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A prática de notificação de eventos adversos em um hospital de ensino

Resumo

OBJETIVO

Compreender a prática de notificação de eventos adversos por profissionais de saúde.

MÉTODO

Estudo de caso qualitativo, realizado em um hospital de ensino com participantes do Núcleo de Segurança do Paciente e a equipe de Enfermagem. A coleta ocorreu de maio a dezembro de 2015 e foi realizada por meio de entrevistas, observação e pesquisa documental para tratamento dos dados sob a Análise de Conteúdo.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 31 profissionais. Foram elaboradas três categorias: A prática de notificação de eventos adversos; Barreiras na prática efetiva de notificações; A importância da notificação de eventos adversos.

CONCLUSÃO

A notificação estava permeada por lacunas no conhecimento, medo de punição e comunicação informal, gerando subnotificações. É preciso melhorar a interação entre líderes e profissionais, com ênfase na comunicação e prática educativa.

Descritores
Segurança do Paciente; Equipe de Enfermagem; Gestão da Segurança; Qualidade da Assistência à Saúde; Erros Médicos

Abstract

OBJECTIVE

Understanding the practice of reporting adverse events by health professionals.

METHOD

A qualitative case study carried out in a teaching hospital with participants of the Patient Safety Center and the nursing team. The collection took place from May to December 2015, and was conducted through interviews, observation and documentary research to treat the data using Content Analysis.

RESULTS

31 professionals participated in the study. Three categories were elaborated: The practice of reporting adverse events; Barriers in the effective practice of notifications; The importance of reporting adverse events.

CONCLUSION

Notification was permeated by gaps in knowledge, fear of punishment and informal communication, generating underreporting. It is necessary to improve the interaction between leaders and professionals, with an emphasis on communication and educational practice.

Descriptors
Patient Safety; Nursing Team; Security Management; Quality of Health Care; Medical errors

Resumen

OBJETIVO

Comprender la práctica de notificación de eventos adversos por profesionales sanitarios.

MÉTODO

Estudio de caso cualitativo, realizado en un hospital de enseñanza con participantes en el Núcleo de Seguridad del Paciente y el equipo de Enfermería. La recolección ocurrió de mayo a diciembre de 2015 y fue realizada mediante entrevistas, observación e investigación documental para tratamiento de los datos bajo Análisis de Contenido.

RESULTADOS

Participaron en la investigación 31 profesionales. Fueron elaboradas tres categorías: La práctica de notificación de eventos adversos; Barreras en la práctica efectiva de notificaciones; La importancia de la notificación de eventos adversos.

CONCLUSIÓN

En la notificación se interponían brechas de conocimiento, miedo de punición y comunicación informal, generando subnotificaciones. Es necesario mejorar la interacción entre líderes y profesionales, con énfasis en la comunicación y práctica educativa.

Descriptores
Seguridad del Paciente; Grupo de Enferméria; Gestión de la Seguridad; Calidad de la Atención de Salud; Errores Médicos

Introdução

A ocorrência dos eventos adversos (EA) é reconhecida como uma falha na segurança do paciente, podendo ocorrer entre 5% e 17%, dentre os quais 60% podem ser preveníveis. Assim, a segurança do paciente deve ser vista como um conjunto de estratégias/intervenções capazes de prevenir e reduzir o risco de dano ao paciente decorrente do cuidado em saúde11. World Health Organization. Patient Safety. The conceptual framework for the International Classification for Patient Safety. Final Technical Report. Geneva: WHO; 2009..

Dentre as consequências dos danos ou lesões causadas ao paciente em decorrência da assistência, destacam-se o aumento dos custos de internações hospitalares, a permanência em hospitais, a necessidade de intervenção diagnóstica e terapêutica, os custos sociais, como o aumento dos medicamentos, a ausência do trabalho e morte prematura22. Sousa P, Uva AS, Serranheira F, Nunes C, Leite ES. Estimating the incidence of adverse events in Portuguese hospitals: a contribution to improving quality and patient safety. BMC Health Serv Res [Internet]. 2014 [cited 2016 May 18];14:311. Available from: Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/14/311
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Para que ocorra o EA são necessárias várias falhas, tais como estruturais, práticas inadequadas, descuidos ou comportamentos inadequados dos profissionais, desencadeados por múltiplos fatores22. Sousa P, Uva AS, Serranheira F, Nunes C, Leite ES. Estimating the incidence of adverse events in Portuguese hospitals: a contribution to improving quality and patient safety. BMC Health Serv Res [Internet]. 2014 [cited 2016 May 18];14:311. Available from: Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/14/311
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. Os EA podem ser analisados por meio do modelo do queijo suíço, o qual consiste em um modelo de barreiras, também chamado como a lógica da cascata, se adéqua a sistemas de alta tecnologia por suas camadas defensivas, como alarmes, indivíduos em ações finalistas ou controles administrativos com funções de proteger potenciais vítimas e situações do risco. As barreiras são como as fatias do queijo suíço com muitos buracos22. Sousa P, Uva AS, Serranheira F, Nunes C, Leite ES. Estimating the incidence of adverse events in Portuguese hospitals: a contribution to improving quality and patient safety. BMC Health Serv Res [Internet]. 2014 [cited 2016 May 18];14:311. Available from: Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/14/311
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-33. Sousa P. Patient safety: a necessidade de uma estratégia nacional. Acta Med Port 2006;19:309-18.. Quando os buracos estão momentaneamente alinhados, permite-se que a trajetória do acidente venha a ocorrer.

As ações para a promoção da segurança do paciente e a melhoria da qualidade nos serviços de saúde têm sido interesse crescente nas pesquisas e, cada vez mais difundidas nas organizações de saúde, como prioridade mundial, na tentativa de diminuir a ocorrência do número de incidentes evitáveis. Quando ocorre um incidente é útil determinar se esse constituiu um EA, ou seja, se gerou dano ao paciente. Nos últimos anos, pesquisas sobre incidência, natureza e impactos dos EA têm contribuído para o conhecimento da magnitude do problema. No Brasil, em Portugal e na Espanha, estudos demonstraram uma incidência de 7,6%, 11,1% e 8,4%, respectivamente, de pacientes com EA, e desses 42% a 66% considerados evitáveis44. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care [Internet]. 2009 [cited 2016 May 18]; 21(4):279-84. Available from: Available from: https://academic.oup.com/intqhc/article-lookup/doi/10.1093/intqhc/mzp022
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-55. Aranaz-Andrés JM, Aibar-Remón C, Vitaller-Murillo J, Ruiz-López P, Limón-Ramírez R, Terol-García E. Incidence of adverse events related to health care in Spain: results of the Spanish National Study of Adverse Events. J Epidemiol Community Health. 2008;62(12):1022-9..

Para identificar e recuperar incidentes é significativo conhecer os tipos e as consequências para o paciente. Contextualizando, os incidentes (relacionados ao cuidado de saúde) podem ser classificados como: circunstância de risco; quase incidente (near-miss), incidente sem dano, ou incidente com dano, que pode ser referido também como evento adverso11. World Health Organization. Patient Safety. The conceptual framework for the International Classification for Patient Safety. Final Technical Report. Geneva: WHO; 2009., que são complicações indesejadas decorrentes do cuidado prestado11. World Health Organization. Patient Safety. The conceptual framework for the International Classification for Patient Safety. Final Technical Report. Geneva: WHO; 2009.,33. Sousa P. Patient safety: a necessidade de uma estratégia nacional. Acta Med Port 2006;19:309-18..

Considerando-se a relevância dos EA, em 2004 foi criada a Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, com estratégias, diretrizes e metas internacionais11. World Health Organization. Patient Safety. The conceptual framework for the International Classification for Patient Safety. Final Technical Report. Geneva: WHO; 2009.. No Brasil, em 2013 foi criado o Programa Nacional de Segurança do Paciente para monitorar os riscos, qualificar o cuidado e estimular o desenvolvimento de uma cultura de segurança nas instituições de saúde66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 529, de 1º de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente [Internet]. Brasília; 2013 [citado 2016 jun.12]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html
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O EA deve ser notificado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no sistema de notificações (NOTIVISA), que é um sistema informatizado onde profissionais, instituições e indivíduos podem notificar problemas relacionados ao uso de tecnologias, de processos assistenciais, produtos para a saúde, incidentes e EA77. Bezerra ALQ, Silva AEBC, Branquinho NCSS, Paranaguá TTB. Análise de queixas técnicas e eventos adversos notificados em um hospital sentinela. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):467-72..

Desse modo, algumas iniciativas já foram realizadas para a redução de incidentes na saúde. Entretanto, nos países em desenvolvimento ainda há a necessidade de realizar pesquisas que possam desvelar aspectos acerca desses eventos11. World Health Organization. Patient Safety. The conceptual framework for the International Classification for Patient Safety. Final Technical Report. Geneva: WHO; 2009., pois, nos hospitais, o risco de morte por erro durante a internação ou o risco de ocorrer um EA ainda é alto22. Sousa P, Uva AS, Serranheira F, Nunes C, Leite ES. Estimating the incidence of adverse events in Portuguese hospitals: a contribution to improving quality and patient safety. BMC Health Serv Res [Internet]. 2014 [cited 2016 May 18];14:311. Available from: Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/14/311
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,44. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care [Internet]. 2009 [cited 2016 May 18]; 21(4):279-84. Available from: Available from: https://academic.oup.com/intqhc/article-lookup/doi/10.1093/intqhc/mzp022
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. Além disso, uma assistência carente de qualidade e segurança nos serviços pode ocasionar a admissão do paciente em cuidados intensivos (CTI), levá-lo à parada cardíaca ou até mesmo à morte súbita88. Bunkenborg G, Samuelson K, Akeson J, Poulsen I. Impact of professionalism in nursing on in-hospital bedside monitoring practice. J Adv Nurs. 2012;69(7):1466-77..

Neste sentido, a presente pesquisa pretende contribuir para a adoção de práticas seguras com ênfase na notificação e prevenção do EA. Destarte, para o desenvolvimento da cultura de segurança do paciente nas instituições de saúde, necessário se faz o comprometimento da gerência, dos profissionais envolvidos na assistência, bem como forte espírito de coesão entre os diversos departamentos, fatores imprescindíveis para a garantia de assistência segura, tanto para o profissional como para o paciente99. Carvalho RE, Cassiani SH. Cross-cultural adaptation of the Safety Attitudes Questionnaire - Short Form 2006 for Brazil. Rev Latino Am Enfermagem. 2012;20(3):575-82..

Tendo em vista as considerações apresentadas, indaga-se: como ocorre a prática de notificação de eventos adversos no cotidiano dos profissionais? Parte-se do pressuposto que a notificação de incidentes está abaixo da realidade da instituição, o que pode estar relacionada ao sistema de notificação adotado, no qual o profissional que notifica o incidente precisa ser identificado1010. Lorenzini E, Santi JAR, Báo ACP. Patient safety: analysis of the incidents notified in a hospital, in south of Brazil. Rev Gaúcha Enferm. 2014;35(2):121-7..

O objetivo desta pesquisa foi compreender a prática de notificação de eventos adversos por profissionais de saúde.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, delineada pela estratégia de pesquisa Estudo de Caso, que tem por objetivo analisar uma unidade social, buscando responder “como” e “por que” os fenômenos ocorrem, ideal para estudos organizacionais buscando retratar a realidade de forma completa e profunda1111. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5a ed. Porto Alegre: Bookman; 2015..

Para definição do cenário de estudo levou-se em consideração ser um hospital que desenvolve estratégias de melhoria da qualidade e possui uma comissão de gerenciamento de riscos. Trata-se de um hospital de ensino que faz parte da Rede de Hospitais Sentinela, situado na Zona Lesta da Mata de Minas Gerais. Possui 116 leitos, seis unidades de internação adulto e média de 5.232 pacientes-dia ao mês. É um serviço de referência de uma região de saúde composta por nove municípios.

Os participantes da pesquisa foram os profissionais que atuavam no NSP (Núcleo de Segurança do Paciente) e a equipe de Enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem). Os critérios de inclusão foram: ser membro do NSP, e para a equipe de enfermagem, trabalhar nas unidades de internação, clínica médica e cirúrgica, possuindo, no mínimo, 1 ano de trabalho. A escolha por entrevistar a equipe das unidades de internação se deu com base em resultados de uma pesquisa na qual o objetivo era avaliar a incidência de eventos adversos em hospitais no Brasil. Seus resultados apontaram que a enfermaria foi o local com maior frequência de eventos adversos (56,9%)44. Mendes W, Martins M, Rozenfeld S, Travassos C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil. Int J Qual Health Care [Internet]. 2009 [cited 2016 May 18]; 21(4):279-84. Available from: Available from: https://academic.oup.com/intqhc/article-lookup/doi/10.1093/intqhc/mzp022
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. A escolha de profissionais do NSP se deu por se entender que são eles quem gerenciam e prescrevem as ações para alcançar a segurança do paciente. Na equipe de enfermagem foram entrevistados todos os enfermeiros e utilizado o critério de saturação dos dados1111. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 5a ed. Porto Alegre: Bookman; 2015.) para a equipe técnica de enfermagem, na qual se interrompe as entrevistas quando os dados coletados se tornam repetitivos e redundantes.

Entre os integrantes do núcleo, dois profissionais estavam de licença médica e um se recusou a participar, totalizando 12 participantes. Foram sete enfermeiros e a saturação ocorreu na 12ª entrevista com os técnicos, perfazendo 31 participantes.

A coleta de dados foi realizada por meio da triangulação, com dados primários e secundários. Os dados primários foram coletados mediante a realização de entrevistas, com roteiro semiestruturado e observação com registro em diário de campo. Antes de iniciar as entrevistas foi realizado teste piloto para avaliar a qualidade do roteiro de entrevista, sem necessidade de alterações. A observação ocorreu na unidade de internação para compreender melhor a prática de notificação durante o processo de trabalho dos profissionais, com duração de 72 horas, com média de 12 horas em cada unidade de internação. Os dados secundários foram obtidos por meio de pesquisa documental (documentos relativos à gestão da qualidade; relatórios, protocolos, indicadores, registros e plano de ação do NSP). Os dados foram coletados de maio a dezembro de 2015.

As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra e tiveram duração de 10 a 100 minutos, sendo codificadas com a sigla NSP (Núcleo de Segurança do Paciente); E (Enfermeiro); TE (técnico de enfermagem) seguida pelo número da entrevista. As perguntas buscaram compreender aspectos sobre o conhecimento na área de segurança do paciente e EA, práticas e notificações para alcançar a segurança, dificuldades e facilidades para alcançar as metas internacionais e a importância da realização de notificações de incidentes e EA.

Para análise dos dados foi utilizada a Análise de Conteúdo categorial e temática1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011., a qual consiste em um conjunto de técnicas de análise de comunicações, realizada em torno de três polos cronológicos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Primeiramente, na pré-análise, todo o material foi organizado e realizada leitura “flutuante”, leituras exaustivas possibilitando a constituição do corpus com surgimento de impressões formuladas com base no conteúdo dos dados. Em seguida, foi realizado o processo de codificação e categorização das temáticas levantadas, cujo procedimento sistemático permite evidenciar as "unidades de registros" (palavras/temas) constituindo três categorias. Após a categorização, procedeu-se à análise dos conteúdos, com interpretação e inferências dos dados tendo por base a literatura. Segundo procedimentos sistemáticos, as categorias construídas foram: A prática de notificação de eventos adversos; Barreiras na prática efetiva das notificações de eventos adversos; e A importância da notificação de eventos adversos.

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em cumprimento à resolução 466/12, do Ministério da Saúde, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, sob o Parecer nº 1.072.502.

Resultados

Participaram da pesquisa 31 profissionais, dos quais, 12 do NSP (seis enfermeiros, um técnico de enfermagem, um nutricionista, um farmacêutico, dois administradores e um economista doméstico); sete enfermeiros e 12 técnicos de enfermagem. Na totalidade, foram 26 mulheres (84%) e cinco homens (16%), com idade entre 24 e 51 anos. A média de tempo de formado foi de 9 anos, e de trabalho na instituição, 8 anos. Em relação a outros vínculos profissionais, 49% (n=15) trabalhavam em outros serviços e 51% (n=16) trabalhavam somente na instituição estudada. Apenas quatro participantes possuíam conhecimento prévio sobre segurança do paciente e 27 o obtiveram na própria instituição.

A prática de notificação de eventos adversos

Essa categoria descreve o cenário e a prática de notificação de EA na instituição estudada. Dentre alguns aspectos destaca-se que a notificação é voluntária, manual, em formulários impressos, e após o registro são encaminhadas ao NSP/Gerenciamento de risco. Em 2012, o formulário se restringia a notificações de queixas técnicas. Em 2013, foi acrescido, em forma de checklist, campos de notificação de EA (complicações de acesso venoso, erro de medicação, quedo do leito, úlcera por pressão, infecção hospitalar, perda de sondas, outras) havendo espaço para a identificação do profissional de forma opcional. Há POPs (Procedimento Operacional Padrão) descritivos sobre a forma de notificar um EA.

A despeito da disponibilização, pela instituição, dos formulários mencionados, houve relatos de desconhecimento da ficha de notificação:

Que eu saiba, não. Se tiver alguma folha aí para notificar, eu não sei (TE21).

Oh, nunca aconteceu comigo. Nunca aconteceu comigo de queda. Nenhum outro evento. Tem um para punção venosa lá na sala, um impresso próprio. Agora queda do leito, realmente nunca aconteceu comigo. Nunca vi outro impressoaqui, não (E20).

Na nossa ficha, de evolução do paciente, eu escrevo queda da própria altura, queda da cama. Que eu saiba, não apresentaram outro (formulário), não (TE18).

Foi possível observar entraves na comunicação, pois os profissionais recebem poucas informações sobre como realizar a prática de notificação, o que reduz a quantidade de registros. O não preenchimento da ficha de notificação foi apontado pelos profissionais:

Nunca notifiquei, não. Acho que tudo isso que eu falei (sobre os principais riscos que identifico na instituição) é o mais importante (TE27).

Eu acho que eles notificam verbalmente, vamos supor que aconteceu alguma coisa na ala, eles (TE) vêm até a farmácia falam com a gente, mas não notificam. Eu peço para notificar, mas não temos retorno de todos (NSP11).

Alguns enfermeiros, técnicos de enfermagem e até membros do NSP têm pouco conhecimento sobre como notificar, caso ocorra um EA:

Até para mim, ainda tenho dificuldades. Não fiz nenhuma notificação ainda. Não fiz e acho que vou ficar meio perdida apesar de já terem me passado tudo (NSP5).

Mas acho que eles (técnicos) ainda não têm noção de como notificar (NSP9).

Ninguém nunca me ensinou! Eu não sei o que fazer. Se, por exemplo, alguém cair do leito, eu sei que no final do mês somam todos os índices, mas eu não concordo com tudo (E3).

Outro aspecto relevante no depoimento de E3 é que há uma discordância quanto ao processamento dos dados. Ou seja, os indicadores não revelam a realidade da instituição, na visão dos profissionais:

Já me procuraram por erro de medicação. Exemplo, um erro de dosagem, era 2,5 mg, foi medicação de 5 e deu ela toda. Na verdade, não foi pior porque era uma dosagem baixa, mas acontece. Ela não notificou, me procurou, “o que eu faço?” (NSP11).

Os profissionais não se sentem preparados para notificar, falta capacitação profissional e a observação revelou que as maiores notificações são de queixas técnicas.

Eu acho que os meninos conseguem identificar mais a questão da farmacovigilância que o evento interno. Uma queixa técnica eles têm mais liberdade de notificar (NSP2).

Barreiras na prática efetiva das notificações de eventos adversos

Nas notificações de EAs foram evidenciadas barreiras relativas à falta de conhecimento por parte de profissionais sobre noções básicas, como o que é erro, EA e o próprio conceito de segurança do paciente:

Não sei o que é evento adverso. Não, porque aqui a gente passa para o enfermeiro e o enfermeiro é quem faz, né? (TE28).

Tem a segurança do trabalho que está junto com a gente. Para não machucar, não correr risco. Tem o isolamento, tem precaução de contato, precaução de aerossóis, entendeu? Vem identificado com placa e tudo! Tem os procedimentos para a gente entrar lá (no quarto), com os EPI’s certos (TE 17).

Muita gente mudou o conceito e outros já tinham uma base do que é. Então, nas reuniões por enquanto estão esclarecendo essa questão da notificação. Quais os tipos de notificação. Para que serve cada uma, a quem deve recorrer, o que deve notificar e um alerta para que todo mundo do núcleo possa estar alerta para o que tá acontecendo (NSP10).

Os profissionais relataram, ainda, que a prática da notificação de EA é prejudicada pela falta de preparo, de conhecimento e esquecimento:

Eu ainda não me sinto preparada para notificar. Eu sei que tem que notificar, que tem que iniciar esse costume, mas eu esqueço. Acontece uma coisa que eu sei que poderia ser notificado, mas na hora não pus maldade naquilo! Eu acho que eu e muitos setores ainda estamos pecando nisso. Não é que eu não quero notificar, mas eu esqueço. Eu tenho que colocar isso no meu dia a dia do trabalho. Tanto é que eu não tenho notificações (NSP10).

Tudo eu notifico, mas acho que a maioria dos enfermeiros ainda não notifica. Conhecem porque foram treinados, foi passado para equipe técnica no início que não é só o enfermeiro que notifica, mas eles não gostam de notificar. Nunca vi técnico notificar (E25).

Foi possível identificar poucas notificações, alguns profissionais reconhecem e justificam a ação:

O problema é você ter que parar o que está fazendo para notificar e isso é um tempo que você não tem, porque a gente trabalha muito com improviso: uma extensão que não funciona na hora, você tem que resolver porque está com o paciente. E aí, depois você já teve outros problemas, como uma parada na sala, que é muito mais grave (NSP12).

Outro aspecto identificado que dificulta o processo de notificação de EA são as diferentes maneiras de agir dos profissionais, em situações de uma mesma rotina, frente ao EA, mesmo constando o passo a passo da notificação em procedimento operacional padrão. Foram identificadas diferentes formas de comunicar o EA pelos técnicos de enfermagem: comunicação aos médicos ou enfermeiros, anotações em prontuário ou livro de ocorrência, ou não sabem o que fazer. Nenhum afirmou usar a ficha de notificação. Ainda prevalece uma cultura punitiva, o que dificulta a notificação, repercute e reforça a subnotificação:

Eles me esperam para notificar alguma coisa, porque no hospital, infelizmente, a mentalidade é punitiva. Tudo é punição! No discurso não, mas só no discurso (NSP9).

Acho que às vezes pode ficar mais no núcleo, nas pessoas que notificam; até mesmo nas enfermeiras, que a gente ainda trabalha com muita subnotificação. É uma coisa que o núcleo está sempre cobrando. Acho que a gente poderia divulgar mais, num quadro de aviso o que mais está acontecendo (NSP8).

Tinha que preparar mais o funcionário para eles notificarem o acontecimento. Mas não é assim: se eu falar eu vou ser advertido! Igual a um técnico lá na ala. Um paciente caiu, não é culpa diretamente dele. Mas ele não notifica porque acha que vai recair em cima dele, e ele vai ser penalizado. Tem que trabalhar mais isso (NSP7).

A importância da notificação de eventos adversos

Apesar do cenário real retratado e das dificuldades encontradas no processo de notificação de EA, os entrevistados percebem a importância de notificar, referindo-se à notificação como fonte de informações úteis para melhorar a assistência ao paciente, obter registros e subsidiar a educação permanente:

A notificação é de grande importância porque ela deve ser a base para trabalhar a educação permanente; trabalhar as formas de como melhorar a assistência prestada. Mas a realidade é: a notificação é utilizada como punição (E1).

Notificar? Ah vamos supor, se às vezes deixa de fazer alguma medicação, ou errada, se tiver alguma condição que pode prejudicar o paciente. Porque aí faz as coisas tudo certinho né? Resguarda a gente, resguarda o paciente em alguns casos também (TE29).

Queda do leito ou queda da própria altura, no banheiro, a gente comunica para fazer exames.É importante porque, se ele passar mal, a responsabilidade é nossa. Eu acho importante fazer a notificação, mas tem um médico aqui que falou com a gente que a gente é exagerado (TE23).

Alguns entrevistados afirmaram que a notificação auxilia na detecção das causas, na avaliação dos EA e na redução de ocorrências:

Se não tem notificação, não tem como saber se questões relacionadas à segurança estão efetivas. Eu acho que deveria fazer mais (E3).

Acho que tem que notificar principalmente para identificar as causas, o que poderia ser feito para evitar. Então, quanto mais eu notifico, eu tenho uma estatística, vou trabalhar em cima dela para que não ocorra mais. Para diminuir os índices (E14).

Este mês tiveram dez notificações de queda do leito. Vamos ver o que está acontecendo para evitar que as pessoas continuem caindo. Eu acho que é para evitar eventos futuros (NSP6).

Discussão

O tema segurança do paciente está relacionado com EA, pois a ocorrência de incidentes interfere diretamente na qualidade de vida dos que recebem assistência à saúde.

O alicerce para um programa de segurança do paciente são os sistemas de notificações voluntárias, uma estratégia para garantir a qualidade, recentemente estruturados nos países da América Latina. Esses sistemas de notificações ajudam a identificar melhorias no desenvolvimento de uma cultura de segurança1313. Organización Panamericana de la Salud (OPAS). Sistemas de notificación de incidentes en América Latina. Washington: OPS; 2013.. Destarte, podem ser utilizados diferentes meios para os relatos, quais sejam formulários impressos, telefone, fax, intranet ou internet. O meio mais utilizado nos hospitais brasileiros ainda é o manual, com formulários impressos1414. Capucho HC, Arnas ER, Cassiani SHB. Patient safety: a comparison between handwritten and computerized voluntary incidente reporting. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):164-72.. No entanto, países com maiores experiências, como Austrália, Canadá, Estados Unidos da América e o Reino Unido possuem sistemas avançados para a notificação de incidentes1313. Organización Panamericana de la Salud (OPAS). Sistemas de notificación de incidentes en América Latina. Washington: OPS; 2013..

Os achados da observação do impresso de notificação e a análise dos depoimentos sobre a implantação do processo de notificação na instituição estudada revelam a inobservância de alguns aspectos, como a orientação ao profissional para preenchimento do formulário e anonimato na notificação. Salienta-se a importância dos formulários serem claros, simples, de preenchimento rápido, e que os profissionais sejam orientados sobre seu preenchimento com a garantia da confidencialidade das informações notificadas. Ademais, o profissional deve fazê-lo de forma anônima, o que aumenta a confiança dos profissionais em notificar1010. Lorenzini E, Santi JAR, Báo ACP. Patient safety: analysis of the incidents notified in a hospital, in south of Brazil. Rev Gaúcha Enferm. 2014;35(2):121-7..

Ressalta-se ainda que, a despeito de estudos apontarem que a notificação possa ser manual ou informatizada, estudo demonstrou que a notificação em sistema eletrônico é mais vantajosa, aumentando entre 58,7% e 62% a qualidade dos relatos, com diminuição nas rasuras e maior participação dos profissionais, principalmente técnicos de enfermagem1414. Capucho HC, Arnas ER, Cassiani SHB. Patient safety: a comparison between handwritten and computerized voluntary incidente reporting. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):164-72.. No hospital, cenário da pesquisa, falta recurso para implantar computadores em todos os setores, o que na visão dos participantes impede avanços nas notificações.

Os resultados apresentados evidenciam a maneira de agir dos profissionais, divergindo do contexto prescritivo. Eles estão mais bem preparados para notificar, em seu cotidiano de trabalho, as queixas técnicas (não atingiu o paciente ainda) que EA. Mesmo com o POP para orientar a prática, os profissionais alegam que não sabem notificar. Nesta mesma perspectiva, estudo divulgado em 2013 mostrou que apenas a implantação de normas e diretrizes não foram suficientes para alcançar melhorias significativas, necessitando adequações das informações fornecidas à equipe1515. Antonoff MB, Berdan EA, Kirchner VA, Krosch TC, Holley CT, Maddaus MA, et al. Who’s covering our loved ones: surprising barriers in the sign-out process? Am J Surg. 2013;205(1):77-84..

Em relação à notificação de queixas técnicas, são achados condizentes com estudo realizado em uma unidade hospitalar que apontou que os eventos mais notificados foram as queixas técnicas relacionados à farmacovigilância77. Bezerra ALQ, Silva AEBC, Branquinho NCSS, Paranaguá TTB. Análise de queixas técnicas e eventos adversos notificados em um hospital sentinela. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):467-72.. A ocorrência dos demais incidentes, que também comprometem a segurança do paciente, ainda se configura um desafio devido à subnotificação. Vale esclarecer que a queixa técnica é qualquer alteração ou irregularidade de um produto ou empresa, relacionada a aspectos técnicos ou legais, podendo levar a agravos à saúde77. Bezerra ALQ, Silva AEBC, Branquinho NCSS, Paranaguá TTB. Análise de queixas técnicas e eventos adversos notificados em um hospital sentinela. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):467-72..

Em relação à prática de notificação na instituição estudada, a análise realizada permitiu identificar que 58% dos participantes da pesquisa desconheciam a ficha de notificação e 67,7% nunca preencheram uma notificação. Resultados parecidos foram encontrados em uma pesquisa nacional, na qual 76,8% dos indivíduos nunca preencheram uma notificação1616. Massoco ECP, Melleiro MM. Comunicação e segurança do paciente: percepção dos profissionais de enfermagem de um hospital de ensino. Rev Min Enferm. 2015; 19(2):187-91.. Assim, o processo de capacitação dos profissionais de saúde para a notificação é gradativo77. Bezerra ALQ, Silva AEBC, Branquinho NCSS, Paranaguá TTB. Análise de queixas técnicas e eventos adversos notificados em um hospital sentinela. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):467-72., de construção contínua até que esteja no cotidiano, uma realidade vivida.

As iniciativas frente à ocorrência do EA variaram muito entre os participantes, com adoção de condutas individuais, isoladas e pessoais, em desacordo com as normas prescritivas da instituição, como aquelas descritas no POP de EA. Estudo anterior identificou a prática da comunicação informal e a omissão dos eventos adversos entre os profissionais na prática hospitalar1717. Leitão IMTA, Oliveira RM, Leite SS, Sobral MC, Figueiredo SV, Cadete MC. Análise da comunicação de eventos adversos na perspectiva de enfermeiros assistenciais. Rev Rene. 2013;14(6):1073-83.. A percepção e a conduta dos profissionais em relação ao erro pode variar de acordo com a cultura institucional (punitiva ou não)1818. Duarte SCM, Stipp MAC, Silva MM, Oliveira FT. Eventos adversos e segurança na assistência de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):144-54. e também está muito ligada à responsabilidade individual1919. Corbellini VL, Schilling MCL, Frantz SF, Godinho TG, Urbanetto JS. Eventos adversos relacionados a medicamentos: percepção de técnicos e auxiliares de enfermagem. Rev Bras Enferm . 2011;64(2):241-7.-2020. Wachter RM. Personal accountability in healthcare: searching for the right balance. BMJ Qual Saf. 2013;22(2):176-80..

Assim, é importante o investimento na disseminação da cultura de segurança, com ênfase em educação e comunicação, adoção de condutas baseadas em protocolos, diretrizes e POPs, ampliando o conhecimento em segurança, na perspectiva da construção contínua, levando em consideração a realidade da instituição e também os significados e os valores que os profissionais atribuem à segurança do paciente. Estudo recente em serviços de saúde ingleses destaca a importância da educação, formação e desenvolvimento pessoal da enfermagem e de outros profissionais como significantes para a cultura de segurança do paciente, para melhorar a qualidade das práticas nestas instituições2121. Griffiths P, Maben J, Murrells T. Organisational quality, nurse staffing and the quality of chronic disease management in primary care: observational study using routinely collected data. Int J Nurs Stud. 2011;48(10):1199-210..

O termo cultura de segurança vem recebendo crescente atenção e prioridade internacional e pode ser entendido como o somatório de valores, vivências, costumes e práticas que definem o comportamento de um grupo. Alcançar essa cultura requer um entendimento de valores, crenças e normas sobre o que é importante em uma organização e que atitudes e comportamentos relacionados à segurança do paciente são esperados. O estabelecimento de uma cultura de segurança é o elemento-chave de instituições de alta confiabilidade2222. Paese F, Sasso GTMD. Patient safety culture in primary health care. Texto Contexto Enferm. 2013;22(2):302-10..

Neste sentido, para superar lacunas no conhecimento e aumentar o compromisso na identificação e redução de erros na prática profissional e, ainda, com vistas a superar as diversas formas de comunicar, ou omitir um EA, é necessário que a gestão institucional, com apoio dos profissionais, assuma posturas que reforcem essa cultura, o que pode ser realizado por meio de uma liderança comunicativa, postura não punitiva e desenvolvimento pessoal. Trata-se de habilidades e competências desenvolvidas pelos gestores para melhorar a notificação, no entanto, não foram observadas no presente estudo.

Outro aspecto observado neste estudo foi a inexistência de estratégias de envolvimento dos pacientes na análise e prevenção de incidentes. Estudiosos já comprovam a importância do relato dos incidentes pelos pacientes e sua relação com a segurança do paciente, auxiliando no desenvolvimento da cultura de segurança2323. Bjertnaes O, Deilkas ET, Skudal KE, Iversen HH, Bjerkan AM. The association between patient-reported incidents in hospitals and estimated rates of patient harm. Int J Qual Health Care. 2015;27(1):26-30..

Os resultados mostram que há uma lacuna no conhecimento, com uma visão fragmentada sobre a segurança do paciente e o EA. O desconhecimento ou a falta de compreensão da equipe de que qualquer profissional está sujeito ao erro pode acarretar, para o envolvido, sentimentos de vergonha, culpa e medo, o que pode ser agravado pela cultura punitiva, predominante na instituição em estudo, contribuindo para a omissão dos episódios1818. Duarte SCM, Stipp MAC, Silva MM, Oliveira FT. Eventos adversos e segurança na assistência de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):144-54.,2020. Wachter RM. Personal accountability in healthcare: searching for the right balance. BMJ Qual Saf. 2013;22(2):176-80..

Por isso, é vital um programa de educação permanente, o estímulo a adesões a protocolo e diretrizes, aspectos que devem compor a lista de prioridades dos membros do NSP, gestores hospitalares e profissionais de saúde envolvidos no cuidado2424. Mendes W, Pavão ALB, Martins M, Moura MLO, Travassos C. The feature of preventable adverse events in hospitals in the State of Rio de Janeiro. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2013 [cited 2016 May 18];59(5):421-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v59n5/en_v59n5a06.pdf
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. Não obstante, o receio dos profissionais acerca da punição encontrado nos resultados poderá estimular a subnotificação1818. Duarte SCM, Stipp MAC, Silva MM, Oliveira FT. Eventos adversos e segurança na assistência de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):144-54.. O fato de ser um hospital que participa da Rede de Hospitais Sentinela reforça a necessidade de estimular as notificações. No entanto, na prática, observa-se que o ambiente é permeado pelo medo de punições. A subnotificação pode ocorrer por diversos fatores, como medo, culpa e tipo de sistema de notificação, sendo uma das principais dificuldades do método de notificação voluntária1313. Organización Panamericana de la Salud (OPAS). Sistemas de notificación de incidentes en América Latina. Washington: OPS; 2013..

Outros estudos também revelaram a existência do medo em notificar diante do processo investigativo e analítico, devido à responsabilização ser seguida de orientação ou advertência2525. Paiva MCMS, Popim RC, Melleiro MM, Tronchim DMR, Lima SAM, Juliani CMCM. The reasons of the nursing staff to notify adverse events. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(5):747-54.. Deste modo, a existência da cultura punitiva na instituição estudada prejudica a notificação e o aprendizado com o erro, considerando que punição é diferente de responsabilização. É necessária a compreensão, por parte dos gestores da instituição, de que os EA estão, muitas vezes, diretamente relacionados às falhas no sistema e aos processos de trabalho, e não ao indivíduo, por descaso ou incompetência profissional. Em vez de buscar culpados, devem ser identificadas as fragilidades existentes no processo com adoção de medidas preventivas, melhorando, assim, as notificações e consequentemente o aprendizado com o erro1818. Duarte SCM, Stipp MAC, Silva MM, Oliveira FT. Eventos adversos e segurança na assistência de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2015;68(1):144-54.,2020. Wachter RM. Personal accountability in healthcare: searching for the right balance. BMJ Qual Saf. 2013;22(2):176-80.,2424. Mendes W, Pavão ALB, Martins M, Moura MLO, Travassos C. The feature of preventable adverse events in hospitals in the State of Rio de Janeiro. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2013 [cited 2016 May 18];59(5):421-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v59n5/en_v59n5a06.pdf
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Vale ressaltar que o risco é uma realidade constante nas organizações de saúde. Os resultados em saúde são incertos, muitas vezes expressos em erros e complicações. Esses resultados são determinados por diversos fatores relacionados com atividade desenvolvida, condições do ambiente, fatores individual e organizacional, como habilidade e não adesão à norma, além de outros fatores aleatórios não explicáveis. Assim, para que o resultado obtido seja próximo do resultado esperado, demanda-se uma correta gestão do risco clínico, o que auxilia na obtenção de melhores resultados22. Sousa P, Uva AS, Serranheira F, Nunes C, Leite ES. Estimating the incidence of adverse events in Portuguese hospitals: a contribution to improving quality and patient safety. BMC Health Serv Res [Internet]. 2014 [cited 2016 May 18];14:311. Available from: Available from: http://www.biomedcentral.com/1472-6963/14/311
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,2424. Mendes W, Pavão ALB, Martins M, Moura MLO, Travassos C. The feature of preventable adverse events in hospitals in the State of Rio de Janeiro. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2013 [cited 2016 May 18];59(5):421-8. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v59n5/en_v59n5a06.pdf
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Um dos problemas identificados na instituição, cenário da pesquisa, que impede a organização de alcançar resultados mais profícuos, se refere a competências em níveis de micro e macrogestão e o envolvimento de todos os níveis hierárquicos no enfrentamento do problema. Para os técnicos, é como se a responsabilidade da notificação fosse dos enfermeiros; para os membros do NSP é como se a responsabilidade não fosse compartilhada por todos. A notificação de EA não é de responsabilidade de uma única categoria profissional. Entretanto, estudo revelou que a responsabilidade pela segurança não é compartilhada igualmente por todas as equipes2626. Bohomol E, Tartali JA. Adverse effects in surgical patients: knowledge of the nursing professionals. Acta Paul Enferm. 2013;26(4):376-81..

Outro aspecto diz respeito à ausência de análise das causas. Após a notificação há uma série de ações interligadas: analisar o evento e as situações de risco, direcionar para o aprendizado, objetivando melhorar a segurança de pacientes durante sua internação2525. Paiva MCMS, Popim RC, Melleiro MM, Tronchim DMR, Lima SAM, Juliani CMCM. The reasons of the nursing staff to notify adverse events. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(5):747-54.. Trata-se de um processo sistemático segundo o qual se analisa os fatores que contribuem para um incidente, identificados pela reconstrução da sequência de eventos e pelo constante questionamento do porquê da sua ocorrência até a sua elucidação. Uma ferramenta que precisa ser mais bem utilizada para garantir a segurança do paciente, auxiliando nas ações a serem tomadas para reduzir e gerenciar danos futuros2727. Toffoletto MC, Ruiz XR. Improving patient safety: how and why incidences occur in nursing care. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(5):1098-105. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420130000500013
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Portanto, não basta notificar, além disso, os gestores devem delinear um processo para analisar os dados, dar feedback à equipe e inserir mudanças de forma proativa. Problemas de comunicação, interações entre liderança, NSP e demais profissionais precisam ser solucionados. Apesar desse cenário, os participantes da pesquisa reconhecem a importância da notificação e seus depoimentos vão ao encontro do que é discutido na literatura. Esse valor atribuído pode ser o passo inicial para a mudança da realidade.

A notificação reduz ou elimina ocorrências semelhantes no futuro, promove aprendizagem, e por meio da investigação e análise dos incidentes, geram informações úteis para corrigir falhas. É imprescindível um sistema baseado em atitude permanente de repórter/notificação sem culpa, com foco no processo de aprendizagem, redesenho e geração de conhecimento aplicável, de proatividade em relação aos eventos adversos1212. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011..

O reconhecimento da importância da notificação revela um potencial para a melhoria dos resultados, podendo ser alcançado com investimento na equipe por meio de educação, estímulo às notificações, e uma postura gerencial que reforce uma cultura não punitiva. Nesta perspectiva, alguns autores propõem a cultura justa, uma abordagem que diferencia os momentos em que um erro ou um ato inseguro deve ser tratado por uma abordagem sistêmica, da não culpabilidade, e as situações nas quais é necessária uma resposta mais centrada na responsabilização pessoal2020. Wachter RM. Personal accountability in healthcare: searching for the right balance. BMJ Qual Saf. 2013;22(2):176-80..

Com os resultados apresentados, observa-se que na prática da notificação não prevalece a prática descrita em documentos de rotina, mas sim um misto de formas de comunicar o EA, o que exige atenção por parte dos gerentes. A eficácia funcional das diretrizes da segurança do paciente depende diretamente da estreiteza das interações de todos os profissionais que atuam no cenário hospitalar, principalmente os líderes, os membros do NSP e a equipe de enfermagem. As principais limitações da pesquisa são decorrentes à metodologia adotada, pois estudos de caso não permitem generalizações, assim, a realidade aqui encontrada não representa, necessariamente, a realidade de outras instituições.

Conclusão

A prática de notificação de EA encontrava-se marcada pelo medo e apresentava lacunas no conhecimento. Falta melhor relação entre líderes, membros do NSP e demais profissionais para que todos assumam efetivamente seus papeis sociais no âmbito da segurança do paciente no hospital. É preciso superar as diversas formas de comunicar o EA, superar a realidade punitiva, fixar o anonimato nas notificações, presumindo subnotificações. Isso implica mudanças de hábitos, de valores e de comportamentos em relação ao cuidado em saúde na perspectiva da segurança do paciente, influenciando, assim, a prática profissional.

Ressalta-se que este estudo permitiu compreender a realidade como ela é, e não como deveria ser, permitindo captar a maneira de agir dos profissionais. É preciso inserir na prática dos profissionais não só as diretrizes e as normas, mas também uma prática educativa contínua e melhorar a comunicação entre liderança e liderados, gerando um ambiente mais favorável à notificação. O envolvimento do paciente no relato dos incidentes também pode auxiliar o desenvolvimento da cultura de segurança. Um aspecto positivo foi identificar a importância que os profissionais dão à notificação, um passo para melhorar os resultados.

  • Errata

    Informamos que no artigo “A prática de notificação de eventos adversos em um hospital de ensino”, DOI http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2016045503243 Volume 51 de 2017, na página 8, ocorreu o acréscimo da seguinte informação:
    Apoio Financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG Processo PPM-00404-15 - Programa Pesquisador Mineiro - PPM IX

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2016
  • Aceito
    27 Mar 2017
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