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A responsabilidade dos docentes na formação de pessoal de nível médio

PALESTRA

A responsabilidade dos docentes na formação de pessoal de nível médio

Maria Francisca Rangel de Jesus Barros

Diretora do Centro Interescolar de Saúde de Brasília - FHDF. Mestrado em Saúde Pública - FENSP-MS. Pós-Gra-duação em Desenvolvimento de RH. Administração Pública - Universidade de Manchester, Inglaterra

Os educadores responsáveis pela formação de auxiliares e técnicos em enfermagem desenvolvem hoje o máximo de reflexão sobre os objetivos que deverão conduzir seu trabalho a um êxito traduzido no reconhecimento da enfermagem como profissão essencial, êxito esse, expresso através da ação de toda uma equipe, bem definida entre os profissionais de saúde e bem configurada no que respeita às tarefas típicas das categorias que a compõem.

A atenção de enfermagem nos dias atuais, principalmente com a expansão e extensão do rol profissional e transferência de tecnologia nos programas de regionalização, com a crescente demanda das comunidades por um nível cada vez mais elevado da prestação de cuidados, requer um preparo eficiente de recursos humanos. Estes recursos devem ser bem orientados, conscientes de sua responsabilidade, capazes de participar do processo de mudança que se opera em toda a parte, na condição de profissionais seguros, ajustados, produtivos, e, acima de tudo, felizes de proporcionar ao próximo, não somente o cuidado, mas, a orientação correta, o trato cordial, humanístico, que caracteriza o ser humano em interação para a saúde, na comunidade, na família, no lazer ou no trabalho, no hospital e na escola.

O discurso contínuo tem possibilitado aos docentes que se ocupam do preparo desses recursos humanos perceber e até descrever esses objetivos, mas isso não tem sido suficiente para oferecer, a esses educadores, meios de reconhecer a natureza do ensino que será mais adequado para o tipo de comportamentos finais esperados dos estudantes.

Os professores raramente são treinados sobre as técnicas, de acordo com as quais os alunos possam desenvolver racional e sistematicamente componentes de comunicação, que realmente lhes dêem condições de funcionar na condição de agentes de mudança, participando com sucesso das atividades de educação para a saúde na comunidade, na unidade de sauae, ou, na atenção direta ao paciente hospitalizado, cuja expectativa ou necessidade sentida, sabemos, permanece insatisfeita ou. ainda como aspiração não atendida.

É com grande respeito e satisfação que registramos neste documento a iniciativa da Coordenação do II Seminário de Ensino de Enfermagem a Nível Médio, ao propor um trabalho efetivo, fundamentado em ampla pesquisa de opiniões sobre a competência profissional desses recursos humanos, com base em estudo e discussão da responsabilidade dos docentes na formação de pessoal de nível médio. Estes estudos poderão servir de instrumento para a implementação das grades curriculares, dos programas, dos planos de cursos e das próprias aulas.

Os métodos de ensino se definirão a partir dos objetivos dos cursos. O processo ensino-aprendiza-gem se delineará através de análise da situação real do setor saúde no País, na região e no local onde se desenvolverem os trabalhos teórico-práticos e estágios supervisionados.

Todos falam em objetivos educacionais, interpretam sua conceituação, expressam a necessidade de defini-los descrevem-nos. Poucos, entretanto, páram para questionar-se e encontrar as respostas a três tipos de perguntas:

- O que devemos ensinar para o alcance desses objetivos?

- Como saberemos que o processo ensino-aprendizagem se realizou?

- Que materiais e procedimentos terão melhor desempenho para o nível e o conteúdo que desejamos ensinar?

Além das respostas a essas perguntas, para especificar os objetivos, torna-se importante respondê-las mantendo-se sua ordem, o que favorecerá a compreensão de inúmeros componentes do conhecimento sobre a natureza humana, seu potencial e condições de crescimento.

Com essa linha de reflexão, acreditamos que os educadores desejosos de realizar um trabalho capaz de ser medido em sua trajetória, permitindo as alterações ou correções de maneira mais racional, terão que traçar, em primeiro lugar, os objetivos do curso, com base nas atribuições que o recurso humano em questão deverá desenvolver:

CURSO DE AUXILIAR DE ENFERMAGEM - ATRIBUIÇÕES DO AUXILIAR DE ENFERMAGEM

CURSO DE TÉCNICO EM ENFERMAGEM - ATRIBUIÇÕES DO TÉCNICO EM ENFERMAGEM

OBJETIVOS DOS CURSOS

Paralelamente, deverão dominar o conhecimento das forças positivas que constituirão a base racional para a interpretação das reações das pessoas que interagem no processo ensino-aprendizagem.

Para o estudo e compreensão dos Objetivos Instrucionais, torna-se necessário, ainda que sumariamente, analisarmos a importância do conhecimento de alguns aspectos da Psicossociologia, tais como: motivação, ação de mudança e o processo de dar e receber ajuda.

É provável que todos tenaamos escutado muitas vezes perguntas, ou declarações deste tipo:

"Como poderei motivar uma pessoa a que faça algo para resolver seu problema?"

"Que se pode fazer para motivar os estudantes a que se interessem pelo trabalho escolar?"

"A qualidade do bom líder é motivar seus seguidores a que trabalhem".

1. Essas perguntas ou declarações passam-nos a idéia de que motivação pode ser injetada em alguém.

2. Ou que motivação confere energia para o alcance de determinado objetivo.

Estamos de acordo com a segunda das idéias. A energia para atuação está em todos nós. Quando nos parece que alguém não está motivado, a pergunta deveria ser:

"O que está impedindo que esse impulso mobilizador se manifeste?"

As funções do educador, de motivar, estão bem mais relacionadas com ajudar a criar condições para que se liberem as forças criadoras, ou ajudar a não se obstruírem os canais por onde essas forças possam ser liberadas. Porque essa energia potencial está em todos os seres humanos.

Esses impulsos dirigidos à motivação, estão por sua vez ligados à satisfação das necessidades dos seres humanos, do ponto de vista biopsicossocial.

Da série de necessidades reconhecidas, escalonadas, ou hierarquizadas, algumas são freqüentes, especificas e exigem satisfação; outras não exigem muita atenção, são às vezes indecifráveis. Entre esses extremos podem existir outras, ainda não reconhecidas.

Os estudiosos do assunto concordam em sua existência, reconhecem as mais vitais, podem, contudo, discordar da hierarquia estabelecida:

I - Fisiólogicas

II - Segurança

III - Sociais

IV - Do ego

V - De auto-realização

O ENSINO DE ENFERMAGEM

- A ação de mudança

Nem sempre o agente de mudança está preparado para diagnosticar o nível de necessidades mais fortes do grupo em questão. Freqüentemente confunde suas próprias necessidades momentâneas com aquelas que seriam as do grupo.

- Problemas de docentes da Enfermagem

O êxito do seu trabalho deveria apoiar-se na compreensão clara da força de necessidades expressas pelas reações do grupo e trabalhar com base naquele reconhecimento.

MUDANÇA - RESISTÊNCIA À MUDANÇA

Toda a vida é mudança ~ quando deixamos de crescer e de desenvolver começamos a declinar.

Na condição de seres humanos, apresentamos em maior ou menor grau uma dualidade: ao mesmo tempo em que buscamos a mudança, o crescimento, nos prendemos a certos elos defensivos, ou ilhas de continuidade e segurança.

Assim, estudos apontam resultados interessantes entre estudantes: freqüentam cursos para aprender, e, portanto, mudar, mas, se esforçam por proteger-se, não estabelecendo relação autêntica com professores, para evitar que esses os influenciem.

Nas experiências em que o ser humano se envolve socialmente, existem sinais de resistência à mudança: entretanto, com as mudanças tecnológicas, a sociedade segue a tendência de se transformar em alguns anos em sua estrutura organizacional industrial e social.

As estruturas que mantêm o processo social apresentam um ritmo incompatível com as potencialidades tecnológicas, o que se consubstancia nos grupos e indivíduos que querem sempre atrasar o relógio, fazendo surgir em todos os setores as formas políticas extremamente autoritárias.

MUDANÇA E AS AMBIGÜIDADES

Há certa dissonância entre as realidades do passado e os fatos novos ou os novos enfoques sobre as situações vivenciais. Às vezes, irreconciliáveis em sua natureza, provocam a procura de novas soluções. Aos inovadores, de modo geral, são atribuídos motivos ocultos ou desonestos.

MUDANÇAS E ESTEREÓTIPOS

Os tabus, os preconceitos e o sistema de crenças são às vezes tão antigos e profundos que resistem durante muito tempo às mudanças. Exemplo: quando uma instituição quis provar através de um estudo que ,as mulheres trabalhavam de maneira ineficiente porque eram inferiores, o estudo provou que seu trabalho era altamente produtivo e suas ausências baixíssimas.

MUDANÇA E REDUÇÃO DO PODER

Há provas de laboratório e resultados de pesquisas em grupos organizacionais que indivíduos isoladamente, ou em conjunto, resistem a mudanças quando há clima competitivo no emprego e, conseqüentemente, a possibilidade de redução do seu poder.

MUDANÇA E DESTREZA & LIMITAÇÃO

Outras vezes há a resistência à mudança quando o assunto envolve a necessidade de avaliar suas limitações: resistir à mudança equivale a manter sua dignidade, porque não há exposição de sua limitação. Aceitar a mudança, ao mesmo tempo que permite aprender nova destreza expõe sua limitação.

O PROCESSO DE MUDANÇA

A mudança começa quando alguém percebe que ela é necessária e que sua realização é possível. O problema passa a ser: conseguir adesões e desenvolver estratégias que envolvam um plano de ação e a própria ação.

OBSTÁCULOS

1. Falta de informação sobre a situação e dados sobre a atitude das pessoas em relação aos resultados da mudança.

2. Falta de confiança nos motivos dos agentes de mudança, falta de estrutura dos agentes de mudança em relação à organização do grupo.

3. A imagem dos agentes de mudança, que pode refletir, correta ou incorretamente, o desejo de não partilhar dos objetivos do grupo ou organização, aquilo que possa parecer agressão.

4. A imposição ao grupo, de um plano de ação, quando o grupo tem consciência de não haver partilhado das etapas de mudança.

Os problemas surgem quando os defensores da mudança não reconhecem a responsabilidade comum com o bem-estar, ou ideais da comunidade, ou grupo; quando se perde o respeito ao grupo e quando a situação passa a ser competitiva.

Se concebêssemos mudança, apenas como resultado do trabalho de forças propulsoras, haveria sempre mudança e equilíbrio. Porém essas forças propulsoras conjugam-se com forças restritivas que funcionam em direção contrária; se essas são iguais, há um equilíbrio dinâmico e flutuante, não há possibilidade de mudanças.

As forças restritivas representam, geralmente, problemas:

- Falta de reconhecimento da necessidade de mudar.

- Medo de conseqüências dentro da organização.

- Falta de confiança nos verdadeiros motivos dos agentes de mudança.

- Insegurança quanto à capacidade de desenvolver novas destrezas.

- Medo de perda de poder.

- Dificuldade de definir o sentido das mudanças em relação ao presente e ao futuro.

No processo de mudança, ocorrem as mesmas etapas verificadas na técnica de solução de problemas.

O PROCESSO DE DAR E RECEBER AJUDA

Empatia - Uma grande sensibilidade, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro para perceber da maneira que ele percebe.

O professor capaz de perceber a realidade do ponto de vista do estudante tem, segundo pesquisas, estabelecida a relação de ajuda, o que propicia mudanças favoráveis no ajustamento profissional e nu. produtividade, eficiencia e satisfação pessoal.

A dinâmica do crescimento do estudante depende do enfoque Io professor; isto é, se o professor só tem condições de perceber os 'Tatos" como lhe parecem ser, "objetivamente", como lhe será mais cômodo, não se dando ao trabalho de apreciar o enfoque do estudante, nunca será capaz de realizar a relação de ajuda que envolve os aspectos de dar e receber.

Todos enriquecem quando essa relação evolui para uma "exploração conjunta em ambiente de confiança, na qual uma personalidade facilita à outra o crescimento pessoal; em que se ajuda o outro a tornar-se mais maduro, integrado e exposto à sua própria experiência". Esse é um processo que se deve manifestar em função do professor, do psicólogo, do orientador, do enfermeiro, que é a verdadeira essência de quem é pai, cônjuge ou amigo, capaz de não superproteger, mas, de ajudar a crescer.

O processo de ajudar não se restringe ao trabalho individual, mas estende-se a grupos. Toda vez que alguém funciona como líder de um grupo e visa a interação, pode obter o resultado positivo, ou negativo, dependendo de sua capacidade de estabelecer a relação de ajuda.

ALGUMAS TÉCNICAS QUE PODERÃO FAVORECER A RELAÇÃO DE AJUDA

- Escutar com interesse, exercitando a intuição de modo a perceber o que nos dizem no que é dito, e procurando compreender, sem idéias preconcebidas.

- Observar melhor a conduta total para interpretar corretamente a mais sutil comunicação,

- Estar alerta para as maneiras de sentir da pessoa que nos fala, bem como para com nossos próprios sentimentos.

- Perscrutar as necessidades da pessoa em questão e trabalhar de acordo com seu ritmo.

- Perguntar de maneira a estimular o processo mental.

- Dar o exemplo, com suas próprias atitudes e conduta, para a criação de um clima propício ao crescimento e à interação.

MÉTODOS PARA DFSENVOLVER OS OBJETIVOS

1) Um dos procedimentos técnicos mais utilizados é a observação critica de um incidente. Como todos os métodos que visam estabelecer os objetivos de aprendizagem, esse enfoque se centra nas condutas obtidas, ou elementos de competência, mais do que no conteúdo do curso ou na metodologia do ensino.

Análise de um comportamento final

O observador descreverá o episódio específico com juízo crítico, ou seja, avaliará o desempenho da tarefa do profissional, se o mesmo se foi notoriamente bem, ou deficientemente, indicando a:- razões porque chegou a essas conclusões. À medida que se acumulam os episódios, ou experiências, os observadores, de maneira independente, estarão realizando suas avaliações. Em seguida, grupam-se as experiências para hierarquização. Formam-se as categorias de experiências e a gama que totaliza o número e o grau de complexidade que cada categoria profissional deve apresentar como sua competência. Em outras palavras, os componentes das tarefas, das atividades, das ações na linguagem de planejamento administrativo, os componentes do comportamento final na linguagem do planejamento do ensino técnico.

2) Outro método, a análise do trabalho, também chamado estudo do tempo e movimento, apresenta a desvantagem da avaliação individual, mas o universo analisado permite alguma segurança para catego-rizar os incidentes, ou experiências. Consiste em analisar minuciosamente o que o profissional da categoria em questão realiza efetivamente na prática diária de trabalho numa unidade de saúde, por exemplo, em lugar de especificar o que pareça desejável que se aprenda. Assim, os tópicos de ensino devem representar exatamente o que se requeira da categoria profissional no campo de trabalho.

3) Um terceiro método considera os problemas registrados estatisticamente nas áreas federal, regional e local relacionados à mortalidade, morbidade. Esse método é adequado para o preparo de recursos humanos que se destinem aos programas de atenção primária, por exemplo, quando se estabelece a regionalização do sistema de saúde.

A ORGANIZAÇÃO DOS OBJETIVOS

Seja qual for a origem do objetivo ou o método para classificá-lo, convém que se sistematize em três tipos: o cognitivo, o psicomotor e o afetivo (conhecimento, habilidades profissionais, atitudes e valores).

Em geral, os docentes se preocupam com o conhecimento que desejam que os estudantes adquiram.

As habilidades e atitudes que esperam dos estudantes nem sempre são destacadas de maneira a permitir sua sistematização e avaliação racional.

Mesmo nos objetivos cognitivos, freqüentemente se destaca o que deverá ser apresentado aos estudantes em lugar de ser valorizado o que eles deveriam ser capazes de fazer com o que estudam.

Com a finalidade de organizar essas formulações, um grupo de especialistas em avaliação classificou as metas cognitivas de aprendizagem em uma Taxonomia dos Objetivos Educacionais.

Esse sistema tem a vantagem de hierarquizar os objetivos e sua apresentação, que pode ser claramente compreendida e acompanhada. Isso também facilita aos professores observar de maneira racional a evolução de seu trabalho (experiências de aprendizagem), bem como a avaliação do progresso do estudante, que implica na avaliação de seu progresso como educador; em outras palavras, quase sempre esse nível alcançado é o da transmissão de conhecimento e memorização.

Uma taxonomia comparável também foi organizada para a área afetiva.

A utilização e o domínio dessa classificação são considerados bem mais difíceis que os da área cognitiva.

Não está ainda esclarecida a razão da dificuldade, mas supõe-se que reflete na tendência que se tem de considerar valores e atitudes bons ou maus, em vez de se pensar nos níveis de predisposição de se reagir aos padrões julgados convenientes.

A organização de atitudes de maneira consciente para que se desenvolvam os traços considerados desejáveis pode constituir invasão nos valores e atitudes pessoais, porém, isso não se pode evitar nos programas formais de ensino. Na verdade, a aprendizagem dessas atitudes é constante e permite prever a conduta futura com mais precisão do que a aprendizagem de um conhecimento ou informação a que se dá tanta importância, como objetivo cognitivo.

Se é provado que existem atitudes em relação ao paciente, ao colega, e até à prestação do cuidado de enfermagem e da atenção à saúde, não somente é imperativo que os professores façam dessas atitudes objetivos explícitos, mas, também, que se especifique o nível de atuação esperado no estudante tal como se faz para os aspectos cognitivos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1985
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