Curso clínico da coinfecção COVID-19 em pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência humana: scoping review

RESUMO

Objetivos:

mapear a produção do conhecimento científico acerca do curso clínico da coinfecção pela COVID-19 em pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência humana (HIV).

Métodos:

revisão de escopo, com estratégias de busca na MEDLINE, Scopus, Embase, Web of Science e LILACS. Extração dos dados e análise do material de maneira duploindependente, com compilação por similaridade e síntese de forma narrativa.

Resultados:

amostra constituída de 35 artigos. Febre, tosse e dispneia foram sinais/sintomas mais prevalentes. As complicações recorrentes envolveram dessaturação/piora da dessaturação de oxigênio e pneumonias. Não foi identificado um tratamento farmacológico padrão, e as principais intervenções envolveram oferta de oxigênio suplementar e ventilação mecânica. Os estudos indicaram recomendações de cunho preventivo, assistencial e farmacológico.

Conclusões:

as manifestações clínicas, as complicações e os tratamentos/cuidados assistenciais às pessoas coinfectadas por SARSCoV-2/HIV assemelham-se aos da população em geral. A coinfecção, via de regra, não indica pior prognóstico.

Descritores:
Infecções por Coronavírus; Pandemias; HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Doenças Transmissíveis

ABSTRACT

Objectives:

to map the production of scientific knowledge on the clinical progression of COVID-19 coinfection in people living with the human immunodeficiency virus (HIV).

Methods:

scoping review, with search strategies in MEDLINE, Scopus, Embase, Web of Science, and LILACS. Dual independent data extraction and analysis of the material with similarity compilation and narrative synthesis.

Results:

sample consisted of 35 articles. Fever, cough, and dyspnea were the most prevalent signs/symptoms. Recurrent complications involved desaturation/worsening of oxygen desaturation and pneumonia. No standard pharmacological treatment was identified, and the main interventions involved the provision of supplemental oxygen and mechanical ventilation. The studies recommended preventive, care, and pharmacological practices.

Conclusions:

the clinical manifestations, complications, and treatments/assistance care for people coinfected with SARS CoV-2/HIV are similar to those of the general population. Coinfection, overall, does not infer a worse prognosis.

Descriptors:
Coronavirus Infections; Pandemics; HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Communicable Diseases

RESUMEN

Objetivos:

mapear producción del conocimiento científico acerca del curso clínico de la coinfección por COVID-19 en personas que viven con el virus de la inmunodeficiencia humana (VIH).

Métodos:

revisión de objetivos, con estrategias de búsqueda en la MEDLINE, Scopus, Embase, Web of Science y LILACS. Extracción de los datos y análisis del material de manera duplo-independiente, con compilación por similaridad y síntesis de manera narrativa.

Resultados:

muestra constituida de 35 artículos. Fiebre, tos y disnea fueron signos/síntomas más predominantes. Las complicaciones recurrentes envolvieron desaturación/peora de la desaturación de oxígeno y neumonías. No ha sido identificado un tratamiento farmacológico estándar, y las principales intervenciones envolvieron oferta de oxígeno suplementario y ventilación mecánica. Los estudios indicaron recomendaciones de cuño preventivo, asistencial y farmacológico.

Conclusiones:

las manifestaciones clínicas, las complicaciones y los tratamientos/cuidados asistenciales a las personas coinfectadas por SARS-CoV-2/VIH se asemejan a los de la población en general. La coinfección, vía de regla, no indica peor pronóstico.

Descriptores:
Infecciones por Coronavirus; Pandemias; VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Enfermedades Transmisibles

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, a comunidade científica mundial foi surpreendida com o surgimento de um microrganismo com alta letalidade, sem tratamento específico e que se disseminava de modo peculiar e rápido. Detectado inicialmente na cidade de Wuhan, na República de Hubei, na China, o vírus foi identificado como SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2), da família coronavírus, o qual é o agente etiológico da COVID-19, doença caracterizada, em sintomas gerais, por febre, tosse, dor de garganta e dispneia, apresentando um espectro clínico que varia desde infecções assintomáticas a quadros graves com necessidade de suporte ventilatório¹.

Com isso, pesquisadores têm se empenhado para compreender suas formas de transmissão e seus mecanismos de ação e virulência, bem como identificar tratamentos farmacológicos eficazes. A Organização Mundial da Saúde (OMS), então, reagiu rapidamente e, em meados de março de 2020, a COVID-19 foi considerada uma pandemia, que acomete, de modo mais grave, grupos populacionais específicos, como: idosos, indivíduos portadores de doenças crônicas (em especial, hipertensão arterial sistêmica - HAS e diabetes mellitus - DM), pessoas vivendo em condições de vulnerabilidade (privadas de liberdade, moradoras de favelas/periferias etc.) e indivíduos imunodeprimidos (em tratamento oncológico, pessoas vivendo com o vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida - HIV/aids etc.)².

Sendo assim, o interesse desta revisão recaiu sobre o curso clínico (sinais e sintomas, exames laboratoriais e complementares, complicações e intervenções) da coinfecção pelo SARS-CoV-2 em pessoas que vivem com HIV/aids (PVHAs). Tem-se como ponto de partida o Ofício Circular nº 8³, emitido em 17 de março de 2020 pelo Ministério da Saúde (MS), com orientações aos serviços de saúde especializados em HIV/aids. O documento ressalta a importância de que as PVHAs adotem todas as medidas específicas de prevenção à COVID-19 (higienização frequente das mãos com água e sabão ou álcool-gel 70%, uso de máscara, isolamento domiciliar, limpeza e desinfecção de objetos e superfícies etc.).

Ademais, esse documento³ também sinaliza aos governos estaduais a relevância de reduzir a circulação dessas pessoas nos serviços de saúde, planejando, por exemplo, um maior espaçamento entre as consultas sempre que possível e a dispensação da terapia antirretroviral (TARV) para um período de três meses. Entretanto, até o momento, não há recomendações do MS no que tange à assistência às PVHAs coinfectadas pelo novo coronavírus.

Esta revisão, portanto, tem como interesse os desdobramentos da coinfecção SARSCoV2/HIV com base no conhecimento científico produzido. Nesse sentido, embora esforços nacionais e internacionais estejam sendo feitos no sentido de proteger e prevenir a exposição das PVHAs ao novo coronavírus, assim como visando tratar os casos positivos, ainda são escassas as pesquisas e as evidências científicas^3-4 com indicação de formas/medidas de prevenção eficazes e assistência em saúde para que essa população não seja mais vulnerável a adoecer por COVID-19 e para que o curso clínico e as complicações não sejam mais graves.

OBJETIVOS

Mapear a produção do conhecimento científico acerca do curso clínico da coinfecção pela COVID-19 em pessoas que vivem com o vírus da imunodeficiência humana (HIV).

MÉTODOS

O estudo foi delineado como uma revisão de escopo, a qual é utilizada como ferramenta para mapear os conceitos principais que fundamentam determinada área de conhecimento, sintetizando e sistematizando os achados a fim de contribuir com avanços na prática clínica. Considerando a emergência da temática em questão e o reduzido número de evidências científicas acerca da assistência às PVHAs coinfectadas pelo SARS-CoV-2, optou-se pelo presente estudo devido às possibilidades de contemplar, de forma ampla, a literatura científica existente. Para a condução da revisão, foram seguidas estas fases: identificação da questão norteadora; identificação de estudos relevantes; seleção de estudos; mapeamento das informações; agrupamento, resumo e relato dos resultados^5-6.

Foi utilizada a estratégia mnemônica PCC (População, Conceito e Contexto), conforme recomenda o JBI⁶. Assim, a População foram as pessoas que vivem com HIV/aids; o Conceito de interesse foi a pandemia da COVID-19 e o vírus SARS-CoV-2; e o Contexto analisado foi a coinfecção SARS-CoV-2/HIV. Definiu-se como questão de revisão: Qual a produção do conhecimento científico acerca do curso clínico da coinfecção pela COVID-19 em pessoas que vivem com HIV/aids?

O processo de busca dos artigos foi realizado em 30 julho de 2020, nas bases de dados: Medical Literature and Retrieval System Online (MEDLINE), via PubMed; Scopus (Elsevier); Embase (Elsevier); Web of Science (Clarivate); e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), por meio da Biblioteca Virtual da Saúde (BVS). Os acessos ocorreram via Portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), usando o acesso remoto mediante a Comunidade Acadêmica Federada (CAFe). A seleção das produções ocorreu na primeira quinzena de agosto de 2020, em três etapas: na primeira pesquisa, utilizaram-se descritores controlados adequados às bases de dados consultadas (Medical Subject Headings - MeSH, Emtree e Descritores em Ciências da Saúde - DeCS); na segunda pesquisa, foram usados descritores não controlados, ou seja, termos específicos ao tema atual em todas as bases de dados e repositórios escolhidos, a fim de ampliar a busca; e a terceira etapa consistiu na identificação e seleção de novos estudos por meio de listas de referências das produções incluídas nesta revisão; contudo, não foram localizadas outras publicações nessa última fase.

Para cada fonte de busca, definiu-se uma estratégia específica, sendo os termos combinados com operadores booleanos “AND” e “OR”. Assim, apresenta-se a seguinte estratégia de busca avançada na base de dados MEDLINE: (((((((((((((Acquired Immunodeficiency Syndrome[MeSH Terms]) OR (Acquired Immune Deficiency Syndrome[Title/Abstract])) OR (Immuno-Deficiency Syndrome, Acquired[Title/Abstract])) OR (Syndromes, Acquired Immuno-Deficiency[Title/Abstract])) OR (Immunodeficiency Syndromes, Acquired[Title/Abstract])) OR (Syndromes, Acquired Immunodeficiency[Title/Abstract])) OR (AIDS[Title/Abstract])) OR (Acquired Immunodeficiency Syndrome[Title/Abstract])) OR (HIV Seropositivity[MeSH Terms])) OR (Seropositivities, HIV[Title/Abstract])) OR (AIDS Seropositivities[Title/Abstract])) OR (people living with human immunodeficiency virus[Title/Abstract])) OR (people living with HIV/AIDS[Title/Abstract])) AND ((((((COVID-19[Title/Abstract]) OR (severe acute respiratory syndrome Coronavirus 2[Title/Abstract])) OR (2019-nCoV[Title/Abstract])) OR (SARSCoV2[Title/Abstract])) OR (2019nCoV[Title/Abstract])) OR (Coronavirus[Title/Abstract])). A partir desta, adaptaram-se as demais estratégias de acordo com as especificidades de cada base de dados.

Foram incluídos estudos, independentemente do desenho metodológico, que abordassem especificamente o novo coronavírus, causador da COVID-19, no contexto da infecção pelo HIV/aids e suas repercussões na assistência a essas pessoas. Foram excluídos estudos envolvendo crianças, adolescentes e gestantes. Aplicaram-se os filtros de idioma (português, inglês ou espanhol) e período nas fontes de busca (dezembro de 2019 a julho de 2020). Esse recorte temporal se justifica pela possibilidade de captar as produções científicas mundiais desde os primeiros casos de COVID-19¹.

Tendo em vista a necessidade de organização das referências encontradas nas buscas, utilizouse o software on-line EndNote Web. Para minimizar possíveis vieses de seleção, os estudos foram selecionados por dois revisores, sendo um revisor principal (Revisor 1) e um secundário (Revisor 2). Primeiramente, ocorreu a leitura de títulos e resumos, para posterior leitura na íntegra dos estudos incluídos, considerando os critérios de seleção. Assim, os revisores elencaram as produções de maneira independente; e, em seguida, compararam os bancos de dados para verificar possíveis divergências, realizando, se necessário, o consenso entre as partes. Quando este não ocorria, o terceiro revisor era consultado.

Para a extração dos dados, utilizou-se uma adaptação do formulário recomendado pelo JBI com o intuito de facilitar a síntese de informações e as recomendações⁷. Coletaram-se as seguintes variáveis para extração: dados de publicação (título, mês e ano, autores, periódico e país de publicação); objeto e/ou questão e/ou objetivos de estudo; características metodológicas (tipo de estudo/desenho; instrumentos e/ou técnicas de produção dos dados; participantes e/ou amostra); e principais resultados (mensuração de desfechos e principais achados ou contribuições). Com uso de frequências absolutas e relativas, os resultados extraídos foram compilados em quadros e tabelas, sendo discutidos de forma descritiva com base em classificações de categorias conceituais.

Para garantir a qualidade e a transparência desta revisão, utilizou-se o checklist PRISMAScR⁸.

RESULTADOS

Por meio das buscas nas bases de dados, foi possível recuperar 1.960 referências, sendo que, após aplicação dos filtros, restaram 943. Destas, 259 foram excluídas por duplicidade e 649 por não contemplarem os critérios de seleção (sendo 38 excluídas após leitura na íntegra). Assim, 35 estudos⁹⁴³ compuseram a amostra final, conforme Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de busca e seleção das referências, adaptado de acordo com o PRISMAScR(8), Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2020.

Os estudos presentes nesta revisão foram desenvolvidos, principalmente, na China (n = 9) e nos Estados Unidos da América (n = 8), seguidos por Espanha (n = 2), Itália (n = 2), Japão (n = 2), Reino Unido (n = 2) e Turquia (n = 2). Já os seguintes países contribuíram com uma publicação cada: África do Sul, Alemanha, Áustria, Cingapura, El Salvador, Índia, República do Chipre e Uganda. São 34 estudos em inglês e 1 em espanhol, sendo que todos foram publicados em 2020, com a seguinte distribuição mensal: 1 em março, 4 em abril, 11 em maio, 9 em junho, 10 em julho (sendo 2 preprints de agosto) (Quadro 1).

Quadro 1
Estudos selecionados na scoping review para análise, 2020

Autores	Título do artigo	Título do periódico	País / Mês de 2020	Delineamento/Tipo de produção
Benkovic S, Kim M, Sin E(9)	4 Cases: HIV and SARS-CoV-2 Co-infection in patients from Long Island, New York	Journal of Medical Virology	Estados Unidos da América / Maio	Relato de caso clínico
Sun LJ, Wong SXL, Gollamudi S(10)	A Case of HIV and SARS-CoV-2 Co-infection in Singapore	Journal of Acquired Immune Deficiency Syndromes	Cingapura / Maio	Relato de caso clínico
Nakamoto T, Kutsuna S, Yanagawa Y, Kanda K, Okuhama A, Akiyama Y, et al.(11)	A case of SARS-CoV-2 infection in an untreated HIV patient in Tokyo, Japan	Journal of Medical Virology	Japão / Junho	Relato de caso clínico
Ridgway JP, Farley B, Benoit J-L, Frohne C, Hazra A, Pettit N, et al.(12)	A Case Series of Five People Living with HIV Hospitalized with COVID-19 in Chicago, Illinois	AIDS Patient Care and STDS	Estados Unidos da América / Maio	Retrospectivo documental
Adachi E, Saito M, Ikeuchi K, Hoshina T, Yotsuyanagi H(13)	Cases of coronavirus disease-2019 in HIV-infected transgender women	AIDS	Japão / Julho	Relato de caso clínico
Ruan L, Zhang Y, Luo Y, Yu X, Zeng Y, Peng H, et al.(14)	Clinical features and outcomes of four HIV patients with COVID-19 in Wuhan, China	Journal of Medical Virology	China / Junho	Relato de caso clínico
Zhu F, Cao Y, Xu S, Zhou M(15)	Co-infection of SARS-CoV-2 and HIV in a patient in Wuhan city, China	Journal of Medical Virology	China / Março	Relato de caso clínico
Chen J, Cheng X, Wang R, Zeng X(16)	Computed Tomography Imaging of an HIV-infected Patient with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19)	Journal of Medical Virology	China / Abril	Relato de caso clínico
Coleman H, Snell LB, Simons R, Douthwaite ST, Lee MJ(17)	Coronavirus disease 2019 and Pneumocystis jirovecii pneumonia: a diagnostic dilemma in HIV	AIDS	Reino Unido / Julho	Relato de caso clínico
Modi AR, Koval CE, Taege AJ, Esfeh JM, Eghtesad B, Menon KVN, Quintini C, Miller C(18)	Coronavirus disease 2019 in an orthotopic liver transplant recipient living with human immunodeficiency vírus	Transplant Infectious Disease	Estados Unidos da América / Junho	Relato de caso clínico
Przydzial P, Tchomobe G, Amin K, Engell EA, Okoh AK(19)	COVID-19 crossing paths with AIDS in the homeless	Journal of Medical Virology	Estados Unidos da América / Julho	Relato de caso clínico
Toombs JM, den Abbeele KV, Democratis J, Merricks R, Mandal AKJ, Missouris CG(20)	COVID-19 in 3 people living with HIV in the United Kingdom	Journal of Medical Virology	Reino Unido / Junho	Relato de caso clínico
Patel RH, Pella PM(21)	COVID-19 in a patient with HIV infection	Journal of Medical Virology	Estados Unidos da América / Maio	Relato de caso clínico
Blanco JL, Ambrosioni J, Garcia F, Martínez E, Soriano A, Mallolas J, Miro JM(22)	COVID-19 in patients with HIV: clinical case series	The Lancet HIV	Espanha / Maio	Relato de caso clínico
Härter G, Spinner CD, Roider J, Bickel M, Krznaric I, Grunwald S, et al.(23)	COVID-19 in people living with human immunodeficiency virus: a case series of 33 patients	Infecção	Alemanha / Maio	Relato de caso clínico
Riva A, Conti F, Bernacchia D, Pezzati L, Sollima S, Merli S, et al.(24)	Darunavir does not prevent SARS-CoV-2 infection in HIV patients	Pharmacological Research	Itália / Julho	Relato de caso clínico
Vizcarra P, Pérez-Elías MJ, Quereda C, Moreno A, Vivancos MJ, Dronda F, et al.(25)	Description of COVID-19 in HIV-infected individuals: a single-centre, prospective cohort	The Lancet HIV	Espanha / Julho	Coorte prospectivo
Zhao J, Liao X, Wang H, Wei L, Xing M, Liu L, et al.(26)	Early virus clearance and delayed antibody response in a case of COVID-19 with a history of co-infection with HIV-1 and HCV	Clinical Infectious Diseases	China / Abril	Relato de caso clínico
Haddad S, Tayyar R, Risch L, Churchill G, Fares E, Choe M, et al.(27)	Encephalopathy and seizure activity in a COVID-19 well controlled HIV patient	IDCases	Estados Unidos da América / Maio	Relato de caso clínico
El Salvador(28)	Evidencia disponible acerca de la infección COVID-19 en pacientes con VIH/SIDA	Instituto Nacional de Salud	El Salvador / Abril	Documento governamental
Bahap M, Kara E, Guven GS(29)	Fighting on two fronts: drug-drug interactions in people living with HIV infected with SARS-CoV-2	European Journal of Hospital Pharmacy	Turquia / Junho	Estudo teórico
Marimuthu J, Kumar BS, Gandhi A(30)	HIV and SARS CoV-2 co-infection: A retrospective, record based, case series from South India	Journal of Medical Virology	Índia / Julho	Retrospectivo documental
Baluku JB, Mwebaza S, Ingabire G, Nsereko C, Muwanga M(31)	HIV and SARS-CoV-2 co-infection: A case report from Uganda	Journal of Medical Virology	Uganda / Maio	Relato de caso clínico
Parker A, Shaw J, Karamchand S, Lahri S, Schrueder N, Chothia M-Y, et al.(32)	HIV and SARS-CoV-2 co-infection: the diagnostic challenges of dual pandemics	SAMJ: Revista Médica da África do Sul	África do Sul / Junho	Relato de caso clínico
Aydin OA, Karaosmanoglu HK, Yasar KK(33)	HIV/SARS-CoV-2 coinfected patients in Istanbul, Turkey	Journal of Medical Virology	Turquia / Abril	Relato de caso clínico
Su J, Shen X, Ni Q, Zhao H, Cai J, Zhu B, et al.(34)	Infection of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 in a patient with acquired immunodeficiency syndrome	AIDS	China / Julho	Relato de caso clínico
Wang M, Luo L, Bu H, Xia H(35)	One case of coronavirus disease 2019 (COVID-19) in a patient co-infected by HIV with a low CD4 T-cell count	International Journal of Infectious Diseases	China / Julho	Relato de caso clínico
Guo W, Ming F, Feng Y, Zhang Q, Mo P, Liu L, et al.(36)	Patterns of HIV and SARSCoV-2 co-infection in Wuhan, China	Journal of the International AIDS Society	China / Junho	Relato de caso clínico
Mahmood K, Rashed ER, Oliveros E, Chau VQ, Hermle T, Jacobs S, et al.(37)	Predisposition or Protection?: COVID-19 in a Patient on LVAD Support With HIV/AIDS	Journal of the American College of Cardiology	Estados Unidos da América / Julho	Relato de caso clínico
Müller H, Kniepeiss D, Stauber R, Schrem H, Rauter M, Krause R, et al.(38)	Recovery from COVID-19 following hepatitis C, human immunodeficiency virus infection, and liver transplantation	American Journal of Transplantation	Áustria / Junho	Relato de caso clínico
Wu Q, Chen T, Zhang H(39)	Recovery from COVID-19 in two patients with coexisted HIV infection	Journal of Medical Virology	China / Maio	Relato de caso clínico
Di Giambenedetto S, Del Giacomo P, Ciccullo A, Porfidia A, De Matteis G, Cianci R, et al.(40)	SARS-CoV-2 infection in a highly experienced person living with HIV	AIDS	Itália / Julho	Relato de caso clínico
Iordanou S, Koukius D, Matsentidou-Timiliotou C, Markoulaki D, Raftopoulos V(41)	Severe SARS-CoV-2 pneumonia in a 58-year-old patient with HIV: a clinical case report from the Republic of Cyprus	Journal of Medical Virology	República do Chipre / Maio	Relato de caso clínico
Li W, Ma Q, Wang X, Tang M, Lin J, Xiao B(42)	The characteristics of two patients co-infected with SARS-CoV-2 and HIV in Wuhan, China	Journal of Medical Virology	China / Junho	Relato de caso clínico
Laurence J(43)	Why Aren't People Living with HIV at Higher Risk for Developing Severe Coronavirus Disease 2019 (COVID-19)?	AIDS PATIENT CARE and STDs	Estados Unidos da América / Maio	Estudo teórico

Majoritariamente, foram publicados em periódicos específicos das áreas de infectologia e virologia, mas também em outras como: cardiologia, clínica médica, farmacologia e transplantes. Em relação ao delineamento metodológico, as produções tinham caráter empírico (n = 32) e caráter teórico (n = 3), com os seguintes desenhos de estudo: 28 relatos de casos clínicos, 3 estudos retrospectivos documentais, 2 estudos teóricos, 1 coorte prospectivo e 1 documento governamental (Quadro 1).

Dos 35 estudos incluídos, 32 apresentaram similaridade em termos de apresentação dos dados, o que possibilitou compilação de achados. Assim, considerando-os, foram relatados casos de coinfecção HIV/SARS-CoV-2 em 106 pessoas. Os outros três estudos, por serem teóricos, estarão presentes na discussão narrativa dos achados. A Tabela 1 contém as características relativas ao sexo, faixa etária, tempo de diagnóstico de infecção por HIV, comorbidades e tempo de internação das PVHAs acometidas por SARS-CoV-2.

Tabela 1
Características relacionadas ao sexo, faixa etária, período de diagnóstico de infecção por HIV, comorbidades e tempo de internação das pessoas vivendo com HIV/aids coinfectadas com SARSCoV-2, 2020

Variáveis	n	%
Sexo
Masculino	91	85,8
Feminino	15	14,2
Faixa etária
22 a 29 anos	9	8,5
30 a 39 anos	28	26,4
40 a 49 anos	19	17,9
50 a 59 anos	29	27,4
60 a 69 anos	17	16,0
70 a 79 anos	3	2,9
≥ 80 anos	1	0,9
Período de diagnóstico de HIV
1985 a 1989	3	2,9
1990 a 1999	7	6,6
2000 a 2009	23	21,7
2010 a 2019	36	33,4
2020	4	3,8
Não referido	33	31,6
Comorbidades*
Hipertensão	31	29,9
Diabetes mellitus	14	13,5
Distúrbio broncopulmonar obstrutivo crônico	9	8,6
Hiperlipidemia	6	5,8
Hepatites virais	5	4,8
Obesidade	5	4,8
Outras	34	32,7
Tempo de internação† (n = 60)
1 a 5 dias	11	18,3
6 a 10 dias	21	35,0
11 a 15 dias	16	26,6
16 a 20 dias	2	3,3
21 a 25 dias	6	10,0
≥ 26 dias	4	6,8

• ^*
  Foram constatadas 104 comorbidades. Alguns pacientes apresentaram mais de uma comorbidade;
• ^†
  três pacientes permaneceram em casa durante a recuperação.

Observa-se um predomínio de pessoas do sexo masculino (n = 91; 85,8%) e com idade entre 50 e 59 (n = 29; 27,4%) anos e 30 e 39 (n = 28; 26,4%) anos. O período predominante de diagnóstico de HIV foi entre 2010 e 2019 (n = 36; 33,4%). Quanto às comorbidades, sobressaíram-se pacientes com HAS (n = 31; 29,9%) e DM (n = 14; 13,5%), sendo que 26 (24,5%) dos 106 pacientes eram previamente hígidos. Ainda, entre aqueles casos com registro de permanência de internação, a maior parte permaneceu entre 6 a 10 dias internados (n = 21); e, para 43 (40,5%) pacientes, essa informação não constava nos estudos analisados.

No que se refere à terapia antirretroviral (TARV), encontraram-se 29 esquemas medicamentosos diferentes, com destaque para: efavirenz/lamivudina/tenofovir (n = 10; 9,4%) e elvitegravir/cobicistate/emtricitabina/tenofovir (n = 9; 8,5%). Ainda, 8 (7,5%) estudos não referiram a TARV, e somente 7 (6,6%) PVHAs não realizavam tratamento quando coinfectadas pelo SARSCoV-2. Dos que mantinham tratamento adequado, a maior parte utilizava TARV contendo tenofovir (n = 62; 58,5%); além disso, 15 (14,2%) pacientes usavam em seu esquema antirretroviral atazanavir, ritonavir, darunavir e/ou lopinavir, que são inibidores de protease (IP). Dos 29 esquemas medicamentosos, em 17 (58,6%) a TARV dos pacientes era composta por três medicamentos.

Quanto aos intervalos de marcadores de membrana CD4⁺, 15 (14,2%) pacientes estavam com ≤ 200 células/mm³; 12 (11,3%), entre 200 e 350; e 15 (14,2%), entre 350 e 500 células/mm³. Em 50 (47,2%) pacientes, o CD4⁺ era maior que 500; e, para 14 (13,2%) indivíduos, essa informação não constava. Ainda, 70 (66,0%) pacientes encontravam-se com carga viral (CV) abaixo de 200 cópias; 5 (4,7%), entre 201 e 5.000; e 5 (4,7%), acima de 5.000 cópias. Para 26 (24,5%) PVHAs, esse dado não foi informado.

Com relação ao curso clínico dos 15 (14,2%) pacientes com CD4⁺ ≤ 200 células/mm³, 2 (13,3%) tinham DM e HAS; 2 (13,3%), pneumonia por Pneumocystis carinii; e 1 (6,7%) estava com sarcoma de Kaposi, sendo que 7 (46,7%) não faziam o uso de TARV. Ainda, 14 (93,3%) apresentaram febre, tosse seca e/ou dispneia, e a maior parte permaneceu internada entre cinco e dez (n = 6; 40,0%) dias. O tratamento destes baseou-se em uso de oxigênio de baixo fluxo, antibioticoterapia e corticosteroides, sendo que um (6,7%) necessitou de O₂ de alto fluxo; dois (13,3%), de ventilação mecânica invasiva; e um (6,7%), de não invasiva. Dos 15, 1 (6,7%) paciente evoluiu a óbito.

A seguir, apresentam-se as manifestações clínicas, o tratamento, as complicações, as intervenções realizadas e as recomendações para PVHAs coinfectadas com COVID-19.

DISCUSSÃO

Diante do cenário estudado, identificou-se que a maior parte dos estudos eram originários da China, o que, provavelmente, está relacionado ao fato de o SARS-CoV-2 ter surgido nesse país, no final do ano de 2019, justificando a evidência dos primeiros relatos assistenciais. Na sequência, apareceram os Estados Unidos da América, país que apresenta uma das maiores populações de pessoas que vivem com HIV/aids no mundo, com serviços assistenciais especializados bem organizados, os quais reagiram pronta e cientificamente com a divulgação de casos clínicos de coinfecção SARS-CoV-2/HIV.

Quando se consideram as características das PVHAs infectadas com o novo coronavírus, percebe-se que a grande maioria dos casos clínicos relatados envolveu pessoas do sexo masculino, o que pode ser explicado, dentre outros motivos, pelo movimento de masculinização constituído na última década da epidemia da aids, em especial entre os homens heterossexuais⁴⁴. Vale ressaltar os poucos casos clínicos envolvendo pessoas do sexo feminino coinfectadas por SARSCoV2/HIV^{12,20,23-25,30,36}, bem como aqueles específicos com a população feminina³¹.

Em relação à faixa etária, observou-se que 71,7% dos indivíduos tinham idade entre 30 e 59 anos, ou seja, não faziam parte do grupo de risco clássico da COVID-19 (idade superior a 60 anos). Ainda, os estudos também identificaram que a média de idade das PVHAs coinfectadas pelo SARSCoV-2 era ligeiramente inferior à da população em geral^23,25, e isso pode ter contribuído para um melhor resultado de recuperação dos indivíduos coinfectados.

Quadro 2
Manifestações clínicas, tratamento, complicações, intervenções realizadas e recomendações para pessoas vivendo com HIV/aids coinfectadas com SARS-CoV-2, 2020

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Sinais e sintomas: - Mais prevalentes: febre (n = 82; 77,4%), tosse (n = 76; 71,7%), dispneia (n = 32; 30,2%), fadiga (n = 17; 16,0%), cefaleia (n = 15; 14,2%), mialgia/artralgia (n = 15; 14,2%). - Menos prevalentes: dor de garganta (n = 10; 9,4%), diarreia (n = 9; 8,5%), anosmia (n = 7; 6,6%), dor torácica (n = 4; 3,8%), vômitos (n = 3; 2,8%), tontura (n = 2; 1,9%), taquicardia (n = 2; 1,9%), calafrios (n = 2; 1,9%), fraqueza (n = 2; 1,9%), dor abdominal (n = 2; 1,9%). - Raros: aguesia (n = 1; 0,9%), desidratação (n = 1; 0,9%), hipóxia (n = 1; 0,9%), confusão mental (n = 1; 0,9%). Assintomáticos: 5 pacientes (4,7%).	Exames laboratoriais e de imagem: - RT-PCR* positivo para SARS-CoV-2; - Tomografia computadorizada e radiografia de tórax com aspecto de vidro fosco/opaco; - Linfopenia; - Proteína C reativa elevada; - Trombocitopenia; - Alanina aminotransferase elevada; - Plaquetopenia; - Lactato desidrogenase elevado; - Troponina elevada.
TRATAMENTOS
Não se constatou um padrão de tratamento. Contudo, basearam-se em: manutenção da TARV† de rotina; antibióticos; analgésicos; anti-inflamatórios; corticosteroides; antimalárico/antirreumático; antifúngicos; antitussígenos; e suplementos vitamínicos.
COMPLICAÇÕES
- Mais prevalentes: dessaturação/piora da dessaturação de O2 (n = 11; 10,4%); pneumonias fúngicas/bacterianas (n = 8; 7,5%). - Menos prevalentes: parada cardiorrespiratória (n = 2; 1,9%); leucopenia (n = 2; 1,9%). - Raras (n = 1; 0,9%): taquicardia ventricular não sustentada; cardiomegalia sem infiltrado; infarto esplênico em forma de cunha; erupção maculopapular em membros inferiores; lesão hepática aguda; encefalopatia; convulsões tônico-crônicas; síndrome do desconforto respiratório agudo; lesão renal aguda; diarreia; taquipneia; hemoptise; paralisia do nervo craniano com ptose; lesão pulmonar autoinfligida pelo paciente.
INTERVENÇÕES
- Oxigênio suplementar via cânula nasal e máscara de reservatório; - Ventilação mecânica invasiva e não invasiva; - Sedoanalgesia; - Oxigenação extracorpórea por membrana; - Traqueostomia; - Exame doppler vascular; - Exames de imagem torácica (tomografia computadorizada e radiografia) e cardíaca (eletrocardiograma).
RECOMENDAÇÕES
1) Preventivas - Casos não complicados de coinfecção SARS-CoV-2/HIV podem ser tratados com autoisolamento em casa; - Manutenção de isolamento domiciliar por, no mínimo, 14 dias; - O uso da telemedicina para identificação dos sintomas iniciais de COVID-19, para apoio psicossocial e para o controle da coinfecção como estratégia fundamental de atenção à saúde dessa população; - Pessoas com HIV avançado ou mal controlado (CD4 < 500 mm3) e/ou com fatores de risco (maiores de 50 anos e presença de comorbidades: diabetes, hipertensão, tabagismo crônico) coinfectadas com SARS-CoV2 podem ter maior risco de morte. 2) Assistenciais - A pneumonia por COVID-19 em pacientes com HIV não tratado requer acompanhamento cuidadoso, com TARV†, da síndrome inflamatória de reconstituição imune; - Por apresentarem características clínicas e radiológicas semelhantes, os diagnósticos de pneumonia por Pneumocystis jirovecii e COVID-19 precisam ser esclarecidos; - Indivíduos coinfectados por SARS-CoV-2/HIV podem ser tratados com o padrão de atendimento aplicado à população em geral; - Quando a agitação impedir o transporte seguro de pacientes para exames de imagem/teste, a intubação e a sedação devem ser consideradas como uma opção para alcançar condições mais seguras para exames e diagnóstico por imagem; - Em pacientes coinfectados por SARS-CoV-2/HIV, é altamente recomendável a monitorização dos níveis sanguíneos de drogas sempre que possível; - Devido ao potencial de geração de aerossóis, a obtenção de uma amostra de escarro induzida para testes de pneumonia por Pneumocystis carinii atualmente não é recomendada. 3) Farmacológicas - Avaliar o potencial de interações farmacológicas entre a TARV† e o tratamento para COVID-19 nas pessoas coinfectadas; - Atentar que a coadministração com medicamentos antirretrovirais inibidores ou indutores do metabolismo pode aumentar a concentração de cloroquina ou diminuir a concentração de hidroxicloroquina; - O lopinavir/ritonavir pode elevar as concentrações plasmáticas da cloroquina/hidroxicloroquina e do remdesivir, e os efeitos adversos ou a toxicidade provavelmente aumentarão; - O efeito do remdesivir pode ser influenciado por fortes antirretrovirais inibidores/indutores do metabolismo, portanto a coadministração não é recomendada; - Início precoce de tratamento antimicrobiano pode se traduzir em um risco menor de infecções oportunistas; - Tenofovir, um dos medicamentos anti-HIV mais amplamente prescritos para tratamento e profilaxia préexposição ao HIV, bloqueia a polimerase RNA‡ dependente de RNA‡, crítica do SARS-CoV-2.

• ^*
  RT-PCR - Reverse-Transcriptase Polymerase Chain Reaction;
• ^†
  TARV - terapia antirretroviral;
• ^‡
  RNA - Ácido ribonucleico.

O período de diagnóstico para o HIV revelou que a maior parte dos indivíduos conheceu sua soropositividade entre 2010 e 2019, seguida daqueles que testaram positivo na década anterior (20002009). Esses achados podem sugerir que tais pessoas apresentam hábitos de cuidados rotineiros com a saúde (procura por serviços de saúde, administração da TARV, alimentação etc.) devido a preocupações com infecções oportunistas, também relatado em outra pesquisa²⁵, e isso pode ter sido evidenciado na busca rápida por atendimento assistencial quando do aparecimento das primeiras sintomatologias da COVID-19. Outra possibilidade são os avanços na promoção da saúde da população mundial, com o aumento da cobertura de realização de testes rápidos.

Em relação às comorbidades, as mais frequentes foram: HAS^{9,12,14,19-21,23-25,30,33,36,40}, DM^{9,12,14-15,20,23,25,30,33,36-37,39} e distúrbio broncopulmonar obstrutivo crônico^{12,23,30,33,36}. As PVHAs apresentam maiores propensões ao desenvolvimento de outras patologias^4,25, no entanto suas comorbidades estão em consonância com aquelas apresentadas pela população em geral². Sabese que HAS e DM estão entre as patologias prévias que mais predispõem a complicações da COVID-19, e percebeu-se que as PVHAs que tinham tais comorbidades também apresentaram agravamento do seu quadro de saúde, já que, dos 7 pacientes coinfectados por SARS-CoV-2/HIV que faleceram, 3 tinham hipertensão e/ou diabetes.

Para a grande maioria das PVHAs coinfectadas pelo SARS-CoV-2, o tempo de internação variou entre 6 a 15 dias (61,6%), coadunando com outra investigação que apresentou tempo médio de 14,8 dias⁴⁵. Do total de pacientes internados referidos nos estudos (n = 60), 10 (16,7%) necessitaram de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva - UTI^{12,20,22,24,27,32-33,36,41}; outros dois estudos^23,25 também referiram pacientes acompanhados em UTI, porém não mencionaram o tempo de internação, portanto não foram computados no âmbito desses pacientes internados. O grande número de PVHAs internadas, mesmo quando apresentavam sintomas leves de COVID-19, pode estar relacionado a condutas médicas de segurança e proteção²³.

No que tange à TARV, percebe-se que 87,7% das PVHAs a usavam regularmente, o que pode representar um mecanismo de proteção para o desenvolvimento de sintomas mais severos^21,43 da COVID-19, contribuindo com uma melhora clínica mais rápida do que a da população em geral^6,10 e com um melhor prognóstico²³; contudo, considerando que não há um consenso, esses achados necessitam de outras investigações. Ainda, identificou-se que 62 (58,5%) pacientes faziam uso de esquema antirretroviral contendo tenofovir - achado também presente em pesquisa de coorte²⁵. Esse medicamento apresentou capacidade teórica para interromper a infecção^43,46, uma vez que demonstrou ser eficaz contra o SARS-CoV-2 por ligação à RNA polimerase, logo, impedindo que o vírus se ligue aos linfócitos T. Sendo assim, acredita-se que as PVHAs em uso de tenofovir podem estar, supostamente, mais protegidas do que a população em geral²⁵.

Em relação ao CD4⁺, observou-se que a maior parte das pessoas coinfectadas por SARSCoV2/HIV (n = 65) apresentava um valor igual ou superior a 350 células/mm³, indicando um sistema imunológico competente. Algumas investigações têm demonstrado que, mesmo entre aqueles mais imunodeprimidos e com baixa contagem de CD4⁺, a COVID-19 não tem se manifestado de forma mais grave, pois essa associação impede o desenvolvimento da tempestade de citocinas⁴⁷. No entanto, nesta revisão, o paciente com a contagem mais baixa de CD4⁺ (13 células/mm³) e que não estava em uso de TARV necessitou de internação na UTI e ficou em ventilação mecânica por ter desenvolvido outras infecções oportunistas (pneumonias) concomitantes à COVID-19 grave²². Portanto, a contagem de CD4⁺ é um importante marcador para monitoramento das respostas ao tratamento e das condições gerais de saúde das PVHAs coinfectadas pelo SARS-CoV-2.

Quanto à CV, percebe-se que as condições indetectáveis e de supressão viral (CV < 200 cópias) estiveram presentes na grande maioria dos pacientes coinfectados por SARS-CoV-2/HIV, o que também pode ser um bom indicador de melhor prognóstico. Também, destaca-se que o paciente com a maior CV (1 milhão de cópias) apresentou os sintomas clássicos da COVID-19 (tosse produtiva e febre) e ficou internado por seis dias em enfermaria, pois não desenvolveu maiores complicações decorrentes das doenças²⁰.

Ao se considerarem as manifestações clínicas das PVHAs com COVID-19, as mais prevalentes foram: febre^{9-20,22-27,30,32-42}, em 82 pacientes; tosse^{9-12,14-20,22-25,27,30,32-42}, em 76; e dispneia^{12,14,18-20,22-23,25,32-33,36-37,39,42}, em 32 pacientes. Esses achados também correspondem aos sinais e sintomas primários da COVID-19 na população em geral².

Todos os estudos indicaram a importância da realização do exame padrão-ouro, RT-PCR (Reverse-Transcriptase Polymerase Chain Reaction), para a detecção do SARS-CoV-2, sendo necessária a sua realização precoce ou nas primeiras manifestações clínicas. Ademais, ressaltam que um exame RT-PCR positivo para COVID-19 auxilia no diagnóstico diferencial e na tomada de decisão clínico-assistencial. Outros exames complementares muito frequentes foram a tomografia computadorizada (TC) e a radiografia de tórax, inicialmente utilizadas para detectar comprometimento pulmonar causado pela COVID-19 e, assim, agilizar o início do tratamento quando os resultados do RT-PCR demoram a sair, quando os laboratórios esgotam sua capacidade de testagem ou, ainda, quando faltam kits. Vale ressaltar que a TC não deve ser indicada como exame de escolha isolado para o diagnóstico⁴⁸.

No tocante aos exames laboratoriais, as alterações mais frequentes estavam relacionadas à linfopenia^{11,15,32-34,36,39} e proteína C reativa elevada^{11,13,25-26,37}. Também foram relatados: lactato desidrogenase elevado^11,27, alanina aminotransferase elevada²⁵, troponina elevada³⁷, trombocitopenia^25,33 e plaquetopenia³². Estudos preliminares^39,49 apontam que a linfopenia relacionada ao HIV poderia proteger as PVHAs coinfectadas pelo SARS-CoV-2 de manifestações clínicas mais graves.

Quando se analisam os tratamentos utilizados para a COVID-19, percebe-se uma profusão de tentativas. Os mais recorrentes foram: hidroxicloroquina^{11-12,18,21-22,24-25,27,31,33,37,40}, manutenção da TARV de origem^{10,16,18,20-22,24,28,30,39,41}, azitromicina^{12,19,21-22,25,27,31-33,40-41}, oseltamivir^{26,33-34,36,39,41} e tocilizumabe^{14,22,24-25,35,42}. A hidroxicloroquina normalmente foi utilizada em associação com a azitromicina e, mesmo para aqueles pacientes que obtiveram sucesso no tratamento da COVID-19, seu uso segue sendo questionado por alguns pesquisadores¹⁸, sua coadministração com a TARV necessita de acompanhamento em decorrência da toxicidade²⁹, e há necessidade de mais estudos que comprovem seus reais riscos e/ou benefícios para os pacientes³¹.

As complicações mais comuns relatadas nos estudos durante o período de internação foram a dessaturação/piora na dessaturação^{9,11-12,19,22,24,33,35-36,40,42} e as pneumonias fúngicas/bacterianas^{14,19-20,22,26,32}. Ainda, os pacientes coinfectados com SARS-CoV-2/HIV apresentaram leucopenia^27,36 e parada cardiorrespiratória^27,33. As intervenções assistenciais mais recorrentes foram: O₂ suplementar via cânula nasal e/ou máscara de reservatório^{9,12,14-15,17,19,24,34-35,37-40,42} e ventilação mecânica^{20,22-25,36,41}. Assim, sugere-se que o melhor tratamento básico consiste no suporte de O₂ e no controle das comorbidades²⁹.

As recomendações para PVHAs coinfectadas com SARS-CoV-2 foram sintetizadas em três grupos (preventivas, assistenciais e farmacológicas) tendo em vista seus objetivos. As recomendações preventivas chamam atenção para o fato de que pacientes coinfectados por SARS-CoV-2/HIV que tenham sintomas leves podem ser tratados com autoisolamento em casa⁹; também, as orientações são para isolamento domiciliar por, no mínimo, 14 dias para aqueles recém-curados da COVID19^15,18,21. A telemedicina²⁸ foi apontada como recurso estratégico a ser usado para a identificação dos sinais e sintomas iniciais, para acompanhamento e apoio psicossocial e para o controle da coinfecção SARS-CoV-2/HIV, assim como também tem sido indicada à população em geral⁵⁰.

As recomendações assistenciais referem-se à necessidade de esclarecimento diagnóstico entre a pneumonia causada pela COVID-19 e outras pneumonias¹⁷ e à necessidade de monitorização dos níveis sanguíneos de drogas²⁹ e de sedação dos pacientes agitados para o transporte seguro²⁷; ainda, recomendam a não obtenção de amostras de escarro devido à geração de aerossóis³²; e sinalizam que indivíduos coinfectados por SARS-CoV-2/HIV podem ser tratados com o padrão de atendimento aplicado à população em geral²⁵.

As recomendações farmacológicas sugerem que é preciso avaliar o potencial de interações entre a TARV e os diversos tratamentos para COVID-19²⁸. Estudo revela o aumento ou a diminuição da exposição à cloroquina/hidroxicloroquina em coadministração com a TARV²⁹ e salienta que o lopinavir/ritonavir pode elevar as concentrações plasmáticas dessas drogas²⁹. Ainda, o uso precoce de drogas antimicrobianas pode resultar em um risco menor de infecções oportunistas⁴¹ e, portanto, reduzir o tempo de internação e as complicações decorrentes da coinfecção SARS-CoV-2/HIV.

Limitações do estudo

As limitações do estudo estão relacionadas à interpretação e padronização dos resultados oriundos dos delineamentos dos artigos primários em diferentes idiomas; e ao fato de terem sido escritos por profissionais de saúde de diferentes locais do mundo, com normas dos periódicos, culturas e diretrizes locais distintas. Ainda, possíveis riscos de viés podem estar presentes em razão de, majoritariamente, os estudos tratarem de relatos de casos clínicos redigidos sem uma diretriz para a apresentação dos dados e/ou recursos empregados. Além disso, as diferentes características clínicoepidemiológicas e de tratamentos disponíveis às PVHAs nas diferentes partes do mundo e a forma como os serviços de saúde estão organizados impactam a vida desses indivíduos e os cuidados/tratamentos para a coinfecção SARS-CoV-2/HIV, o que restringiu equiparações.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Este artigo mapeou o conhecimento científico publicado acerca do curso clínico da coinfecção pelo SARS-CoV-2 em pessoas que vivem com HIV/aids e contribuiu com os seguintes achados: os sinais e sintomas mais prevalentes foram febre, tosse e dispneia; 58,5% dos pacientes faziam uso de esquema antirretroviral contendo tenofovir, o qual, em termos teóricos, apresenta-se como fator de proteção contra o SARS-CoV-2; as principais complicações foram dessaturação/piora da dessaturação de O₂ e pneumonias, bem como as intervenções mais comuns incluíram oxigênio suplementar e ventilação mecânica invasiva e não invasiva; por fim, as manifestações clínicas, as complicações e os tratamentos - à exceção da manutenção da TARV de origem - assemelham-se aos da população geral.

CONCLUSÕES

A maioria dos estudos foi procedente da China e dos Estados Unidos, envolveu investigações com pessoas do sexo masculino, com idades entre 30 e 59 anos. Em relação ao diagnóstico para o HIV, predominou o período entre 2010 e 2019; e, quanto à TARV, a maioria das PVHAs fazia uso dela regularmente. Identificou-se que a maior parte das PVHAs coinfectadas pelo SARS-CoV-2 apresentava CD4⁺ com valor igual ou superior a 350 células/mm³ e CV em condições indetectáveis e de supressão viral.

No que concerne às comorbidades, prevaleceram HAS, DM e distúrbio broncopulmonar obstrutivo crônico, com tempo de internação variando entre 6 e 15 dias. As principais manifestações clínicas foram febre, tosse e dispneia. Os exames mais utilizados para diagnóstico e identificação de alterações foram RT-PCR, tomografia computadorizada e radiografia de tórax. As complicações envolveram dessaturação/piora da dessaturação de O₂ e pneumonias. Não foi identificado um padrão para o tratamento farmacológico, pois diferentes classes medicamentosas foram utilizadas com vistas a melhorar o curso clínico da coinfecção. As principais intervenções foram oferta de oxigênio suplementar e ventilação mecânica invasiva e não invasiva. Recomendaram-se cuidados preventivos, assistenciais e farmacológicos para as pessoas coinfectadas pelo SARS-CoV-2/HIV.

Em suma, as manifestações clínicas, as principais complicações e os tratamentos/cuidados assistenciais das PVHAs coinfectadas pelo SARS-CoV-2 se assemelham aos da população em geral.

Destaca-se como lacuna do conhecimento que alguns dados dos estudos presentes na amostra estudada não foram apresentados, o que limitou comparações. Sugere-se, então, que sejam desenvolvidos estudos experimentais comparando e evidenciando as reais manifestações clínicas e prognósticos de PVHAs coinfectadas com SARS-CoV-2, além de estudos que explorem o real impacto da infecção na vida dessas pessoas e os aspectos psicológicos inerentes à coinfecção SARSCoV-2/HIV.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Out 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  19 Jan 2021
• Aceito
  09 Maio 2021