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Comportamento plástico do aço inoxidável austenítico em baixa temperatura

Resumos

Ensaios de tração uniaxiais foram empregados para deformar aços inoxidáveis austeníticos do tipo 304, em diferentes temperaturas abaixo da ambiente (de 77 K a 300 K). A relação entre a estabilidade da austenita e o encruamento, em função da temperatura de teste, é discutida quanto à transformação martensítica induzida por deformação e ao deslizamento de discordâncias na austenita. Em curvas tensão-deformação que assumem a equação de Ludwik sigma = sigmao + képsilonn, na qual sigma é a tensão verdadeira e e a elongação plástica verdadeira, um modo conveniente para analisar o encruamento é por meio do diagrama log dsigma / dépsilon versus log épsilon. O aspecto significativo é a variação da taxa de encruamento dsigma / dépsilon com a elongação plástica verdadeira nas diferentes temperaturas. As mudanças no comportamento do encruamento motivando até três estágios de deformação são associadas a diferentes processos microestruturais. A transformação martensítica pode ser considerada como um processo de deformação que compete com o processo usual de deslizamento. A investigação desses estágios, na região plástica, produz uma referência qualitativa de como diferentes fatores, tais como o grau de deformação, temperatura e composição química da austenita, afetam a transformação austenita-martensita.

Aço inoxidável austenítico; teste de tração; transformação induzida por deformação; encruamento


The Uni-axial tensile strength test was used for loading austenitic stainless steel of type 304 at different temperatures below room temperature (from 77 K to 300 K). The relation between austenite stability and work hardening, as affected by testing temperature, is discussed in terms of the relationship between the strain-induced martensitic transformation, which occurs during plastic deformation, and the dislocation slip in austenite. In stress-strain curves that assume the Ludwik equation sigma = sigmao + kepsilonn, where s is the true stress and e the true plastic strain, a meaningful way to analyze work hardening is by plotting log dsigma / depsilon against log epsilon. A significant aspect is the variation of the work hardening rate ds/de with the true plastic strain at different temperatures. The changes in work hardening behavior, which provoked up to three deformation stages, may be associated with different micro-structural processes. The martensitic transformation may be regarded as a deformation process that competes with the usual slip process. The investigation of these stages within the plastic range gives a qualitative picture of how different factors, such as the degree of deformation, temperature and chemical composition of austenite affect the austenite-martensite transformation.

Austenitic stainless steel; tensile test; strain-induced transformation; work hardening


METALURGIA FÍSICA

Comportamento plástico do aço inoxidável austenítico em baixa temperatura

Augusto Eduardo Baptista AntunesI; Lidia Mikiko Doi AntunesII

IUNESP - Campus de Guaratinguetá - SP. E-mail: lidia@ieav.cta.br IIInstituto de Estudos Avançados, CTA, São José dos Campos - SP. E-mail: lidia@ieav.cta.br

RESUMO

Ensaios de tração uniaxiais foram empregados para deformar aços inoxidáveis austeníticos do tipo 304, em diferentes temperaturas abaixo da ambiente (de 77 K a 300 K). A relação entre a estabilidade da austenita e o encruamento, em função da temperatura de teste, é discutida quanto à transformação martensítica induzida por deformação e ao deslizamento de discordâncias na austenita. Em curvas tensão-deformação que assumem a equação de Ludwik s = so + ken, na qual s é a tensão verdadeira e e a elongação plástica verdadeira, um modo conveniente para analisar o encruamento é por meio do diagrama log ds / de versus log e. O aspecto significativo é a variação da taxa de encruamento ds / de com a elongação plástica verdadeira nas diferentes temperaturas. As mudanças no comportamento do encruamento motivando até três estágios de deformação são associadas a diferentes processos microestruturais. A transformação martensítica pode ser considerada como um processo de deformação que compete com o processo usual de deslizamento. A investigação desses estágios, na região plástica, produz uma referência qualitativa de como diferentes fatores, tais como o grau de deformação, temperatura e composição química da austenita, afetam a transformação austenita-martensita.

Palavras-chaves: Aço inoxidável austenítico, teste de tração, transformação induzida por deformação, encruamento.

ABSTRACT

The Uni-axial tensile strength test was used for loading austenitic stainless steel of type 304 at different temperatures below room temperature (from 77 K to 300 K). The relation between austenite stability and work hardening, as affected by testing temperature, is discussed in terms of the relationship between the strain-induced martensitic transformation, which occurs during plastic deformation, and the dislocation slip in austenite. In stress-strain curves that assume the Ludwik equation s = so + ken, where s is the true stress and e the true plastic strain, a meaningful way to analyze work hardening is by plotting log ds / de against log e. A significant aspect is the variation of the work hardening rate ds/de with the true plastic strain at different temperatures. The changes in work hardening behavior, which provoked up to three deformation stages, may be associated with different micro-structural processes. The martensitic transformation may be regarded as a deformation process that competes with the usual slip process. The investigation of these stages within the plastic range gives a qualitative picture of how different factors, such as the degree of deformation, temperature and chemical composition of austenite affect the austenite-martensite transformation.

Keywords: Austenitic stainless steel, tensile test, strain-induced transformation, work hardening.

1. Introdução

Nos aços inoxidáveis austeníticos deformados a baixas temperaturas ocorre considerável aumento da resistência, sem, contudo, diminuir a ductibilidade. Esse efeito tem grandes implicações nos processos de conformação, usinagem e em aplicações criogênicas e está associado à ocorrência de transformações de fase. Assim, durante a deformação plástica em temperaturas abaixo da ambiente, além do deslizamento de discordâncias na austenita, pode ocorrer, simultaneamente, maclas de deformação e transformações de fase do tipo austenita ® martensita. Esses micromecanismos atuam como processos de deformação que competem com o deslizamento na austenita. A quantidade relativa entre eles depende, não apenas da temperatura, mas, também, do percentual de deformação plástica. Quanto mais baixa a temperatura de deformação e menor o teor de ligas do aço, menor a estabilidade da austenita, propiciando a formação de martensita [Colombier & Hochmann, 1965].

A transformação martensítica do tipo g ® a' é espontânea para temperaturas inferiores a Mi, entretanto, com o auxílio de energia mecânica, poderá elevar-se até a temperatura Md, definida como aquela acima da qual não ocorre transformação, qualquer que seja a deformação plástica. Em conseqüência, na faixa de temperaturas entre Mi e Md, as características mecânicas dos aços inoxidáveis austeníticos são afetadas pelas transformações martensíticas induzidas pela deformação, que podem ocorrer de duas formas: reação martensítica induzida por tensão e reação induzida pela deformação plástica [Pelletier & Cizeron, 1977]. Uma caracterização simples dessas reações resulta do modo como acontece o escoamento do material. Na primeira situação, o escoamento seria devido à transformação, ocorrendo, ainda, no regime elástico e no segundo caso, o escoamento seria por deslizamento das discordâncias e, as transformações surgiriam, posteriormente, no regime plástico. A reação martensítica induzida por deformação é complexa e dinamicamente associada às discordâncias, maclas e à fase martensítica intermediária e. Num aço inoxidável austenítico do tipo 304, a temperatura Mi seria menor que 4 K, estando Md, aproximadamente, na temperatura ambiente [Manganon & Thomas, 1970].

No presente trabalho, para avaliar os aspectos mencionados, elaborou-se o seguinte procedimento: foram efetuados ensaios de tração em corpos-de-prova de aço inoxidável austenítico, em várias temperaturas, e os resultados, na forma de curvas tensão-deformação verdadeiras, foram ajustados à relação potencial [Ludwik, 1909]

s = s0 + Ken (1)

Seguiu-se com a análise dessa relação através do gráfico logarítmico da taxa de encruamento ds / de versus a elongação e, que produz uma linha reta com coeficiente angular (h-1) e cuja intersecção com a linha log e = 0 fornece log ( kn ) [Crussard, 1953]. Segundo esse procedimento, durante o ensaio, a partir de uma dada deformação plástica, o coeficiente angular, ou seja, o expoente de encruamento h pode modificar-se, significando a presença de outra reta associada a um novo estágio de encruamento. Com base nesse procedimento, tem sido demonstrado que diferentes estágios de encruamento assim definidos podem contribuir para avaliar os micro-mecanismos de deformação plástica dos metais [Jaoul, 1957]. Dessa forma, o trabalho procura correlacionar os mecanismos de deformação plástica dos aços inoxidáveis austeníticos nas diferentes temperaturas com os estágios de encruamento detectados, caracterizando propriedades e parâmetros quantitativos significativos para subsidiar suas aplicações tecnológicas.

2. Materiais e métodos

O material empregado, nos experimentos, foi o aço inoxidável austenítico do tipo 304, adquirido de duas procedências, aqui denominados de aço A e aço B, cujas composições químicas são indicadas na Tabela 1.

Para os ensaios de tração, corpos-de-prova cilíndricos foram torneados com a parte útil à deformação com 24mm de comprimento e 4mm de diâmetro. As demais geometrias e a fixação por rosca atendem a norma ABNT. Após a usinagem, realizou-se um tratamento térmico de recozimento a 1100ºC por meia hora, imerso em sal, resultando uma microestrutura aproximadamente equiaxial. Quando empregado o aço A, o tamanho de grão foi da ordem de 26µm, e no caso do aço B, da ordem de 33µm. Posteriormente ao tratamento térmico, os corpos-de-prova foram polidos eletroliticamente com solução de ácido perclórico, álcool etílico e glicerina (numa relação 7:2:1) sob 1A/cm² de densidade de corrente e 15V, garantindo-se, assim, um bom acabamento superficial.

Os ensaios de tração foram efetuados em máquina mecânica, com velocidade constante do travessão de carga, gerando uma taxa de deformação = 4,2 x 10-4/s. Os elementos criogênicos utilizados foram nitrogênio líquido, gelo seco com acetona e gelo com água, obtendo-se, respectivamente, as temperaturas de 77 K, 193 K e 273 K, e mais os ensaios a 300 K.

3. Resultados

As cargas e deslocamentos obtidos da máquina de ensaio de tração foram processados por computador, obtendo-se, então, as curvas de tensão s - deformação e verdadeiras (curvas tensão - elongação), para os aços A e B, nas quatro temperaturas indicadas. Os resultados são apresentados na Figura 1. Nessas curvas, sob o ponto de vista do encruamento, o parâmetro de maior significado é o expoente de encruamento h, que pode ser avaliado a partir do gráfico logarítmico ds/de versus e, da forma como indicado nas Figuras 2 a 6, nas quais percebe-se, facilmente, que os aços examinados podem apresentar até três estágios de encruamento, dependendo da temperatura de ensaio. Conseqüentemente, pode-se avaliar o expoente de encruamento h em cada situação e a respectiva deformação plástica de transição eT entre os estágios. Os resultados são resumidos na Tabela 2.







Para correlacionar o efeito da elongação sobre a transformação de fase (austenita g para martensita a'), tracionaram-se corpos-de-prova até níveis definidos de elongação, nas temperaturas mencionadas. A intensidade da transformação martensítica foi avaliada, indiretamente, pela resposta magnética dos corpos-de-prova à atração de um ímã plano, tendo em vista que a martensita a' é ferromagnética. Os resultados são apresentados nas Figuras 7 e 8.



4. Discussão

O aspecto mais significativo nos resultados são as sensíveis diferenças entre os estágios de encruamento caracterizadas pelos expoentes de encruamento h. O motivo para isto advém dos diferentes micromecanismos associados à deformação plástica.

Através da Tabela 2, observa-se que na temperatura ambiente, ocorreu, apenas, um estágio de encruamento, significando a preponderância de um único mecanismo de deformação plástica, creditado à movimentação e multiplicação de discordâncias na matriz austenítica. A Figura 7 mostra que, nessa temperatura, apesar de reduzida, a força magnética indica a presença de martensita a', porém numa quantidade insuficiente para influenciar no encruamento. A presença de fase ferromagnética evidencia que a temperatura Mddo aço A encontra-se acima da temperatura ambiente.

No ensaio a 273 K notam-se dois estágios de encruamento. Nesse caso, a Figura 7 mostra que a força magnética cresce mais rapidamente com a elongação, mas, na elongação de transição eT(I-II), ela é da mesma ordem de grandeza que a 30% de elongação na temperatura ambiente. Conseqüentemente, o início do segundo estágio de encruamento não se associa, simplesmente, à ocorrência da martensita a', mas, também, com sua taxa de nucleação, a partir de um determinado nível de energia acumulada na rede pelo aumento na densidade de discordâncias, motivada pelo estágio I.

Segundo a Tabela 2, os ensaios a 193 K e 77 K manifestam três estágios de encruamento com as elongações de transição entre os estágios I e II, respectivamente de 10% e 6%. Nesses estágios de encruamento, o inter-relacionamento entre os micromecanismos de deformação plástica não deve ser fundamentalmente diferentes daquele ocorridos nos ensaios a 273 K. Estes são apenas mais intensos e precoces, particularmente a 77 K.

Comparando a Figuras 7 com a Figura 8, observa-se que, ao final da elongação uniforme, a força magnética, nas temperaturas de 193 K e 77 K, é, aproximadamente, duzentas vezes mais intensa do que na temperatura ambiente, demonstrando uma intensa transformação de fase durante a deformação plástica. Na Figura 8, as curvas possuem um formato sigmoidal típico das reações autocatalíticas, que tendem à saturação, em decorrência disto apresentam um ponto de inflexão.

As elongações de transição entre os estágios II e III, nos ensaios a 193 K e 77 K são, respectivamente, 30% e 25%, que correspondem, aproximadamente, à elongação das inflexões nas curvas da Figura 8. Assim sendo, no estágio II de encruamento, os micromecanismos de deformação manifestam-se numa taxa de transformação de fase crescente, ocorrendo o inverso no estágio III, no qual, ao seu término, ou seja, no final da elongação uniforme, observa-se, na curva correspondente a 77 K, que a taxa de transformação é muito reduzida.

A forma e a disposição das curvas na Figura 8, com a força magnética assintoticamente limitada à 21g, indicam que quanto mais baixa a temperatura de ensaio, em menores elongações, manifesta-se a transformação martensítica, mas, ao final do ensaio, ela não aumentará substancialmente com deformações em temperaturas abaixo de 77 K. Apesar do caráter autocatalítico, a transformação não é completa, porque, além de ocorrer conjuntamente com outros micromecanismos de deformação plástica, necessita ser pré-motivada pelas discordâncias na austenita. Esses são aspectos correlacionados à estabilidade da austenita, que depende de vários parâmetros, entre os quais do teor de liga dos aços.

Tendo em vista que todos os elementos de liga contribuem, em maior ou menor intensidade, para estabilizar a austenita, quanto à transformação martensítica, o aço A é mais estável que o aço B, particularmente pelo maior teor de cromo e níquel [Angel, 1954]. Segundo a Tabela 2, a diferença de sensibilidade entre os aços não influencia nas elongações de transição entre os estágios de encruamento, nem na elongação uniforme.

É interessante destacar que a maior elongação ocorre a 273 K, conforme a Figura 9, justamente quando a estricção começa a manifestar-se durante o estágio II de encruamento, numa situação em que a taxa de transformação martensítica é crescente. Assim, fica evidente que esse estágio apresenta a condição mais propícia para retardar a estricção através do fenômeno conhecido como "plasticidade induzida por transformação" [Guimarães, 1972].


É importante esclarecer que os parâmetros so, k e h da equação (1) não possuem uma interpretação física simples [Jaoul, 1957], mas o expoente do encruamento h identifica-se com a variação da taxa de encruamento ds / de. Por exemplo, uma relação linear entre s e e significa uma taxa de encruamento constante, assim h = 1. À medida que aumenta a rapidez de variação de ds / de, h poderá assumir valores gradativamente menores ou maiores que 1, significando relações parabólicas para h > 0 e hiperbólicas para h < 0 [Dubbel, 1979].

A variação da taxa de encruamento relaciona-se ao desenvolvimento microestrutural durante a deformação [Crussard, 1953]. Como regra geral, quando h = 1, a microestrutura evolui uniformemente. Por outro lado, um intenso rearranjo da microestrutura, durante a deformação, resulta valores de h divergentes de 1.

Um aspecto fundamental relativo aos aços inoxidáveis austeníticos deformados à baixa temperatura é a competitividade entre os micromecanismos de deformação plástica, que manifestam-se a partir do escoamento. A Figura 10 apresenta um decréscimo linear da tensão de escoamento desde 77 K até a temperatura ambiente, assim pressupõe-se a atuação de um único micromecanismo termicamente ativado. O deslizamento das discordâncias é o mecanismo que atende esse comportamento. Em vista disso, pode-se admitir, também, que, em todas as temperaturas de ensaio, o estágio I de encruamento inicia-se através da movimentação de discordâncias na matriz austenítica e, muito provavelmente, continua a ser o processo de deformação predominante até a transição para o estágio II. Quanto mais baixa a temperatura, maior a restrição da rede para movimentação das discordâncias, isto justifica os valores decrescentes de hI apresentados na Tabela 2.


A formação da martensita a' é precedida pela energia armazenada na rede cristalina da austenita, em decorrência da multiplicação das discordâncias e, em menor escala, pela deformação elástica acumulada na distorção dos planos cristalográficos, devido ao carregamento externo. Tais deformações elásticas serão, proporcionalmente, mais intensas, quanto menor for a temperatura de deformação [Andrade,1972]. Isto, indiretamente, pode explicar a formação de maclas e martensita e (associadas à baixa energia da falha de empilhamento), precedendo a formação de martensita a' [Kerstenbach, 1976]. Os resultados experimentais presentes não permitem avaliar as reações mencionadas, mas os valores baixos de hI, na temperatura de 77 K, podem estar associados à geração de maclas e fase e, que contribuirão, adicionalmente para nuclear com mais precocidade e intensidade a martensita a' no estágio II.

Conforme mencionado, no estágio II de encruamento, a formação de martensita a' ocorre numa taxa crescente, sendo mais intensa na temperatura de 77 K, quando o expoente de encruamento assume seu maior valor, significando que, nesse estágio, a curva tensão vs elongação tem um comportamento parabólico associado a uma taxa de encruamento com valores rapidamente crescentes, ou seja, a transformação martensítica além de tornar-se o principal micromecanismo de deformação plástica, encrua, substancialmente, o material. Por outro lado, devido ao baixo teor de carbono do aço, a dureza da martensita não é elevada [Vöhringer & Macherauch, 1977], permanecendo uma estrutura tenaz com capacidade plástica.

No terceiro estágio de encruamento, a martensita a' forma-se numa taxa decrescente, tendendo à saturação. Todavia, ao se iniciar esse estágio, conforme Figura 1, ainda persiste a capacidade plástica da liga, comportamento explicado pela possibilidade de deformação plástica da fase martensítica. Nesse caso, os valores negativos do expoente de escoamento, apresentados na Tabela 2, indicam um comportamento hiperbólico, típico de intensos rearranjos microestruturais que tendem à saturação [Jaoul, 1957]. Isto ocorre, não apenas em relação à transformação de fase, mas, também, tanto pela exaustão da capacidade plástica da martensita, quanto a da austenita residual, fenômeno que precede o início da estricção.

No estágio III, os valores dos expoentes de encruamento são similares, independente da temperatura de ensaio e estabilidade do aço. Esse comportamento indica que todos os micromecanismos de deformação plástica evoluem, similarmente, para a exaustão, independente do percentual participativo de cada um no processo.

A natureza da interação dos micromecanismos de deformação plástica, na estrutura metaestável dos aços inoxidáveis austeníticos à baixa temperatura, é complexa e, na realidade, pode depender, também, de parâmetros não pesquisados nesse trabalho, como: tipo de carregamento, taxa de deformação, densidade inicial de discordâncias, energia de falha de empilhamento, textura, tamanho de grão [Nagy et alii, 2004], [Iwamoto, Tsuta, 2000].

5. Conclusão

Dependendo da temperatura de ensaio, os aços inoxidáveis austeníticos do tipo 304 podem apresentar até três estágios de encruamento marcantemente distintos (um estágio a 300 K, dois estágios a 273 K e três estágios a 193 K e 77 K).

Demonstra-se que os estágios de encruamento estão, preponderantemente, associados aos seguintes micromecanismos de deformação plástica:

·Estágio I - movimentação e multiplicação de discordâncias na matriz austenítica.

·Estágio II - transformação martensítica em taxa crescente.

·Estágio III - transformação martensítica em taxa decrescente, tendendo à saturação.

Os valores dos expoentes de encruamento h indicam que os estágios da curva tensão-elongação apresentam as seguintes configurações:

·Estágio I - forma parabólica, com valores de h menores que 1, decrescendo com a diminuição da temperatura.

·Estágio II - forma parabólica, com valores de h maiores que 1, crescente com a diminuição da temperatura.

·Estágio III - forma hiperbólica, com valores de h de mesma ordem de grandeza, independente da temperatura e estabilidade da austenita.

No estágio I, o decréscimo dos valores de h decorre da restrição à movimentação das discordâncias conforme a diminuição da temperatura. Dessa forma, esse comportamento viabiliza, alternativamente, a ocorrência de maclas e a transformação para martensita e, o que conduz aos baixos valores de h a 77 K, até mesmo ligeiramente negativos, quando a austenita do aço é menos estável.

No estágio II, o expoente de encruamento h cresce com a diminuição da temperatura e, também, quando a estabilidade da austenita do aço for menor. A crescente taxa de transformação da martensita é o micromecanismo de deformação plástica mais efetivo para um rápido aumento na taxa de encruamento.

No estágio III, os valores do expoente de encruamento h independem da temperatura e, estabilidade da austenita. Admite-se que os micromecanismos de deformação plástica envolvidos, tais como transformação martensítica e deformação plástica da martensita transformada e da austenita residual, evoluem, similarmente, para a saturação, independente do percentual participativo até o final do estágio, quando se inicia a estricção.

Quando a temperatura de ensaio é mais baixa, a transformação martensítica manifesta-se em menores elongações. Entretanto a quantidade de martensita formada é correlacionada à estabilidade da austenita do aço, sendo que seu teor cresce com a diminuição da temperatura até um percentual limite que não aumentará com a continuidade do resfriamento no ensaio.

Com os resultados experimentais e discussões apresentados no trabalho, demonstra-se o potencial da análise do comportamento mecânico macroscópico dos aços inoxidáveis austeníticos deformados à baixa temperatura por meio dos estágios de encruamento. Desta forma, permite-se discernir a presença dos micromecanismos de deformação plástica e mapear seus campos de ocorrência, em função dos parâmetros do processo de carregamento.

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 30/07/2006 e aprovado em 05/10/2006.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2007

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2006
  • Aceito
    05 Out 2006
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