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"UMA MANEIRA DE PASSARMOS A CONVIVER": DESCRIÇÃO DE UM XITIKI FAMILIAR NA CIDADE DE MAPUTO, MOÇAMBIQUE (2013-2015)* * Este artigo é parte das reflexões desenvolvidas na minha dissertação de mestrado, intitulada "Xitiki é compromisso": os sentidos de uma prática de sociabilidade na cidade de Maputo, Moçambique, de fendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas, em 2015, sob a orientação da professora doutora Guita Grin Debert.

"A WAY FOR US TO START SPENDING TIME TOGETHER": DESCRIPTION OF A FAMILY XITIKI IN THE CITY OF MAPUTO, MOZAMBIQUE

Resumo

Neste artigo, apresento o xitiki, conhecido como uma prática endógena de poupança e crédito rotativo bastante comum na cidade de Maputo, Moçambique. De maneira a mostrar que esta é uma prática que vai além da sua característica econômica - bastante enfatizada em grande parte dos estudos existentes - descrevo de forma pormenorizada os encontros de um xitiki familiar, evidenciando os diferentes significados que as pessoas atribuem à prática e mostrando também como ele pode ser percebido como um meio de sociabilidade, em que é partilhada uma série de elementos que conectam os participantes uns aos outros, nomeadamente o dinheiro, os afetos, a comida, as relações de vizinhança, informações diversas, conselhos e desabafos.

Palavras-chave:
Xitiki; poupança e crédito rotativo; convívio; sociabilidade; família

Abstract

In this paper, I present the xitiki, known as an endogenous practice of savings and rotating credit found in the city of Maputo, Mozambique. In order to show that this is a practice that goes beyond its economic characteristic - much emphasized in a large part of the existing studies - I describe in detail the meetings of a family xitiki, showing the different meanings that people attribute to the practice and also showing how it can be perceived as a means of sociability, where a series of elements that are shared connect participants to one another, namely money, affections, food, neighborhood relations, miscellaneous information, advice and venting.

Keywords:
Xitiki; savings and rotating credit; reunions; sociability; family

Introdução

Estás a estudar xitiki? Ah, eu conheço uma senhora com quem podes falar, ela sabe tudo de xitiki.

Esta foi, com certeza, a frase que mais ouvi durante o trabalho de campo que realizei na cidade de Maputo em 2013 para a realização da dissertação de mestrado. As pessoas com quem conversei achavam curioso que eu estivesse interessada em estudar o xitiki e, principalmente, em participar nos convívios de grupos de xitiki familiar. A verdade é que não foi difícil encontrar com quem falar, pois há sempre pessoas à nossa volta, amigas, conhecidas, ou amigas de amigas, empregadas domésticas pessoais e de amigas, majoritariamente mulheres, que participam em algum grupo.

Logo percebi que esta prática faz parte do dia a dia das pessoas em Maputo. Por onde quer que circulemos na nossa rotina diária, dos mercados às casas das pessoas, passando pelas repartições públicas, empresas privadas, associações e organizações não governamentais, escolas e feiras de artesanato, facilmente encontramos pelo menos uma pessoa que faz parte de algum grupo ou que conhece alguém que faz xitiki.

Ao longo de cinco meses, participei nos encontros mensais de xitiki de duas famílias e conheci, convivi e entrevistei vinte e quatro mulheres que participam em vários tipos de xitiki ao mesmo tempo. Apesar de, como disse acima, ter sido fácil encontrar pessoas com quem conversar sobre os seus xitikis, o mesmo não aconteceu em relação aos grupos familiares. Por serem grupos privados, não aceitam que qualquer pessoa, sem nenhum tipo de vínculo, entre. Tive, então, que recorrer a pessoas conhecidas, como descrevo mais abaixo. A minha maior preocupação não foi coletar muitas experiências e histórias, mas, sim, adotar como critérios de escolha perfis socioeconômicos distintos e experiências de xitiki diversas. Deste modo, alarguei o meu campo - que eram os xitikis familiares - de modo a observar a prática noutros espaços para além das casas.

Partindo, assim, da minha circulação por estes diferentes espaços e do contato sobretudo com, mas não exclusivamente, mulheres, apresento neste artigo o xitiki, conhecido como uma prática endógena de poupança e crédito rotativo bastante comum na cidade de Maputo. De maneira a mostrar que esta é uma prática que vai além da sua característica econômica - bastante enfatizada em grande parte dos estudos existentes - descrevo de forma pormenorizada os encontros de xitiki familiar de uma das famílias que acompanhei, evidenciando os diferentes significados que as pessoas lhe atribuem e mostrando também como ele pode ser percebido como um meio de sociabilidade.

A prática do xitiki: uma breve contextualização

Chamadas na literatura internacional de Rotating Savings and Credit Associations (Roscas) ou associações de poupança e crédito rotativo, práticas como a do xitiki existem um pouco por todo o mundo, 1 1 China (hui), Japão (ko), Vietname (ho), Camarões (djanggis), Nigéria (esusu), Cambodja e África Central (tontine), Coreia (wichin gye), República Democrática do Congo (likelembas), Guiné-Bissau (abota), Angola (kixikila), México (tandas), entre tantos outros. Para uma lista mais completa dos diferentes nomes dados às Rosca acessar http://www.gdrc.org/icm/rosca/rosca-names.html. em especial em países africanos e asiáticos. Apresentam variações no que diz respeito à sua designação, têm especificidades e variantes locais, mas possuem em comum as características gerais do seu funcionamento. Este tipo de associação é formado a partir de um núcleo de participantes que fazem contribuições monetárias regulares para um fundo que é dado, no seu todo ou em parte, a cada contribuinte à vez (ARDENER, 1995ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds: the importance of rotating savings and credit associations for women. Oxford: Berg Publications Limited, 1995. 320 p.). 2 2 ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds: the importance of rotating savings and credit associations for women. Oxford: Berg Publications Limited, 1995. 320 p. Esta definição permite a inclusão de uma ampla variedade de grupos, alguns com estruturas bastante complexas. Exclui, no entanto, instituições de poupança e crédito que não incorporam o princípio da rotação e que incluem juros (ARDENER, 1995). 3 3 As Ascas (Accumulating Savings and Credit Associations) constituem também grupos informais de microfinanças temporalmente limitadas. No entanto, e contrariamente às Roscas, existe um membro responsável por gerir um fundo comum, anotar todos os registos e emprestar o dinheiro aos outros membros. Depois de um período pré-acordado (normalmente de seis a 12 meses), todos os empréstimos têm que ser pagos e o fundo, juntamente com o lucro acumulado, é distribuído pelos membros. RUTHERFORD, Stuart. The poor & their money: an essay about financial services for poor people. Delhi: Oxford University Press, 2000. 65 p. , 4 4 ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds..., op. cit., 1995.

Aspectos como o respeito, as obrigações, o compromisso e a solidariedade estão na base deste tipo de práticas. Foi nos trabalhos de Durkheim, em especial na teoria das trocas, que se originou nas ciências sociais a reflexão sobre reciprocidade que, juntamente com a dádiva, são noções a partir das quais se pode compreender a constituição das relações sociais baseadas em significado (RADOMSKY, 2006RADOMSKY, Guilherme F. W. As redes sociais da economia local: um estudo de caso na serra gaúcha. Perspectiva Econômica, vol. 2, n. 2, jul./dez. 2006, p. 75-107. , p. 78). 5 5 RADOMSKY, Guilherme F. W. As redes sociais da economia local: um estudo de caso na Serra Gaúcha. Perspectiva Econômica, vol. 2, n. 2, jul./dez. 2006, p. 75-107, p. 78. A teoria da troca social de Durkheim - e dos autores que se seguiram - incidia fortemente na natureza moral dos atos coletivos, na capacidade de estruturação da ordem social e na geração de formas de solidariedade que dela derivariam.

Foi Mauss (2003)MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. In: Idem. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naif, 2003., 6 6 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. In: Idem. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naif, 2003. no entanto, quem observou que na troca há sempre três momentos que se revertem no princípio da ação recíproca - dar, receber, retribuir. O autor diferencia a dádiva-troca - presentes, bens e símbolos - da troca mercantil, na medida em que associa uma moral, um valor ético, à transação econômica (RADOMSKY, 2006RADOMSKY, Guilherme F. W. As redes sociais da economia local: um estudo de caso na serra gaúcha. Perspectiva Econômica, vol. 2, n. 2, jul./dez. 2006, p. 75-107. , p. 79). 7 7 RADOMSKY, Guilherme F. W. As redes sociais da economia local... op. cit., 2006, p. 79. Neste sentido, para Mauss as dádivas voltam sempre e a devolução das dádivas é explicada pela força presente na coisa dada, pelo laço espiritual, não existindo assim apenas uma razão material que evoque a necessidade das trocas. A troca, para o autor, não inclui só presentes ou produtos, mas também visitas, festas, comunhões, heranças, ou seja, um sem número de prestações. Desse modo, ela carrega a potencialidade da sociabilidade humana sobre a qual se fundam a solidariedade, a integração social e as obrigações mútuas. É pela dádiva, então, que as redes se criam e pela renovação das dádivas que a confiança se mantém (RADOMSKY, 2006, p. 79). 8 8 Ibidem, p. 79. Vale lembrar, no entanto, que, na introdução à obra de Mauss Sociologia e antropologia, Lévi-Strauss (2003) 9 9 LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução à obra de Marcel Mauss. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 11-46. argumenta que não é por trocarmos as coisas que damos sentido a elas, mas porque damos sentido às coisas é que as trocamos. Neste sentido, o dar-receber-retribuir não é impulsionado pelo significado inerente à coisa dada, como Mauss argumenta, mas é a própria maneira como as coisas são definidas, delimitadas, postas que faz com que elas sejam percebidas enquanto passíveis de serem trocadas.

Segundo Taniguti (2012)TANIGUTI, Gustavo T. Crédito entre imigrantes: experiências de tanomoshi-ko no bairro da Liberdade, São Paulo. The Annual Report: The Study of Nonwritten Cultural Materials, n. 8, Kanagawa University, mar. 2012, p. 53-79., 10 10 TANIGUTI, Gustavo T. Crédito entre imigrantes: experiências de tanomoshi-ko no bairro da Liberdade, São Paulo. The Annual Report: The Study of Nonwritten Cultural Materials, n. 8, Kanagawa University, mar. 2012, p. 53-79. é possível encontrar, nas décadas de 1920 e de 1930, algumas descrições semelhantes às Roscas em registos etnográficos sobre vilas camponesas asiáticas. No entanto, é somente a partir da década de 1950 que começam a surgir entre os antropólogos pesquisas totalmente dedicadas ao tema e inseridas em debates acadêmicos mais amplos. Ainda segundo o autor, foi a partir dessa época que cresceu o interesse sobre as Roscas entre cientistas sociais. Uma das características principais das pesquisas seguintes foi a ampliação dos estudos de caso, com a descrição detalhada de experiências ao redor do mundo, principalmente em países asiáticos e africanos. Contudo, por serem pesquisas efetuadas, na sua maioria, em contextos rurais, as Roscas eram vistas como práticas exóticas, específicas de determinados contextos culturais afastados dos grandes centros urbanos. Só mais tarde, com a divulgação de outras pesquisas, é que este caráter exótico foi sendo posto de lado, com a constatação de que também em contextos urbanos se encontravam essas práticas, além do fato de elas existirem em todo o mundo.

De acordo com Ardener (1995)ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds: the importance of rotating savings and credit associations for women. Oxford: Berg Publications Limited, 1995. 320 p., 11 11 ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds..., op. cit., 1995. enquanto em alguns lugares as Roscas podem ter se tornado menos importantes em relação a outras instituições de crédito, em outros, elas espalharam-se e germinaram de forma vigorosa. Assim aconteceu em contextos em que outros sistemas de crédito falharam, devido à incapacidade ou falta de vontade dos credores para cumprir as suas obrigações. Ainda segundo a autora, é tentador dizer que é em contextos cujo clima econômico é regularmente severo que as Roscas se tornam particularmente necessárias. Onde os rendimentos são baixos, onde não existe uma rede de segurança social formal, onde a saúde é precária e uma variedade de calamidades pairam no ar, um sistema de baixo custo como as Roscas ajuda a enfrentar os desafios para todos, especialmente para os mais empobrecidos.

Mas se as Roscas são populares entre os pobres e em condições econômicas instáveis, elas também prosperam em alguns estratos econômicos mais altos. O mesmo se pode dizer em relação à prática do xitiki. Apesar de ter as suas origens no meio rural e estar associado a pessoas com baixo poder aquisitivo que, individualmente, não conseguem arcar com certas despesas - tendo por isso que se juntar e apoiar mutuamente -, hoje em dia o panorama é diferente. A prática do xitiki continua presente na vida das pessoas, não só das zonas rurais, mas também de centros urbanos, como é o caso da cidade de Maputo. Para além disso, não são só as pessoas com baixo poder aquisitivo que recorrem a esta prática. Uma parte das pessoas que participa em grupos tem um salário fixo, acesso ao banco e a empréstimos e não deixam por isso de fazer xitiki. A existência cada vez maior de instituições financeiras não substituiu a prática do xitiki. 12 12 É preciso acrescentar que, à exceção de Maputo e algumas outras cidades, grande parte dos moçambicanos não tem acesso às instituições bancárias por diversas razões: as instituições estão longe dos seus locais de residência, as pessoas não possuem documentos de identificação, entre outros aspectos. Como bem apontou Ardener (1995)ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds: the importance of rotating savings and credit associations for women. Oxford: Berg Publications Limited, 1995. 320 p., 13 13 ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds..., op. cit., 1995. a familiaridade com o sistema bancário não impede o uso dos bancos por membros de Roscas, muito pelo contrário, um complementa o outro, podendo estes pagar as suas contribuições em cheque ou transferência bancária 14 14 O que acontece já com bastante frequência em Maputo, principalmente em grupos de xitiki compostos por colegas de trabalho. e, caso não tenham planos imediatos para o dinheiro que recebem, depositam-no no banco. A autora refere ainda que, não só as Roscas floresceram hoje em dia, como também proporcionaram o surgimento de novas formas de gestão financeira, como aconteceu na Índia com o estabelecimento de uniões de crédito e o Grameen Bank, e no Gana, com o surgimento dos bancos itinerários nos mercados.

Em relação aos estudos sobre a prática do xitiki no contexto moçambicano, pode-se afirmar que eles são relativamente recentes, de inícios da década de 1990. As primeiras referências surgiram em trabalhos relacionados ao microcrédito, em que o xitiki era referido como uma prática informal de poupança, dentre outras existentes no país. Teresa Cunha (2011)CUNHA, Teresa. A arte de xiticar num mundo de circunstâncias não ideais. Feminismo e descolonização das teorias econômicas e contemporâneas. In: CUNHA, Teresa et al. (org.) Ensaios pela democracia. Justiça dignidade e bem-viver. Porto: Afrontamento, 2011. 15 15 CUNHA, Teresa. A arte de xiticar num mundo de circunstâncias não ideais. Feminismo e descolonização das teorias econômicas e contemporâneas. In: CUNHA, Teresa et al. (org.). Ensaios pela democracia. Justiça dignidade e bem-viver. Porto: Afrontamento, 2011. argumenta, a este propósito, como o xitiki tem sido analisado fundamentalmente como uma prática comum de poupança e crédito rotativo entre um grupo restrito de pessoas, sobretudo mulheres. Esta definição, apesar de correta, parece simplista e insuficiente, já que "a pragmática do xitiki mostrava sem muita dificuldade uma ética e até uma estética de relações sociais complexas e ricas em variações, detalhes, significados e códigos de conduta" (CUNHA, 2011CUNHA, Teresa. A arte de xiticar num mundo de circunstâncias não ideais. Feminismo e descolonização das teorias econômicas e contemporâneas. In: CUNHA, Teresa et al. (org.) Ensaios pela democracia. Justiça dignidade e bem-viver. Porto: Afrontamento, 2011., p. 83). 16 16 Ibidem, p. 83.

Para a autora, que tem se especializado nos estudos sobre economias feministas não capitalistas, é central na análise do xitiki o fato deste ser uma prática que vai além de uma "estratégia de sobrevivência" das pessoas empobrecidas, apresentando "objetivos extraeconômicos e contribui(r) para a coesão social, controlo dos recursos existentes, identidade e afirmação" (CUNHA, 2011CUNHA, Teresa. A arte de xiticar num mundo de circunstâncias não ideais. Feminismo e descolonização das teorias econômicas e contemporâneas. In: CUNHA, Teresa et al. (org.) Ensaios pela democracia. Justiça dignidade e bem-viver. Porto: Afrontamento, 2011., p. 81). 17 17 Ibidem, p. 81.

Ana Loforte (s/d), 18 18 LOFORTE, Ana. A produção de identidades étnicas em meio urbano. S/d. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7045.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2015. por outro lado, insere o xitiki nas chamadas "estratégias de sobrevivência" ao dizer que "As estratégias econômicas, sociais e de poder utilizam as redes de parentesco, de vizinhança e associações, com vista a otimizar hipóteses alternativas de sobrevivência e de reprodução destas unidades sociais" (LOFORTE, s/d, p. 283). 19 19 Ibidem, p. 283. Ou seja, a circulação de pessoas, de bens e de ajuda entre as unidades domésticas aliadas e vizinhas, continua a autora, produz um equilíbrio entre as desigualdades criadas pelas aleatórias condições econômicas (LOFORTE, s/d, p. 283). 20 20 Ibidem.

Assim como Loforte, também Margareta Espling (1999)ESPLING, Margareta. Women´s livelihood strategies in processes of change: cases from urban Mozambique. Tese de doutorado, Department of Human and Economic Geography, School of Economics and Commercial Law, University of Goteborg, 1999. 271 p. 21 21 ESPLING, Margareta. Women´s livelihood strategies in processes of change: cases from urban Mozambique. Tese de doutorado, Department of Human and Economic Geography, School of Economics and Commercial Law, University of Goteborg, 1999. 271 p. identifica a prática do xitiki como uma "estratégia de sobrevivência". Na sua tese de doutorado intitulada Women's livelihood strategies in processes of change: cases from urban Mozambique, Espling analisou os modos pelos quais pessoas com recursos limitados, especialmente mulheres, sustentavam a elas e ao seu agregado familiar 22 22 Em Moçambique, o conceito de agregado familiar refere-se às pessoas que vivem na mesma casa e que possuem alguma relação de parentesco. em contexto urbano, 23 23 A pesquisa foi feita em três comunidades urbanas de Moçambique (no sul, centro e norte do país). indicando que suas "estratégias de sobrevivência" foram mudando no interior das comunidades locais. Espling argumenta ainda que, em contextos urbanos, 24 24 Sobre o envolvimento das mulheres na vida urbana em Moçambique ou ainda como as contribuições e atividades das mulheres moldaram espacial e socialmente as cidades moçambicanas ver SHELDON, Kathleen. Markets and gardens: placing women in the history of urban Mozambique. In: Canadian Journal of African Studies, vol. 37, n. 2/3, 2003, p. 358-395. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/261664782_Markets_and_Gardens_Placing_Women_in_the_History_of_Urban_Mozambique. Acesso em: 10 abr. 2018. as mulheres moçambicanas recorrem frequentemente a atividades geradoras de rendimento no chamado setor informal, que podem ser executadas tanto nas suas casas 25 25 Estas atividades podem incluir, entre outras, a venda de produtos à porta de casa, a transformação de um cômodo da casa em salão de beleza, costura de roupa, confecção de comidas e bolos para vender etc. como no seio da comunidade onde residem. Além disso, elas ainda se envolvem em trabalhos comunitários que se configuram como uma extensão das suas atividades reprodutivas. Ou seja, as responsabilidades das mulheres para com a reprodução e manutenção da família fazem com que elas tenham que atender às suas necessidades de maneiras diversas, seja esticando o salário dos maridos ou ganhando elas mesmas uma renda, produzindo alimentos para vender ou iniciando pequenos negócios. São elas que têm que lidar e criar "estratégias de sobrevivência" quando a renda familiar cai e os preços sobem. 26 26 Sobre a importância do trabalho das mulheres durante e após o colonialismo português ver MAGALHÃES, Juliana de Paiva. Trajetórias e resistências de mulheres sob o colonialismo português (sul de Moçambique, XX). Tese de doutorado, FFLCH, USP, 2016 e ZAMPARONI, Valdemir. De escravo a cozinheiro: colonialismo & racismo em Moçambique. Salvador: Edufba, Ceao, 2007.

Contudo, a pesquisa de Espling evidenciou que também as que trabalham no setor formal (professoras, administradoras, trabalhadoras da saúde etc.) recorrem a atividades informais adicionais e que as suas "estratégias de sobrevivência" dependem frequentemente da construção de redes de reciprocidade no seio da comunidade onde estão inseridas. Entre as principais redes apontadas pela autora, que incluem a família em primeiro lugar, depois a comunidade religiosa, os vizinhos e amigos e as organizações formais locais, está o xitiki.

As visões contrastantes de Cunha, de um lado, e de Loforte e Espling, de outro, podem ser melhor compreendidas a partir da problematização que Cláudia Fonseca (2000)FONSECA, Cláudia. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2ª edição. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2000. 245 p. faz do conceito de "estratégia de sobrevivência". Em Família, fofoca e honra, 27 27 FONSECA, Cláudia. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2ª edição. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2000. 245 p. Fonseca conta que, na década de 1970, na tentativa de evitar conotações pejorativas, surgiram estudos que catalogavam as "práticas particulares de populações pobres" como "estratégias de sobrevivência", ou seja, como respostas por "adaptação às condições de extrema pobreza" (FONSECA, 2000FONSECA, Cláudia. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2ª edição. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2000. 245 p., p. 31). 28 28 Ibidem, p. 31. No entanto, adverte Fonseca, o uso desta noção leva a um funcionalismo simplista que reduz o comportamento dos "pobres" a uma dimensão utilitarista. Neste sentido, a autora afirma ser interessante lembrar que certas práticas observadas em populações "carentes" e explicadas como "estratégias de sobrevivência" são também características das camadas mais altas do que ela chama de Primeiro Mundo. Torna-se evidente, assim, conclui a autora, "que não há um só contexto de pobreza. Há maneiras e maneiras de 'sobreviver'" (FONSECA, 2000FONSECA, Cláudia. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2ª edição. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2000. 245 p., p. 32). 29 29 Ibidem, p. 32. Neste sentido, a ênfase que tem sido dada aos aspectos econômicos do xitiki enfraquece e limita a compreensão que se tem sobre o tema, uma vez que se trata de uma prática cujo objetivo ultrapassa a simples sobrevivência e que se encontra um pouco por todas as camadas socioeconômicas.

A prática do xitiki

Existem em todo o país vários tipos de práticas de solidariedade, ajuda mútua e associações de poupança e crédito rotativo, sendo algumas mais comuns no sul, outras no norte, umas no meio rural e outras no meio urbano. De maneira geral, as atividades mais conhecidas são a kurhimela/xitoco e tsima/ntimo, que se fundam em atividades relacionadas com o trabalho agrícola, baseadas na amizade e convivência comunitária e cujas contribuições podem ser tanto em numerário quanto em espécie, refeições conjuntas acompanhadas de bebidas alcoólicas ou somente bebidas alcoólicas; matsoni/xivunga, que consiste em práticas tradicionais que se baseiam na troca de mão-de-obra por mão-de-obra; thôthôtho, kuthekela e ganho-ganho, baseadas em troca de mão-de-obra por alimentos ou dinheiro; e kuvekhelissa e ovaliha, atividades em que um indivíduo ou agregado familiar entrega os seus animais domésticos à guarda de outra família que não tenha tais animais e pretende iniciar a atividade de criação, sendo a recompensa o recebimento de parte dos animais procriados durante o período em que esta relação decorrer (NHATSAVE, 2011NHATSAVE, Noémia. Mecanismos informais de proteção social em Moçambique: o caso do xitique. Trabalho de conclusão de curso de licenciatura em Economia, Faculdade de Economia, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2011. 41 p.). 30 30 NHATSAVE, Noémia. Mecanismos informais de proteção social em Moçambique: o caso do xitique. Trabalho de conclusão de curso de licenciatura em Economia, Faculdade de Economia, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2011. 41 p.

Estas práticas variam em termos de objetivos, durabilidade e estabilidade, têm designações distintas, mas apresentam muitas similitudes. É de se destacar que, no período anterior à independência (antes de 1975), nas zonas menos urbanizadas, eram mais praticadas as atividades relacionadas com os trabalhos agrícolas, especialmente as baseadas no trabalho coletivo não remunerado e na amizade ou convivência comunitária. Na cidade de Maputo, havia uma proeminência de atividades caracterizadas pelo trabalho remunerado e outros esquemas de poupança e crédito. No período pós-independência e anterior às grandes mudanças políticas e econômicas ocorridas no país (1975-1986), constata-se que, apesar de uma ligeira tendência de crescimento na realização de práticas alternativas, não se registaram grandes alterações em termos dos tipos de atividades preferidas (DAVA, LOW e MATUSSE, 1996-1997). 31 31 DAVA, Gabriel; LOW, Jan; MATUSSE, Cristina. Mecanismos de ajuda mútua e redes informais de proteção social: estudo de caso das províncias de Gaza e Nampula e a cidade de Maputo. In: Pobreza e bem-estar em Moçambique: 1996-1997, p. 316-370. Disponível em: <http://www.ifpri.org/sites/default/files/pubs/portug/pubs/books/ch6.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012.

Sobre as origens do xitiki - das quais não foi possível recolher muita informação - sabe-se que este, assim como outros tipos de Roscas existentes em Moçambique, já era praticado antes da independência, 32 32 José Feliciano refere, na sua tese de doutorado, que a tsima, uma forma individual e coletiva de ajuda mútua, era praticada nos anos 50 no sul de Moçambique. Cf. FELICIANO, José. Antropologia econômica dos Thonga do sul de Moçambique. Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique (AHM), 1998. 474 p. principalmente nas zonas rurais. Apesar de não saberem explicar como surgiu o xitiki, grande parte das interlocutoras - todas com mais de 30 anos - enfatizou o fato de que as suas mães e avós faziam também xitiki e que os grupos eram menores, assim como as quantias investidas, mas funcionavam de maneira muito semelhante ao que se faz atualmente.

Ainda que possamos identificar no xitiki uma caracterização geral, que é mais enfatizada e recorrente na bibliografia existente, este se apresenta de variadas formas e tipos, cada uma contendo especificidades, mas partilhando entre si características comuns.

Partindo de um grupo de pessoas que contribuem monetariamente para que cada um receba, de forma rotativa, o conjunto das contribuições, defino o xitiki a partir de duas características que considero principais, nomeadamente a destinação dada ao dinheiro acumulado e a composição dos grupos. Estas características permitem fazer uma tipificação ideal das práticas do xitiki no sentido weberiano 33 33 De acordo com Weber, para que o pesquisador possa analisar uma dada situação social (o seu objeto de estudo), é necessário criar um "tipo ideal", ou seja, uma construção mental que enfatiza certos aspectos do objeto que deseja estudar. Por serem fruto de uma seleção de aspectos específicos de um fenômeno, estes tipos são "ideais", ou seja, não reproduzem a realidade tal como ela é em si mesma. Cf. WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (org.). FERNANDES, Florestan (coord.). Weber - Sociologia. São Paulo: Ática, 1999, p. 79-127. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13) do conceito.

Em relação à primeira característica, existem dois tipos de grupos de xitiki: os que estabelecem previamente regras de utilização do dinheiro, como, por exemplo, os xitikis de capulana, 34 34 Tecido de algodão, fibra sintética ou seda, geralmente estampado e colorido, que as mulheres usam para vários fins, mas principalmente amarrado à cintura, na cabeça ou para carregar os filhos nas costas, ato conhecido como nenecar ou fazer neneca. louça, material de construção ou ainda para abertura de um fundo comum 35 35 Este fundo comum, mais encontrado em grupos familiares, é normalmente usado para emergências, contratempos ou infelicidades, como doenças ou mortes (despesas com o funeral). No entanto, são também usados em comemorações como casamentos. - não podendo as pessoas dar-lhe outro destino que não o previamente estabelecido - e aqueles nos quais cada participante investe o dinheiro em planos pensados individualmente. Em relação à segunda característica, pude observar que os diferentes grupos de xitiki são nomeados consoante a sua composição. Deste modo, existe o xitiki familiar, composto por membros de uma mesma família, o xitiki de serviço, composto por colegas de trabalho e o xitiki de amigos que, como o próprio nome diz, é composto por amigos.

É importante destacar, no entanto, que estas características não são rígidas. Existe na prática do xitiki uma flexibilidade e uma plasticidade que contribuem para a sua complexidade e múltiplos sentidos. Essa flexibilidade e essa plasticidade são vistas nos rearranjos que vão sendo feitos pelos grupos e que vão moldando a prática para seu benefício. Por exemplo, há grupos de xitiki familiar compostos, para além dos parentes, por amigos e vizinhos, da mesma maneira que há grupos de xitiki de serviço que contam com a participação de um ou mais membros de fora do ambiente de trabalho. Assim como há também xitikis de louças que - após todas as participantes terem já atulhado o armário de peças de todo o tipo, utilidade e tamanho - continuam a existir, sendo o dinheiro usado para outras coisas, como, por exemplo, roupa ou compra de ingredientes para fazer bolos e vender. A rotação dos membros do grupo, decidida normalmente no início de um ciclo, pode também ser alterada sempre que haja necessidade. Tal é o caso, bastante comum, de um participante que pede para antecipar a sua vez por vários motivos, trocando com outro que esteja prestes a receber o dinheiro.

Os convívios são características comuns aos vários tipos de xitiki existentes. No entanto, cada encontro apresenta as suas especificidades como, por exemplo, o lugar onde acontece (pode ser sempre na mesma casa, ir rodando de casa em casa ou ainda ser num local alugado para o efeito), o horário (pode ser um lanche, almoço ou jantar), os rituais envolvidos (cânticos, músicas, a capulana usada para embrulhar o dinheiro que é entregue, o prato de sal para afastar os invejosos, entre outros), a dimensão (tanto pode ser um rápido lanche a meio da tarde como uma festa que dura o dia inteiro, regada a muita bebida e comida), a presença ou não de convidados, entre outros.

Para além das características descritas, é importante mencionar que a decisão de entrar ou não num grupo de xitiki é bastante influenciada por pessoas próximas e experientes, nomeadamente familiares, amigos ou colegas de trabalho e surge, muitas vezes, depois de se ter sido convidado a participar no convívio de algum grupo e se identificar com o seu funcionamento. Para além disso, quem faz xitiki participa, normalmente, em mais de um grupo, sendo o de tipo familiar quase sempre um deles.

Um dos argumentos mais frequentes que as pessoas usam em relação às motivações que as levaram a aderir à prática é o econômico. No entanto, apesar do dinheiro aparecer como a resposta mais fácil, mais aceitável e mais automática que as pessoas dão, ela oculta outras razões, de natureza mais pessoal e privada, como a ajuda a familiares, a busca por independência pessoal e econômica, por individualidade e por prazeres. Assim, pode haver uma razão inicial, como a necessidade de poupar, mas logo surgem outras que levam as pessoas a fazer xitiki. A concretização de planos que, individualmente, seriam mais difíceis e demorados de realizar é uma das razões. Tal dificuldade advém da incapacidade de conseguirem poupar por conta própria, guardando consigo ou depositando um valor numa conta poupança, pois há sempre a possibilidade de tirar esse dinheiro quando surgem despesas extras. O que não acontece no caso do xitiki, uma vez que o dinheiro é entregue a outra pessoa e não pode ser pedido de volta, é necessário esperar a sua vez de receber. Esta é, aliás, uma das principais vantagens do xitiki em relação ao sistema bancário e que é apontada pelas suas praticantes. Somado a isso, e tendo em conta que, apesar de ter aumentado o número de agências bancárias em todo o país 36 36 Para mais informações a este respeito acessar http://www.portaldogoverno.gov.mz/noticias/news_folder_econom_neg/dezembro-de-2014/total-de-578-agencias-bancarias-operam-em-mocambique. estas não serem acessíveis à maioria da população e exigirem uma série de documentações e garantias que a maior parte das pessoas não possuem, existe ainda uma certa desconfiança em relação aos bancos, o que faz com que as pessoas prefiram fazer poupanças em grupo. Para além de ser mais fácil poupar com o xitiki, a relação que se cria é com um grupo de pessoas e não com uma instituição que sufoca e tem juros. No xitiki, cada um contribui para o outro, se ajuda, a relação é mais flexível e não há cobrança de taxas ou juros. Desse modo, os bancos são bons para guardar dinheiro, mas não para pedir crédito. Para além disso, a prática em grupo ajuda a conter os gastos exagerados.

O mês em que recebem o dinheiro do xitiki é sempre pensado com antecedência e depende dos planos que foram feitos. Esses planos envolvem, sobretudo, mas não só, compras ligadas à casa, como eletrodomésticos e mobília (geladeiras, móveis, louça etc.), compra de terrenos e construção ou melhoria/reabilitação das casas.

Um dos tipos de xitiki que mais condensa, na sua estrutura, as características acima descritas, nomeadamente a plasticidade e a flexibilidade, é o xitiki familiar. Para além disso, a sua descrição possibilita perscrutar outros e múltiplos sentidos atribuídos a esta prática, para além do econômico. Neste sentido, descrevo a seguir os encontros de um dos grupos de xitiki familiar que pude acompanhar durante a elaboração da pesquisa de campo que realizei para o mestrado.

Os xitikis familiares

Prima nova, tu que já fazes parte do grupo, fecha lá para mim.

Encontrava-me no meu primeiro encontro de xitiki e a Iva, que estava sentada ao meu lado e que eu conhecera nesse dia, pediu-me que lhe subisse o zíper da blusa que experimentava. Uma das senhoras mais velhas do grupo, Gigi, tinha começado há pouco a venda de roupa em segunda mão que provocou uma divertida confusão. Começou por tirar peça por peça do fardo que trouxera para mostrar à sua plateia, e as senhoras estavam agora a escolher e experimentar roupa, umas ali no quintal e outras dentro de casa.

Quem me levou a esse encontro foi Fauzira, mãe de uma das melhores amigas de infância da minha irmã, que eu não via há imenso tempo. Quando iniciei a pesquisa sobre xitiki, cedo percebi que seria mais fácil chegar até às famílias através de pessoas conhecidas. Isto porque os grupos de xitiki, nas suas diferentes constituições, são grupos reservados, de caráter mais íntimo e só é possível ter acesso a eles através de alguém de dentro, que faça parte do grupo. Havia já tentado estabelecer contato com outros grupos, mas este foi o primeiro que aceitou me receber, através de Fauzira.

Combinei de me encontrar com Fauzira na entrada da rua onde seria o xitiki, num sábado às 14h. O trajeto da minha casa até o local não durou mais que 10 minutos, o que me fez chegar um pouco antes. Aquele caminho lembrou-me a minha infância e adolescência, época em que o fazia todos os dias no carro da escola que ficava muito perto do local do encontro. À medida que seguia no carro, a paisagem ia mudando. Ruas residenciais, com muitas casas grandes, prédios de não mais que dez andares, pouquíssimo comércio, algumas escolas e creches, passeios arborizados e pouco trânsito - onde vivo - iam dando lugar a uma avenida larga, conhecida como a das embaixadas, com uma grande rotatória no final, de onde se vai para o aeroporto e que dá para uma das principais e mais movimentadas avenidas da cidade. Nessa grande avenida, com alguns prédios mais altos, viam-se vários homens vendendo fruta nos passeios, assim como uniformes para empregadas domésticas - pendurados nas árvores para melhor visualização dos transeuntes -, sapateiros fazendo o seu trabalho sentados no passeio, debaixo de árvores frondosas, e uma ou outra pequena barraca vendendo produtos básicos de mercearia. Contornando a rotunda, entrei numa avenida menor, com muito trânsito e comércio também, que vai dar a um grande mercado, o do Compone, e de lá virei logo à esquerda, entrando numa estrada de terra batida, por onde tantas vezes andei. Estacionei o carro à sombra, em frente a uma rua também de terra batida, onde se encontrava a casa onde seria o encontro e fiquei à espera que Fauzira chegasse.

Estava um pouco apreensiva. Era a primeira vez que participava de um encontro de xitiki e, além de Fauzira, não conhecia mais ninguém. Ela chegou cerca de dez minutos depois de mim, de chapa37 37 O termo "chapa" refere-se a um mini-ônibus ou van, meio de transporte mais comum em Moçambique, com capacidade para 15 lugares, mas que leva, normalmente, muito mais pessoas e é de propriedade privada. e, após nos cumprimentarmos e trocarmos algumas palavras sobre o calor, fomos andando a pé pela estrada de terra. Estávamos no bairro da Maxaquene, na área suburbana da cidade. Caminhamos pela estrada larga de terra batida e dali entramos numa rua mais estreita, com várias casas à volta e algumas oficinas mecânicas. As casas por que passávamos eram todas coladas umas nas outras, por entre ruas e becos estreitos, a maioria de cimento, de um piso só, teto baixo e maioritariamente retangulares, tendo algumas telhado e portões feitos de zinco. Havia algumas crianças a brincar e mulheres sentadas à porta das casas.

Não demoramos muito a chegar à casa de d. Fatú, que ficava a menos de dois minutos da rua principal. Pedimos licença para entrar e logo ela apareceu à porta, convidando-nos a sentar. A entrada, que percebi ser da parte de trás da casa, dava para a cozinha, onde ela estava a fritar bolinhos. Era um espaço pequeno, com uma mesa e cadeiras no meio, uma televisão no alto da geladeira, ligada num canal brasileiro e com o som alto, alguns eletrodomésticos e utensílios de cozinha. Fauzira começou por me apresentar e explicou por alto o que eu estava ali a fazer, sendo que eu fui acrescentando algumas informações pelo meio. D. Fatú ia escutando e respondendo enquanto fritava os bolinhos, sem olhar muito para nós, mas nunca deixando de responder. Reclamamos um pouco do calor que nesse dia estava insuportável e da falta de eletricidade que assolava a cidade. Ficamos na cozinha cerca de trinta minutos a conversar, sobretudo sobre o xitiki delas e os outros que d. Fatú fazia. Com alguns silêncios pelo meio, pois encontrava-me ainda pouco à vontade naquele ambiente, fui fazendo várias perguntas sobre a história do grupo, o seu funcionamento, quem fazia parte, ao que d. Fatú ia respondendo sem muita atenção, com alguns intervalos silenciosos pelo meio, pois estava atenta à fritura dos bolinhos. Um pouco depois entraram na cozinha três mulheres, uma com cerca de 50 anos, que se sentou à mesa conosco e que parecia indisposta, e duas mais novas, de cerca de 30 e poucos anos. A mais velha, soube depois, era irmã de d. Fatú e encontrava-se em tratamento contra um câncer. Pelo que fui percebendo da conversa que se iniciou quando elas chegaram, as senhoras não estavam à espera que ela viesse e ficaram surpreendidas por ter trazido o caderno onde se fazem as anotações da gestão do xitiki já preenchido para o dia. As mais novas eram primas, Daniela e Iva, sendo a última filha de d. Fatú. As duas logo saíram da cozinha e, um tempo depois, d. Fatú disse-nos para irmos andando também lá para fora, onde seria o encontro, pois já lá estavam outras senhoras.

A menos de quinhentos metros da casa de d. Fatú, virando num beco e adentrando um espaço mais largo, uma espécie de pátio, com algumas casas à volta e onde se encontra uma árvore baixa e enorme no meio, assim como dois ou três carros aparentemente avariados, está a casa de sua irmã mais velha, onde são sempre feitos os encontros. Numa parte daquele mesmo espaço a céu aberto, que dá para a parte de trás da casa, estavam dispostas as mesas, uma comprida, retangular, e uma menor, redonda, em frente à porta da casa e debaixo de uma videira que dava sombra. Encostadas nas paredes da casa estavam várias cadeiras, umas a seguir às outras, para as pessoas se sentarem. Quando nos aproximamos, já lá estavam algumas participantes e várias crianças a brincar no jardim, correndo de um lado para o outro. Sentadas num muro baixo e encostadas à parede lateral da casa estavam cerca de três mulheres, todas aparentemente na casa dos 20 anos, de capulana amarrada na cintura, que mais tarde percebi serem as babás 38 38 É comum, não só na cidade de Maputo, mas também no resto do país, mães terem ajuda de alguém, normalmente uma mulher jovem, para cuidar dos seus filhos. Estas mulheres podem ser uma familiar que veio do campo para ser criada pela família ou jovens de escolaridade variada que, não conseguindo integrar-se no mercado dito formal de emprego, trabalham de forma precária, normalmente como empregadas domésticas ou babás. das crianças. Enquanto o encontro decorreu, elas permaneceram por ali, vigiando as crianças enquanto estas brincavam, sendo chamadas pelas mães quando estas precisavam de algo e servindo a comida às crianças quando a hora chegou. Não vi nenhuma delas comer durante todo o tempo que ali estive, mas também é verdade que elas permaneceram afastadas, longe da minha vista.

A irmã de d. Fatú estava já sentada na mesa menor, juntamente com Iva e Daniela. Fui percebendo, à medida que as observava, que as três estavam a organizar os cadernos e as listas (folhas A4) para começarem a preencher os nomes de quem iria receber no dia e a contribuição de cada membro. As mulheres foram chegando pouco a pouco, trazendo bolos, salgados e bebidas nas mãos que colocavam na mesa maior. À chegada, o cumprimento ia-se repetindo:

- Salaam Aleikum!

- Aleikum Salaam!39 39 Cumprimento em árabe que se traduz por "que a paz esteja entre vós", frequentemente usado entre os muçulmanos. O xitiki desta família é constituído majoritariamente por mulheres que professam a religião muçulmana.

O calor que se fazia sentir foi tema de quase todas as conversas iniciais, assim como a falta de eletricidade. Eu sentei-me numa das cadeiras disponíveis e fiquei a observar o movimento durante um bom tempo, cumprimentando quem ia chegando sem, no entanto, ser apresentada. As mulheres iam conversando umas com as outras sobre vários assuntos que iam se sucedendo à medida que mais mulheres chegavam e entravam na roda. Fui prestando atenção a uma ou outra, ainda pouco à vontade e tímida. As conversas giravam em torno do universo das crianças, compras, comidas, roupas, cabelos, quem não estava presente, entre outros assuntos.

Um pouco depois chegaram duas mulheres, uma aparentemente mais nova que a outra, carregando um grande saco que encostaram à parede da casa. Vinham bem animadas e a mais velha, que soube depois se chamar Gigi e ser irmã da mais nova, ambas primas de d. Fatú, começou a conversar e a fazer graça com algumas das mulheres que se encontravam presentes. Depois de se instalar, Gigi tirou da bolsa um caderno pequeno, de capa dura e preta, e sentou-se ao lado de Daniela, Iva e Nassima, irmã de d. Fatú, que estavam concentradas nas contas e nas anotações. Percebi depois que ela também anotava tudo no caderno e que fazia parte da gestão do xitiki, conferindo vez ou outra para ver se as suas contas e as que constavam no outro caderno coincidiam. Enquanto elas faziam as anotações, as outras mulheres que ali se encontravam iam entregando o dinheiro, que tiravam do decote ou de pequenas bolsas, e deixavam na mesa. Iva e Daniela separavam o dinheiro em montes de notas iguais e anotavam os valores em quatro folhas brancas. Fiquei um bom tempo a tentar perceber como funcionava aquela gestão, prestando atenção aos seus movimentos, enquanto refletia que, ao contrário do que muitos estudos sobre o xitiki apontam, 40 40 Para mais detalhes consultar DAVA, Gabriel; LOW, Jan; MATUSSE, Cristina. Mecanismos de ajuda mútua e redes informais de proteção social..., op. cit., 1996, DE VLETTER, Fion. Microfinance in Mozambique - Achievements, prospects and challenges. A report of the Mozambique microfinance facility. The Global Development Research Center, Kobe, jun. 2006. Disponível em: <http://www.gdrc.org/icm/country/microfinance-mozambique.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012, FRANCISCO, António & PAULO, Margarida. Impacto da economia informal na proteção social, pobreza e exclusão: a dimensão oculta da informalidade em Moçambique. Maputo: Cruzeiro do Sul, Instituto de Investigação para o Desenvolvimento José Negrão, 2006. Disponível em: <http://www.iid.org.mz/impacto_da_economia_informal.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012, entre outros. a gestão não é simples, muito pelo contrário.

Depois de as participantes terem entregue a sua contribuição e as gestoras 41 41 Gestoras do xitiki ou gestão do xitiki são conceitos por mim usados para me referir às mulheres encarregadas da organização do grupo e da gestão do dinheiro. terminado as contas, os quatro maços de dinheiro, embrulhados nas listas, foram entregues às respectivas beneficiárias. Ao contrário do que pensei e do que tinha lido em algumas pesquisas sobre xitiki, este momento não foi acompanhado por nenhuma dança ou cântico. As senhoras receberam o dinheiro e guardaram-no nas suas bolsas, enquanto algumas das outras faziam graça, dizendo coisas como "Agora que tens dinheiro, podemos ir comer na tua casa, né?" e "Amiga, não queres me emprestar um pouco desse dinheiro que recebeste?".

As provocações foram recebidas com risos e respostas à altura. Depois disso, deu-se início ao lanche. Havia uma série de pratos na mesa, com salgados e doces. Havia também bebidas, principalmente sucos e refrigerantes, e algumas garrafas de cidra na mesa menor que as mulheres mais novas pediram para algumas crianças comprarem ali perto. Enquanto as mulheres se serviam e comiam, iam conversando, principalmente sobre comida. Foi nessa altura que Fauzira, aproveitando que estavam todas ali reunidas, me apresentou formalmente ao grupo, dizendo que eu estava a estudar o xitiki e queria aprender mais sobre a prática. Algumas mulheres surpreenderam-se, pois achavam que eu estava ali para entrar no grupo, outras não pareceram importar-se muito com o assunto. Uma delas, no entanto, mais velha, que olhava para mim pouco à vontade - algo que permaneceu nos encontros seguintes - mostrou-se surpreendida por eu estar a pesquisar o xitiki, uma vez que, segundo ela, não era nada de especial, apenas uma brincadeira que elas faziam. Não entendia porque eu dava tanta importância a uma prática tão comum feita por tantas outras mulheres e um pouco por toda a cidade.

Depois de a maior parte das mulheres terem comido, Gigi pegou no saco que trouxe e colocou-o a seus pés. Anunciou então que, como todas já estavam de barriga cheia, ia começar a venda de roupa. 42 42 Roupa em segunda mão, vulgarmente conhecida como xicalamidade. A expressão vem da palavra "calamidade" e refere-se aos donativos, em forma de roupa, que são enviados às vítimas de calamidades naturais e que, na maior parte das vezes, vão parar nos mercados informais para serem vendidas. Despejou o conteúdo do saco no chão e começou a mostrar, uma a uma, as peças de roupa às outras mulheres. Naquele dia trazia blusas e camisolas. Instalou-se rapidamente uma divertida confusão, com roupa a ser atirada por cima das nossas cabeças e a ser entregue a uma e outra mulher, umas a irem para dentro da casa experimentar e outras a mudar ali mesmo, muita opinião a ser dada, roupa espalhada pelo chão e nos colos e mãos das mulheres, tudo devidamente observado pelas crianças que brincavam por ali. Confesso que eu mesma me entusiasmei e quando dei por mim, estava agachada a procurar roupa e a pedir opinião à Fauzira que estava ao meu lado. Gigi ia dando opinião às mulheres sobre as peças, dizendo o que ficaria melhor a uma e a outra, convidando-as a experimentarem esta ou aquela peça, ao que todas acediam, mesmo que depois não levassem nada. Foi nessa altura que Iva, filha de d. Fatú e que estava sentada ao meu lado, me pediu para subir o zíper da blusa que estava a experimentar. Fiquei surpreendida com a maneira como ela se referiu a mim, chamando-me de prima, e questionei-me sobre o seu significado.

Um pouco depois, a irmã de Gigi, com quem ela chegou e que estava sentada do meu outro lado, perguntou-me se eu não queria fazer parte do grupo, pois em abril começaria um novo (estávamos em março). Respondi dizendo que não podia porque logo iria embora de Moçambique, mas aquele convite surpreendeu-me e deixou-me algo pensativa. Depois da venda das roupas e de Gigi ter anotado as suas vendas num caderno (ela cobra 43 43 Esta atitude mostra, até certo ponto, o grau de confiança que existe entre Gigi e as outras mulheres. Eu também fiquei de lhe pagar no encontro seguinte, apesar de ter sido a primeira vez que ali me encontrava e de ela mal me conhecer. o valor no encontro seguinte 44 44 Gigi usa o dinheiro que ganha com a venda de roupas para dar a sua parte no xitiki. Uma vez que são roupas de segunda mão, as peças são muito baratas (menos de R$10,00 cada), o que não permite que ela faça mais dinheiro do que o que receberia no xitiki, mas mesmo assim é suficiente para garantir, todos os meses, a sua parte no xitiki. ), as senhoras começaram a arrumar as suas coisas para irem embora.

***

O xitiki feito entre membros de uma mesma família é geralmente chamado pelas pessoas que o fazem de xitiki familiar. No entanto, e não sendo objetivo deste artigo analisar as diversas formas de abordagem teórica que recaem sobre o conceito de família - não esquecendo, no entanto, o papel fundamental que as relações de cooperação estabelecidas a partir dela representam na construção e reconstrução de redes de solidariedade e um lugar privilegiado para a construção social da realidade - é importante evitar uma ideia a priori sobre o que é família e sobre por meio de quais "parentes" os grupos de xitiki são compostos. No caso dos grupos de xitiki familiar existentes na cidade de Maputo, estes são compostos não só por pessoas com laços de sangue e afetivos, mas também por outras pessoas de confiança e de fora do que se convenciona normalmente como o ciclo familiar.

A criação dos grupos, normalmente por iniciativa das mulheres, é explicada pelo fato dos familiares viverem espalhados pela cidade, longe uns dos outros e terem uma vida corrida, que não lhes permite verem-se e conviverem tanto quanto gostariam. A este propósito, d. Fatú conta que a ideia de fazerem um grupo de xitiki surgiu por sugestão de uma sobrinha sua, de maneira a passarem todas a conviver com mais frequência.

D. Fátima, que participa num grupo de xitiki familiar conta, também, que a criação do grupo surgiu depois de sua mãe reclamar várias vezes que nunca ninguém a visitava, o que fez com que ela e a irmã pensassem em usar o xitiki como forma de as visitas se tornarem obrigatórias e regulares, por conta da rotação do dinheiro. Além disso, conforme me foi dito por algumas mulheres, muitos grupos são criados após cerimônias familiares, como um falecimento ou casamento, em que as pessoas se apercebem que precisam umas das outras e que, unidas, conseguem resolver com mais facilidade problemas que surgem, assim como organizar festas e cerimônias de família. Tal foi o caso de um dos grupos familiares que acompanhei, que aproveitaram um dos encontros para organizar o casamento de uma participante.

O objetivo desses xitikis é, desse modo, as mulheres conviverem umas com as outras, já que o dia a dia é muito corrido e a comunicação só funciona via telefone celular. Como me disse a d. Fatú, "É muito raro eu ir... outras vivem na Matola, não sei aonde, não é fácil, não é fácil. Agora aquele dia do xitiki, estamos todos juntos. Aquilo é assim".

Desse modo, podemos pensar o xitiki como uma prática de sociabilidade, à luz da definição de Simmel (2002)SIMMEL, Georg. Sobre la individualidad y las formas sociales. Quilmes: Universidad Nacional de Quilmes, 2002.. 45 45 SIMMEL, Georg. Sobre la individualidad y las formas sociales. Quilmes: Universidad Nacional de Quilmes, 2002. Para o autor, a sociedade consiste na interação entre os indivíduos, pensados como atores sociais. A sociedade, desse modo, toma forma a partir do momento em que os atores sociais criam relações de interdependência ou estabelecem contatos e interações sociais de reciprocidade. No entanto, esta interação só se considera como sociabilidade quando se cumprem certos requisitos. Pensando na prática do xitiki, para que a relação entre os integrantes do grupo seja de sociabilidade, é preciso que todos estejam envolvidos, sintam prazer nessa sociação - definida aqui como as formas ou modos pelos quais os atores sociais se relacionam. Por outras palavras, para que a relação entre os participantes do grupo de xitiki seja de sociabilidade, é necessário que, para além de estarem sociados por interesses específicos, se relacionem em função de um sentimento e por uma satisfação mútua de estarem socializados. Assim, os encontros seriam os contextos perfeitos de sociabilidade.

A família do xitiki

O grupo de xitiki familiar que descrevo é composto quase exclusivamente por mulheres entre 20 a 60 anos, sendo a maior parte delas casada, mas havendo também solteiras e viúvas. Muitas têm filhos, que sempre as acompanham aos encontros, mas há também as que não os têm. Em relação à ocupação das participantes, algumas delas, principalmente as mais velhas, são donas de casa e, destas, a maior parte tem um pequeno negócio, normalmente em casa. 46 46 Venda de roupa de segunda mão, maquiagem, bijuterias e acessórios, confecção e venda de comidas e bolos, entre outras atividades. Há também participantes que trabalham no setor dito formal, como secretárias ou gestoras de recursos humanos. São mulheres ativas que, além de trabalharem dentro e fora de casa, possuem outras atividades que as ocupam o dia todo, como cuidar dos netos, dos sogros, assistir a familiares doentes, coordenar reuniões com o grupo da igreja a que pertencem, participar de outros grupos de xitiki, visitar conhecidos que não se encontram bem de saúde, entre tantas outras.

Com quase 40 membros, o grupo é composto por irmãs - todas na casa dos 50 a 60 anos -, suas respectivas filhas, irmãs e primas entre si, os filhos destas, sobrinhas, primas e cunhadas, tanto do lado paterno quanto materno, amigos próximos das famílias e outros de longa data, e alguns vizinhos. O grupo é composto também por homens, mas estes quase nunca estão presentes nos encontros. É um espaço de convívio claramente feminino. Esta é, aliás, uma característica comum em relação aos grupos encontrados um pouco por todo o mundo. Baseando-se nas suas pesquisas sobre uma prática similar ao xitiki chamada njangi, dos Camarões, Ardener (1995)ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds: the importance of rotating savings and credit associations for women. Oxford: Berg Publications Limited, 1995. 320 p. afirma que, além de não ser um espaço confortável para os homens, as mulheres temem perder o controlo do grupo com a sua presença. A autora refere ainda que os homens acham difícil trabalhar com as mulheres, pois acham que estão a ser controlados por elas. Penso que, a partir do que pude observar, a participação dos homens é fundamental na sua ausência. Isto significa que eles participam sim, dando a sua contribuição e estando presentes em certas ocasiões em que são convocados, mas na maior parte das vezes não estão lá, pois sabem que aquele é um espaço feminino, um momento em que as mulheres aproveitam para resolver uma série de questões que a elas diz respeito, assim como estarem à vontade para dançar, rir, conversar sobre assuntos íntimos, trocar segredos e confidências, se aconselhar, falar sobre os filhos, sobre os maridos, entre outros. Foram as mulheres que tiveram a ideia e incentivaram a criação dos grupos, são elas que organizam e coordenam tudo, marcam os encontros, confeccionam e levam as comidas, se reúnem para gerir as contas e fazer as anotações nos cadernos, entre outras atividades que serão descritas com maior detalhe ao longo do texto.

Figuras centrais nos grupos, as gestoras são escolhidas por todas as participantes e, normalmente, são mulheres conhecidas pela sua seriedade e honestidade. No caso do grupo em questão, e como descrito anteriormente, a responsabilidade é de quatro mulheres: Gigi, que possui um caderno em que faz as anotações; Nassima, irmã de d. Fatú, que foi depois substituída pela filha Márcia e que também é responsável pelo preenchimento de um segundo caderno; e as primas Iva e Daniela, que recebem, organizam e contam as notas, além de preencherem as folhas soltas em que são anotados os nomes de cada participante, o montante contribuído e que são depois usadas para embrulhar os maços de notas e entregar às pessoas que recebem para que elas saibam exatamente quanto cada participante lhes deu, controlando também quanto têm que dar a cada um.

Existem três xitikis dentro deste mesmo grupo, todos mensais, e a escolha de quem recebe em que mês pode ser aleatória ou feita através de pedidos individuais. A razão de haver três xitikis com montantes distintos está ligada à diversidade de poder aquisitivo das participantes, possibilitando que mais pessoas possam entrar. O primeiro - que inclui todas as participantes e cujo montante é repartido igualmente por quatro pessoas - possui um mínimo fixo de contribuição, podendo este ser aumentado por quem conseguir dar mais, desde que a pessoa que vai receber esteja de acordo. O fato de não haver um montante fixo faz com que o valor total varie de mês a mês podendo, num mesmo encontro, uma pessoa receber mais que outra. É preciso esclarecer, no entanto, que cada pessoa recebe sempre o total dos valores com que foi contribuindo mês a mês. O segundo tem uma contribuição fixa e é constituído por vinte participantes, sendo que duas recebem de cada vez, repartindo o valor. Por fim, o terceiro, também de contribuição fixa, é constituído por dez participantes, sendo o valor total entregue a uma só pessoa. Esta particularidade faz com que a gestão do dinheiro seja um pouco mais trabalhosa e demorada, mas do que pude observar, as participantes encarregadas de gerir o dinheiro fazem-no com bastante facilidade.

Os momentos que compõem os encontros, dos quais destaco a gestão do dinheiro - a que se junta a sua entrega - e a partilha da comida, são atravessados e compostos por conversas, trocas de afetos e de informações, brincadeiras, gargalhadas, desabafos e conselhos, vários tipos de dicas em relação às crianças e venda de produtos. Normalmente em forma de lanche, os encontros raramente atrasam e as pessoas costumam ir embora mais ou menos ao mesmo tempo, em grupo.

À medida que chegam, carregando tupperwares e panelas com comida, travessas com salgados e doces e sacolas com bebidas, e depois de se cumprimentarem umas às outras - acenando de longe para o grupo ou cumprimentando individualmente quem já se encontra presente - as mulheres vão se sentando à volta das mesas, normalmente montadas na parte de trás das casas, ao ar livre. Logo começam a falar com quem está do lado, formando pequenos grupos com conversas distintas, acompanhadas de muitas gargalhadas e brincadeiras. As conversas, que atravessam todo o encontro, passam pelos mais variados temas, a maior parte deles referente ao universo feminino, como o cuidado e educação das crianças, moda, comida e receitas partilhadas, pessoas que não se encontram ali, conhecidas de várias delas, doenças e como tratá-las, cabelos, cortes, alisamentos e extensões de cabelo, problemas familiares de vários tipos, casos de violência doméstica vividos por algumas delas, conselhos sobre assuntos diversos, casamentos, entre outros tipos de informação. As crianças são presença constante nos encontros, estão sempre acompanhadas das mães, ficando o tempo todo a brincar umas com as outras no jardim, sendo vigiadas pelas babás.

Em relação ao momento de gestão do dinheiro, este é feito logo no início do encontro, depois de chegarem todas as participantes. A razão apontada pela Gigi, gestora do grupo, para que se organize a gestão do dinheiro primeiro é de que "(...) quando a gente pega dinheiro primeiro, é que comemos à vontade. Agora, sem dinheiro na mão, epá... a gente não sabe se pagam, não pagam...'tá ver, né? É outro problema!". As obrigações - o trabalho de gestão e de entrega do dinheiro - vêm assim em primeiro lugar, para dar espaço depois à partilha de comida, conversas, brincadeiras e gargalhadas.

O momento da gestão começa, normalmente, cerca de trinta minutos após a hora marcada para o encontro para que dê tempo de chegar toda a gente ou pelo menos a maioria. As gestoras costumam ficar numa mesa menor, onde se sentam com os cadernos abertos e com os respectivos celulares e máquinas de calcular que são usados como auxiliares nas contas. Ali ficam entre uma a uma hora e meia, em meio a notas de dinheiro, cadernos, folhas soltas, celulares, calculadoras, canetas, garrafas de bebida, conversas e risadas de fundo. Neste momento particular, as outras mulheres ficam em silêncio porque o barulho das conversas pode atrapalhar a contagem. No entanto, antes deste momento e durante a entrega do dinheiro, as mulheres conversam animadamente umas com as outras, além de aproveitarem para mostrar e circular fotografias ou catálogos de marcas de cosméticos, das quais algumas delas são representantes. No terceiro encontro a que fui, as participantes aproveitaram que estavam todas ali reunidas para organizar o casamento de uma delas, distribuindo tarefas entre si e escolhendo a capulana com que todas teriam que fazer uma roupa. No encontro seguinte, cerca de um mês depois, a recém-casada trouxe as fotografias do casamento que foram passadas de mão em mão e admiradas por todas.

Depois do dinheiro contado e anotado, os maços são embrulhados nas folhas soltas e entregues às quatro mulheres que recebem. Logo que as participantes recebem o maço, o clima torna-se mais leve, as conversas e risadas recomeçam e ouvem-se vários tipos de comentários e brincadeiras. É chegada, enfim, a hora dos comes e bebes. Antes disso, porém, é circulada uma bacia e jarra de água quente para que todas lavem as mãos. A preocupação em limpar bem as mãos recai sobre as gestoras, que sempre pegam em dinheiro, tido como algo sujo. Gigi é sempre bastante enfática em relação a este gesto, dizendo que "Márcia, vamos lavar as mãos! Tirar os vírus dos dinheiros. Lava bem, pegamos muito dinheiro". A água, neste caso, funciona não só como algo higiênico, que limpa, mas também como um elemento de separação entre o momento de gestão do dinheiro e o da partilha da comida.

O compromisso é uma questão de extrema importância para as pessoas envolvidas no xitiki, algo bastante enfatizado por todas as participantes. Uma das frases que mais ouvi durante os encontros, tanto num grupo quanto no outro, foi "xitiki é compromisso, ninguém pode atrasar ou faltar!". É crucial que exista confiança e principalmente um compromisso entre as pessoas envolvidas, pois todas dependem umas das outras para que o grupo funcione. Cada pessoa tem que planejar bem o seu mês para poder honrar a palavra que deu. Quando tal não acontece, a pessoa que recebe sai prejudicada, pois o dinheiro fica incompleto e, caso tenha feito já algum plano específico (o que, na maioria das vezes, é o caso), terá que esperar até que esteja completo. É necessário, assim, que todas estejam envolvidas em alguma atividade econômica, seja ela um emprego formal ou pequenos biscates, 47 47 Termo usado comumente para se referir a pequenos trabalhos ou negócios que as pessoas fazem. pois de outra maneira a sua contribuição para o xitiki ficará ameaçada. Sem estas bases, o xitiki "cai", não acontece.

As estratégias criadas pelas mulheres para evitar desentendimentos no interior dos grupos são variadas e dependem de cada xitiki. No entanto, um elemento importante a considerar é que, para haver estabilidade, é do interesse de todas as participantes que não haja falhas, pois tal poderá ameaçar o desenvolvimento do xitiki e fazê-lo cair. Assim, quando uma das participantes não tem como pagar o montante total do mês, a gestora ou então alguma outra mulher empresta-lhe o que falta para que quem recebe não saia prejudicada. Nos grupo, há casos de participantes que foram convidadas a sair por atrasarem sempre as suas contribuições.

Uma forma de evitar estes constrangimentos é, durante a criação do grupo, estabelecer regras claras em relação ao funcionamento do xitiki, marcar datas fixas para os encontros e escolher algumas senhoras que serão responsáveis pela gestão das contas, anotando tudo em cadernos que podem ser consultados por qualquer uma das participantes. Do que pude observar, os conflitos são normalmente resolvidos através dos diversos mecanismos que foram mencionados acima. Mesmo a expulsão de membros, tida como uma medida drástica e a evitar, é uma forma de resolver certos conflitos. No entanto, esta expulsão não costuma ser definitiva, pois quem sai tem sempre a oportunidade de entrar no ciclo seguinte, desde que haja acordo entre todas.

Existe sempre muita comida nos encontros, característica bastante comum nos convívios e festas em Moçambique. As participantes levam uma variedade de doces e salgados, entre os quais galinha assada, batata frita, bolos de todos os tipos, tartes e tortas, salgados indianos - chamuças e rissóis -, folhados, além de sucos e refrigerantes. Por ser um grupo cujas participantes são majoritariamente muçulmanas, há sempre muita comida indiana.

O momento das refeições - o mais demorado - é sempre acompanhado por muita conversa, principalmente sobre comida e outros membros da família e os seus problemas, além de brincadeiras, gargalhadas e crianças a correr de um lado para o outro, atazanando a vida das mães por não quererem comer ou quererem comer demais. É o momento em que, caso haja a participação dos homens, estes aparecem para comer e interagir um pouco com o resto do grupo. É também o momento em que as participantes que vendem roupa aproveitam para mostrar as suas mercadorias, espalhando as peças pelo chão. Gera-se sempre bastante burburinho, com peças sendo passadas de mão em mão, experimentadas, trocadas e compradas. É um dos momentos mais relaxantes, em que todas estão já bastante à vontade e animadas, conversando sem parar e em que há mais interação com as crianças que até então brincam umas com as outras, afastadas dali.

A partilha de comida é sem dúvida um momento único e em que mais se evidenciam os laços que unem estas mulheres e as tornam uma família. Para além da partilha dos alimentos que são confeccionados por cada uma delas, é naquele momento que as mães dão maior atenção aos filhos, até então afastados e sendo vigiados pelas babás enquanto brincam. Ali se observam os afetos entre mães e filhos, entre irmãos e primos, entre amigos e vizinhos. Partilham-se, também, conselhos em relação à saúde deles, à sua educação e aos maus comportamentos. Parece haver, entre elas, uma constante preocupação pelos mais novos. Além disso, enquanto comem, as mulheres vão partilhando segredos, fofocas, desabafos, alguns em voz alta e outros discretamente. Riem, troçam umas das outras, experimentam maquiagem e roupa, fazem planos para o futuro e se aconselham em relação a vários assuntos pessoais. É o momento privilegiado de resolverem problemas familiares, pequenas pendências que surjam e que, por estarem ali todas, são mais fáceis de resolver. Partilham-se ali também modos de se comportar, uma certa moralidade, algo que as participantes mais velhas tentam, sutilmente, passar para as mais novas.

Pude observar, não só durante todos os convívios, mas também nas entrevistas que fiz e nas conversas que escutei, que o dia da reunião do xitiki é um dia de congregação, um momento em que claramente as mulheres se sentem à vontade para falar, debater, confessar, aconselhar, beber, rir, comer, dançar, cantar, desabafar umas com as outras, sem a presença dos homens ou de outras pessoas de fora que as inibam. É também um momento de aprendizado, socialização das crianças, sempre presentes desde cedo, troca de experiências, de resolução de conflitos que eventualmente surgem, de discussão de vários assuntos, de esquecer, nem que seja por algumas horas, todos os problemas com que lidam no dia a dia. Os encontros de xitiki são, assim, espaços únicos que possibilitam a construção e fortalecimento das relações entre as participantes, relações que se conectam de diversas formas, nomeadamente através do sangue que os une como parentes, do dinheiro que circula, dos afetos, da comida, das relações de vizinhança, das informações, conselhos e desabafos.

O dinheiro e o fato de todas dependerem umas das outras criam a obrigatoriedade dos encontros. O compromisso e a reputação de cada participante possibilitam a estabilidade que os grupos necessitam para se manter. Todos estes elementos juntos - dinheiro, sangue, comida, afetos - compõem aquilo que une os grupos e que d. Fátima chama de família do xitiki. Os dados que recolhi em campo não me permitem afirmar se família vem antes ou depois do xitiki, se é o xitiki que cria família ou a família que cria o xitiki. No entanto, ele está imbricado nas relações mencionadas acima. Desse modo, constrói família e está constantemente a ser construído por ela. É uma relação que forma família.

Considerações finais

As experiências de xitiki aqui descritas permitem compreender que esta é uma prática que se reveste de múltiplos sentidos, sentidos esses que vão além da definição comum que se tem sobre ele, puramente econômica. Esta é uma prática que coloca em circulação não só dinheiro, mas também família, informação, comida, presentes, casas, entre outros elementos que a compõem. É, além disso, uma prática que permite pensar Moçambique.

O xitiki mostra como o papel das mulheres é importante na organização e dinamização deste tipo de prática, na dinamização de uma certa economia centrada em redes de solidariedade, reciprocidade e ajuda mútua. As mulheres apresentam-se como as maiores participantes destas práticas tradicionais. Segundo Dava et al. (1996), este aspecto mostra como as mulheres desempenham um papel importante na provisão de meios de subsistência às suas famílias. Mesmo quando homens e mulheres se envolvem numa atividade particular, são elas que mais participam. O fato de serem as mulheres as maiores praticantes e dinamizadoras mostra como esta é uma prática que, fora do controlo dos familiares, mais propriamente do marido, possibilita que elas tenham poder de administração do seu dinheiro, podendo fazer planos com o que vão receber, geralmente relacionados com o bem estar dos filhos e de outros familiares próximos.

Permite, também, pensar família. Nos grupos de xitiki familiar, vemos transações econômicas (poupança) coexistindo com relações íntimas (família e amigos), mostrando como o dinheiro efetivamente cria relações de intimidade, amizade e solidariedade, relações essas que colocam em circulação o próprio dinheiro, família, informação, comida, presentes, casas e afetos.

O xitiki é uma prática que atravessa categorias sociais. O seu caráter plástico e flexível revela-se no fato dos grupos não serem normalmente homogêneos, podendo existir - sem constrangimentos para o grupo e para cada uma das participantes - diferenças de classe, etnia, local de residência, religião e poder aquisitivo. Esta é uma questão, no entanto, que precisa ser aprofundada e que é de extrema importância para entendermos as dinâmicas desta prática e como os diferentes marcadores que as compõem influenciam - negativa ou positivamente - a sua existência.

Finalmente, pode-se concluir que o xitiki se constitui como uma rede de solidariedade e entreajuda, ajuda essa que não é limitada e está cuidadosamente prescrita, ainda que de modo informal. Ela é de tal modo aceita como natural que a ajuda que se presta hoje pode (e deve) ser solicitada amanhã. Sobre a forma como o xitiki é entendido, Nilza - que está inserida em cinco grupos, três deles familiares - destacou que "(...) Acho que é uma questão de promover igualdade, solidariedade e temos que ser acima de tudo responsáveis, não é? Da mesma forma que alguém contribui para mim, eu também tenho que contribuir para a pessoa".

O compromisso que se estabelece - consigo e com o grupo - é a força motora que alimenta o xitiki, é o que Mauss descreveu como sendo a obrigação da retribuição, sem a qual estes grupos estariam condenados ao fracasso.

  • *
    Este artigo é parte das reflexões desenvolvidas na minha dissertação de mestrado, intitulada "Xitiki é compromisso": os sentidos de uma prática de sociabilidade na cidade de Maputo, Moçambique, de fendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas, em 2015, sob a orientação da professora doutora Guita Grin Debert.
  • 1
    China (hui), Japão (ko), Vietname (ho), Camarões (djanggis), Nigéria (esusu), Cambodja e África Central (tontine), Coreia (wichin gye), República Democrática do Congo (likelembas), Guiné-Bissau (abota), Angola (kixikila), México (tandas), entre tantos outros. Para uma lista mais completa dos diferentes nomes dados às Rosca acessar http://www.gdrc.org/icm/rosca/rosca-names.html.
  • 2
    ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds: the importance of rotating savings and credit associations for women. Oxford: Berg Publications Limited, 1995. 320 p.
  • 3
    As Ascas (Accumulating Savings and Credit Associations) constituem também grupos informais de microfinanças temporalmente limitadas. No entanto, e contrariamente às Roscas, existe um membro responsável por gerir um fundo comum, anotar todos os registos e emprestar o dinheiro aos outros membros. Depois de um período pré-acordado (normalmente de seis a 12 meses), todos os empréstimos têm que ser pagos e o fundo, juntamente com o lucro acumulado, é distribuído pelos membros. RUTHERFORD, Stuart. The poor & their money: an essay about financial services for poor people. Delhi: Oxford University Press, 2000. 65 p.
  • 4
    ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds..., op. cit., 1995.
  • 5
    RADOMSKY, Guilherme F. W. As redes sociais da economia local: um estudo de caso na Serra Gaúcha. Perspectiva Econômica, vol. 2, n. 2, jul./dez. 2006, p. 75-107, p. 78.
  • 6
    MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. In: Idem. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naif, 2003.
  • 7
    RADOMSKY, Guilherme F. W. As redes sociais da economia local... op. cit., 2006, p. 79.
  • 8
    Ibidem, p. 79.
  • 9
    LÉVI-STRAUSS, Claude. Introdução à obra de Marcel Mauss. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 11-46.
  • 10
    TANIGUTI, Gustavo T. Crédito entre imigrantes: experiências de tanomoshi-ko no bairro da Liberdade, São Paulo. The Annual Report: The Study of Nonwritten Cultural Materials, n. 8, Kanagawa University, mar. 2012, p. 53-79.
  • 11
    ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds..., op. cit., 1995.
  • 12
    É preciso acrescentar que, à exceção de Maputo e algumas outras cidades, grande parte dos moçambicanos não tem acesso às instituições bancárias por diversas razões: as instituições estão longe dos seus locais de residência, as pessoas não possuem documentos de identificação, entre outros aspectos.
  • 13
    ARDENER, Shirley & BURMAN, Sandra (ed.). Money go-rounds..., op. cit., 1995.
  • 14
    O que acontece já com bastante frequência em Maputo, principalmente em grupos de xitiki compostos por colegas de trabalho.
  • 15
    CUNHA, Teresa. A arte de xiticar num mundo de circunstâncias não ideais. Feminismo e descolonização das teorias econômicas e contemporâneas. In: CUNHA, Teresa et al. (org.). Ensaios pela democracia. Justiça dignidade e bem-viver. Porto: Afrontamento, 2011.
  • 16
    Ibidem, p. 83.
  • 17
    Ibidem, p. 81.
  • 18
    LOFORTE, Ana. A produção de identidades étnicas em meio urbano. S/d. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7045.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2015.
  • 19
    Ibidem, p. 283.
  • 20
    Ibidem.
  • 21
    ESPLING, Margareta. Women´s livelihood strategies in processes of change: cases from urban Mozambique. Tese de doutorado, Department of Human and Economic Geography, School of Economics and Commercial Law, University of Goteborg, 1999. 271 p.
  • 22
    Em Moçambique, o conceito de agregado familiar refere-se às pessoas que vivem na mesma casa e que possuem alguma relação de parentesco.
  • 23
    A pesquisa foi feita em três comunidades urbanas de Moçambique (no sul, centro e norte do país).
  • 24
    Sobre o envolvimento das mulheres na vida urbana em Moçambique ou ainda como as contribuições e atividades das mulheres moldaram espacial e socialmente as cidades moçambicanas ver SHELDON, Kathleen. Markets and gardens: placing women in the history of urban Mozambique. In: Canadian Journal of African Studies, vol. 37, n. 2/3, 2003, p. 358-395. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/261664782_Markets_and_Gardens_Placing_Women_in_the_History_of_Urban_Mozambique. Acesso em: 10 abr. 2018.
  • 25
    Estas atividades podem incluir, entre outras, a venda de produtos à porta de casa, a transformação de um cômodo da casa em salão de beleza, costura de roupa, confecção de comidas e bolos para vender etc.
  • 26
    Sobre a importância do trabalho das mulheres durante e após o colonialismo português ver MAGALHÃES, Juliana de Paiva. Trajetórias e resistências de mulheres sob o colonialismo português (sul de Moçambique, XX). Tese de doutorado, FFLCH, USP, 2016 e ZAMPARONI, Valdemir. De escravo a cozinheiro: colonialismo & racismo em Moçambique. Salvador: Edufba, Ceao, 2007.
  • 27
    FONSECA, Cláudia. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2ª edição. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2000. 245 p.
  • 28
    Ibidem, p. 31.
  • 29
    Ibidem, p. 32.
  • 30
    NHATSAVE, Noémia. Mecanismos informais de proteção social em Moçambique: o caso do xitique. Trabalho de conclusão de curso de licenciatura em Economia, Faculdade de Economia, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 2011. 41 p.
  • 31
    DAVA, Gabriel; LOW, Jan; MATUSSE, Cristina. Mecanismos de ajuda mútua e redes informais de proteção social: estudo de caso das províncias de Gaza e Nampula e a cidade de Maputo. In: Pobreza e bem-estar em Moçambique: 1996-1997, p. 316-370. Disponível em: <http://www.ifpri.org/sites/default/files/pubs/portug/pubs/books/ch6.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012.
  • 32
    José Feliciano refere, na sua tese de doutorado, que a tsima, uma forma individual e coletiva de ajuda mútua, era praticada nos anos 50 no sul de Moçambique. Cf. FELICIANO, José. Antropologia econômica dos Thonga do sul de Moçambique. Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique (AHM), 1998. 474 p.
  • 33
    De acordo com Weber, para que o pesquisador possa analisar uma dada situação social (o seu objeto de estudo), é necessário criar um "tipo ideal", ou seja, uma construção mental que enfatiza certos aspectos do objeto que deseja estudar. Por serem fruto de uma seleção de aspectos específicos de um fenômeno, estes tipos são "ideais", ou seja, não reproduzem a realidade tal como ela é em si mesma. Cf. WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, Gabriel (org.). FERNANDES, Florestan (coord.). Weber - Sociologia. São Paulo: Ática, 1999, p. 79-127. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13)
  • 34
    Tecido de algodão, fibra sintética ou seda, geralmente estampado e colorido, que as mulheres usam para vários fins, mas principalmente amarrado à cintura, na cabeça ou para carregar os filhos nas costas, ato conhecido como nenecar ou fazer neneca.
  • 35
    Este fundo comum, mais encontrado em grupos familiares, é normalmente usado para emergências, contratempos ou infelicidades, como doenças ou mortes (despesas com o funeral). No entanto, são também usados em comemorações como casamentos.
  • 36
  • 37
    O termo "chapa" refere-se a um mini-ônibus ou van, meio de transporte mais comum em Moçambique, com capacidade para 15 lugares, mas que leva, normalmente, muito mais pessoas e é de propriedade privada.
  • 38
    É comum, não só na cidade de Maputo, mas também no resto do país, mães terem ajuda de alguém, normalmente uma mulher jovem, para cuidar dos seus filhos. Estas mulheres podem ser uma familiar que veio do campo para ser criada pela família ou jovens de escolaridade variada que, não conseguindo integrar-se no mercado dito formal de emprego, trabalham de forma precária, normalmente como empregadas domésticas ou babás.
  • 39
    Cumprimento em árabe que se traduz por "que a paz esteja entre vós", frequentemente usado entre os muçulmanos. O xitiki desta família é constituído majoritariamente por mulheres que professam a religião muçulmana.
  • 40
    Para mais detalhes consultar DAVA, Gabriel; LOW, Jan; MATUSSE, Cristina. Mecanismos de ajuda mútua e redes informais de proteção social..., op. cit., 1996, DE VLETTER, Fion. Microfinance in Mozambique - Achievements, prospects and challenges. A report of the Mozambique microfinance facility. The Global Development Research Center, Kobe, jun. 2006. Disponível em: <http://www.gdrc.org/icm/country/microfinance-mozambique.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012, FRANCISCO, António & PAULO, Margarida. Impacto da economia informal na proteção social, pobreza e exclusão: a dimensão oculta da informalidade em Moçambique. Maputo: Cruzeiro do Sul, Instituto de Investigação para o Desenvolvimento José Negrão, 2006. Disponível em: <http://www.iid.org.mz/impacto_da_economia_informal.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2012, entre outros.
  • 41
    Gestoras do xitiki ou gestão do xitiki são conceitos por mim usados para me referir às mulheres encarregadas da organização do grupo e da gestão do dinheiro.
  • 42
    Roupa em segunda mão, vulgarmente conhecida como xicalamidade. A expressão vem da palavra "calamidade" e refere-se aos donativos, em forma de roupa, que são enviados às vítimas de calamidades naturais e que, na maior parte das vezes, vão parar nos mercados informais para serem vendidas.
  • 43
    Esta atitude mostra, até certo ponto, o grau de confiança que existe entre Gigi e as outras mulheres. Eu também fiquei de lhe pagar no encontro seguinte, apesar de ter sido a primeira vez que ali me encontrava e de ela mal me conhecer.
  • 44
    Gigi usa o dinheiro que ganha com a venda de roupas para dar a sua parte no xitiki. Uma vez que são roupas de segunda mão, as peças são muito baratas (menos de R$10,00 cada), o que não permite que ela faça mais dinheiro do que o que receberia no xitiki, mas mesmo assim é suficiente para garantir, todos os meses, a sua parte no xitiki.
  • 45
    SIMMEL, Georg. Sobre la individualidad y las formas sociales. Quilmes: Universidad Nacional de Quilmes, 2002.
  • 46
    Venda de roupa de segunda mão, maquiagem, bijuterias e acessórios, confecção e venda de comidas e bolos, entre outras atividades.
  • 47
    Termo usado comumente para se referir a pequenos trabalhos ou negócios que as pessoas fazem.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2018
  • Aceito
    08 Nov 2018
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