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Reformas curriculares na transformação do ensino em enfermagem em uma universidade federal

RESUMO

Objetivos:

discutir as reformas curriculares adotadas para o ensino de enfermagem no Brasil, no período de 1969 a 2019.

Métodos:

pesquisa histórica, de abordagem qualitativa com uso da história oral temática e pesquisa documental. Realizaram-se 13 entrevistas com docentes de graduação em Enfermagem de uma universidade federal do Sul do Brasil. As fontes documentais foram os projetos político-pedagógicos do curso e outros afins. Utilizou-se análise temática de Minayo.

Resultados:

o currículo de enfermagem delineia o perfil do profissional a ser formado e é revisto para adaptação às mudanças sociais e educacionais. Revela o potencial científico e profissional que se espera do enfermeiro. As reformas curriculares visam à qualidade da formação de enfermagem.

Considerações Finais:

a estrutura curricular e as reformas ocorridas emergiram consonantes com o contexto histórico, político, epidemiológico e social exigido da profissão para atender às demandas da sociedade e do mercado de trabalho.

Descritores:
Currículo; Educação em Enfermagem; Educação Superior; Instituições de Ensino Superior; História da Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to discuss the curricular reforms adopted for nursing teaching in Brazil, from 1969 to 2019.

Methods:

historical, qualitative approach using the thematic oral history and document research. 13 interviews were carried out with graduation nursing professors from a federal university in the South of Brazil. The document sources were the political-pedagogical projects of the course and their associated documents. Minayo’s thematic analysis was used.

Results:

nursing curricula delineates the profile of the professional that must be formed and are reviewed in order to be adapted to social and educational changes, showing the scientific and professional potential of the nurse. Curricular reforms consider the quality of nursing formation.

Final Considerations:

the structure of the curriculum and the reforms that took place emerged according to the historical, political, epidemiological and social context demanded from the profession, to attend to the demands of society and to the work market.

Descriptors:
Curriculum; Education; Nursing; Graduate; Higher Education Institutions; Nursing History

RESUMEN

Objetivos:

discutir las reformas curriculares adoptadas para la enseñanza de enfermería en Brasil, en el período de 1969 a 2019.

Métodos:

investigación histórica, de abordaje cualitativo con uso de historia oral temática e investigación documental. Realizaron 13 entrevistas con docentes graduados en Enfermería de una universidad federal del Sur de Brasil. Las fuentes documentales fueron los proyectos político-pedagógicos del curso y otros afines. Utilizó análisis temático de Minayo.

Resultados:

el currículo de enfermería delinea el perfil del profesional a ser formado y es revisto para adaptación a los cambios sociales y educacionales. Revela el potencial científico y profesional que se espera del enfermero. Las reformas curriculares objetivan a la calidad de la formación de enfermería.

Consideraciones Finales:

la estructura curricular y las reformas ocurridas emergieron consonantes al contexto histórico, político, epidemiológico y social exigido de la profesión para atender a las demandas de la sociedad y del mercado de trabajo.

Descriptores:
Currículo; Educación en Enfermería; Educación Superior; Instituciones de Enseñanza Superior; Historia de la Enfermería

INTRODUÇÃO

A constituição da enfermagem moderna como profissão inicia-se na segunda metade do século XIX, com a fundação da Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas, em Londres, onde, por meio de Florence Nightingale e seus pressupostos, tem início a Enfermagem Moderna no mundo(11 Freitas GF, Takashi MH, Melo FS. Historical approaches to the teaching of the Administration for the formation of the nurse's identity. Cultura Cuid. 2019;23(53):9-13. https://doi.org/10.14198/cuid.2019.53.01
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).

A Guerra Civil (1861-1865) nos Estados Unidos da América serviu de alicerce para o início da enfermagem profissional no país, pois, até então, não existia nenhuma organização de enfermeiras. Ao longo do conflito, várias mulheres deixaram suas famílias e/ou maridos para auxiliar em situações cujos lugares não lhes eram anteriormente considerados “apropriados”. O papel delas durante esse período mudou a opinião pública sobre o trabalho das mulheres nos cuidados de saúde. Aquelas que se voluntariaram nessa guerra perceberam a importância e valor de uma educação formal de cuidados aos “doentes”. Algumas delas foram instrumentalmente essenciais no estabelecimento das primeiras escolas de enfermagem nos Estados Unidos da América(22 Roux G, Halstead J. Issues and Trends in Nursing: Practice, Policy, and Leadership. Burlington: Jones & Bartlett Learning; 2017. 558 p.).

Já na América Latina, os primórdios da enfermagem remontam à era pré-colombiana, com curandeiros, mas, somente no século XIX, a área adquire abordagem sanitária sob o apoio das congregações religiosas. As primeiras escolas de enfermagem são criadas na Argentina, Cuba, Chile, México e Uruguai. O avanço da enfermagem enquanto profissão e disciplina na América Latina também está atrelado aos avanços científicos e tecnológicos, assim como a mudanças econômicas, sociais e políticas vivenciadas pela sociedade(33 Verderese O. Análisis de la enfermería en la América Latina. Educ Méd Salud. [Internet]. 1979 [cited 2020 Oct 30];13(4):315-40. Available from: http://hist.library.paho.org/Spanish/EMS/5145.pdf
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).

O percurso histórico da formação em enfermagem no Brasil teve seu início em 1890, por meio do Decreto Federal n° 791, de 27 de setembro de 1890, com a Escola de Enfermeiros e Enfermeiras do Hospital Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, dirigida por médicos(44 Ministério da Educação (BR). Decreto nº 791, de 27 de setembro de 1890. [Internet]. 1890 [cited 2020 Oct 30]. Available from: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-791-27-setembro-1890-503459-publicacaooriginal-1-pe.html
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). Porém, foi depois da Primeira Guerra Mundial que a enfermagem e a saúde pública brasileira foram alavancadas em sua profissionalização, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1920, comandado por Carlos Chagas(55 Oliveira MCM, Lima TL, Baluta VHB. A formação do profissional enfermeiro, no contexto das reformas de ensino no Brasil. Rev Grifos [Internet] 2014 [cited 2020 Oct 30];36:161-86. Available from: https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/grifos/article/view/2784/1766
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). O ensino oficial sistematizado de Enfermagem Moderna no Brasil foi introduzido em 1923 pelo Decreto n° 16300/23, no Rio de Janeiro, mediante a organização do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, dirigido por Carlos Chagas e, atualmente, denominado como Escola de Enfermagem Anna Nery(66 Padilha MI, Borenstein MS, Santos I. Enfermagem: história de uma profissão. São Caetano do Sul, SP: Difusão; 2020. 686 p.). Desde o início do século XX, as transformações que permearam o contexto da educação em enfermagem foram instituídas por meio de reformas curriculares como processos externos do Ministério da Educação e Cultura, iniciados em 1923, 1949, 1962, 1972, 1994 e 2001(77 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID - Rev Electron Investig Desenvolv [Internet] 2016 [cited 2020 Oct 30];1(7):51-63. Available from: http://reid.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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).

Na década de 1980, em consonância com os movimentos sociais que estavam ocorrendo por todo o país para a redemocratização da sociedade brasileira, a enfermagem então também passou a evidenciar a necessidade de reforma na sua prática profissional. Pensando nisso, o Movimento Participação (MP) foi uma reação à postura e direcionamentos da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) e tinha como foco aliar-se ao projeto de Reforma Sanitária comprometendo-se a realizar mudanças no contexto de política nacional(88 Bellaguarda MLR, Padilha MI, Mota MM, Boeck TT, Bousfield AP. Nursing Journeys of Santa Catarina: contributions towards the professional qualification and practice. Cienc Cuid Saude. 2020;19:e44172. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.44172
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). A ABEn, desde a década de 1990, com a criação dos Seminários Nacionais de Diretrizes para a Educação em Enfermagem (SENADEN), vem tentando implementar estratégias e encaminhamentos para conduzir as políticas de educação em enfermagem em seus diversos níveis (técnico, graduação e pós-graduação), com propostas de fortalecimento da qualidade da formação desses profissionais(99 Vieira SL, Silva GTR, Fernandes JD, Bião e Silva ACA, Santana MS, Santos TBS. Des-interesse no ensino profissionalizante na produção do Seminário Nacional de Diretrizes para a Educação em Enfermagem. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):141-8. https://doi.org/10.5935/0034-7167.20140019
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).

A ABEn, após longo percurso de discussões com a participação de escolas, instituições de saúde e entidades organizativas, conclui uma nova proposta curricular, que é oficializada em 1994 pela portaria n° 1721/94. Esse novo currículo prediz a formação do enfermeiro em quatro áreas: gerência, assistência, ensino e pesquisa(77 Duarte APRS, Vasconcelos MVL, Silva SEV. A trajetória curricular da graduação em enfermagem no Brasil. REID - Rev Electron Investig Desenvolv [Internet] 2016 [cited 2020 Oct 30];1(7):51-63. Available from: http://reid.ucm.ac.mz/index.php/reid/article/view/120
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). A matriz curricular da enfermagem proveniente das mudanças de 1994 passa a incorporar a Reforma Sanitária, articulando as dimensões clínicas e epidemiológicas, demonstrando preocupação com as distintas realidades do país.

Em 1996, é aprovada a Lei n° 9.394/96, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Esta abre espaços para a flexibilização dos currículos de graduação e para a superação do “currículo mínimo” e da “grade curricular”, propicia autonomia às instituições de ensino superior no quesito didático-científico, permitindo a criação de cursos, fixação de currículos dos seus cursos e programas, bem como a adoção de diretrizes curriculares específicas para cada curso(1010 Ministério da Educação (BR). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996[Internet]. 1996 [cited 2020 Oct 30]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
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). A LDB influencia a organização curricular da enfermagem e, consequentemente, todo o arcabouço formativo do profissional enfermeiro e destes na educação do auxiliar e técnico de enfermagem. Assim, as influências de estruturas curriculares captam para a formação do enfermeiro confluência política e econômica da sociedade brasileira a cada época.

A Diretriz Curricular Nacional (DCN) para o curso de graduação em Enfermagem de 2001 estabelece os objetivos de formação por meio de competências e habilidades que devem ser seguidas nas instituições de ensino superior. A diretriz mostra que “A formação do Enfermeiro deve atender às necessidades sociais da saúde, com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS), e assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento”(1111 Ministério da Educação (BR). Resolução CNE/CES nº3 de 07 de novembro de 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem [Internet]. 2001 [cited 2020 Oct 30]. Available from: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES03.pdf
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).

As reformas curriculares são importantes porque acompanham a evolução da educação mundial de um modo geral, assim como norteiam a organização dos cursos, de modo a garantir a qualidade curricular. Alterações curriculares fazem parte de movimentos políticos levantados por entidades representativas, novas políticas de ensino e saúde, instituições de ensino, docentes e discentes. Como este é um estudo histórico-social, estabelecemos um recorte temporal de abrangência do tema, tendo seu início no ano de 1969, quando foi criada uma universidade federal do Sul do Brasil; e o recorte final, no ano 2001, quando foram implantadas as Diretrizes Curriculares para Enfermagem, que estão em vigor.

OBJETIVOS

Discutir as reformas curriculares adotadas para o ensino de enfermagem no Brasil no período de 1969 a 2019.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes das entrevistas e o termo de cessão após as entrevistas transcritas e validadas.

Tipo de estudo

Pesquisa sócio-histórica, de abordagem qualitativa com uso da história oral temática e pesquisa documental. A história oral temática utilizou a entrevista como técnica de coleta de dados, tendo o caráter temático específico ao grupo selecionado para o estudo, no qual o entrevistador busca esclarecer os fatos associando as falas dos entrevistados e outras fontes documentais. A pesquisa histórica tem a documentação como método quando se trata de informações historiográficas e apresenta procedimentos de escolha, organização, análise e síntese(1212 Padilha MI, Bellaguarda MLR, Nelson S, Maia ARC, Costa R. The use of sources in historical research. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):1-10. https://doi.org/10.1590/0104-07072017002760017
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). Utilizouse o checklist do COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research)(1313 Jiménez-Gómez MA, Cárdenas-Becerril L, Velásquez-Oyola MB, Carrillo-Pineda M, Barón-Díaz LY. Reflective and critical thinking in nursing curriculum. Rev Latino-Am Enferm. 2019;27:e3173. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2861.3173
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) para a condução desta pesquisa.

Procedimentos Metodológicos

Cenário do estudo e fonte de dados

O cenário do estudo foi uma universidade federal do Sul do país, fundada em 1960, cujo curso de graduação em Enfermagem iniciou em 1969. As fontes de dados orais foram 13 professores que participaram desde a implantação do curso até o ano de 2001, quando foram implantadas as Diretrizes Curriculares Nacionais, ainda em vigor.

Coleta e organização dos dados

Foram realizadas 13 entrevistas com auxílio de um gravador digital entre dezembro de 2018 e abril de 2019, com professores e coordenadores de um curso de graduação em Enfermagem de uma universidade federal do Sul do Brasil que fizeram parte da trajetória histórica do curso desde seu início até os tempos atuais.

Para a coleta o estudo, adotou-se como critério de inclusão: docentes vinculados à universidade que participaram da construção de currículos dentro do curso no período proposto, mediante a técnica de amostragem em rede (ou em bola de neve)(1414 Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em Enfermagem-avaliação de evidências para a prática da Enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2018. 456 p.). Os critérios de exclusão foram: aqueles que indiretamente influenciaram como palestrantes na época; e consultas de profissionais não vinculados à instituição. O número de participantes foi determinado pela saturação de dados.

As entrevistas tiveram a duração de aproximadamente 40 minutos, foram gravadas, transcritas na íntegra e posteriormente validadas pelos participantes por endereço eletrônico. Foram todas realizadas pela pesquisadora principal deste estudo, que tinha uma vivência de formação na universidade investigada e fez uma imersão teórica nas publicações relativas ao tema. Ocorreram nos espaços da universidade, na residência dos professores, cafeteria, e uma foi efetuada por aplicativo de vídeo devido à impossibilidade de presença física.

Os participantes da pesquisa foram identificados com as letras C para indicar os coordenadores de curso e P para indicar os professores, seguidas de número sequencial. Apesar de ser um estudo histórico-social, não houve necessidade de identificação nominal dos participantes, devido ao interesse das pesquisadoras nas reformas curriculares, e não nos personagens que fizeram parte dessa reforma.

A parte documental do estudo se deu pela seleção dos documentos na Biblioteca Central da Universidade, no acervo pessoal das professoras, nos catálogos universitários com informações referentes ao Departamento de Enfermagem, grade curricular, disciplinas e ementas, assim como aos projetos político-pedagógicos do curso.

Análise dos dados

A análise dos dados fundamentou-se na análise temática proposta por Minayo(1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014. 416 p.), que compreende dois momentos: o primeiro, relacionado às determinações fundamentais da pesquisa, com mapeamento na fase exploratória da investigação; o segundo, denominado de interpretativo. Esse último é constituído pela ordenação e classificação dos dados, análise final e relatório. Foram desenvolvidas tabelas com as unidades de registro de todas as entrevistas, com diferenciação por cores, para posterior agrupamento e formação de categorias de análise.

RESULTADOS

Os resultados estão organizados em três categorias: Reformas curriculares e a dinâmica para melhoria do ensino; Influência da estrutura curricular na formação do enfermeiro; Relevância das Diretrizes Curriculares Nacionais sobre a estrutura curricular na formação dos enfermeiros.

Reformas curriculares e a dinâmica para melhoria do ensino

Os coordenadores do curso de graduação em Enfermagem apresentam respostas semelhantes quanto ao significado e importância das reformas curriculares. Indicam que a reforma curricular se inicia tendo por base movimentos de insatisfação com o modelo de currículo em cada época, no qual o ensino é pautado. Nesta categoria, apresenta-se o movimento inicial de uma reforma curricular e os aspectos que influenciam a dinâmica de desenvolvimento de um curso de graduação em meio à reforma.

As reformas curriculares fazem parte do contexto histórico. A realidade, a situação de saúde, o contexto em que o curso está inserido também têm uma evolução histórica; se espera, portanto, que o próprio curso, a própria formação profissional reflita essas mudanças(C3)

É o nível de insatisfação que começa a acontecer, com relação aos professores e os alunos, a evolução das políticas, a não aderência à prática, aquilo que está sendo feito fora da universidade, não aderência no sentido de concordância, no sentido de conhecimento, como que se processa a assistência de enfermagem, como deveria se processar e o que a universidade está fazendo para isso, então essas inquietações que começam a surgir e aí a necessidade de fazer a discussão. (C2)

Às vezes, uma reforma nasce de uma necessidade de um professor como, por exemplo, ou de um grupo de professores que está inserido em novas tecnologias, se insere em uma área que o currículo, como foi o caso do HIV, quando apareceu […] então, às vezes, já houve reunião de colegiado em que houve uma proposta […] apesar do fórum legal ser do colegiado de curso, elas nascem no colegiado de departamento de um descontentamento de professores. (P1)

A mobilização dos professores em reformular o currículo mostra-se como uma preocupação quanto à formação dos futuros enfermeiros, quando, na década de 1970, buscaram especializar seus estudantes em saúde pública. Observa-se que a integração entre docentes e discentes é essencial para as discussões evoluírem com vista à implementação de propostas de transformação na estrutura curricular de um curso.

Influência da estrutura curricular na formação do enfermeiro

Os currículos de graduação em Enfermagem se modificam conforme a realidade sanitária, as possibilidades da empregabilidade e as tecnologias de ensino. O ensino de enfermagem é expresso por meio do projeto político-pedagógico (PPP) de cada curso. Os conteúdos a serem abordados devem ser resultado de uma leitura da realidade local e de suas necessidades.

Se formos pensar como era o currículo de um enfermeiro quando eu me formei [em 1982], o que se discutia, como era a grade curricular, como os conteúdos eram organizados e trabalhados […] era completamente diferente do que hoje se trabalha no curso de graduação. O acesso à informação não tinha a facilidade que temos hoje; não tinha internet, apenas livros disponíveis na biblioteca. Os livros eram muito caros, até porque a produção gráfica no Brasil era muito cara. Penso que esse modelo de currículo disciplinar, estabelecido em caixinhas, por disciplinas ou áreas temáticas, ou unidades curriculares, está superado. Precisamos evoluir para currículos mais flexíveis, que permitam trabalhar com temas que sejam aqueles mais importantes no contexto da formação daquele momento […]. A questão dos temas a serem trabalhados no processo de formação profissional precisa estar vinculada ao contexto onde a formação se realiza. Dessa experiência no campo de prática, da realidade concreta é que se designa os temas a serem trabalhados(C3)

Quando a gente fala em modelos didáticos pedagógicos, tem que refletir muito bem o que pode significar avanço. Eu acho que a gente tem que se preocupar com isso, porque o que eu vejo é um despreparo pedagógico em várias áreas. Tem uma quantidade ilimitada de informação, e cada vez menos a gente tenta entender a formação que uma universidade deve dar para o indivíduo. (P8)

A enfermagem com a sua trajetória de formação de uma profissão foi se adequando ao longo do tempo conforme iam surgindo as políticas públicas educativas e de saúde; dessa forma, percebese que o currículo em si vai se adequando a favor do ensino de qualidade e das necessidades do mercado de trabalho. Existe uma preocupação em melhorar o saber científico da enfermagem com reflexos efetivos na assistência do cuidado.

As Diretrizes Curriculares Nacionais e a estrutura curricular na formação dos enfermeiros

Os coordenadores afirmam que o ensino da enfermagem é pautado pela epidemiologia local e que o currículo de um enfermeiro será diferente em cada região do país. As DCNs traçam um perfil de enfermeiro a ser formado de maneira generalista, e foi por meio das DCNs de 2001 que surgiram discussões de currículos que fossem pautados na mudança do modelo hospitalar para o da Atenção Básica. As discussões trazem à tona a formação para atuação no SUS e a necessidade da consolidação deste sistema.

O contexto específico da região precisa determinar essa visão para que o enfermeiro possa atender às necessidades da população/comunidade para a qual ele está sendo formado. Isso é uma contradição, se você pensar no exame nacional dos cursos. Se queremos uma formação que seja relacionada às características regionais e atenda às necessidades de saúde de cada região [e temos quadros epidemiológicos, culturas e hábitos muito distintos nas diversas regiões brasileiras], também devemos ter um exame que considere estas características(C3)

As diretrizes curriculares nacionais, e o projeto pedagógico de curso, vai gerar os planos de ensino. Você lida com uma autonomia docente e universitária. Autonomia universitária, gestão universitária toda hierarquizada. O docente tem uma autonomia relativa, estou dizendo isso porque o docente pode escolher como vai se dar esse ensino. A DCN é um determinante, porque vai marcar que o ensino tem que ser orientado pela realidade sanitária. O perfil epidemiológico do local é que mede esse curso. O docente faz a leitura para que esse ensino seja ensinado. Essa é uma fragilidade que se tem, mas isso pode ser uma potência, pode, mas aí vai do núcleo docente estruturante, ou dos órgãos colegiados para administrar isso. (C5)

A autonomia dos cursos de graduação pautados nas DCNs e a definição dos projetos político-pedagógicos guiam a formação em enfermagem caracteristicamente em decorrência da necessidade regional específica do trabalho em saúde. É destacado que: a DCN não sugere precisamente disciplinas a serem ofertadas pelos cursos; por si só, a Diretriz curricular é um guia para edificar o ensino à qualificação e valorização profissional. Os enunciados trazem à tona a necessidade das Diretrizes na ampliação do educar, em perspectivas múltiplas e não especificamente no escopo de conhecimento e domínio próprio de um professor.

DISCUSSÃO

O ensino de enfermagem foi passando por transformações e, ao longo dos anos, acompanhando as necessidades vigentes em termos de modelos de cuidado e práticas de saúde, passando do modelo hospitalar para o da saúde pública. O processo de construção de saberes da enfermagem evoluiu da execução de tarefas básicas para um cuidado humano crítico, científico e sistematizado(1616 Renovato RD, Bagnato MHS, Missio L, Bassinelo GAH. The identities of nurses in scenarios of changes in the curriculum of nursing education. Trab Educ Saúde. 2009;7(2):231-48. https://doi.org/10.1590/S1981-77462009000200003
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). As escolas de enfermagem tiveram um papel fundamental nesse processo de direcionamento das práticas de pensar e cuidar(1717 Waldow VR. Nursing: the Care Practice from a Philosophical Point of View. Investig Enferm Imag Desarr. 2015;17(1):13-25. https://doi.org/10.11144/Javeriana
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).

Nos anos 1940, o número de hospitais passa a crescer, principalmente em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, com a medicalização do corpo e grande preocupação da recuperação da força de trabalho advinda da classe operária. Instituições hospitalares associadas a faculdades de medicina ou criadas pela previdência social alavancam o modelo biomédico brasileiro de prestação de serviços assistenciais de saúde, que prospera ainda mais no período da Ditadura Militar com o financiamento previdenciário de hospitais particulares. Entretanto, tal modelo se esgota com a Reforma Sanitária, e essa conformação influencia o ensino da enfermagem desde a Lei n° 775/49 até o currículo mínimo de 1994(1818 Araújo AC, Sanna MC. Human and Social Sciences in the training of the first nurses 'cariocas' and 'paulistanas'. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1106-13. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000600018
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).

Com a dinâmica da produção de saúde e de conhecimento, observa-se que as reformas na educação superior evoluem de um cumprimento de regras puramente educacionais para a apresentação de currículos focados em estratégias de ensino cidadão. Ocorre uma relação de anseios entre docentes e discentes com enfoque na educação em enfermagem para a atuação em saúde pública. Essa assertiva fica evidente nos discursos dos participantes deste estudo.

Nesse sentido, estudo acerca da formação de enfermeiros na América Latina e Caribe evidencia, pelos currículos, a heterogeneidade na educação, com foco na atenção à saúde em nível hospitalar. O ensino prioriza o uso de metodologias ativas e educação transformativa, baseadas em evidências e pensamentos críticos e reflexivos(1919 Cassiani SHDB, Wilson LL, Mikael SSE, Morán-Peña L, Zarate-Grajales R, McCreary LL, et al. The situation of nursing education in Latin America and the Caribbean towards universal health. Rev Latino-Am Enfermagem. 2017;25:e2913. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2232.2913
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).

Todo processo histórico-social traz à margem as inquietações dos sujeitos envolvidos - nessa perspectiva, a educação em saúde e para a saúde. No campo do conhecimento em enfermagem, a ótica centra-se na qualificação da educação para a perícia, sob auspícios da expertise para a assistência de enfermagem. Essa dinâmica de construção e desconstrução curricular é mostrada neste estudo.

Há uma retórica de rompimento do controle hierárquico, que, desse modo, instiga formas diferentes de pensar e desenvolver o trabalho educativo. Isso pode ser evidenciado pelo empenho da coletividade docente em busca de recursos teóricos a serem aplicados à prática assistencial da enfermagem(2020 Magalhães SMF, Gabrielloni MC, Sanna MC, Barbieri M. Nursing Education: conceptualizing a pedagogical project from the view of professor. Acta Paul Enferm. 2017;30(3):247-53. https://doi.org/10.1590/1982-0194201700038
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). Esses aspectos podem ser percebidos no desenvolvimento de oficinas regulares para discussão curricular e modos de operacioná-lo, tendo como finalidade um curso mais aderente à realidade de cada época, com garantia de um processo de ensino-aprendizagem mais rico e atendendo às necessidades regionais.

Existe um desafio na formação do enfermeiro no que condiz à integração das disciplinas do ciclo básico e profissional. Ao longo da história, as instituições de ensino superior têm se organizado em disciplinas isoladas e desvinculadas da prática profissional, voltadas para a formação tecnicista e para especialidades(2121 Lazarini CA, Goulart FC. Basic Clinical Integration in Medical Internship: Psychiatry and Pharmacology. Rev Bras Educ Med. 2013;37(3):343-9. https://doi.org/10.1590/S0100-55022013000300006
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). Essa formação curricular fragmentada, a articulação entre os conteúdos das diferentes disciplinas e a aplicação dos saberes acabam se tornando, na prática, pouco executáveis(2222 Peres CRFB, Marin MJS, Soriano ECI, Ferreira MLSM. A dialectical view of curriculum changes in nursing training. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:1-8. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017038003397
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). O desafio de um currículo integrado desde o primeiro ao último período é uma constante quando se avalia como construir um currículo com qualidade, específico para a enfermagem, porém articulado de modo interdisciplinar tanto no ciclo básico quanto no profissional.

É um grande desafio romper com o modelo biologicista de educação em saúde, centrado na doença e em orientações clínico-médicas. Dessa forma, configura-se a ideia de ampliar o contexto de saúde, contemplando a promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, em articulação com o desenvolvimento da pós-graduação(2323 Padovani O, Corrêa AK. Curriculum and Nursing Education: challenges in universities today. Saude Transf Soc [Internet]. 2017 [cited 2020 Oct 30];8(2):112-9. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/view/3841/4990
http://incubadora.periodicos.ufsc.br/ind...
).

As DCNs fomentaram alterações nos projetos pedagógicos dos cursos no que se refere aos modos de ensinar e cuidar em enfermagem, bem como aos perfis diferenciados dos profissionais com foco na efetividade do SUS. As escolas de enfermagem no Brasil, com base no movimento da Lei de Diretrizes e Bases da Enfermagem (LDB), começam com a implantação de um novo currículo, que exige providências relacionadas à organização das estruturas acadêmicoadministrativas e um programa de capacitação docente para transformar o modelo de formação do enfermeiro(2424 Silva L, Sena RR, Silveira MR, Tavares TS, Silva PM. Nursing education challenges in a context of growth in participation in higher education. Esc Anna Nery. 2012;16(2):380-7. https://doi.org/10.1590/S1414-81452012000200024
https://doi.org/10.1590/S1414-8145201200...
). A LDB juntamente com o Decreto nº 2207/97 colocam que os docentes das instituições de nível superior tenham titulação desde pós-graduação até doutores(1010 Ministério da Educação (BR). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996[Internet]. 1996 [cited 2020 Oct 30]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
,2525 Ministério da Educação (BR). Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997 [Internet]. 1997 [cited 2020 Oct 30]. Available from: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/112019/decreto-2207-97
https://presrepublica.jusbrasil.com.br/l...
).

É defendido que os profissionais de saúde sejam sujeitos importantes do processo histórico de implementação do SUS, em cuja construção e consolidação se reconhece o papel do enfermeiro. A este, cabem diversas atribuições e competências dentro do sistema, participando da trajetória de implementação de políticas públicas em saúde(2626 Silva MJ, Sousa EM, Freitas CL. Nursing education: interface between the curriculum guidelines and content of primary health attention. Rev Bras Enferm. 2011;64(2):315-21. https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000200015
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201100...
).

O perfil do enfermeiro que surge mediante a descrição da DCN foi um processo resultante de discussões, desde a década de 1980, que tinham a finalidade de se contraporem à especialização na formação inicial, de associar os conhecimentos teóricos com as práticas sociais e de problematizar as diversas realidades. As DCNs não indicam exatamente os conteúdos e disciplinas que deveriam compor o currículo de um enfermeiro; dessa maneira, as instituições, em suas necessidades, vão se reformulando conforme acreditam ou segundo o direcionamento dado pelos próprios sujeitos envolvidos. Essas mudanças ocorrem por insatisfação dos docentes e discentes diante do atual currículo. É necessário acompanhar como as diretrizes vêm sendo compreendidas e implementadas nas propostas pedagógicas dos cursos de graduação em Enfermagem e como as instituições estão garantindo a formação vinculada à assistência humanizada à saúde, que é preconizada pelo SUS

Nesse cenário, percebem-se avanços na política de formação dos enfermeiros, relativos à articulação das políticas educacionais e de saúde. No Brasil, essas modulações nos cursos de graduação em Enfermagem, nos últimos anos, se aproximam das propostas das DCNs, que possuem princípios atrelados ao sistema público de saúde. Entretanto, essa proposta divide espaço com as tendências de formação orientadas pelo mercado e pela competição(2424 Silva L, Sena RR, Silveira MR, Tavares TS, Silva PM. Nursing education challenges in a context of growth in participation in higher education. Esc Anna Nery. 2012;16(2):380-7. https://doi.org/10.1590/S1414-81452012000200024
https://doi.org/10.1590/S1414-8145201200...
).

É nesse contexto que os desafios se apresentam ainda maiores, quando a competitividade fortalece a construção da autonomia docente no interior dos cursos para a produção de currículos inovadores, criativos, que desenvolvam a aptidão de autonomia profissional, de expertise; e isto, num conjunto de empoderamento profissional no âmbito da enfermagem. As entidades organizativas como a Associação Brasileira de Enfermagem e o Conselho Federal de Enfermagem reiteram a necessidade de empoderamento por meio da organização de currículos convergentes ao disciplinamento do exercício profissional.

Os currículos compreendem a estrutura de um curso, evidenciam as disciplinas, carga horária, ementas, entre outros aspectos. A compreensão da efetividade deles se dá mediante a desenvoltura docente e discente. As mudanças na estrutura dos currículos partem dos dois lados, quando ambos se mostram frágeis para a formação dos futuros enfermeiros. A avaliação da evolução das alterações curriculares busca compreender as experiências de aprendizagem, desenvolvimento de competências, relação entre os professores e alunos no que se refere às aulas e obstáculos inerentes a essas mudanças(2727 Ide CAC, Arantes SL, Mendonça MK, Silva VR, Corona ARPD. Evaluation of the implementation of the integrated curriculum in the nursing undergraduate program. Acta Paul Enferm. 2014;27(4):340-7. https://doi.org/10.1590/1982-0194201400057
https://doi.org/10.1590/1982-01942014000...
).

Verifica-se que os conteúdos e as próprias disciplinas acabam sendo ministradas e conduzidas pelos professores que têm domínio sobre certa temática e, portanto, se assumem como experts em determinada área. Isso é positivo desde que não conduza ao imobilismo ou fossilização do conhecimento, sem renovação. A autonomia universitária e docente é evidenciada, e cada instituição de ensino tem, em seus projetos político-pedagógicos, uma forma de conduzir o ensino, o qual, muitas vezes, é guiado pelo corpo docente e suas respectivas áreas de estudo.

O processo de reflexão acerca do planejamento do ensino pelos docentes de cada disciplina abre espaços para fazer sobressair as linhas de subjetividade e os próprios processos de individualização dos professores(2828 Bethony MFG, Souza V, Soares AN, Franco ECD. Nursing curriculum evaluation: crossing into the educational project. Rev Min Enferm. 2016;20:1-5. https://doi.org/10.5935/1415-2762.20160032
https://doi.org/10.5935/1415-2762.201600...
). Entendemos que os processos formativos devem ponderar os avanços do conhecimento, mudanças do processo de trabalho, transformações e necessidades sociais para cada perfil demográfico e epidemiológico da população(2929 Bagnato MHS. Recontextualização curricular no ensino de enfermagem. Currículo sem Fronteiras [Internet]. 2012 [cited 2020 Oct 30];12(3):173-89. Available from: http://www.curriculosemfronteiras.org/vol12iss3articles/bagnato.pdf
http://www.curriculosemfronteiras.org/vo...
).

Em um currículo, o processo de mudanças é envolto de contradições entre o que é proposto e preconizado pelas políticas públicas, o que é de conhecimento de seus atores e o que é colocado pelo próprio contexto institucional(2222 Peres CRFB, Marin MJS, Soriano ECI, Ferreira MLSM. A dialectical view of curriculum changes in nursing training. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:1-8. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017038003397
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). O papel do docente e discente faz parte de um desafio de ensinar e aprender de forma efetiva; cada um possui sua prerrogativa no ensino. Cabe ao professor promover atividades e criar situações para uma aprendizagem crítica reflexiva, do mesmo modo que cabe ao aluno posicionar-se diante dos conteúdos - por exemplo, responsabilizar-se pela construção de seu conhecimento, sendo capaz de desenvolver competências que impulsionem sua atuação(3030 Garanhani ML, Valle ERM. O olhar do aluno habitando um currículo integrado de enfermagem: uma análise existencial. Cienc Cuid Saude. 2012;11(5):87-94. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v11i5.17057
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
).

A docência universitária necessita ir além dos conhecimentos específicos da área de formação: exige que o docente, aliado aos saberes de sua experiência e de sua produção científica, atue sobre fundamentos pedagógicos do processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, no ensino superior, o professor tem responsabilidade pela formação de profissionais bem como compromisso com a formação de pessoas que irão atuar na sociedade(3131 Junges KS, Behrens MA. Prática docente no Ensino Superior: a formação pedagógica como mobilizadora de mudança. Perspectiva. 2015;33(1):285-317. https://doi.org/10.5007/2175-795X.2014v33n1p285
https://doi.org/10.5007/2175-795X.2014v3...
). O cenário da aula é um espaço de construção do saber, de mediação do conhecimento, de contextualização e problematização da realidade e de troca mútua.

Em sua trajetória e história, o ensino da enfermagem tenta se adequar às demandas da sociedade e às políticas de saúde e ensino. Com o avançar da profissão, as universidades e seus cursos de graduação vão se adaptando enquanto instituições de ensino a fim de formar profissionais com as mais modernas ferramentas para atuar em suas realidades locais. Os conteúdos e disciplinas ministrados emergem das necessidades sociais e epidemiológicas da região e são expressos em seus currículos por meio de professores aptos e capacitados para ministrar cada tópico.

Limitações do estudo

Este estudo teve por limitação a redução de documentos institucionais. Ainda, seria preciso estabelecer discussões relacionando o macronível (nacional e/ou internacional) com o micronível (a instituição em apreço) a fim de lograrmos um diálogo mais profundo, por exemplo, com o cenário da América Latina.

Contribuições para a Área

Este estudo possibilitou refletir sobre a importância das DCNs nas reformas curriculares dos cursos, para sua implementação mais adequada e atinente às necessidades regionais em um país como o Brasil, com dimensões continentais. Ademais, pode dar suporte para outros estudos no sentido de instrumentalizar a prática acadêmica, embasada em princípios que fortaleçam o compromisso do corpo docente com a qualidade curricular. Um estudo histórico permite que se aprenda com os acertos e erros do passado, visando prevenir a ocorrência dos problemas anteriores em reformulações curriculares futuras no intuito de melhorar a qualidade do ensino da enfermagem e garantir o atendimento das demandas do mercado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No período investigado, foi possível evidenciar que houve transformações, por meio das DCNs, na materialização da matriz curricular da instituição. Isso representa avanço no ensino da enfermagem brasileira, que ainda pode ser pouco para as expectativas criadas, mas possíveis para aquele momento.

Alguns desafios foram vencidos institucionalmente, considerando, especialmente, a materialização curricular ao posicionar o curso de Enfermagem a ser conduzido pela reflexão (autoavaliação) do corpo social.

Enfim, os impactos da aplicação curricular merecem ser investigados, pois aqui foi registrado um lado da situação, mas, para obter entendimento pleno, precisamos ouvir os estudantes. Isso implica outro desafio de investigação, o que nos remete à possibilidade de nova produção intelectual e até outro estudo para, de fato, termos uma maior abrangência dos discursos em prol do avanço da qualidade do ensino institucional.

  • FOMENTO

    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Álvaro Sousa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2020
  • Aceito
    24 Dez 2020
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