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O adolescente e a institucionalização: compreensão do fenômeno e significados atribuídos

RESUMO

Objetivo:

Compreender o significado de estar institucionalizado e em conflito com a lei para o adolescente institucionalizado.

Método:

Estudo qualitativo, fenomenológico-compreensivo, realizado em uma Fundação de Atendimento Socioeducativa da região norte do Brasil, com 05 adolescentes institucionalizados. A análise ocorreu a partir da compreensão de conteúdo sugerida por Heidgger, permitindo, assim, a construção de categorias analíticas para uma interpretação hermenêutica.

Resultados:

Estar em conflito com a lei para o adolescente institucionalizado significa algo negativo e ruim, onde o adolescente compreende que embora exista a privação de liberdade, o período de internação é um momento importante para a reflexão sobre a necessidade de recomeçar.

Conclusão:

O significado de estar em conflito com a lei vai muito além de uma simples palavra, ato ou comportamento, sendo algo que somente quem vivencia o fenômeno é capaz de desvelar, despertar sentimentos profundos e proporcionar reflexão ao adolescente sobre os prejuízos acarretados pelo ato infracional.

Descritores:
Adolescente Institucionalizado; Violência; Enfermagem; Educação em Saúde; Desenvolvimento da Personalidade

ABSTRACT

Objective:

To understand the meaning of being institutionalized and in conflict with the law for the institutionalized adolescent.

Method:

A qualitative, phenomenological-comprehensive study carried out in a Socio-educational Service Foundation in the northern region of Brazil, with 05 institutionalized adolescents. The analysis was carried out under the understanding of the content suggested by Heidgger, thus allowing the construction of analytical categories for a hermeneutical interpretation.

Results:

Conflicting with the law means something negative and bad for the institutionalized adolescents, in which they understand that although there is deprivation of liberty, the period of hospitalization is an important moment for the reflection on the need to start over.

Conclusion:

The meaning of conflicting with the law goes far beyond a simple word, act or behaviour, it is something that only those who experience the phenomenon are able to unveil, arouse deep feelings and provide reflection to the adolescent about the damages caused by the infraction.

Descriptors:
Institutionalized Adolescent; Violence; Nursing; Education on Health; Development of Personality

RESUMEN

Objetivo:

Comprender el significado de estar institucionalizado y en conflicto con la ley para el adolescente institucionalizado.

Método:

Estudio cualitativo, fenomenológico-comprensivo, realizado en una Fundación de Atención Socioeducativa de la región norte de Brasil, con 05 adolescentes institucionalizados. El análisis se produjo a partir de la comprensión del contenido sugerido por Heidgger, permitiendo así la construcción de categorías analíticas para una interpretación hermenéutica.

Resultados:

El estar en conflicto con la ley para el adolescente institucionalizado significa algo negativo y malo, donde el adolescente comprende que aunque exista la privación de libertad, el período de internación es un momento importante para la reflexión sobre la necesidad de recomenzar.

Conclusión:

El significado de estar en conflicto con la ley va mucho más allá de una simple palabra, acto o comportamiento, siendo algo que solamente quien vive el fenómeno es capaz de desvelar, despertar sentimientos profundos y proporcionar reflexión al adolescente sobre los perjuicios acarreados por el acto infractor.

Descriptores:
Adolescente Institucionalizado; La Violencia; Enfermería; Educación en Salud; Desarrollo de la Personalidad

INTRODUÇÃO

A adolescência constitui um processo fundamentalmente biológico, onde ocorre uma profunda transformação, durante o qual se acelera o desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade, sendo necessário entende-la como um período prolongado de transição e não como um marco de processos definidos para alcançar as responsabilidades e o status de adulto, através de uma formação compartilhada entre a família e a comunidade, onde cada ator desenvolve um papel na formação do eu adolescente(11 Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2014: os jovens no Brasil. Rio de Janeiro: Flacso Brasil; 2014.).

O desenvolvimento do adolescente sofre forte influência das desigualdades e injustiças sociais a que são submetidos, assim como do tipo de relação interpessoal prevalente nos diversos ambientes de convívio, como: a escola, o grupo de amigos e a família. Assim, observa-se que o meio interfere diretamente na conduta e na formação do adolescente, sendo um fator de extrema relevância na análise das situações de violência e delinquência juvenil(22 Monte FFC, Sampaio LR, Rosa Filho JS, Barbosa LS. Adolescentes autores de atos infracionais: psicologia moral e legislação. Psicol Soc [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 05]; 23(1):125-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v23n1/a14v23n1.pdf
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).

O fenômeno da violência, noticiado diariamente na mídia, vem desenhando a cada ano um cenário de crescente preocupação na sociedade em geral, impulsionando-nos a reflexão sobre os determinantes sociais ligados à criminalidade e sobre a responsabilização dos jovens como atores principais do crescimento de atos infracionais(33 Ludke FN, Jahn GM, Dell'Aglio DD. Perfil de adolescentes em privação de liberdade: eventos estressores, uso de drogas e expectativas de futuro. Psicol Rev [Internet]. 2014 [cited 2016 Jul 05]; 20(1):116-37. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n1/v20n1a08.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n1/...
).

A violência e a prática de atos infracionais estão atreladas aos processos de identificação do ser, fatos estes que acabam por constituir a identidade do adolescente autor de atos infracionais, permeando sua essência e contribuindo na formação de seu caráter e em suas condutas no decurso de uma dinâmica de relações de poder e status criado no imaginário adolescente. Acredita-se que a identidade ligada ao ato infracional seja proveniente de um contexto social e institucional proveniente das periferias e da convivência em grupos, e entre os pares ligados com a criminalidade(44 Zappe JG, Dias ACG. Violência e fragilidades nas relações familiares: refletindo sobre a situação de adolescentes em conflito com a lei. Estud Psicol [Internet]. 2012 [cited 2016 Jul 05]; 17(3):389-95. Available from: http://www.scielo.br/pdf/epsic/v17n3/06.pdf
http://www.scielo.br/pdf/epsic/v17n3/06....
).

Pesquisas apontam que a incidência de atos infracionais praticados por adolescentes fica em torno de 8% do total de crimes cometidos no país. Assim, percebe-se que esta dimensão é bem inferior do que o exacerbado enfoque midiático em torno de tais atos. Em sua maioria, os atos infracionais praticados por adolescentes consistem em danos ao patrimônio, sendo pequeno o número de circunstâncias e atos que atentam contra a vida ou que provoquem danos irreversíveis(22 Monte FFC, Sampaio LR, Rosa Filho JS, Barbosa LS. Adolescentes autores de atos infracionais: psicologia moral e legislação. Psicol Soc [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 05]; 23(1):125-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v23n1/a14v23n1.pdf
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).

Os programas voltados para o atendimento de adolescentes em conflitos com a lei devem ser inseridos numa política mais ampla, que busque a reinserção destes jovens ao seu contexto social de origem, impondo-lhes medidas de proteção e/ou medidas socioeducativas se necessário, mas garantindo sua autonomia enquanto sujeito e cidadão, permitindo o resgate da situação de risco e conflito a qual ele se encontra(55 Nardi FL, Cunha SM, Bizarro L, Dell'Aglio DD. Drug use and antisocial behavior among adolescents attending public schools in Brazil. Trends Psychiatr Psychother [Internet]. 2012 [cited 2016 Jul 05]; 34(2):80-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/trends/v34n2/v34n2a06.pdf
http://www.scielo.br/pdf/trends/v34n2/v3...
-66 Varela G, Alves OS, Almeida DA. Proposta de ressocialização de crianças e adolescentes infratores na região da 11ª SDR-Curitibanos. Rev Ext Foco [Internet]. 2015 [cited 2016 Jul 12]; 3(1):20-30. Available from: periodicosuniarp.com.br/extensao/article/download/778/348). Assim, a aplicação de medidas socioeducativas referentes aos adolescentes em conflitos com a lei deve fomentar e fornecer acesso à escolarização e profissionalização, acesso à saúde e atendimento personalizado, e garantia da singularidade dos adolescentes(22 Monte FFC, Sampaio LR, Rosa Filho JS, Barbosa LS. Adolescentes autores de atos infracionais: psicologia moral e legislação. Psicol Soc [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 05]; 23(1):125-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v23n1/a14v23n1.pdf
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).

Os centros de medidas socioeducativas possuem, geralmente, uma equipe composta por professores e monitores, técnicos de enfermagem ou enfermeiros, educadores físicos, assistentes sociais e psicólogos. Essa equipe é responsável por todo o processo de ressocialização desse adolescente e pelo desenvolvimento das práticas educativas necessárias para esse fim, gerando o primeiro contato da enfermagem com o adolescente em processo de institucionalização.

Neste contexto, a enfermagem atua como protagonista do processo de desenvolvimento de práticas educativas junto a estes adolescentes, despertando para a necessidade de reflexão sobre a saúde e seu impacto na vida diária, além de exercer atividades intervencionistas de acordo com a demanda do momento e oferecer suporte à família nas questões condizentes ao estado de saúde dos adolescentes institucionalizados.

Assim, entende-se que é necessário desvelar conceitos atrelados à institucionalização e ao ato infracional, subjetivos ao adolescer nessas circunstâncias, de modo que se possa compreender sua vivência e a partir daí, fomentar novas discussões inerentes à temática e sua grande amplitude.

OBJETIVO

Compreender o significado de estar institucionalizado e em conflito com a lei para o adolescente institucionalizado. Tendo como questão norteadora: Como o adolescente institucionalizado compreende o estar em conflito com a lei?

MÉTODO

Aspectos éticos

Tal estudo utilizou o termo de consentimento livre e esclarecido, que foi assinado pelo responsável legal dos adolescentes, autorizando a coleta de dados e posterior publicação dos resultados. O adolescente teve a opção de não participar do estudo, sendo assegurados todos os seus direitos previstos em lei, sendo que os que manifestaram desejo de participar do estudo assinaram um termo de assentimento. Tal pesquisa cumpriu todas as exigências éticas para pesquisa com seres humanos, conforme normativa em vigor, submetido à plataforma Brasil, com parecer de aprovação pelo Conselho de Ética e Pesquisa da Universidade do Estado do Pará.

Tipo de estudo e referencial teórico-metodológico

Trata-se de um estudo qualitativo com enfoque na fenomenologia. A fenomenologia como filosofia e método de pesquisa foi utilizada para o movimento de compreensão neste estudo. O método se caracteriza por não ser dedutivo nem empírico, consistindo em mostrar o fenômeno e esclarecê-lo a partir daquilo que aparece à consciência, daquilo que é dado e buscado, por meio do que se percebe em que se pensa, do que se fala, através dos laços que unem o fenômeno com o ser e vice e versa, mostrando o que precisa ser desvelado, elucidando o sentido do que se mostra para chegar ao resultado daquilo que a coisa realmente é(77 Von Zuben NA. A fenomenologia como retorno à ontologia em Martin Heidegger. Trans/Form/Ação [Internet]. 2011 [cited 2017 Jan 03]; 34(2):85-102. Available from: http://www.scielo.br/pdf/trans/v34n2/a06v34n2.pdf
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).

A investigação fenomenológica, com aplicação do movimento analítico-hermenêutico heideggeriano, demonstra uma grande afinidade com a pesquisa em Enfermagem por valorizar o subjetivo, o fenômeno, aquilo que jamais poderá ser quantificado. Trata-se de um método reflexivo e teórico, que possibilita compreender os significados apontados pelos próprios depoentes em seu cotidiano vivido, permitindo desvelar os sentidos atribuídos pelo eu e ampliar as possibilidades do cuidado na saúde e na enfermagem(88 Paula CC, Souza IEO, Cabral IE, Padoin SMM. Analytical movement - Heideggerian hermeneutics: methodological possibility for nursing research. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 2017 Mar 10]; 25(6):984-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v25n6/v25n6a25.pdf
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).

Procedimentos metodológicos

Antes da coleta de dados do estudo, foi desenvolvido um projeto de extensão com os adolescentes institucionalizados, envolvendo atividades lúdicas, práticas educativas em saúde, visitas aos laboratórios de anatomia e fisiologia da universidade local, dentre outras atividades esportivas e didáticas. Esse período que durou 04 (quatro) meses, correspondendo ao momento de ambientação, favoreceu a aproximação dos pesquisadores e adolescentes, uma maior participação, adesão e abertura do depoente frente à questão norteadora da pesquisa, além de proporcionar respostas capazes de expressar o eu adolescente institucionalizado naquele momento.

O universo foi composto por 15 adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas de internação com privação de liberdade na Fundação de Atendimento Socioeducativa do Pará, na cidade de Santarém, com penas variantes entre 06 (seis) meses a 01 (um) ano, de acordo com a gravidade do ato infracional e comportamento do adolescente na unidade de internação. Os depoentes foram 05 (cinco) adolescentes do universo citado anteriormente e que participaram das atividades de ambientação e aproximação com a equipe de pesquisa. Para a garantia do anonimato cada depoente foi codificado com o nome de um peixe regional.

Incluiu-se, neste estudo, os adolescentes que por ocasião da realização do estudo cumpriam medidas socioeducativas e que participaram das atividades lúdicas e educativas de ambientação com os pesquisadores. Foram excluídos os adolescentes que se recusaram a participar das atividades de ambientação, os adolescentes que por algum motivo cumpriam alguma penalidade interna da instituição e os adolescentes que cumpriam outros tipos de medidas socioeducativas sem privação total de liberdade.

A entrevista fenomenológica foi utilizada para coleta dos depoimentos dos adolescentes participantes do estudo na própria instituição de internação dos adolescentes, sendo gravadas para posterior transcrição das falas, com a anotação do diário de campo. A questão norteadora da pesquisa deu origem à pergunta que orientou o processo de entrevista, sendo ela: “o que significa, para você, estar em conflito com a lei?”

Cenário do estudo

O estudo ocorreu em uma Fundação de Atendimento Socioeducativa da região norte do Brasil. Essas fundações possuem como missão coordenar e executar a política estadual de atendimento socioeducativo para adolescentes e jovens com prática de ato infracional, bem como de seus familiares, orientados pela doutrina da proteção integral.

Coleta, organização e análise dos dados

As entrevistas ocorreram durante o ano de 2015, sendo analisadas entre os anos de 2015 e 2016. Utilizou-se o recurso de gravação de áudio para posterior transcrição das entrevistas seguindo a dinâmica linguística de cada depoente que validou o processo de transcrição das falas.

Na compreensão do significado da vivência do adolescente de estar institucionalizado e em conflito com a lei, buscou-se através do método de análise existencial de Martin Heidegger a compreensão do fenômeno.

Para desvelar os significados contidos nos discursos dos adolescentes, procurou-se respaldo nos três momentos da análise compreensiva sugerida por Heidgger: O primeiro momento é a descrição, quando se interrogou o depoente deixando que ele falasse livremente sobre o fenômeno pesquisado; No segundo momento a redução, momento em que se buscou afastar julgamentos acerca de concepções pré-estabelecidas sobre o tema, selecionando as partes essenciais para construção das unidades de significação e no terceiro momento a análise compreensiva fenomenológica(99 Heidegger M. Ser e Tempo. São Paulo: UNICAMP; 2012.).

O caminhar da análise fenomenológica do método heideggeriano tem como primeiro momento a compreensão vaga e mediana dos adolescentes sobre o significado de estar institucionalizado e em conflito com a lei. Essa compreensão, em Heidegger, se caracteriza pela análise dos significados expressos pelos depoentes, busca descrever o fenômeno como ele se mostra, pois o ser só é presença, ser-no-mundo, quando se compreende. Este primeiro momento da análise revela a dimensão factual do fenômeno. Inicia-se na escuta, as transcrições das informações, consideram-se todas as anotações, referentes à linguagem não verbal, observadas durante a entrevista, o procedimento de leitura e releitura da descrição, surgindo assim as unidades de significação(99 Heidegger M. Ser e Tempo. São Paulo: UNICAMP; 2012.).

A seguir, desenvolveu-se o segundo momento metódico denominado de hermenêutica, o qual constitui a análise interpretativa fundado no pensamento de Martin Heidegger que, a partir do conceito do ser adolescente em conflito com a lei, busca-se na compreensão dos significados a possibilidade de desvelar os sentidos do ser. Esse movimento permite caminhar da dimensão ôntica, factual, para a dimensão ontológica, fenomenal.

A análise se fez, portanto, a partir das unidades de significação, discutidas e analisadas com base no referencial filosófico, trata-se, portanto da busca do ser, não mais como categorias meramente elaboradas, mas como estruturas existenciais capazes de mostrarem o fenômeno em si mesmo.

RESULTADOS

Mediante exaustiva imersão na leitura da transcrição dos discursos dos adolescentes entrevistados, detectaram-se elementos significativos da expressão do ser sobre as experiências vivenciadas, permitindo assim a construção de unidades de significação. Nessas unidades os discursos expressam significativamente o que os adolescentes pensam, percebem, sentem e se comportam em relação ao fenômeno pesquisado. Elas correspondem à dimensão ôntica do fenômeno e à análise com base nos conceitos do filosofo Martin Heidgger e também corresponde à dimensão ontológica, ou seja, o sentido que se revela.

Categoria 01: Refletem a institucionalização e a privação de liberdade como consequência de um erro ou de algo ruim e que provoca danos...

Nesta categoria os adolescentes apresentaram em suas verbalizações uma contextualização sobre o processo de institucionalização e os significados que cada um traz consigo sobre o estar em privação de liberdade e como isso impacta em seu ser:

A minha mentalidade é que, assim, não tem nem como explicar, mas eu sei que não é bom, o cara fica drogado [...] não é bom não, o cara fica preso [...], mas só caindo pra saber o que é, mas eu não desejo isso pra ninguém [...]. (CURIMATÁ)

É uma coisa ruim [...] é feio pra mim. A gente não faz bem as outras pessoas [...] é espancar os outros, matar, andar com moleque, bater nos outros [...]. (DOURADO)

Não é muito bom não, mas foi um acidente que aconteceu [...] eu não me sinto muito bem, mas é melhor pagar do que ficar devendo pra justiça [...]. (PINTADO)

Não deve ser uma coisa boa não, senão não estaríamos fechados [...] mas é ruim porque a gente fica longe da família, isso é ruim [...]. (TUCUNARÉ)

[...] o cara fica preso sem ter muita regalia [...] quero passar bem longe daqui [...] perdi minha liberdade [...] ai eu vejo assim, um cara que de uma hora pra outra perdeu a liberdade [...] vivi muitas coisas boas, assim na escola, no colégio tudo que é de bom na vida de alguém, eu brincava, jogava bola, empinava papagaio [...] é o cara leva uma vida despreocupada [...] despreocupado com a mãe dele, com os familiares deles, só nas manhas [...]. (CURIMATÁ)

[...] viver atrás das grades, queria minha liberdade de volta [...] eu perdi minha liberdade [...] quando eu era livre eu ficava lá em casa, lá, as vezes eu saia pra rua [...] liberdade é ficar lá fora... viver livre [...]. (DOURADO)

[...] agora eu tô aqui, esperando sair daqui[...] eu perdi amigos, minha liberdade que era uma grande coisa que eu tinha [...] era tudo de bom, poder aproveitar a liberdade... é o cara poder andar na rua sem dever nada pra ninguém, em toda cidade [...] É o cara poder sair, fazer o que ele quer. (PINTADO)

Porque a gente fica longe da família, isso é ruim [...] A gente tinha um grupo de amigos que a gente brincava, juntava o grupo da escola pra jogar com o grupo de outra escola. (TUCUNARÉ)

Categoria 02: Compreendem o momento atual de institucionalização como uma oportunidade de um recomeço e um momento de idealização de um futuro com inúmeras possibilidades...

A construção dessa categoria deu-se a partir dos relatos verbais dos adolescentes sobre os prejuízos acarretados pelo ato infracional e da reflexão do contexto do processo de institucionalização como uma oportunidade de mudança e de redirecionamento do futuro para uma vida melhor:

Se o cara sair daqui e mudar, não querer mais aprontar, com certeza ele recupera. O cara vai pra sociedade, chegar lá não roubar, não matar, andar na lei, ficar fazendo as coisas certas, buscar a Deus [...] eu falo pras pessoas que quando eu sair daqui a sociedade vai me olhar diferente, não pro que eu era, mas pro que eu mudei aqui dentro [...]. (CURIMATÁ)

Aprendi um monte de coisa já. Eu tô estudando agora, eu não estudava lá fora, tô estudando agora, isso é importante pra mim também. Eu tô aprendendo a lê [...] Quero ajudar meu pai no trabalho dele, não quero mais voltar pra onde minha mãe [...] No futuro eu só quero ajudar meu pai [...]. (DOURADO)

Tô ganhando aqui dentro, tô aprendendo mais [...] todo mundo tem um chance pra mudar [...] e quando eu sair daqui vê se eu não erro mais [...] eu não quero mais cometer nenhum ato infracional não, queria viver uma vida legal, criar meu filho e trabalhar pra nunca mais errar [...]. (PINTADO)

Acho que vale a pena, por que mesmo é um internato, mas que da apoio pra quando sair daqui fazer uma nova vida lá fora [...] vou continuar meus estudos e voltar pra minha família [...]. (PIRARUCU)

Categoria 03: Percebem a importância dos laços e orientações familiares no processo de adolescer...

No processo de reflexão e exteriorização de sentimentos, os adolescentes exprimem através de seus relatos a importância que a família tem sobre o processo de formação da identidade adolescente, juntamente com outras instituições sociais como a escola e a igreja, atuando juntos na orientação e exemplificação educacional de modos e maneiras de viver:

Minha mãe e meu pai me avisou o que podia acontecer [...] minha família é como se fosse um circulo, é a base [...] é como se eles fossem uma coluna [...]. (CURIMATÁ)

[...] eu estudava e era incentivado pela minha mãe e pelo pai. Eles estavam ali comigo, me apoiando [...] sou um adolescente com 17 anos, mas vou ser pai agora e tenho que pensar mais na minha vida daqui pra frente [...]. (PINTADO)

Sempre morei com meus pais [...] frequentava a igreja evangélica [...] quando a mamãe me levava [...]. (TUCUNARÉ)

[...] frequentava a igreja da Paz, evangélica, eu ia com minha mãe... vou voltar pra minha família. Vou ouvir os conselhos do meu pai e da minha mãe [...] porque se tivesse ouvido os conselhos dela, dos dois [...] eu não estaria aqui [...]. (PIRARUCU)

DISCUSSÃO

O significado de estar em conflito com a lei assume repercussões sentimentais de algo que não é bom, é algo ruim, que tem relação direta com a dor que provocam nas pessoas mediante a realização de um ato infracional. Ao serem interrogados sobre a experiência pela qual estão passando, alguns adolescentes expressam que o ato infracional foge do seu entendimento, porém, traz compreensões próprias do indivíduo, do ser que vivencia o fenômeno, o entendimento do ser no tempo, do viver no ato infracional, onde somente o eu consegue desvelar, embora não consiga explicar o profundo mal que faz o ato infracional e as repercussões de estar em conflito com a lei.

Acredita-se que neste contexto, a violência assuma um significado que se traduz em uma profunda relação com a construção de papéis e identidade na vida do adolescente, implicando em questões relativas ao gênero, à sexualidade e à determinação da própria violência enquanto produção do eu-adolescente frente às situações de adversidades (ou não) vividas(1010 Oliveira RNG, Gessner R, Brancaglioni BCA, Fonseca RMGS, Egry EY. Preventing violence by intimate partners in adolescence: an integrative review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2017 Mar 10]; 50(1):134-43. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n1/pt_0080-6234-reeusp-50-01-0137.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n1/pt...
).

A compreensão de algo ruim geralmente perpassa pelo cumprimento de medidas punitivas. As medidas socioeducativas agem sobre o adolescente de maneira diferenciada de acordo com o desenvolvimento pessoal de cada um. Alguns adolescentes refletem o sofrimento social enquanto compreensão das situações de aflição e dor como experiências sociais e não como problemas meramente individuais(1111 Malvasi PA. Entre a frieza, o cálculo e a “vida loka”: violência e sofrimento no trajeto de um adolescente em cumprimento de medida socioeducativa. Saude Soc [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 05]; 20(1):156-70. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v20n1/18.pdf
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v20n1/18...
).

Estudos demonstram que a violência intencional perpassa por fatores de ordem sociais e ambientais tendo também outros condicionantes e determinantes. O comportamento agressivo e violento é fruto da interação desses fatores, levando o adolescente a cometer atos e infrações que repercutirão por toda a sua vida e contribuirão para a (trans)formação do seu ser(1212 Martins CBG. Acidentes e violências na infância e adolescência: fatores de risco e de proteção. Rev Bras Enferm [Internet]. 2013 [cited 2017 Mar 10]; 66(4):578-84. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66n4a17.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66n4/v66...
).

As manifestações psicoafetivas no adolescente se traduzem através de sentimentos como tristeza, angústia, sentimento de vazio que são precedidas logo em seguida por manifestações físico-orgânicas e cognitivas que provocam implicações diretas no modo como se orientam e se comunicam no seu cotidiano(1313 Coutinho MPL, Estevam ID, Araújo LF, Araújo LS. Prática de privação de liberdade em adolescentes: um enfoque psicossociológico. Psicol Estud [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 05]; 16(1):101-09. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pe/v16n1/a12v16n1.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pe/v16n1/a12v16...
).

Assim, é necessário um enfrentamento da vulnerabilidade relacionada à violência, vista a partir da complexidade do fenômeno e de seus aspectos multifacetados e socialmente determinados, numa perspectiva capaz de valorizar os determinantes e condicionantes sociais do processo saúde-doença, superando os valores quantificados de risco e condições favoráveis, perpassando pelo adoecer como um fenômeno subjetivo e abstrato frente ao cotidiano e ao contexto da violência na vida do adolescente institucionalizado, sendo a enfermagem uma das protagonistas na compreensão desse fenômeno através de seu olhar holístico e multidirecional(1010 Oliveira RNG, Gessner R, Brancaglioni BCA, Fonseca RMGS, Egry EY. Preventing violence by intimate partners in adolescence: an integrative review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2017 Mar 10]; 50(1):134-43. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n1/pt_0080-6234-reeusp-50-01-0137.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n1/pt...
).

A liberdade explicitada aqui também envolve o estar próximo da família, próximo das pessoas queridas. A liberdade, para alguns dos depoentes, está relacionada em estar fora da instituição, onde qualquer lugar para eles é melhor do que lá, e em qualquer local que não seja lá dentro, pode-se exercer essa tão sonhada liberdade. Nesse contexto, onde se atribui tanta importância ao estar livre, a privação de liberdade pode interferir diretamente no processo saúde-doença do adolescente e de seus familiares, cabendo ao Enfermeiro e aos demais membros da equipe de saúde, promover o acolhimento desse adolescente e de sua família, propiciando momentos de escuta, abordagem e interação que visem uma abordagem dos aspectos inerentes à promoção da saúde dessa clientela.

A aplicação de medidas punitivas, desde a advertência até a internação, deve ser baseada em um trabalho orientado para uma tomada de consciência moral autônoma, a qual poderá inclinar o sujeito a considerar o ato infracional impróprio e desrespeitoso em relação aos contratos sociais estabelecidos e aos direitos de todas as pessoas da sociedade, permitindo assim uma maior reflexão do eu infrator sobre os prejuízos causados ao outro enquanto ser social(22 Monte FFC, Sampaio LR, Rosa Filho JS, Barbosa LS. Adolescentes autores de atos infracionais: psicologia moral e legislação. Psicol Soc [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 05]; 23(1):125-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v23n1/a14v23n1.pdf
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v23n1/a14v...
).

Os Adolescentes compreendem a liberdade como uma das maiores riquezas que uma pessoa pode ter. Em todos os encontros da ambientação, esta palavra apareceu com tristeza, sempre associada à perda, das regalias que tinham na família, dos amigos que desapareceram, do direito de ir e vir no momento que melhor lhe conviesse como se alguém, ou algo, nesse caso o ato infracional, tivesse tirado esse valioso bem da vida deles como castigo ou punição, além da ociosidade presente no cotidiano dos adolescentes que se transformam num momento de grande angústia pela espera da tão sonhada liberdade.

A delimitação da análise existencial da privação de liberdade, frente a outras interpretações possíveis do fenômeno, revela uma situação, onde ao ser cabe questionar se esse ente em sua existência, pode tornar-se objeto de avaliação no exame de sua vida interior através da cupidez analítica de olhar os estados da alma e suas profundezas. No centro dessas considerações, acha-se a caracterização ontológica do ser-para-o-ter em sentido próprio de quem vivencia, com a conquista de um conceito existencial de estar privado de liberdade(99 Heidegger M. Ser e Tempo. São Paulo: UNICAMP; 2012.).

Muitas vezes vivendo situações violentas e dramáticas, além da própria violência gerada pelo seu ser, o adolescente precisa ser acolhido na saúde coletiva, de modo que as ações de enfermagem devem estar pautadas por um processo que ofereça espaço para manter diálogo, sem juízo de valores e pautado nos preceitos éticos, reconhecendo o quadro de vulnerabilidade a qual o adolescente está exposto, e direcionando o cuidado e orientações de acordo com a necessidade específica do caso(1414 Valença CN, Brandão ICA, Germano RM, Vilar RLA, Monteiro AI. Approach to adolescents' addiction to psychoactive substances: ethical reflection for professional nursing practice. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2013 [cited 2017 Mar 10]; 17(3):562-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v17n3/1414-8145-ean-17-03-0562.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ean/v17n3/1414-...
).

A consciência de si enquanto ser para o poder, enquanto um ser para a mudança, constitui ponto de partida para os adolescentes compreenderem e superarem (ou não) o seu temor de ir à busca de um processo de mudança e assumir uma nova vida, correndo todos os riscos que ela pode oferecer.

Os adolescentes que vivenciaram a internação a partir de um ato infracional, expressam em seu discurso a esperança de um futuro melhor, sonham, idealizam seus momentos de liberdade, traçam seus caminhos. Vivenciam uma liberdade sonhada, desejada, fantasiada e, em nenhum momento, vislumbram a possibilidade de ter essa liberdade novamente interrompida pela prática de um novo ato infracional.

A enfermagem, enquanto ciência do cuidado e da promoção da saúde, com os demais membros da equipe de saúde atuantes nas unidades socioeducativas no contexto de internação do adolescente, desenvolve atividades lúdicas e práticas educativas em saúde que permitem uma reflexão do adolescente sobre a sua saúde e a saúde do outro, e a importância desse estado de bem-estar no cotidiano das pessoas. É imprescindível pensar nas alternativas de atenção e cuidado emancipador a esses adolescentes, formas de instrumentaliza-los para a continuidade da vida no pós-internação, procurando desenvolver habilidades, como: capacidade de autocrítica, empatia, autocontrole e habilidades sociais e interpessoais por meio de atividades dirigidas ao próprio adolescente e à sua família, e em programas envolvendo a equipe técnica e monitores institucionais(1515 Davoglio TR, Gauer GJC. Adolescentes em conflito com a lei: aspectos sociodemográficos de uma amostra em medida socioeducativa com privação de liberdade. Context Clín [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 06]; 4(1):42-52. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v4n1/v4n1a05.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v4n1...
).

O olhar representacional do eu no adolescente infrator demonstra a relevância do papel ativo que os adolescentes podem exercer em relação à sua própria realidade. As construções de nuanças representacionais da privação de liberdade revelam perspectivas de mudanças, planos e sonhos de uma nova vida, que incluem: trabalho, lazer, paz e liberdade. Neste cenário, é de extrema importância a implementação de ações intersetoriais para um maior êxito no que tange ao universo do ato infracional, atuando de forma sinérgica com o desenvolvimento de novas políticas que garantam perspectivas diferentes a esses adolescentes(1616 Barbosa TLA, Gomes LMX, Barbosa VA, Caldeira AP. Mortalidade masculina por causas externas em Minas Gerais, Brasil. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [cited 2016 Jul 05]; 18(3):711-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n3/17.pdf
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).

A reflexão sobre um novo recomeço constitui um modo de ser, ou po-der-ser para as várias possibilidades oferecidas dentro da internação. Recorrer ao âmbito de tudo o que a experiência cotidiana conhece como instância de mudança, legítima à própria consciência do processo vivido e as alternativas de melhoria(99 Heidegger M. Ser e Tempo. São Paulo: UNICAMP; 2012.).

Retrata o modo de ser, privado de liberdade, de uma maneira que retira-lhe a possibilidade mais própria do eu, frente às rotinas da institucionalização, retratando este momento como um marco de transformação do adolescente em conflito com a lei para o adolescente que terá novas oportunidades de trilhar outros caminhos e construir uma nova história. Neste sentido, a enfermagem deve pautar suas ações na promoção da saúde e de um desenvolvimento saudável frente à institucionalização, à reinserção social e familiar do adolescente e na prevenção de novos atos infracionais através do desenvolvimento de atividades educativas e lúdicas que propiciem ao adolescente a reflexão sobre essas situações(1717 Carmo DRP, Padoin SMM, Paula CC, Terra MG, Souza IEO. Adolescente que cumpre medida socioeducativa: modos de ser no cotidiano e possibilidades para enfermagem. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2011 [cited 2017 Mar 10]; 32(3):472-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v32n3/06.pdf
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).

Os adolescentes buscam explicações para estarem vivenciando o processo de institucionalização em decorrência de um ato infracional, culpam-se, procuram culpados, ficam tristes, pensativos, se reportam ao período que antecedeu sua internação e lamentam profundamente não ter ouvidos e atendidos aos apelos familiares. Os adolescentes fazem essa volta ao passado porque estão presos naquele momento temporal no “ai” de uma vivência familiar que nunca será esquecida que estará sempre presente em sua história pessoal, em seu “ex-istir”, em um cotidiano bruscamente interrompido pela institucionalização.

Quando interrogados sobre o ato infracional e sua significância, fazem um movimento de volta ao passado no tempo cronológico, são remetidos ao momento temporal em que viviam no aconchego familiar. Descrevem os conselhos, apoios e incentivos como alguns dos recursos que as famílias abriram mão para direcionar o seu caminhar em um rumo diferente daquele que fora por eles percorrido.

Esses significados factuais do apoio familiar velam o sentido que funda o comportamento adolescente. Assim, revelar os sentidos ocultos pelas manifestações de significados atrelados ao convívio familiar é ao avesso da facticidade, é como retirar o véu a máscara e assim apreender a dimensão fenomenal da vivência humana, e sua implicação nesse contexto familiar como base para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais do adolescente(1313 Coutinho MPL, Estevam ID, Araújo LF, Araújo LS. Prática de privação de liberdade em adolescentes: um enfoque psicossociológico. Psicol Estud [Internet]. 2011 [cited 2016 Jul 05]; 16(1):101-09. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pe/v16n1/a12v16n1.pdf
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).

São inúmeros os fatores de risco no convívio deste grupo, principalmente no contexto familiar, fazendo com que este adolescente tenha que aprender a lidar desde cedo com diversos conflitos que podem interferir em seu desenvolvimento cognitivo e social. Assim, é de extrema importância o desenvolvimento de um trabalho que englobe conjuntamente o adolescente, a família, a escola, a comunidade e os profissionais existentes no meio, a fim de que possa ser garantido o apoio, limite e afeto, em contraposição às vivências de violência e risco a que estão expostos(33 Ludke FN, Jahn GM, Dell'Aglio DD. Perfil de adolescentes em privação de liberdade: eventos estressores, uso de drogas e expectativas de futuro. Psicol Rev [Internet]. 2014 [cited 2016 Jul 05]; 20(1):116-37. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/per/v20n1/v20n1a08.pdf
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).

O internato, de uma forma indireta, trouxe aos adolescentes o amadurecimento precoce, ampliando sua visão de futuro e concepção de mundo. Muitos deles não vivenciaram a própria infância, estão passando a adolescência na internação e veem no futuro uma oportunidade de recompensar o tempo e as oportunidades perdidas.

A decisão conduz o ser do pré à existência de uma situação, delimitando a estrutura existencial do po-der ou do querer-ter-consciência. Nota-se em alguns trechos, certo tom de arrependimento de não terem dado ouvidos aos conselhos dos pais e indicam este fato como sendo um dos principais motivos para o ingresso no mundo da criminalidade, contudo afirmam, assim que pagarem suas dívidas com a justiça, que querem voltar para o aconchego familiar: o ambiente consistente de Paz e Segurança que se projeta silencioso para o ser e estar livre.

Embora o adolescente conheça os riscos presentes no ato infracional, são necessários maiores investimentos para educação em saúde, tendo em vista o que o estilo de vida adotado na adolescência pode ter impacto significativo em sua saúde na fase adulta e a importância da valorização desse contexto para reflexão do processo saúde-doença frente ao adolescer institucionalizado. A enfermagem enquanto ciência que valoriza a educação em saúde como instrumento para o cuidar, é capaz de atuar diretamente frente às essas demandas, norteando caminhos e possibilidades para a promoção da saúde no cenário em questão, desenvolvendo palestras, jogos educativos, dinâmicas de grupo, grupos de discussão e outras atividades que possam se traduzir em um momento educativo reflexivo(1818 Neves KC, Teixeira MLO, Ferreira MA. Factors and motivation for the consumption of alcoholic beverages in adolescence. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 10]; 19(2):286-91. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n2/1414-8145-ean-19-02-0286.pdf
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).

Independente do contexto onde o adolescente esteja, seja ele familiar ou cumprindo medida socioeducativa, as ações educativas e prevencionistas precisam estar pautadas na realidade e vivência de cada um, levando em consideração seu valores e construções individuais, fortalecendo os conceitos atribuídos àquilo que não é bom, que é ruim e que causa prejuízo, podendo o enfermeiro atuar como mediador desse processo de reflexão, direcionando o adolescente para a (re)construção do seu ser pós privação de liberdade(1919 Faria Filho EA, Queiros PS, Medeiros M, Rosso CFW, Souza MM. Perceptions of adolescent students about drugs. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 10]; 68(3):517-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v68n3/0034-7167-reben-68-03-0517.pdf
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).

Limitações do estudo

Este estudo apresenta como limitação o fato de ter sido realizado apenas com adolescentes em medidas de privação de liberdade e que praticaram atos infracionais considerados graves. Sugere-se que novas pesquisas sejam produzidas incluindo outros grupos de adolescentes em conflitos com a lei, em privação de liberdade ou cumprindo outras medidas socioeducativas, de modo a ampliar a percepção dos significados atribuídos pelo grupo em questão.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Acredita-se que a atuação do enfermeiro junto ao adolescente institucionalizado reflete a criação de um espaço para a execução de ações de promoção da saúde frente ao contexto das determinações específicas do processo saúde-doença desta clientela, possibilitando ganhos bidirecionais por meio da abertura de uma nova dimensão para o cuidar da saúde do adolescente, diante da problemática social do ato infracional e para subsidiar a construção de novos olhares sobre a assistência de enfermagem prestada a este grupo.

Assim, este estudo contribuiu para desvelar a necessidade de aproximação do enfermeiro junto ao adolescente institucionalizado com a finalidade de garantir a criação de espaços de conversas e debates sobre as possibilidades do cuidado de si e do outro, através de várias vertentes prevencionistas, inclusive na dinâmica da promoção de uma cultura de paz e da não violência.

Ocupar ou construir territórios de atuação complementam a enfermagem enquanto ciência e enquanto prática do cuidar, e fomentam novas discussões sobre as dimensões assistências da categoria e o papel do enfermeiro nos diversos ambientes que requerem a multiplicidade de olhares sobre os diversos fatores que interferem no adoecer e, neste caso, no adolescer com saúde mesmo que institucionalizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, a utilização do método fenomenológico possibilitou desvelar os sentidos de estar privado da liberdade, por meio do vivido dos adolescentes que exerceram um ato infracional.

O significado de estar em conflito com a lei, para eles, vai muito além de uma simples palavra, ato ou comportamento, sendo algo profundo que somente quem vivencia o fenômeno é capaz de desvelar, reportando-se às perdas e prejuízos sofridos com a privação de liberdade como uma cisão no processo de adolescer e de viver as nuances da adolescência em todo o seu contexto.

O processo de internação e privação de liberdade provoca nos adolescentes a exteriorização de inúmeros sentimentos, anseios, desejos e conflitos pessoais que se somam e transformam-se no significado de adolescer em conflito com a lei, diante das diversas perspectivas que surgem, permitindo a compreensão da percepção dos mecanismos de subjetividade que envolvem a institucionalização do adolescente, motivada pelo ato infracional.

Para compreender essa vivencia, faz-se necessário que a sociedade e os profissionais de saúde deixem de lado seus pré-conceitos estabelecidos e gerem uma aproximação junto a esse grupo, com a perspectiva de compartilhamento de ideias, atividades e práticas capazes de garantir a equidade no cuidado a essa clientela e prover medidas que auxiliem o adolescente a entender que ele é o sujeito do seu próprio processo de mudança.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2017
  • Aceito
    01 Nov 2017
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