueza epistemológica” do campo jurídico comparativo. A maior contribuição do autor, neste texto pioneiro, é, segundo entendemos, a delimitação do sentido e conceito do que é o direito comparado. Outro destacado argumento é oriundo do primeiro. Sua consequente e categórica defesa de que a realização da comparação jurídica não pode ser confundida com o estudo do direito estrangeiro (2001 PFERSMANN, Otto. Le droit comparé comme interprétation et comme théorie du droit. In: Revue internationale de droit comparé. vol. 53, N°2, Avril-juin 2001. pp. 275-288; , p. 277) serve como alerta fundamental para este campo do saber jurídico.

Ao mesmo tempo, e apesar das diferenças com a filosofia do direito comparado que iremos posteriormente esclarecer, Pfersmann também contribui de forma crucial ao defender que o direito comparado é um dos instrumentos mais potentes que podem ser utilizados pelos estudiosos para descrever não o direito estrangeiro, mas o direito nacional do pesquisador, contribuindo de forma essencial para a lapidação de uma “tecnologia da produção normativa” (2001 PFERSMANN, Otto. Le droit comparé comme interprétation et comme théorie du droit. In: Revue internationale de droit comparé. vol. 53, N°2, Avril-juin 2001. pp. 275-288; , p.288).

Em que pese a contribuição desses autores, notadamente Pound e Pfersmann, para uma série de importantes debates na interseção entre ambas as disciplinas, essas produções não deixam de ser meramente pendulares, flutuando entre os interesses particulares e dispersos que diversos pesquisadores vão assumindo como objetos (transversais) de suas pesquisas no decorrer dos anos.

Paralelamente, não há qualquer formulação de uma perspectiva particular, propriamente sistematizada, quando analisamos os trabalhos que se dedicaram a uma abordagem interdisciplinar que envolvia o direito comparado e a filosofia. O que temos é, portanto, poderosas inserções de juristas que, em algum momento de seu trabalho, se obrigaram a refletir para além da dogmática do processo de comparação entre normas ou sistemas legais.

Neste sentido, nada nos leva a concluir que havia ali o resultado de qualquer tipo de trabalho que fosse uma produção de filosofia da comparação jurídica propriamente dita. Pelo contrário, é possível identificar abordagens contingenciais que se apropriaram de mais um argumento, no caso o do direito comparado, para a construção de uma eventual hipótese que está fora do campo de trabalho da disciplina. Essa interseção, apesar de rara, ou seja, incomum e extraordinária, vem, contudo, sendo cada vez mais objeto dos esforços intelectuais de um grupo de estudiosos.

A importância de uma análise mais detida sobre as relações entre direito comparado e filosofia são evidentes, apesar de pouco difundidas. Hoje, mais do que nunca, consolida-se a ideia da constituição de um campo do direito comparado, denominado aqui por teoria da comparação jurídica, cujo objetivo primordial é analisar o direito comparado em si mesmo, suas principais características, seus métodos e seus processos epistemológicos, atuando dentro de um espaço autorreflexão ainda pouco feito pelos estudiosos do campo.

Há, sobretudo, uma urgência em dedicar tempo e esforço numa observação sobre a própria atividade de comparação jurídica (LEGRAND, 2015 _____. Negative Comparative Law. In: Journal of Comparative Law. Vol 10, nº2, 2015b. pp.405-454 , p. 453). O que se pretende é, essencialmente, a construção de um arcabouço teórico que possa utilizar das ferramentas da filosofia para “re-pensar” o estudo jurídico comparado.

A interseção aqui serve, substancialmente, para dar à teoria da comparação jurídica as fundações necessárias para a reflexão sobre temas que são de primeira ordem ao direito comparado, como metodologia, epistemologia, tradução jurídica ou alteridade e diferença, por exemplo.

E aqui este esforço teórico ganha importância. A formação de um sólido grupo de estudiosos que dedicam seu tempo a teorizar toda a complexidade exigida pelo trabalho científico de comparação jurídica é de suma importância para solidificar uma disciplina que sempre enfrentou as desconfianças da dogmática jurídica ao mesmo tempo que pouco dialogou de forma substancial com a zetética do direito 13 13 O termo zetética do direito é adotado aqui nos termos dados por Tércio Sampaio Ferraz Junior na esteira da obra de Theodor Viehweg. Para mais detalhes, ver: Ferraz Jr, Tercio Sampaio.Introdução ao Estudo do Direito. 9ed. São Paulo: Atlas, 2016. .

A produção de literatura, o aumento do número de pesquisadores, a solidificação de uma rede internacional de estudiosos e principalmente, o aprofundamento dos diversos debates em torno dos temas abordados no campo atuam como fontes importantes para romper com a fragilidade teórica do direito comparado já identificada anteriormente por Pfersmann.

O que o direito comparado precisa é, sobretudo, de um quadro fundacional crítico dentro das perspectivas teóricas que o pretendem analisar (LEGRAND, 1995 _____.Comparative Legal Studies and Commitment to Theory. In:Modern Law Review, Vol. 58, Issue 2, 1995. pp. 262-273. , p. 263). Somente após o fortalecimento teórico no campo da comparação jurídica poderemos esperar pelo fim das suspeitas infundadas não só sobre a autonomia como a relevância do campo como um interlocutor substancial para todos aqueles dedicados ao estudo do direito.

Neste sentido, a independência de uma filosofia do direito comparado é a própria asserção do direito comparado. Não mais dentro da área da comparação dogmática (ou seja, aquela que, mesmo sem deixar de recorrer em certos momentos à análise crítica, se preocupa fundamentalmente em comparar, per se , sistemas jurídicos estrangeiros, notadamente de forma funcional), mas essencialmente, na perspectiva da construção de uma teoria da comparação jurídica que atuará de forma anterior ao processo de comparação em si.

Essa teoria, por sua vez, conta com o subsídio de diversas ciências sociais e humanas e dialoga com todas elas tendo como objeto de questionamento o ato comparativo. A afirmação da filosofia do direito comparado é, portanto, a afirmação do próprio direito comparado como disciplina, porém marcada pela liberdade da “indisciplinada interdisciplinaridade”, como afirma Pierre Legrand, capaz de produzir sua própria, plural e criativa reflexão teórica.

Uma filosofia da comparação jurídica que é, por sua vez, parte integrante da teoria da comparação jurídica, permite distinguir práticas que, situando-se no ponto zero da comparação, aspiram a produzir formalmente uma razão pela qual a inserção de qualquer elemento descritivo estrangeiro provoque uma negociação indefinida com a alteridade a partir do direito, indo além do positivismo “a-crítico” reinante no direito comparado e adentrando na perspectiva interdisciplinar e cultural do fenômeno jurídico ( LEGRAND, 2015a LEGRAND, Pierre. Le Droit comparé. Paris: PUF, 2015a. , p.13).

2. Situando o traço: Uma Filosofia para (do) Direito Comparado na esteira de Heidegger, Gadamer e Derrida.

A ortodoxia é, sem dúvida, dentro do campo do direito comparado, a perspectiva predominante. Podemos observar que, numa grande medida, é a busca incessante pela identificação de similaridade entre as normas ou sistema jurídicos analisados, aplicando-se especialmente o método funcionalista, o principal objetivo dos comparatistas nas últimas décadas.

O que se procura, especialmente no campo do comparatismo ortodoxo, é o reconhecimento de normativas que possam aproximar ambos os ordenamentos analisados para que, talvez, um direito comum possa ser determinado. Há aqui um verdadeiro esforço intelectual coletivo para a produção de um trabalho que visa preponderantemente a ideia de harmonização do direito para que, talvez, no futuro, um direito comum possa surgir como resultado deste trabalho 14 14 Esta é a proposta, por exemplo, do grupo de Cornell e da Escola de Trento que, através do desenvolvimento do método do núcleo comum, visa a produção de normas-tipo que possam ser compartilhadas por diversos países. Para o grupo de Cornell, ver : SCHLESINGER, Rudolf. The Common Core of Legal Systems: An Emerging Subject of Comparative Study. Leyden: A.W. Sijthoff, 1961. Para a Escola de Trento, ver : BUSSANI, Mauro; MATTEI, Ugo. Making European Law. Essays on the «common» core project. Quaderni del Dipartimento di Scienze Giuridiche, Trento, 2000. .

A produção dos comparatistas clássicos, especialmente aqueles que adotavam a mesma perspectiva de Zweigert e Kotz, era de assumir uma postura que, nas palavras de Pierre Legrand, aproximavam-se de um comportamento cartesiano. Neste sentido, a produção científica é pautada pela identificação de um tipo de pensamento puro, uma verdadeira “matematização da realidade”, onde há uma formulação filosófica que pretende separar aquilo que faz parte do pensamento do homem e aquilo que está no exterior dele. Ao realizar essa separação, prossegue os cartesianos, o pensamento pode fabricar algum tipo de “matriz transcendente e neutra”, produzindo conceitos desprovidos de qualquer influência externa (LEGRAND, 2005 _____. Paradoxically Derrida: For A comparative Legal Studies. In: Cardozo Law Review, vol 27, nº2, 2005. pp.631-717 , p. 646).

Esse projeto, segundo Günther Frankenberg, acaba tornando-se uma forma de “controle cognitivo” quando aplicado ao direito comparado (2016 FRANKENBERG, Günther. Comparative Law as Critique, Northampton: Edward Elgar Published, 2016. , p. 85). Isso porque, numa transposição da filosofia de Descartes para o direito comparado 15 15 Descartes nunca foi referenciado pelos autores alemães sequer como influência, mas a ascendência de seu pensamento na escola ortodoxa é claramente demonostrada por Legrand em seus textos. , o que importa é a identificação de um dado real (real data ), caracterizado pela recognição de um conceito “puro”, mais “correto”, “neutro”, para serem aplicados ao direito comparado. Paralelamente, a neutralidade e a impessoalidade também são objetos de desejo do ortodoxo (LEGRAND, 2005 _____. Paradoxically Derrida: For A comparative Legal Studies. In: Cardozo Law Review, vol 27, nº2, 2005. pp.631-717 , p. 653). O intuito é claramente construir uma equação onde a cientificidade do trabalho comparado será maior na medida em que a atuação neutra do pesquisador é comprovada.

O combate à ortodoxia do direito comparado é a principal motivação da filosofia do direito comparado desenvolvida por Pierre Legrand. É este o principal ponto de partida para a grande maioria das reflexões desenvolvidas pelo autor. Para isso, o professor não se furta de avançar por caminhos poucos explorados pelos teóricos da comparação jurídica. O primeiro deles é a perspectiva epistemológica do trabalho do comparatista.

Para o autor, o direito comparado oferece três verdadeiros desafios epistemológicos que atravessam a rota do comparatista. O primeiro deles é a incomensurabilidade. Todos estudiosos do comparatismo enfrentam em seu trabalho a ausência de uma “medida comum”. Ou seja: há diversos direitos estrangeiros onde não é possível identificarmos qualquer tipo de interface que nos auxilie no processo reflexivo interno para a realização da comparação. É inútil pretendermos identificar uma figura jurídica no direito brasileiro, por exemplo, que se assemelhe a Sharia Muçulmana.

Não há, portanto, qualquer tipo de “ponto em comum” que possa auxiliar o trabalho intelectual e consequentemente argumentativo do comparatista brasileiro que pretende analisar com cuidado a legislação de qualquer país muçulmano. Mas essa dificuldade epistemológica não é identificada somente com relação a países do oriente e ocidente.

Um erro comum realizado por diversos pesquisadores é buscar desenvolver um trabalho que aproxima a common law e a civil law imaginando que, por se tratarem de sistemas jurídicos do oeste do globo e, portanto, supostamente mais próximos, não precisariam enfrentar o desafio que apresenta uma verdadeira incomensurabilidade entre os sistemas que adotam, por exemplo, valores tão distintos para seus ordenamentos jurídicos como a facticidade e a normatividade. Não confrontar frontalmente este desafio é um equívoco que pode ser fatal para um trabalho comparatista que se pretende sério. 16 16 Sobre o tema ver, MUIR WATT, Horatia ; FAIRGRIEVE, Duncan. Common Law et tradition civiliste: Convergence ou concurrence ? Paris : PUF, 2006 ; LEGRAND, Pierre. Pour la relevance des droits étrangeres. Paris : IRJS Éditions, 2014, cap.3 ;SAMUEL, Geoffrey ; LEGRAND, Pierre. Introduction au Common Law. Paris : La Découverte, 2008. Cap IV. GOODRICH, Peter. Reading the Law, London :Blackwell, 1986 e SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer. Harvard : Harvard University Press, 2009.

O segundo desafio que enfrenta o comparatista é o do etnocentrismo. Há uma inevitável projeção de nossa própria cultura no âmbito dos estudos que realizamos. Como consequência, todo o processo de interpretação e reflexão produzido pelo estudioso do direito comparado tende a ter a própria epistemologia do autor como verdadeira projeção ao sistema jurídico exterior que analisa. Há, segundo Legrand, uma verdadeira projeção forçada de nossa cultura jurídica (de nós mesmos) em relação àquela que estamos estudando. Desta forma, mesmo que procuremos não realizar esse tipo de violência epistemológica, o etnocentrismo seria inevitável já que eu não posso abrir mão de mim mesmo.

Por fim, o terceiro desafio epistemológico é o imperialismo e o colonialismo 17 17 Sobre a herança colonialista do direito comprado, ver: BAXI, Upendra. The Colonialist heritage, In : MUNDAY, Roderick, LEGRAND, Pierre. Comparative legal Studies : Tradition and Transitions. Cambridge : Cambrige University Press, 2003. pp.46-76 . Há, em muitos momentos, uma “indiferença epistemológica” com a alteridade no direito comparado. Mesmo em autores de tradições tão díspares, como Alain Badiou ou Ronald Dworkin 18 18 DWORKIN, Ronald Justice for Hedgehogs. Harvard : Harvard University Press, 2013. p.38. , podemos identificar uma minimização da diferença.

Para Badiou, por exemplo, há diferença em todos os lugares, e isso é absolutamente normal. A transformação acontece quando a reflexão consegue transpassar essa diferença. O grande estímulo está no próprio ato do pensar. Esse raciocínio acaba inevitavelmente, escorregando para uma abordagem que não compreende na diferença espaços possíveis para o refinamento da reflexão ( BADIOU, 2003 BADIOU, Alain. L’Étique. Caen: Nous, 2003. P.41-46 , pp.41-46).

Estes desafios devem ser enfrentados ao mesmo tempo e da mesma maneira que a construção ortodoxa que predomina no campo deve ser combatida. Grande parte da obra do autor canadense é centrada na identificação, construção e desenvolvimento de um equipamento filosófico que lhe permitiria atacar as ideias cartesianas que influenciaram Zweigert e Kotz e, consequentemente, dominaram os estudos jurídicos comparados ao mesmo tempo que consiga responder no campo epistemológico as questões acimas levantadas.

Para isso, Legrand encontrou em Martin Heidegger (1889-1976) o mais influente filósofo anti-cartesiano. A partir daí seu trabalho o levou à outros dois destacados autores, Hans-Georg Gadamer (1900-2002) e sua preocupação com a interpretação do texto, inclusive do texto jurídico, para enfim encontrar em Jacques Derrida (1930-2004) sua principal influência. 19 19 Para um “itinerário intelectual” do autor, ver: LEGRAND, Pierre. La comparaison des droits expliquée à mes étudiants. In: LEGRAND, Pierre (ed). Comparer les droits, résolument. Paris: PUF, 2009. pp.209-47.

A extraordinariamente complexa filosofia de Heidegger, onde a própria língua precisa ser reinventada culminando num vocabulário filosófico próprio, aparece em Legrand como o “esboço do esboço” para refletir o direito comparado 20 20 Para uma interpretação da teoria de Martin Heidegger que influenciou Pierre Legrand, ver: STEINER, George. Martin Heidegger. Paris: Champs Essais, 1981. Para uma importante contriuição em língua poertuguesa, ver :STEIN, E. J.. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. 1. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. v. 1000 . Para o autor, que em sua obra deixa claro que não possui a pretensão da compreensão dos raciocínios desenvolvidos pelo autor alemão, duas de suas ideias são essenciais para seu projeto em direito comparado.

A primeira delas é resultado do ataque principal feito à Descartes e ao seu dualismo por Heidegger. O conceito combatido é aquele que defende a ideia de que há uma diferença entre o pensamento, o ser e o mundo. Há, neste sentido, uma reinterpretação da ideia de sujeito até então utilizada. A proposta Heideggariana entende que existir é estar, necessariamente, obrigatoriamente, situado (HEIDEGGER, 1985 ______. Etre et Temps, éd. fora do comércio, 1985. , p. 121).

A impossibilidade de uma existência descontextualizada é, portanto, combatida. Só podemos ser se estivermos situados. O ser humano é sempre “ toujours, déjà” localizado. (LEGRAND, 2007 _____. Heidegger. In: CLARK, David S. (ed). Encyclopedia of Law and Society, vol II. Los Angeles: Sage, 2007. pp.700-701 , p.700). Esta obrigatoriedade primeiramente defendida por Heidegger é assumida por Legrand como um de seus principais “cavalo de batalha” e o acompanha por todos seus escritos.

A realização de um trabalho comparativo que se pretende verdadeiramente cientifico precisa levar em consideração a impossibilidade da construção de qualquer argumento com o pretexto de se apresentar neutro. Eu não observo o direito estrangeiro e suas peculiaridades de um lugar descontextualizado. O próprio pesquisador do direito é, por si só, um ser situado. Desta forma, clamar por uma objetividade cientifica neutra, positiva, é argumentar em torno de uma falácia que prejudica a produção de uma comparação jurídica cientificamente sólida.

Um segundo aspecto da filosofia de Heidegger caro ao direito comparado está centrado nas possibilidades das escolhas desempenhadas pelo ser humano. Heidegger questiona seriamente a ideia de livre arbítrio. A situação na qual estamos existindo é uma posição que, em grande medida, não podemos escolher (HEIDEGGER, 1985 ______. Etre et Temps, éd. fora do comércio, 1985. , p. 289).

A língua por exemplo, eu não escolho, eu nasço inserido nela. Neste sentido, a língua não me pertence, sou eu que pertenço a língua. “Eu sou jogado dentro dela”, afirma Pierre Legrand. Assim como na religião, no direito, nas boas maneiras e nos códigos de educação.

É o radicalismo ontológico de Heidegger que nos leva à uma reflexão epistemológica no direito comparado. O que interessa ao direito comparado é demonstração da simbiose extremamente próxima da individualidade e do mundo. O indivíduo porta o mundo em si mesmo. Se eu faço parte do mundo e se eu estou sempre lá, como eu posso ser objetivo? Como eu posso estar distante do mundo para o julgar de forma neutra, imparcial? E, enfim, se mundo está em mim, como eu posso me separar do mundo?

Sempre chegamos aos ambientes com uma bagagem pessoal, ou seja, transportando todos meus pressupostos sociais e culturais. Há sempre uma pressuposição que anterioriza o indivíduo. Desta forma a ideia de pré-compreensão, que ocupa o coração da filosofia de Heidegger é capturada por Legrand para refletir sobre o direito comparado. Essa ideia, por sua vez, dá paradoxalmente ao comparatista, uma oportunidade e um problema.

A oportunidade é que a pré-compreensão nos aproxima do outro, e nos possibilita encontrar o outro. Essa abertura para a proximidade é um dos pontos fundamentais para o próprio ato de comparação. Sem ela ocorre uma impossibilidade real para o desenvolvimento de qualquer ciência que pretenda ser comparativa.

O problema é que a sua pré-compreensão impede sua neutralidade, sua objetividade, o acesso absoluto ao outro. E isso se explica, como bem colocou Heidegger, pelo fato de que você acessa o outro dentro da sua realidade situada. Desta forma, um pesquisador, operador do direito ou jurista nascido e criado no Brasil pode até analisar as jurisprudências do mundo inteiro, estudá-las e dedicar grande parte de suas pesquisas em compreendê-las de forma pormenorizada.

Mas todo esse processo possui um ponto de partida irreversível: ele é um jurista brasileiro. E assim o será. E, desta forma, ele sempre perderá de vista a “americanidade” da jurisprudência norte-americana ou a “germanidade” da alemã pelo simples fato de que ele jamais as irá possuir.

A pretensão de uma cientificidade baseada na neutralidade se mostra, assim, no direito comparado, como um processo intelectual fadado ao fracasso. Isso porque o pesquisador jamais poderá ser desconectado de uma história que em grande medida ele não teve controle, e de sua posição situada no mundo.

O processo de construção comparativa de uma legislação comum, por exemplo, peca pelo fato de que não considera a individualidade inexorável de cada Estado-nação, com sua cultura distinta, realidade plural que é, na maioria das vezes, de uma complexidade profunda dentro das próprias linhas territoriais de cada Estado, haja vista sua diversidade cultural interna.

O local situado, por sua vez, aparece de três maneiras: a lei é situada; o interprete da lei também é situado e as pessoas que vão ler essa interpretação também estão situadas. A diferença é, portanto, irredutível, concluem os culturalistas.

Assim, não é possível falar num “não local”. Desta forma, a ideia da construção de qualquer instrumento jurídico não localizado no espaço e no tempo é insustentável. Por mais que estejamos lidando com um processo que se pretenda cosmopolita, numa instituição internacional na presença de diversos estados participantes, estamos, ainda assim, construindo uma manifestação legal que é historicamente localizada (LEGRAND, 2006 _____. On the Singularity of Law. In: Harvard International Law Review. Vol. 47, nº2, 2006. pp.517-530. . P. 523).

Ao abandonar a desconfortável constatação produzida por Heidegger, os estudos comparados podem, em uma certa medida até inocente ou marcada pelas boas intenções, produzir peças jurídicas que se propõem universais. Mas elas, de fato, não o são. Elas representam sim, um esforço de universalidade que abdica da desconfortável reflexão de que é impossível pensar o outro como pensamos nós mesmos. Esse esforço, é verdade, é por si só louvável, mas não deixa de ser um desafio perdido quando não refletido a partir dessas importantes premissas.

Hans-Georg Gadamer foi outro autor que teve sua produção intelectual refletida à luz do direito comparado. Gadamer é reconhecido pelo seu trabalho no campo da hermenêutica e a influência dessa escola marca profundamente o trabalho do teórico da comparação canadense. Herdeiro de Heidegger, seu trabalho é marcado pela afirmação de que é impossível operacionalizar a compreensão tal qual pretendia Descartes. 21 21 Para um estudo sobre Gadamer, ver : GRONDIN, Jean. Introduction à Hans-Georg Gadamer.Paris : Le Cerf , 1999. Para a transição do pensamento de Heiddeger para o de Gadamer, ver: GRONDIN, Jean. Le turnant herméneutique de la phénoménologie. Paris: PUF, 2003. P. 57

Ao contrário, é a tradição e seus derivados conceitos pré-determinados que contribuem de forma decisiva na determinação do sentido do texto analisado e não necessariamente um método determinado anteriormente pelo pesquisador (LEGRAND, 2007 _____. Heidegger. In: CLARK, David S. (ed). Encyclopedia of Law and Society, vol II. Los Angeles: Sage, 2007. pp.700-701 , p. 617).

Um dos pontos capturados por Legrand é a ideia desenvolvida por Gadamer de que a intepretação é sempre “instrumentalizada” por aquele que a realiza. Desta forma, a interpretação depende sempre de quem a produz, no nosso caso, do interprete dedicado ao estudo comparado.

Para isso Gadamer centra seus esforços na importância da compreensão da tradição. Para o autor, é fundamental percebermos que a tradição tem um papel fundamental para a formação do intérprete e, consequentemente, para sua leitura dos textos jurídicos. É a tradição transmite elementos que vão formar o pré-conceito, completa o autor (2006 ______.Vérité et méthode. Paris: Le Seuil, 2006. , p. 291).

Por outro lado, toda a minha compreensão é transmitida sem que eu tenha admitido, ou sequer desejado. A tradição é resultado das características da realidade histórica em que o indivíduo está situado. Desta forma, eu jamais julgo as informações que estão sendo transmitidas no espaço no qual eu estou inserido. Eu as vivo. 22 22 No mesmo sentido, ver também: VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. pp.118-119

Deste modo, tudo que é consagrado pela tradição e pelo costume possui uma autoridade anônima em nossa maneira de compreender o mundo. Nosso sujeito histórico é determinado pela transmissão dessa autoridade e não somente pela razão. Essa autoridade da tradição, por sua vez, possui um enorme poder sobre nossos atos e compreensão (GADARMER, 2006, p. 301).

Assim, um conceito pré-determinado já inserido na razão do intérprete é item fundamental na sua leitura sobre determinado texto. A questão se mostra ainda mais interessante na medida em que Gadamer defende a ideia de que um preconceito anteriormente formulado pelo leitor/intérprete não é necessariamente uma opção negativa, como demonstra sua origem latina praejudicium. 23 23 Para etmologia da palavra, ver : Database of Latin Dictionaires. http://clt.brepolis.net/dld/pages/QuickSearch.aspx . Acesso :17/03/2017

É preciso, portanto, reabilitar a noção de pré-conceito: ela não é absolutamente ruim como os iluministas pretendiam (GADAMER, 2006 ______.Vérité et méthode. Paris: Le Seuil, 2006. , p.291). Há, evidentemente, pré-conceitos negativos que influenciam de forma comprometedora o trabalho comparativo. Mas há, também, opiniões pré-estabelecidas que são importantes de serem aferidas e questionadas, exatamente pela constatação de que não podemos deixarmos de ser nós mesmo.

O fato é que, assim como seus julgamentos, o pré-conceito do indivíduo constitui a realidade histórica do seu ser. A história, por sua vez, não nos pertence e sim o contrário. Somos nós que pertencemos a ela (GADAMER, 2006 ______.Vérité et méthode. Paris: Le Seuil, 2006. , p.298).

Nossa “não-emancipação” da nossa própria história pode contribuir de forma importante no trabalho da comparação jurídica na medida em que a dissemelhança apresentada oferece uma verdadeira avenida reflexiva ao comparatista, permitindo que ele coloque em questão sua própria condição e, consequentemente, seu sistema jurídico.

Compreender não é, portanto, e mais uma vez, um exercício de objetividade. Ele é, sobretudo, um processo que inicia com um conceito pré-determinado que pode, inclusive, ser positivo ou negativo (GADAMER, 2006 ______.Vérité et méthode. Paris: Le Seuil, 2006. , p. 291). Levar em consideração o papel do pré-conceito no processo de compreensão é ponto nevrálgico no trabalho do comparatista.

Isso porque este ponto não só coloca em questão a leitura que qualquer influente crítico da legislação, notadamente conhecidos como doutrinadores, pode ter. Mas, e essencialmente, coloca em questionamento nossa própria leitura dele e da lei em si mesma. Assim como em Heidegger, é, no mínimo, uma ingenuidade afirmar que podemos pensar de forma objetiva, completa o autor (GADAMER,2006 ______.Vérité et méthode. Paris: Le Seuil, 2006. .p.321).

Como resultado, e ainda na esteira de Gadamer, é fundamental que o comparatista depreenda que, antes de iniciar ao processo dogmático da comparação jurídica, é inevitável a realização de uma compreensão mais honesta do seu próprio trabalho, reconhecendo a importância e influência que sua história pessoal e suas tradições vão ter em sua obra e em toda sua forma de realizar a empreitada comparativa que ele está envolvido. Negar tal procedimento intelectual e entregar toda sua expectativa na precisão de um método, por sua vez, pode resultar numa deformação efetiva do conhecimento produzido (GADAMER, 2006 ______.Vérité et méthode. Paris: Le Seuil, 2006. , p. 326).

A ideia de método é, portanto, uma forma de deixar o pesquisador nutrido com a falsa ideia de que não iremos personalizar nossa comparação. O método seria, portanto, um subterfúgio, uma artimanha para esconder minha posição obrigatoriamente particular (GADAMER, 2006 ______.Vérité et méthode. Paris: Le Seuil, 2006. .p.323). Em suma: o método é apenas o método de alguém. Tratar-se-ia, enfim, de uma enorme tautologia (LEGRAND, 2016, p.435).

Desta maneira, nenhum método permite eliminar a participação do comparatista. A análise da comparação é uma análise particular de cada pesquisador. E ela está limitada à duas restrições ( double bind): a enculturação do comparatista e a enculturação do próprio direito. Neste sentido, o método adquire pouca importância. A comparação é uma interpretação e como toda interpretação ela é individual, assegura. (LEGRAND, 2014 _____. Pour la relevance des droits étrangers. Paris: IRJS Éditions, 2014. , p.76).

Consequentemente, o papel da cultura é primordial no processo da comparação jurídica. A cultura atua aqui como uma linguagem silenciosa que traz reflexos fundamentais ao direito. O direito é, sobretudo, um discurso culturalmente situado. (LEGRAND, 2006 _____. On the Singularity of Law. In: Harvard International Law Review. Vol. 47, nº2, 2006. pp.517-530. , p.379). 24 24 Para uma melhor compreensão do sentido de cultura e seus reflexos nos estudos jurídicos comparados, ver: LEGRAND, Pierre. Comparative Legal Studies and the Matter of Authenticity. In: Journal of Comparative Law, 2006. pp. 374-393.

Os comparatistas, o leitor, enfim, todos os intérpretes, também estão culturalmente situados. Cada comentador possui sua forma de abordar o direito. Isso significa dizer, mais uma vez, que não podemos imaginar a possibilidade de encontrarmos a chamada objetividade científica. A ideia, torna-se, assim, indefensável.

A análise do direito estrangeiro é sempre feita por alguém, um indivíduo, e ele sempre forma o direito de acordo com sua perspectiva cultural. Desta maneira, pensar na formulação objetiva de uma análise é cometer um equívoco que pode comprometer todo o trabalho. A dita “objetividade” é, em si, uma construção cultural (LEGRAND, 2016, p. 432).

Consequentemente, tampouco podemos hierarquizar a interpretação em classifica-la como verdadeira ou falsa. Não há objetivo de encontrar a verdade na análise comparativa. O comparatista não deve, portanto, continuam os culturalistas, pretender oferecer algum tipo de verdade, mas somente uma interpretação pessoal dele para o objeto ora analisado.

Ao nos depararmos com duas posições distintas sobre um mesmo tema, ambas devem ser necessariamente apresentadas ao interlocutor que, por sua vez, escolherá qual a da sua preferência. Neste momento ele também se situa. Isso não significa, contudo, que uma delas é a verdadeira. Ela é apenas a, por hora, mais convincente. Por diversas razões, muitas jamais reconhecíveis, foi a perspectiva escolhida que levou ao ouvinte a se situar desta maneira (LEGRAND, 2016, p.434).

Estamos, portanto, sempre em uma situação aleatória, transitória. Não há segurança. Não há verdade na interpretação. Há somente a possiblidade de uma leitura que oferece uma autoridade transitória (LEGRAND, 2016, p. 434).

Especialmente pelo fato de que acredita na possibilidade da comunicação (1993, p.364), Gadamer pode ser considerado um heideggeriano menos subversivo do que a principal referência no âmbito dos incipientes estudos da filosofia do direito comparado: Jacques Derrida e a corrente filosófica conhecida como “desconstrução”. 25 25 Para mais detalhes sobre a desconstrução, ver: CAPUTO, John D. Deconstruction in a Nutshell: A Conversation with Jacques Derrida. New York: Fordham University Press,2000.

Por sua vez, Derrida não se coloca como um heideggariano. Ao contrário, argumenta que pensou de forma contrária a Heidegger. Segundo o franco-argeliano, Heidegger é um verdadeiro “contramestre” (1999, p.57). É da contrariedade entre ambos que nasce a verdadeira contribuição entre os dois. Sem a abertura trazida pelo autor alemão, Derrida afirma que nada poderia ser construído por ele (1972, p.18).

Por outro lado, Pierre Legrand, não se considera um discípulo de Derrida. Fica claro em seus escritos que não são todos os trabalhos de Derrida que interessam ao comparatista. Segundo o autor, ele é um leitor de Derrida que é tocado pelos insights elaborados pelo filósofo e que os reflete criticamente levando em consideração o estudo do direito comparado (LEGRAND, 2010/2011 _____. Siting foreign Law: How Derrida can Help. In: Duke Journal of Comparative & International Law, Vol.21, 2010/2011. pp.595-629 , p.604).

Enquanto Heidegger e Gadamer auxiliam principalmente a pensar a complexidade da realidade em que o direito comparado está inserido, Derrida contribui, mas não só, com uma reflexão que auxilia ao comparatista a realizar uma comparação jurídica mais consciente dos desafios do seu próprio trabalho.

Neste sentido, estudos sobre a alteridade, análises sobre textos – teses que tocam de forma direta as preocupações dos comparatistas-, são os temas que mais despertam sua atenção. A escolha de Legrand também se justifica, no sentido em acredita que:

Derrida é um “cosmopolitan who emphasizes the insufficiency of an ethics of rationality that would not also be an ethics of rationality, that is, that would operate without drawing on the resources or perspectives of the other, and because important aspects of his thoughts are directly relevant to a cosmopolitan practice such as comparative legal studies” (2005 _____. Paradoxically Derrida: For A comparative Legal Studies. In: Cardozo Law Review, vol 27, nº2, 2005. pp.631-717 , p.666).

O Direito Comparado, especialmente pelo fato de trabalhar diretamente com o outro, com aquilo que nos é distinto, traz consigo um amplo espaço para a reflexão baseada no trabalho de Derrida. Ao mesmo tempo, a alteridade, ponto de interesse comum entre a desconstrução e o direito comparado, é apresentada, na grande maioria das vezes, através de textos. Esses textos, seja em forma de normas positivadas, códigos ou jurisprudência, são normalmente o momento inicial onde o comparatista interage com a diversidade.

Paralelamente, e distinguindo-se de outros estudiosos da produção textual, como Paul Ricoeur, Derrida acrescenta em seu trabalho uma importante dimensão da compreensão da relação entre o “eu” e o “outro”, e especialmente do etnocentrismo, um dos desafios epistemológicos do direito comparado (LEGRAND, 2010/2011 _____. Siting foreign Law: How Derrida can Help. In: Duke Journal of Comparative & International Law, Vol.21, 2010/2011. pp.595-629 , p.604).

Uma das temáticas defendida por Derrida e absorvida pela reflexão filosófica no direito comparado é superação entre a dicotomia da presença e da ausência. A presença aqui é entendida para além de sua primeira concepção: a física. Presença, para Derrida, não é apenas a presença material. Ela vai além disso. Há uma clara contestação da ideia de que a presença do texto deve ser compreendida para além de sua “dimensão gráfica” (DERRIDA, 1990, p.253).

A noção de presença é, portanto, mais complexa do que estávamos acostumados a assumir. O que é visível é, obviamente, presente. Mas a presença gramatical do texto, não está totalmente representada pela sua expressão gráfica. Uma obra não coincide exclusivamente com aquilo que está escrito. Podemos identificar uma substância de sentidos dentro de um texto que não está necessariamente expressa em sinais gráficos. (LEGRAND,2010/11 _____. Siting foreign Law: How Derrida can Help. In: Duke Journal of Comparative & International Law, Vol.21, 2010/2011. pp.595-629 , p.606). O texto não é, portanto, somente aquilo que foi escrito na folha em branco. É necessário ler suas “entrelinhas”. É fundamental identificar o traço. 26 26 A noção de traço é derivada de Emmanuel Levinas e tem como sentido a ideia de “sinal”, “dica”. Para mais detalhes, ver: Derrida, Jacques. Grammatologie. Paris: Editions de Minuit, 1967, p.102-103

Há, portanto, em cada redação, uma dimensão espectral incluída. (DERRIDA, 2001______.Papier Machine. Paris: Galilée, 2001., p.307) Ela é parte integrante, mesmo que invisível, da produção que é fruto da razão do autor (LEGRAND, 2011, p. 607). Neste sentido, o texto “começa antes de começar” (DERRIDA, 1993 ______. Spectres de Marx. Paris: Galilée, 1993. , p. 255). Ao comparatista cabe empreender um processo intelectual consciente desta dimensão fundante e invisível, mas plenamente reconhecível, de um texto jurídico.

Sobre o plano da epistemologia da comparação jurídica as consequências são importantes. A norma, em sua letra fria, ou a decisão judicial, ao revelar sua posição, escancaram informações estratégicas para o estudo comparado.

Mas, ao mesmo tempo, escondem outros referencias que são fundamentais para que o interprete daqueles textos possa constituir seu trabalho de uma maneira mais completa e rigorosa. Há, nas entrelinhas de um texto jurídico, muito da sua própria história, da sociedade e da cultura de seu autor que não estão claramente expostas, mas são, decisivamente, parte integrante daquele resultado observável.

Cada traço, por sua vez, é singular e possui uma complexidade que lhe é única. Todos os traços determináveis no texto acrescentam ainda outro desafio para o comparatista. Eles nunca são apresentados ao leitor de fora unitária e seu sentido é “irrepreensivelmente fugidio, algo que o intérprete deve sempre caçar” (LEGRAND, 2008, p.131). 27 27 Aqui Legrand reinterpreta para o direito comparado a ideia desenvolvida por Derrida de que nenhum texto é (m)onogenealog(ical). Ver: Derrida, Jacques. The Other Heading, Indiana University Press, 1992. P. 10

Ao mesmo tempo, cada um desses traços é poroso e entram em contato uns com os outros. Desta forma, cada traço oferece a oportunidade de encontramos com um outro tão importante quanto, intimamente ligado e com influências cruzadas. A procura por traços é, portanto, uma verdadeira escavação em buscas de significados que jamais terá fim. Fazer direito comparado pressupõe, portanto, realizar uma arqueologia jurídica do direito estrangeiro.

Na mesma medida em que um sentido leva ao outro, seus significados vão surgindo numa construção que torna impossível a imputação de um sentindo final e determinado ao texto. Não há nada, portanto, fora do texto ( DERRIDA, 1967 DERRIDA, Jacques. De la Grammatoologie. Paris: Editions de Minuit, 1967. , p.227). Mas, paradoxalmente, não é possível atribuir corretamente qualquer forma definitiva de pretensão de sentido da obra (LEGRAND, 2008, p. 132).

A compreensão desta limitação, de certo frustrante para qualquer comparatista ortodoxo, é, ao contrário, uma oportunidade para que o estudioso do direito comparado reinaugure sua relação com o texto jurídico, substituindo a pretensão de representação e cognição pela conexão responsável com o texto, pautada numa ética de reconhecimento e respeito que a própria limitação do interprete impõe (LEGRAND, 2008, p.131).

Neste sentido, é mais uma vez importante lembrar que, segundo o culturalismo, não posso dizer que minha fala é a verdade sobre o texto, é apenas mais uma forma de interpretação dele. Cabe ao leitor, como alertamos anteriormente, julgar se meu argumento é persuasivo, factível. Aqui, o realmente que importa é a adesão temporária do leitor, já que pode ser mudada após a apresentação de uma nova (re)leitura do mesmo texto.

Não há, portanto, sentido legítimo de um texto estrangeiro. Há um esforço intelectual para recuperar e identificar seus diversos traços, contextualiza-los para que possamos compreender melhor um dos seus sentidos possíveis. É a partir desta acepção que poderemos realizar o trabalho de comparação.

Isso porque, fundamentalmente e contra intuitivamente, o trabalho do comparatista não está conectado com a pretensão de alcançar o pleno conhecimento de um sistema jurídico estrangeiro. Muito pelo contrário. A impossibilidade de integral compreensão do outro, fundada no respeito à alteridade e a compreensão dos limites que homem situado possui, oferece ao comparatista a oportunidade de, após olhar para mundo, reconhecer a si mesmo.

A prática do direito comparado está, conclui a proposta filosófica da teoria da comparação, em muito mais que analisar o direito produzido fora dos limites territoriais de qualquer sistema nacional. Ela está no ato de, ao realizarmos uma rigorosa arqueologia do sistema estrangeiro, possamos refletir criticamente sobre o nosso próprio sistema.

O trabalho comparado, mesmo que reduzido a uma leitura apenas gráfica do texto é, sem dúvida, um trabalho que por si só exige muitas vezes uma tremenda construção intelectual. Mas essa construção não pode abrir mão de importantes dados que as inescusáveis “presenças” identificadas nas entrelinhas do texto podem oferecer para o comparatista. 28 28 Um excelente trabalho comparado que vai além da tarefa visível da comparação foi feito por James Q. Whitman ao analisar o desenvolvimento dos sentidos culturais que a ideia de privacidade teve na Alemanha e na França e suas respectivas consequências jurídicas. Ver: Whitman, James Q. The Two Western Cultures of Privacy: Dignity Versus Liberty. In: The Yale Law Journal, vol 113, 2003-2004. Pp; 1151-1221.

Ela deve também questionar proposições que são altamente discutíveis, como as ideias de neutralidade cientifica, método e substancialmente a perspectiva de um homem fora de seu contexto cultural.

Se pretendemos estudar o direito estrangeiro de maneira inteligente é necessário entendermos a obrigatoriedade de um estudo comparativo que vá além do direito em si e que se atente a outras fundamentais dimensões que compõe o direito. O direito estrangeiro, assim como o nacional, existe não só como fenômeno jurídico, mas possui uma imersão profunda na cultura.

Ela deve sobretudo, aceitar a batalha perdida que é compreender diversas culturas como elas são entendidas por si mesmas. Reconhecer as diferenças, estudando umas em relação as outras, num processo de troca contínua, sem hierarquias, permitindo uma retroalimentação intelectual ( DETIENNE, 1999 DETIENNE, Michel. Comparer l’incomparable. Paris: Seuil, 1999 , p. 59) é ponto fundante para o bom estudo comparado.

O trabalho comparado deve ir além da “objetificação” do direito estrangeiro. Ele deve “observar sua diferença, teorizar sua pesquisa sobre outro direito e do outro-no-direito, (...) deve resistir a proclamação da existência de um sentido invariável do texto jurídico que iremos identificar através de uma formula metodológica. (...) Valorizar a singularidade jurídica, trabalhar de forma incessante para compreender o singular” (LEGRAND, 2015, p. 123) e com isso produzir investigações audaciosas que possam contribuir para o seu próprio sistema.

Para que a comparação possa ser exitosa ela deve assumir que é necessário entender o outro, permitir a alteridade, aceitar a distinção, assumir os limites da razão. Neste sentido, uma comparação bem-sucedida deve, ortodoxamente falhando, falhar.

Conclusão

Em quem pese a importância histórica desempenhada pelo trabalho dos autores vinculados à ortodoxia teórica no direito comparado, a teoria da comparação jurídica sempre se ressentiu de não identificar um amplo grupo de estudiosos que, de forma rigorosa e constante, pudesse apresentar novas perspectivas para este campo de estudo do direito.

Para que o direito comparado possa, enfim, avançar no desenvolvimento de diversos debates que são altamente produtivos para a solidificação da teoria da comparação jurídica é fundamental investirmos em novas proposições que trazem consigo desafiantes questões das mais diversas matrizes.

A contribuição daquilo que nomeamos como filosofia da comparação jurídica (ou culturalismo), acrescenta à da teoria da comparação um arcabouço teórico plenamente articulado, fundado em paradigmáticas contribuições da filosofia continental 29 29 O que não impede que filósofos analíticos como Williard Van Orman Quine não se aproximem das mesmas proposições que movem a filosofia da comparação jurídica. Para detalhes, ver: GLANERT, Simone; LEGRAND, Pierre. Foreign Law in Translation: If Truth Be told. In: FREEMAN, Michael; SMITH, Fiona (ed). Law and Language. Oxford: Oxford University Press, 2013.pp.513-532 que colocam e evidência um amplo espaço para o debate na teoria da comparação.

É extremamente importante para a própria continuidade do direito comparado como um campo de produção cientifica profícuo que perspectivas tão dispares das predominantes sejam produzidas e divulgadas. A necessária dialética entre a ortodoxia e a filosofia do direito comparado trará como resultado uma oportunidade única de revigorar-se a teoria da comparação jurídica e, com isso, possibilitar que a dogmática desenvolvida nesse campo ganhe novas compreensões.

O direito comparado deve, portanto, reconhecer seus limites e aproveitar-se deles para redimensionar o seu objetivo principal, ou seja, o estudo do outro(a) (norma, texto, prática, sujeito, sistema) no sentido da melhor compreensão de si mesmo (norma, texto, prática, sujeito, sistema).

A filosofia do direito comparado assume a pretensão de, assim como o artista, buscar no exterior razões e sentidos que colocam em ebulição reflexões que são internas. Se olhar para o mundo exterior nos permite compreender melhor o “fundo de si mesmo”, não faz sentido abraçar outro caminho que não esse.

  • 1
    Este trabalho é dedicado ao professor Pierre Legrand. O autor gostaria de agradecer a leitura e observações de Sérgio Maia Tavares, pesquisador do Centro de Estudos em Direito da EU- Universidade do Minho, Bruno Farage, Mestre em Direito pela UERJ e professor de Direito Constitucional da Faculdade Doctum/ Juiz de Fora e as importantes observações realizadas pelos avaliadores.
  • 2
    No mesmo sentido, ver: GADAMER, Hans-Georg. Elogio de la teoria: discursos y artículos. Barcelona: Ediciones Península, 2000. p.23-45
  • 3
    Para uma valiosa contribuição à Introdução do estudo da Filosofia, ver: STEIN, Ernildo. Uma breve introdução à Filosofia. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005
  • 4
    Para o conceito de obstáculo epistemológico, ver: BACHELARD, Gaston. La formation de l’esprit scientifique: Contribution à une psychanalyse de la connaissance objective. Paris : Librairie philosophique J. VRIN, 5 ed, 1967, p. 16.
  • 5
    Segundo o Stanford Encyclopedia of Philosophy: “Defined narrowly, epistemology is the study of knowledge and justified belief (…)epistemology is about issues having to do with the creation and dissemination of knowledge in particular areas of inquiry”. Voir: Steup, Matthias, "Epistemology", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2016 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = < http://plato.stanford.edu/archives/fall2016/entries/epistemology/ >
  • 6
    No mesmo sentido, especialmente no que tange o trabalho do juízes, ver: KRONMAN, Anthony Townsend. The Value of Moral Philosophy. In: Harvard Law Review ,Cambridge, v. 1751, 1998. p.1751-1767
  • 7
    Para um estudo sobre a importância da interdisciplinaridade no direito, ver:BOTTINI, Eleonora; BRUNET, Pierre; ZEVOUNOU, Lionel (dir). Usages de l’interdisciplinarité em droit. Paris: Presses Universitaires de Paris Ouest, 2014.
  • 8
    Para uma melhor compreensão do conceito de pensamento complexo e seu método ver: Morin, Edgar. Introduction à la pensée complexe. Paris: Éditions du Seuil, 2005. Ver também: Morin, Edgar. La méthode: La connaissance de la connaissance. Paris: Éditions du Seuil, 1986
  • 9
    Para autores como Charles Fried, a maneira como refletimos hoje o direito é resultado direto do raciocínio desenvolvido pela filosofia moral, política e jurídica. Para detalhes, ver: FRIED, Charles. Philosophy Matters.In: Harvard Law Review, Cambridge, v. 111, n. 7, maio 1998. p.1739-1750
  • 10
    Vinculada à escola do Critical Legal Studies. Sobre o tema, ver: Unger, Roberto Mangabeira. The Critical Legal Studies Moviment: Anther Time, A Greater Task. London: Verso, 2015.
  • 11
    Sobre o tema, ver: Campos Dutra, Deo. Da Ortodoxia à Crítica: Teorias da Comparação Jurídica (mimeo)
  • 12
    Aqui, entendemos a teoria política como “um ramo da ciência política que agrega contribuições de variadas disciplinas, mas, especialmente, da filosofia política e da história das ideias políticas”. Mais detalhes, ver: http://www.cienciapolitica.org.br/areas-tematicas/teoria-politica/
  • 13
    O termo zetética do direito é adotado aqui nos termos dados por Tércio Sampaio Ferraz Junior na esteira da obra de Theodor Viehweg. Para mais detalhes, ver: Ferraz Jr, Tercio Sampaio.Introdução ao Estudo do Direito. 9ed. São Paulo: Atlas, 2016.
  • 14
    Esta é a proposta, por exemplo, do grupo de Cornell e da Escola de Trento que, através do desenvolvimento do método do núcleo comum, visa a produção de normas-tipo que possam ser compartilhadas por diversos países. Para o grupo de Cornell, ver : SCHLESINGER, Rudolf. The Common Core of Legal Systems: An Emerging Subject of Comparative Study. Leyden: A.W. Sijthoff, 1961. Para a Escola de Trento, ver : BUSSANI, Mauro; MATTEI, Ugo. Making European Law. Essays on the «common» core project. Quaderni del Dipartimento di Scienze Giuridiche, Trento, 2000.
  • 15
    Descartes nunca foi referenciado pelos autores alemães sequer como influência, mas a ascendência de seu pensamento na escola ortodoxa é claramente demonostrada por Legrand em seus textos.
  • 16
    Sobre o tema ver, MUIR WATT, Horatia ; FAIRGRIEVE, Duncan. Common Law et tradition civiliste: Convergence ou concurrence ? Paris : PUF, 2006 ; LEGRAND, Pierre. Pour la relevance des droits étrangeres. Paris : IRJS Éditions, 2014 _____. Pour la relevance des droits étrangers. Paris: IRJS Éditions, 2014. , cap.3 ;SAMUEL, Geoffrey ; LEGRAND, Pierre. Introduction au Common Law. Paris : La Découverte, 2008. Cap IV. GOODRICH, Peter. Reading the Law, London :Blackwell, 1986 e SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer. Harvard : Harvard University Press, 2009.
  • 17
    Sobre a herança colonialista do direito comprado, ver: BAXI, Upendra. The Colonialist heritage, In : MUNDAY, Roderick, LEGRAND, Pierre. Comparative legal Studies : Tradition and Transitions. Cambridge : Cambrige University Press, 2003 _____; MUNDAY, Roderick. Comparative legal Studies: Tradition and Transitions. Cambridge: Cambrige University Press, 2003. . pp.46-76
  • 18
    DWORKIN, Ronald Justice for Hedgehogs. Harvard : Harvard University Press, 2013. p.38.
  • 19
    Para um “itinerário intelectual” do autor, ver: LEGRAND, Pierre. La comparaison des droits expliquée à mes étudiants. In: LEGRAND, Pierre (ed). Comparer les droits, résolument. Paris: PUF, 2009 _____.(ed). Comparer les droits, résolument. Paris: PUF, 2009. . pp.209-47.
  • 20
    Para uma interpretação da teoria de Martin Heidegger que influenciou Pierre Legrand, ver: STEINER, George. Martin Heidegger. Paris: Champs Essais, 1981. Para uma importante contriuição em língua poertuguesa, ver :STEIN, E. J.. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. 1. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. v. 1000
  • 21
    Para um estudo sobre Gadamer, ver : GRONDIN, Jean. Introduction à Hans-Georg Gadamer.Paris : Le Cerf , 1999. Para a transição do pensamento de Heiddeger para o de Gadamer, ver: GRONDIN, Jean. Le turnant herméneutique de la phénoménologie. Paris: PUF, 2003. P. 57
  • 22
    No mesmo sentido, ver também: VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. pp.118-119
  • 23
    Para etmologia da palavra, ver : Database of Latin Dictionaires. http://clt.brepolis.net/dld/pages/QuickSearch.aspx . Acesso :17/03/2017
  • 24
    Para uma melhor compreensão do sentido de cultura e seus reflexos nos estudos jurídicos comparados, ver: LEGRAND, Pierre. Comparative Legal Studies and the Matter of Authenticity. In: Journal of Comparative Law, 2006. pp. 374-393.
  • 25
    Para mais detalhes sobre a desconstrução, ver: CAPUTO, John D. Deconstruction in a Nutshell: A Conversation with Jacques Derrida. New York: Fordham University Press,2000.
  • 26
    A noção de traço é derivada de Emmanuel Levinas e tem como sentido a ideia de “sinal”, “dica”. Para mais detalhes, ver: Derrida, Jacques. Grammatologie. Paris: Editions de Minuit, 1967, p.102-103
  • 27
    Aqui Legrand reinterpreta para o direito comparado a ideia desenvolvida por Derrida de que nenhum texto é (m)onogenealog(ical). Ver: Derrida, Jacques. The Other Heading, Indiana University Press, 1992. P. 10
  • 28
    Um excelente trabalho comparado que vai além da tarefa visível da comparação foi feito por James Q. Whitman ao analisar o desenvolvimento dos sentidos culturais que a ideia de privacidade teve na Alemanha e na França e suas respectivas consequências jurídicas. Ver: Whitman, James Q. The Two Western Cultures of Privacy: Dignity Versus Liberty. In: The Yale Law Journal, vol 113, 2003-2004. Pp; 1151-1221.
  • 29
    O que não impede que filósofos analíticos como Williard Van Orman Quine não se aproximem das mesmas proposições que movem a filosofia da comparação jurídica. Para detalhes, ver: GLANERT, Simone; LEGRAND, Pierre. Foreign Law in Translation: If Truth Be told. In: FREEMAN, Michael; SMITH, Fiona (ed). Law and Language. Oxford: Oxford University Press, 2013.pp.513-532

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
  • Data do Fascículo
    Set 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2017
  • Aceito
    21 Nov 2017
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