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A EXPULSÃO DE UM MISSIONÁRIO “TAPUITINGA” DA AMAZÔNIA POMBALINA: A CARTA-ÂNUA DO PADRE LOURENÇO KAULEN (1755-1756)* * O processo de construção desse artigo se deu da seguinte forma: a introdução foi redigida em conjunto por Karl Arenz e Gabriel Prudente. Ambos os autores fizeram também a transcrição da fonte manuscrita. A tradução do latim para o português foi feita por Karl Arenz e revisada por Gabriel Prudente. Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia.

THE EXPULSION OF A “TAPUTINGA” MISSIONARY FROM POMBAL’S AMAZON: THE ANNUAL LETTER OF FATHER LOURENÇO KAULEN (1755-1756)

Resumo

Em 1756, um ano após a promulgação das primeiras leis reformadoras do futuro Marquês de Pombal para a Amazônia portuguesa, o jesuíta Lourenço Kaulen redigiu, enquanto missionário da aldeia de Piraguiri no rio Xingu, uma carta-ânua. Nela, além das atividades pastorais regulares, ele descreveu sua expulsão violenta da missão. Integrante do grupo de padres “tapuitinga”, ou centro-europeus, que vieram no início da década de 1750, Kaulen é um dos primeiros religiosos a ser acusado de desobediência à nova legislação. A carta-ânua, além de relatar o precário cotidiano numa missão remota no interior amazônico, constitui uma das primeiras referências a uma ação antijesuítica que, por sinal, contou com a implicação direta dos neófitos indígenas.

Palavras-chave
Companhia de Jesus; Padres “tapuitinga”; Amazônia colonial; Política pombalina; Escrita missionária

Abstract

In 1756, one year after the promulgation of the first reforming laws of the future Marquis of Pombal for the Portuguese Amazon, the Jesuit Lourenço Kaulen wrote, as a missionary of the village of Piraguiri on the Xingu river, an annual letter. Beyond the regular pastoral activities, he described his violent expulsion from the mission. Member of the group of “tapuitinga”, or Central Europeans, who came at the beginning of the 1750s, Kaulen is one of the first religious to be accused of disobedience to the new legislation. The annual letter, in addition to reporting precarious everyday life in a remote mission in the Amazon, is one of the earliest references to an anti-Jesuit action that, by the way, had the direct implication of the indigenous neophytes.

Keywords
Society of Jesus; “Tapuitinga” fathers; Colonial Amazon; Policy of Pombal; Missionary writing

Introdução

Entre 1750 e 1753, chegaram ao Estado do Grão-Pará e Maranhão oito jesuítas originários de diversas regiões da Europa central. A vinda deste grupo foi incentivada pelo padre Roque Hundertpfundt, um austríaco que, desde 1739, estava atuando na missão amazônica (LEITE, 1949LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, t. 8. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1949., p. 303; MEIER; AYMORÉ, 2005MEIER, Johannes & AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-Amerika: ein bio-bibliographisches Handbuch, t. 1 (Brasilien, 1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005., p. 276-278). Servindo, em 1749 e 1750, como procurador da Vice-Província do Maranhão em Lisboa, ele solicitou o envio de doze “conterrâneos” para o norte da América portuguesa. A rainha-mãe, D. Maria Ana, viúva de D. João V, por nascimento, uma princesa Habsburgo de Viena, apoiou o pedido de Hunderpfundt junto ao superior geral Francisco Retz, que, nascido na Boêmia, também era súdito da Casa da Áustria (ECKART, 2013ECKART, Anselmo. Aditamentos do Senhor Pe. Anselm Eckart, Ex-pregador da Companhia de Jesus na Capitania do Pará no Brasil, à “Descrição das Terras do Brasil” de Pedro Cudena e às “Notas à Sexta Contribuição de Lessing para a História e a Literatura”. In: PAPAVERO, Nelson & PORRO, Antonio (org.). Anselm Eckart, S.J. e o Estado do Grão-Pará e Maranhão (1785). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013, p. 54-120., p. 63). Mais determinante do que o fervor da rainha pela espiritualidade jesuítica foi, no entanto, sua influência política na fase inicial do reinado de seu filho D. José I (MIRANDA; MIRANDA, 2014MIRANDA, Susana Münch & MIRANDA, Tiago dos Reis. A rainha arquiduquesa: Maria Ana de Áustria. Lisboa: Círculo de Leitores, 2014., p. 224-226, 282-285). Por isso, ao retornar à Amazônia, o padre Roque levou consigo seus confrades Lourenço Kaulen e Antônio Meisterburg. Seis outros padres seguiram em 1753: Martinho Schwarz, Anselmo Eckart, David Fáy, Henrique Hoffmayer, João Nepomuceno Szluha e José Kayling (MEIER; AYMORÉ, 2005MEIER, Johannes & AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-Amerika: ein bio-bibliographisches Handbuch, t. 1 (Brasilien, 1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005., p. 247-343). Contudo, já a partir de 1756, esses jesuítas “alemães” foram sucessivamente deportados da região sob alegação de oposição às leis reformadoras, promulgadas em junho de 1755 (FERNÁNDEZ ARRILLAGA, 2003FERNÁNDEZ ARRILLAGA, Inmaculada. Deportação do Brasil e prisão nos cárceres portugueses de um jesuíta alemão: o P. Anselmo Eckart. Brotéria, Lisboa, v. 156, n. 2, p. 171-187, 2003.; FERNÁNDEZ ARRILLAGA; GARCÍA ARENAS, 2007FERNÁNDEZ ARRILLAGA, Inmaculada & GARCÍA ARENAS, Mar. Jesuitas alemanes en las misiones de Portugal: expulsión, confinamiento y escritos. In: KOHUT, Karl & PACHECO, María Cristina Torales (ed.). Desde los confines de los imperios ibéricos: los jesuitas de habla alemana en las misiones americanas. Frankfurt: Vervuert; Madrid: Iberoamericana, 2007, p. 231-261., 2009FERNÁNDEZ ARRILLAGA, Inmaculada & GARCÍA ARENAS, Mar. Dos caras de una misma expulsión: el destierro de los jesuitas portugueses y la reclusión de los misioneros alemanes. Hispania Sacra, Madrid, v. 61, n. 123, p. 227-256, 2009. Disponível em: <https://bit.ly/2kHPW2X>. Acesso em: 25 abr. 2018. doi: https://doi.org/10.3989/hs.2009.v61.i123.86.
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).

Apesar da breve estadia na região, os jesuítas da Europa central foram percebidos, inclusive pelos indígenas, como distintos de seus irmãos de origem portuguesa e luso-brasileira. O padre húngaro David Fay afirma que os índios de Tapuitapera, perto de São Luís, os designavam de tapuitinga, explicando que, em Língua Geral,

Tapui significa bárbaro; por isso se alguem da o nome ao povo daquí, não gostam, embora êles nos dêem o mesmo nome a nós outros que somos brancos, mas não lusitanos: mas acrescentam ao nome a palavra tinga, que significa branco, donde Tapuíringa [sic], isto é, bárbaro branco. Aos lusitanos chamam, mais honestamente, de caraíbas, o que também significa branco, mas a palavra tem origem mais elevada, pois vem de caraíbebé, que significa anjo. No entanto gostam mais de nós e sabem distinguir entre nós e os lusitanos. Um índio veio ao Maranhão, da aldeia de Pindaré; estando todos nós no quarto do P. João Szluha, veio ter conosco, abraçou-nos disse a cada um de nós: Taputinga Katu, Tapuitinga Katu, isto é: o bárbaro branco é bom, o bárbaro branco é bom, rindo e pulando de alegria. (FAY, 1942FAY, David. As cartas do P. David Fay e sua biografia. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 64, p. 192-273, 1942., p. 268-269)

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Um desses tapuitinga, Lourenço Kaulen (1716-1799), é autor da carta-ânua que aqui apresentamos.1 1 KAULEN, Lourenço. Lit[t]eræ Annuæ Missionis Piraguirensis, 1755-1756. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 10 II, fl. 481r-483v. A missiva, cujo original em latim se encontra no Archivum Romanum Societatis Iesu, foi escrita em 1756 na missão de Piraguiri às margens do rio Xingu. Embora a ânua não indique o destinatário, o fato de ela estar arquivada em Roma permite pressupor que foi endereçada a Luigi Centurione, superior-geral de 1755 a 1757. Como missionário residente, o padre Kaulen não somente enumera os dados administrativo-estatísticos habituais e as dificuldades cotidianamente enfrentadas por ele e seus neófitos, mas fornece também - o que torna a carta relevante - uma descrição dramática dos eventos que, envolvendo índios e autoridades, culminaram na sua expulsão da aldeia.

De fato, as interferências diretas do Estado a partir de 1755 no âmbito das missões - ainda autônomas conforme as disposições do Regimento de 1686 - repercutem na ânua de Piraguiri. Tudo indica que, para além dos objetivos de um relatório ordinário, isto é, “informar a partir da base” e “intercambiar opiniões” (LONDOÑO, 2002LONDOÑO, Fernando Torres. Escrevendo cartas: jesuítas, escrita e missão no século XVI. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 43, p. 11-32, 2002. Disponível em: <https://bit.ly/2lMS4qr>. Acesso em: 22 jan. 2018. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882002000100002.
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), Kaulen tentou sensibilizar seus superiores acerca da tensão engendrada pela decretação quase simultânea, em 1755, da emancipação dos índios do regime tutelar e da supressão do poder temporal dos religiosos (SAMPAIO; SANTOS, 2008SAMPAIO, Patrícia Maria Melo & SANTOS, Francisco Jorge dos. 1755, o ano da virada na Amazônia portuguesa. Somanlu, Manaus, v. 8, n. 2, p. 79-98, 2008. Disponível em: <https://bit.ly/2lJ3KL1>. Acesso em: 4 fev. 2018. doi: https://doi.org/10.17563/somanlu.v8i2.
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). Essas duas medidas reconfiguraram por completo a atuação das ordens na região. De fato, à época, o despotismo esclarecido estava, com base em novos conceitos filosófico-ideológicos, socioeconômicos e jurídico-políticos, modificando as formas de governo nas grandes monarquias da Europa central e ocidental. Em Portugal, sob a instigação do secretário régio Sebastião José de Carvalho e Melo, um projeto político de caráter protonacional visou racionalizar a gestão pública, buscando, nesse sentido, reduzir a influência de instituições de “vocação universal”, como a Companhia de Jesus (DIAS, 1984DIAS, José Sebastião da Silva. Pombalismo e projecto político. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1984.; FALCON, 1982FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982.; MAXWELL, 1996MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do Iluminismo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.).

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Nascido em 4 de maio de 1716, na cidade de Colônia, à beira do rio Reno, Lourenço Kaulen entrou para a Companhia de Jesus, em 1738, no colégio de Trier, onde fez também seu noviciado (1739-1741). Exerceu a regência docente no colégio de Emmerich (1742-1745) e, em seguida, estudou Teologia em Büren e Münster (1746-1749). Nomeado para a Vice-Província do Maranhão, Kaulen viajou em 1750, com seu confrade Antônio Meisterburg, via Lisboa à Amazônia. De início, em 1751, o padre Lourenço foi professor das Humanidades no Colégio de Santo Alexandre em Belém. No ano seguinte, atuou em missões próximas, Mortigura e Sumaúma, antes de voltar a ser docente no colégio de Belém, onde professou seu quarto voto em 1753 (LEITE, 1949LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, t. 8. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1949., p. 307; MEIER; AYMORÉ, 2005MEIER, Johannes & AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-Amerika: ein bio-bibliographisches Handbuch, t. 1 (Brasilien, 1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005., p. 285-296).2 2 Na última estatística oficial da Vice-Província do Maranhão, Kaulen está inscrito no Colégio de Belém. Cf. Catalogus Personarum & Officiorum V. Prov. Maragnonensis Societatis IESU, 25 nov. 1753. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 189v.

Naquele ano, Kaulen relatou suas impressões acerca da região à rainha-mãe Maria Ana. Segundo o padre, as terras e os índios se encontravam em um estado miserável, o que ele imputava à conduta dos moradores lusos. Esses não só dificultavam o ensinamento catequético, mas também cometiam diversos abusos,3 3 Sobre a situação dos índios, Cf. Domingues (2000, p. 247-295). principalmente contra as mulheres indígenas que serviam de amas de leite. Além de serem obrigadas a trabalhar por mais tempo do que previsto, elas sofriam abusos sexuais. Os portugueses também não pagavam os trabalhadores indígenas, tentando mantê-los como escravos (KAULEN, 1925KAULEN, Lourenço. Carta de Lourenço Kaulen a D. Maria Ana de Áustria, Pará, 16 de novembro de 1753. In: LAMEGO, Alberto. A terra Goytacá: à luz de documentos inéditos, t. III. Bruxelas: L’Édition d’Art Gaudio, 1925, p. 282-287., p. 282-287). Kaulen pediu a intercessão da viúva real para que os padres alemães fossem autorizados a atuarem nas missões mais distantes nos rios Xingu ou Tapajós, sem que os colonos pudessem requerer índios para seus serviços. Além disso, ele lançou a proposta de trazer novos padres alemães para a Amazônia, caso essas aldeias prosperassem (KAULEN, 1925KAULEN, Lourenço. Carta de Lourenço Kaulen a D. Maria Ana de Áustria, Pará, 16 de novembro de 1753. In: LAMEGO, Alberto. A terra Goytacá: à luz de documentos inéditos, t. III. Bruxelas: L’Édition d’Art Gaudio, 1925, p. 282-287., p. 293-294). De fato, poucos meses depois, Meisterburg, Eckart e Kaulen foram destinados a missões afastadas: Aricará e Piraguiri, no vale do Xingu, e Trocano e Abacaxis, na foz do Madeira (LEITE, 1949LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, t. 8. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1949.; MEIER; AYMORÉ, 2005MEIER, Johannes & AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-Amerika: ein bio-bibliographisches Handbuch, t. 1 (Brasilien, 1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005.).4 4 Catalogi da Vice-Província do Maranhão, 1751-1753. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 162r-189v.

A presença dos três alemães nesses lugares teve uma forte conotação sociopolítica, pois a definição dos limites entre os domínios castelhano e luso, conforme o Tratado de Madri (1750) e o plano de povoamento do sertão, atribuía a essa zona fronteiriça grande importância geoestratégica. Embora os inacianos estivessem naquela altura ainda colaborando com a administração portuguesa, por uma confluência de interesses (SOUZA JUNIOR, 2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: Ed. UFPA, 2012., p. 147-148), certas atitudes de Kaulen, Meisterburg e Eckart suscitaram o desagrado do governador Francisco de Xavier de Mendonça Furtado, meio irmão do Marquês de Pombal. Os três inacianos redigiram dicionários da Língua Geral (PRUDENTE, 2017PRUDENTE, Gabriel de Cassio Pinheiro. Entre índios e verbetes: a política linguística na Amazônia portuguesa e a produção de dicionários em Língua Geral por jesuítas centro-europeus (1720-1759). Dissertação de mestrado em História Social da Amazônia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.), apesar da ordem real de promover o uso do português, e, mais grave, se recusaram a fornecer remadores e víveres para diversas expedições militares (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005.). A veemente insistência dos padres alemães na autonomia das missões foi interpretada como resistência obstinada à pretendida secularização das mesmas. A carta aqui apresentada expressa a indignação e revolta do padre Lourenço quanto ao plano das autoridades.

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A promulgação das medidas reformadoras coincidiu com a atuação de Kaulen em Piraguiri. De acordo com a ânua, a missão contava, na virada de 1755 para 1756, 921 habitantes, em sua maioria mulheres (fl. 481r). Quanto às etnias ali estabelecidas, o padre menciona apenas os Muruani (fl. 483r). Esse etnônimo não é recorrente, podendo se tratar de uma referência aos Jurunas ou, eventualmente, aos Mura, embora nada comprove a presença desse povo no Xingu (NIMUENDAJÚ, 1981NIMUENDAJÚ, Curt. Mapa etno-histórico. Rio de Janeiro: IBGE, 1981.).5 5 O mapa situa os Mura mais ao oeste nos vales do Madeira e Tapajós. O padre Eckart, que conhecia a missão, destaca outra etnia, os Coribaré (ECKART, 2013ECKART, Anselmo. Aditamentos do Senhor Pe. Anselm Eckart, Ex-pregador da Companhia de Jesus na Capitania do Pará no Brasil, à “Descrição das Terras do Brasil” de Pedro Cudena e às “Notas à Sexta Contribuição de Lessing para a História e a Literatura”. In: PAPAVERO, Nelson & PORRO, Antonio (org.). Anselm Eckart, S.J. e o Estado do Grão-Pará e Maranhão (1785). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013, p. 54-120., p. 90). Meio século antes, João Felipe Bettendorff (1990, p. 115-116)BETTENDORFF, João Felipe. Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: Fundação Cultural Tancredo Neves: Secretaria de Estado da Cultura, 1990. apontara, além dessa, os Goyapi e Pacajá.

Já o padre João Daniel, contemporâneo de Kaulen, restringiu-se a destacar a abundância de peixes e, por conseguinte, a intensa atividade de pesca na área. Segundo ele, depois de 1757, as três missões no Xingu - Aricará, Itacuruçá e Piraguiri - possuíam “boas igrejas e belas casas de residência dos seus vigários, e diretores” e se encontravam “sobre o rio, muito fartas, alegres e sadias, cujos índios aqui se regalam, além das mais pescarias, com o peixe mapará, que merecia ser chamado o rei dos peixes” (DANIEL, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas, v. 1. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004., p. 395) . De um lado, essas observações corroboram a carta de Kaulen, que comenta a atividade pesqueira e, relacionada a essa, a existência de um estaleiro para a construção de canoas (fl. 482r/v). Mas, de outro lado, a impressão bucólica de Daniel contrasta com a dramaticidade empregada por seu confrade alemão para descrever o estado degradado da aldeia e a exploração ilegal dos índios. Ele até diz temer o “completo desaparecimento” dos indígenas e indicia moradores e autoridades de fazer tudo para “que se restabeleça a posição inferior” dos nativos (fl. 481v-483r).

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As veementes críticas de Kaulen repercutiram na correspondência do governador, que acusou o padre de sabotar abertamente a secularização das missões. Assim, Mendonça Furtado relata que o tenente Luís Bertinis Courat, enviado a Piraguiri para assumir a administração do lugar - chamado agora de Vila de Pombal - na qualidade de diretor, teria sido desrespeitado por Kaulen. Este, ao invés de entregar os bens da missão, teria danificado várias ferramentas “a barras de ferro, em ódio e desprezo da mesma ordem que tinha recebido” (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005., p. 366). Por ser lugar de pescaria e fabricação de canoas, a aldeia de Piraguiri dispunha decerto de ferramentas específicas e de valor. Depois desse incidente, o padre teria se dirigido ao forte de Gurupá, onde ofendeu o comandante, “tratando-o de ignorante, e chegando-lhe a dizer que ele [Kaulen] era um grande soldado, e que podia ensinar a todos” (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005., p. 366).

Mendonça Furtado lembra que, já em 1752, o gênio impetuoso do padre alemão o havia exasperado no contexto da delimitação das fronteiras. Kaulen, então missionário em Sumaúma,6 6 No Catalogus da Vice-Provincia de 1752, Kaulen está inscrito na missão de Mortigura, vizinha de Samaúma. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 185r, 187r. teria se comportado como “verdadeiro régulo e absoluto” ao receber o ajudante de oficial, enviado com a ordem de “buscar carpinteiros para principiar a fatura das canoas” (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005., p. 368). Logo após a saída do militar, o padre teria mandado açoitar o índio Diogo, o carpinteiro escolhido. Por isso, o filho deste foi queixar-se ao governador, que despachou um oficial para averiguar o caso. O oficial constatou a violência contra o índio artesão, recebendo do padre a justificativa de “que estava em sua casa, e que podia nela fazer o que quisesse, sem que a ninguém lhe importasse” (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005., p. 375). O incidente serviu a Mendonça Furtado de pretexto para acusar os missionários, de modo geral, de esconder os índios e propôs a seu irmão na Corte de exigir dos prelados das ordens religiosas o pleno cumprimento da nova disposição concernente à cessão de indígenas para o serviço real (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005., p. 376-378).

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Também os superiores da Companhia estavam cientes do caráter colérico de Kaulen, que veio à tona, sobretudo, no seu trato com outras pessoas.7 7 O Catalogus da Vice-Província de 1751 o julga como “bom para predicar e ensinar”, mas “inapto para governar e gerenciar”. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 180r. Por causa dos maus tratos infligidos ao carpinteiro Diogo, ele recebeu duas reprimendas e teve que recolher-se ao colégio em Belém (KAULEN, 1925KAULEN, Lourenço. Carta de Lourenço Kaulen a D. Maria Ana de Áustria, Pará, 16 de novembro de 1753. In: LAMEGO, Alberto. A terra Goytacá: à luz de documentos inéditos, t. III. Bruxelas: L’Édition d’Art Gaudio, 1925, p. 282-287., p. 288-290). Na carta-ânua de 1756, ao relatar em terceira pessoa sua expulsão da aldeia, Kaulen evoca uma grave desavença com os Muruani. Tendo se alastrado, essa querela teria minado sua autoridade e culminado finalmente no alarido que o forçou a fugir da missão em 1756 (fol. 483r/v). Nas entrelinhas, ele não só censura seus confrades por não terem levado a sério essa contenda no interior da missão (fol. 483r), como suspeita abertamente da conivência do governador e do bispo D. Miguel de Bulhões na erupção da violência contra ele. Na ocasião, o incidente ganhou dimensões políticas (fl. 484r).

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Poucos meses depois, com a secularização oficial de Piraguiri, Kaulen é destituído como missionário e preso. Em 28 de novembro de 1757, ele é deportado para Lisboa, junto com quinze jesuítas portugueses e estrangeiros. Na ocasião, Mendonça Furtado acusa Kaulen e Meisterburg de terem

corrupitissimas ideyas, todas abominaveis, que sabem estes certoés aos palmos, e que naõ saõ homéns em quem devemos confiar couza alguã, e de quem devemos supor quanta couza mà houver, pelo que me parecia mais conveniente, que ficarem no Reyno, do que sahirem para fora delle. (OFÍCIO…, 1757aOFÍCIO do [governador e capitão general do Estado do Maranhão e Pará], Francisco Xavier de Mendonça Furtado, para o [secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra], Sebastião José de Carvalho e Melo, comunicando a partida para o Reino de vários padres estrangeiros, destacando o padre Lourenço Kaulen e António Meisterbourg, devido às ideologias contrárias que divulgavam naquele Estado. Pará, 29 nov. 1757a. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_CU_013, Cx. 43, D. 3927.)

Implicitamente, o parecer do governador evidencia a preocupação quanto à atuação de inacianos estrangeiros na larga faixa fronteiriça entre os dois domínios ibéricos na Amazônia. Assim, os padres Meisterburg e Eckart foram acusados de serem “engenheiros militares”, por terem retido dois canhões na missão de Trocano, além de estocar farinha de mandioca e insistir no uso da Língua Geral (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005., p. 133-134).

Logo após a partida dos exilados, D. Miguel de Bulhões transformou as antigas missões jesuítas em paróquias. O bispo nomeou o padre José Monteiro de Noronha para visitar as respectivas localidades nos rios Xingu, Tapajós e Amazonas a fim de verificar seu estado e suas necessidades. Segundo D. Miguel, Noronha constatou que os padres da Companhia teriam permitido e cometido inúmeras irregularidades. Assim, pajés estariam atuando livremente, muitos índios viveriam em poligamia e - o mais grave de tudo - casamentos teriam sido anulados sem respeitar os trâmites canônicos. Como exemplos das supostas arbitrariedades dos jesuítas, ele aponta os atos do padre Kaulen em Piraguiri que “intentou, com diabólicas práticas, arruinar aquela Povoação, fazendo retirar os Indios para o mato, sem mais razão, que a [de] se ver obrigado a demitir o governo temporal e espiritual desta” (OFÍCIO…, 1757bOFÍCIO do [governador interino do Estado do Maranhão e Pará], Bispo do Pará, D. Fr. Miguel de Bulhões e Sousa], para o [secretário de Estado da Marinha e Ultramar], Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre a necessidade de se elaborar um directório espiritual para reger as paróquias e converter os índios mal encaminhados pelos missionários da Companhia de Jesus. Pará, 29 nov. 1757b. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_CU_013, Cx. 43, D. 3919.).

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Em 12 de fevereiro de 1758, os desterrados chegaram a Lisboa, sendo logo encaminhados a casas da própria Companhia para cumprir prisão domiciliar. O secretário de Estado de Marinha e Ultramar Tomé Joaquim Corte-Real informou Mendonça Furtado sobre o destino dos padres, frisando que mandou colocar os alemães Meisterburg e Kaulen sob vigilância especial “com o preceito de obediência sub culpa gravi que não façam digressões fora da sobredita Residência [Roriz]” (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência do Governador e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado: 1751-1759. 2ª edição. Brasília, DF: Senado Federal, 2005., p. 390-392). Na resposta, Mendonça Furtado exprime sua satisfação, mas adverte ainda que ambos certamente tentariam continuar a “fazer as insolências” e “aproveytar para seguirem seu genio, e reduzirem a praxe as suas abominaveis ideyas” (OFÍCIO…, 1759OFÍCIO do [governador e capitão general do Estado do Maranhão e Pará], Francisco Xavier de Mendonça FURTADO, para o [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre a má conduta e os crimes praticados pelos padres Lourenço Kaulen e António Meisterbourg nos aldeamentos daquele Estado. Pará, 12 fev. 1759. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_CU_013, Cx. 44, D. 4010.).

A princípio, Kaulen ficou detido no Colégio de Nossa Senhora da Lapa, mas em 1759 foi transferido para a prisão em Almeida e, enfim, encarcerado no forte de São Julião da Barra, perto de Lisboa, de onde só saiu em 1777, após a morte de D. José I. Pouco se sabe de sua vida depois da liberação, apenas que, idoso e adoentado, decidiu permanecer na Corte, redigindo relatos de teor apologético acerca de sua experiência de desterro e cárcere (KAULEN, [1784]KAULEN, Lourenço. Relação de algumas cousas de succederão aos Religiosos da Companhia de Jesus no Reyno de Portugal, nas suas Prizões, Desterros, e Carceres. Biblioteca Nacional de Portugal. Manuscrito-Microfilme, Reservados F 2945/fg. 7997, [1784].). Ao que tudo indica, Kaulen faleceu na capital lusitana em 1797 (LEITE, 1949LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, t. 8. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1949., p. 308).

Transcrição

[fl. 481r]

LXXVII

Literæ8 8 Forma correta: litteræ. annuæ Missionis Piraguirensis de Anno 1755. in 56.

Numerus Personarū. 9 9 No original, os títulos dos parágrafos constam à margem. Aqui eles são reproduzidos em itálico encabeçando os mesmos.

Numeravit Missio hoc anno post Christum natum 1755, in 56.incolas 921. inter quos Iuniores 81. Viri 220. Mulieres 358. Puellæ 62 ac circiter 200 Innocentes.

Mortui.

Ex his mors sibi decerpsit 30. inter quos quatuor10 10 Forma correta: quattuor. specialem, et in Indis admirandam satìs nobis præbuerunt Patientiæ, Resignationis, ac in divinam misericordiam fiduciæ exemplum; spemque nobis non dubiam reliquerunt animas suas Angelorum manibus cœlo sinè morâ immisisse.

Baptizati.

Sacris undis abluti Innocentes 44. Quibus solùm unica ex adultis sacris fidei nostræ Rudimentis recenter instructa accessit, eo quod plures è Sylvarum tenebris ad fidei lumen reducendi occasionem ab iis ipsis, qui nos adjuvare deberent; interclusam nobis esse lugeamus.

e Sylvis Reducti:

Interim tamen nihil omissum, quo minus saltèm eos, qui olim seMissionariorum Curis submiserant, temporum verò inclementia, aut fame compulsi iterum se ad Sylvas, ac patrias latebras reduxerant, convocaremus exemplóque boni Pastoris relictis reliquis ovem perditam conquireremus. Quare licet semel diabolicis artibus delusi in vanum excurrimus, non tamen animum adeo abjecimus, ut non denuò fortunam tentaremus: cœlóque favente res felicius successit decemque animas dæmonis faucibus è Sylvarū latebris extraximus.

Aegroti.

Aegritudinibus vexati |: quorum annus hic sát fertilis fuit :| frequenter visitati, medicamentis, cæterisque necessariis sublevati, ad patientiam christianam pariter ac pœnitentiam hortati. Miseri ad Spem futurorum, ac Resignationem animati; eleemosinis quantùm licuit tenuitati nostræ recreati. esurientes nutriti, nudi cooperti, moribundis ut debuimus, adstitum. Quotidiana Verbi divini expositione rudes instructi; ad Salutem æternam consequendam scitu necessaria siné intermissione proposita; aptis denique exhortationibus id effectum, ut non pauci à turpis vitæ consuetudine destiterint, et qui aliàs in viâ mandatorum divinorum frequenter titubabant, nunc firmioribus gressibus rectius incedant.

Conjugia reparata.

Non paucorum quoque Conjugum, quorum dissensiones animos animos diviserant, odium quoque corpora segregaverat |: id quod apud

[fl. 481v]

Hasce Nationes frequentissimum est :| ac dum quod DEUS conjunxerat diabolus separaverat utrimque Conjugalis fidelitatis obliti ut pecora vivebant, Deo tamem adjuvante id effectum, ut injuriam Creatori, et comparti11 11 Forma correta: compari. illatam agnoscentes sibi mutuò veniam deposcentes ad priorem horum reverterentur, séque intra matrimonii terminos continerent.

Matrimonio juncti.

Non nullis quoque; qui carnali licentia ducti sese in turpitudinibus volutabant, matrimonium persuasum, sicque decem paria hoc vinculo secundum ritum S. Ecclesiæ conjuncta; ut ita ad manum posito concupiscentiæ remedio ab illicitis facilius se continerent, quod et feliciter effectum vidimus, spemque nobis relinquunt, ut sic bullientis juventutis annos Christianorum more transeant.

Pivatis Colloquiis animati.

Privatis, ac particularibus alloquiis |: quibus præsertim in hoc rudi hominum genere plus efficitur quam publicis exhortationibus :| frequenter animati, ut per quævis aspera in via præceptorum divinorum recte incederent; spéque divinorum familiariter inducti, ut se ab illicitis continerent, ac posthabitis Sylvestribus suis ritibus filiorum Dei mores induerent, vidique cum summa animi mei consolatione non esse eam in iis animorum barbariem, qua Zelosi operarii industriâ evelli non possit, aut etiam in melius commutari.

Rerum temporalium cura.

Hos inter Spirituales labores non ita animum animarum Saluti applicari licuit, ut non etiam partem nostrî temporalibus curis impendere necessarium fuerit; hanc enim sortem dum Europæis Missionariis meritò invidemus, non solùm ea, quibus nobis ad vitam sustentandam opus est, sed et magne ex parte ea, qua Indis necessaria sunt conquirenda nobis videmus.

Quem in finem emissi, qui id quod in domûs Domini eiusque Ministri Sustentationem requiritur, é sylvis colligerent; qui licét ob anni inclementiam imbresque solitò majores valetudine graviter tentatâ febribus dejecti è medio labore redire coacti, non in eâ, quâ aliàs copiâ merces eduxerint, plus tamen fuit meritis nostris, sufficietque ut in usus prudenter collocatū præter sumptus, quos fecimus, non modicum debitorum diluat.

Pagus in meliorem formam redigitur.

Sylvæ, et arbusta è lateribus Pagi domibusimminentia unde quaque dejecta, quæ olim incolarum receptacula ventis ac liberiori äeri pervias esse non sinebant, cum non mediocri ut fierit consuevit, sanitatis detrimento quod retentæ sub arboribus exhalationes terræ aliàs humidissimæ solent causare; atque ita nunc amœnissimus pratorum aspectus cum sylvarum vicinarum varietate conjunctus non solum Pago non levem confert majestatem; verùm etiam futuris temporibus alendis pecudibis

in

[fl. 482r]

In bonum publicum desideratum præbebit pastum, res tanto magis optabilis quantó magis parùm præterfluens fluvius suppeditat id, quod alendis tot personis necessarium est.

Indorum novæ domus.

Plurima quoque Indorum habitacula, quæ pecorum potius quàm hominū receptacula diceres, ac plerumque ex quatuor palis, iisque substratis arborum foliis consistentia; quibus se huc úsque ut olim in suis latebris, à solis et imbrium injuriis defendebant, nec ægrotantibus tutum præbebant asylum, substitutis novis in Europæorum morem domibus in meliora permutata. assumpta in earum constructionem ea lignorum specie, quæ corruptioni minus subjecta seris se posterorum usibus conservabit. quarum primam accapú dicimus, alteram a ipsius ferri duritie, quam sibi nativam habet, itá-ŷba nominamus.

Missionarii domus ædificari coepta.

Dumque his ocupabamur, ruinæ domûs propriæ nos ad alios majoris momenti labores pertraxerunt, manumque operi applicare coacti sumus, quod in his calamitosis temporibus vix ullus aggredi ausus fuisset. Domus inquam nova sat ampla 160 palmorum cum proportionata latitudine ædificari coepta, altitudinis verò triginta e trium palmorum, cum qua altera, eiusdem structuræ, angulum facit quæ Opificum Fabrorum scilicet loqui, et Textorum officinas complectitur. Opus jam a multis annis desideratum; hucusque enim in duobus post Ecclesiam appensis Receptaculis è limo conglutinatis altarium minister hospitari cogebatur muribus ac serpentibus adeo familiaribus, ut infestos hos contubernales undequaque obvios habeas ac faventibus superis initiora tempora operi sub eorum patrociniis suscepto finem imponent.

Navium Receptaculum.

Navium Receptaculum, quo Missio penitus injuriâ temporū destituta erat, novū sat amplum in bonum publicum erectum cum non exíguo Missionis emolumentuo; nunc enim in tuto collocari potest, quod olim maris tempestatibus, imbrium furiis, ac solis æstibus objectum destruebatur in futura tempora conservandum.

Naves confectæ.

Navium structuræ suum quoque tempus datum. Novem parvæ piscibus capiendis dicatæ. Altera major 80 palmorum. Tertia denique Missionarii levioribus itineribus consecrata ædificari cœpta. H [sic]

Hæc sufficiant de laboribus nostris; ad eos redeamos quos divina Providentia curæ nostræ subjecit.

Miser Indorū Status.

Dici, vix potest quantis Calamitatibus misera hæc Indorum Natio opprimatur, id quod miserrimihujus Pagi incolæ magnâ ex parte experiuntur in his tristibus temporibus, ad quæ nos superi reservatos voluêre.

[fl. 482v]

Est Terrarum, aut Fluviorum potius dimensio, quam Politici Lusitani sibi suscipiendam putarunt. Est Europæorum avarum mericium conquirendarum studium. Est pessimorum è Lusitania sæpe ob crimina ejectorum hominum multitudo. Est omnium aversus in miseros animus, aliaque quæ publicis Annalibus inserenda præterimus, quæ omnia uno quasi impetu in id concurrunt, ut eorum statum deteriorem reddant, eóque modò rem deduxerunt ut Manicipia per Europæorum domûs hic sparsa meliorem se sortem præ iis consecuta videant; tanta enim est eorum pauperies ut pluríma utriusque sexûs pars vix inveniat, quo non dicam corpus, sed et id quod natura tectum voluit, contegant; ac propterea dum domum domini, aut ipsius ministri accedre constituunt, acceptis ab alio mutuis indusiis, aut femoralibus accedant, Quare ut et huic necessitati ocurreremus, cogitatum strenué: circumquaque ad Vicinos emissum conquisitumque tantum Gosipii, quantum præter mille ulnas è Civitate adductas adhuc alias quingentas suppeditaret, quibus inter pauperes distributis mitigata quidem, verùm non extincta penitus necessitas fuit.

Piscium captura.

Non levis etiam curæ nostræ portio collocata in eo fuit, ut, quo tanta hominum operariorum, et egeneorum copia ex parte sustenaretur, conquireremus.

emissi sedulò piscium captores, Conquisitus non exiguus testudinum numerus. confecta haud levis piscium sale conditorum, uti v et in pulverem comminutorum quantitas, quæ omnia in longum tempus asservata in famelicorum eleemosinas; et opificum sustentationem cessêre; Verúm ut ut multa hæc parum inter tantos videbatur eo præsertim tempore quo vix non summam victualium inediam experiebamur; vix enim tantum vitæ necessariorum è campis colligere licuit; quantum ad vitam miserè trahendam necesse fuit, neque id tam ob terræ sterilitatem, quàm ex defectu operariorum, qui Campos tantæ hominum multitudini præpararent; Continuæ enim patriorū militum miseros indies ad labores extrahentium incursiones id effecerunt, ut non pauci, relictâ familiâ, fugâ se ab injuriis liberantes in sylvas longius se reducerent; alii verò in Servitiis plus æquo detenti postea reduces inediam augerent, cum summo animi nostri dolore; qui sanè non modicê auctus fuit cum accessit, qui et hunc ut ut parvum eis bolum subtrahere conaretur, imponendo pro rata capitis sui certum non nisi promissa Solutione farinarum |: quæ hic panis vices supplet :| tributum, quod vi, et minis à miseris extorquebatur etiam ab eo fœmineo sexu qui viros suos ab iisdem rigidis exactoribus sibi subtractos indolebat, cum domum, et camporum ruinâ, non remanendo pauperculis, qui cibum conquireret, nudas o vestiret, relictas defenderet etc.12 12 No original, “& c.”. Vix quid injuriarū

[fl. 483r]

Ab inimicîs timeri potest, quod afflicta hæc gens, et qui illius a Deo curam in se suscepit, ab iis qui eos defendere deberent, non experitur. ad Servitia ut jumenta inique pertracti, vix præter farinam |: quæ sæpe deest :| aliquid impetrant; ínterim laboris pensum cum rigore exigitur; de stipendio minimé cogitatur, nisi justum per novem menses continuati laboris stipendium vocare libuerit a Regiis Ministris persolutæ 8 ulnæ grossissimi panni quod tribus Cruzadis nostræ monetæ facilé comparaveris. aut quod peius est frustum papirûs pauperculæ viduæ submissum, cujus maritus ex hujusmodi laboribus morbum, et mortem tulit, submissum siginificando non fuisse ad manum quo tunc ægrotantis et in via ad pagum emortui labores compensarentur etc. Hæc sunt quæ in præmium iis cedunt, qui fugâ se non subduunt servitiis quæ vocant Regiâ, Missionariique digna effecti sunt instrumenta, vah pudor! quibus miseri ad similia constanter perferenda adigantur. Confractis ossibus, luxatis nervis, aut ægroti, aut nudi penitus ad suos redeunt, non redituri nisi fugâ deferantur … Sed hæc fusius annalium Scriptoribus expendenda relinquo. id solùm est quod amaris nobis lachrymis deplorandum restat: Hoc modo paucorum annorū spatio extinguendas esse penitus omnes tantorū virorum illustrium sudoribus conquisitas et ad pagos reductas et Indorum Nationes ovili Christi annumerandas;

alterum est Christianorum nomen futurum Indis quàm maximè invisum utpote qui sub specioso filiorum Dei titulo extracti è sylvis, tam immensis crucibus subjiciuntur.

Tertium denique est nos ad hæc solúm aspicienda è tam longinquis terris huc delatos esse, dum nos ad copiosam animarum messem vocatos putabamus … Verùm … tempus fors meliora dabit. Hæc de Indis.

Procedamus nunc ad ea quæ eorum Pastori per hujus anni decusum asperiùs acciderunt.

Ut de Vicinorum pessimorum, quibus et ipsum Missionarii aut Religiosi nomen invisum esse videtur injuriis, et calumniis nobis illatis nihil referamos, perspiciamos successus intra ipsos Pagi terminos notabiliores.

Periclitatur Missionarius

Muruanorum Natio reliquis populosior, nescio quo rumore perterrita, Missionarium statim in principio perculo non levi exposuit. Hæc aliquot ab hinc annis contra suum Pastorem tumultuans securibus, et arcubus, et, quidquid armorum furór suppeditabat, armata Missionarii domum perfregit, benefactorem suum, nisi se fugâ servasset, è vivis sublatura. Scelus hoc, dum Patrum clementia impune permisit, in hunc usque diem eorum conscientias

[fl. 483v]

Terroribus percellere non desinit, dumque ipsi culpam satis agnoscunt, licet veniam deprecati, se tamen dum minus cogitant, ad debitas poenas pertrahendos timent. et quid mirum? Sylvestria enim hæc animalia inimicis ignoscere non didicerunt, nisi dum lædere non possunt.

Muruani fugam, et pluribus necem intentant.

Hi, inquam, ipsam novi Missionarii affabilitatem, ac cum omnibus suavem agendi modum, quo eorum animas lucrifacere studebat, ut animas tractaret ad Salutem, suspectam habentes, et fugam meditabantur et plurimis necem. Hanc suspicionem causavit,13 13 Forma correta: causavitur, pois o verbo causare não existe. et auxit nobilior quædam inter illos mulier, cujus maritus Missionario erat familiarior ratione officii, quo inter suos eminebat. Hæc dum Missionarium apud alios deprædicabat, addebat: Hujus ubi sermonibus obsequentes fueritis, bene vobis erit. sin’ minus, omnes vos ob olim patratum facinus capiet, pago14 14 Forma correta: e pago ou de pago. ejiciet, et ad Civitatem plectandos pertrahet, ac demum in exilium invicem separatos expellet. Hæc licét in familiari discursu à mulieris sinceritate prolata omnium animos ita perculerunt, ut jam plantatos è Campis fructus evellerent, de præparandis novis ne cogitarent amplius, reculas suas colligerent, arma præpararent, eóque omnia tali secreto, |: quæ res in hac gentili barbarie verè admiranda est :| ut nullus aliorum - vel minimum subodoraret. Principalem suum | ita vocant suum præpositum, personam inter illos digniorem :| qui longius exierat espectabant, ut in id quod meditabant executione prorumperent; sicque ignis hic quasi sub cineribus in flammas exiturus sustentabatur.

Redeunte eorum ductore Principe ad eum convolant, cumque illum Missionario semper familiarem viderant, interrogant quid futurum, quid denique faciendum. Hic altius rem considerans, aut divino ductus instinctu die quodam dum Missionarium solum in pago conspicit, antequam igni cineres subtraheret et lingua, et animo, et pedibus trepidans Patrem accedit, remque detegit, quam dum Missionarius æquo animo excipit, prudenter diluens rumoris falsitatem, etc. mitius habere coepit, perturbatus hominis animus, sicque denique superis aspirantibus suffocatæ periculosæ seditionis flammæ, animique compositi, ut se intra rectæ rationis limites contineret. Tanti est discriminis hos inter sylvestres animos versari; quibus etiam dum benefeceris, periculum incurris.

Atque ut plenius nativam hujus gentis barbariem, aut potius insolentiam ab Europæis in Missionarios concitatam intelligas, hunc successum accipe. cujus author est unus ex antiquioribus hujus Pagi, quos magis domesticos crederes.

[fl. 484r]

Dum nuper Missionarius Pagum pertransiret, Certus quidam arcum, et Sagittas arripit; animos aliis adjiciens, dicendo: mactè animis! trajiciemus eum |: Missionarium scilicet :| Sagittis, licét eum huc usque minimé á se læsum sciat, dumque alius hoc audiret, illum continuit; nec tamen fuit qui ob gentis hujus secretum |: quod Sancté inter se servant :| qui Missionariū moneret periculi, nisi post multum temporis clam cognitum, ac testimoniis comprobatum accepisset. Sic intgratæ hæ tygrides vitam hominis quase joco exponunt.

Tertium pro coronide, et majoris momenti superaddo, ut certius intelligas non defuisse qui supradictas inter industrias nostras quietem, aut potius labores nostros interpelleret, vineamque domini graviter demoliret. Miserunt scilicet infernales Spiritus hominem, qui conculcato bono semine perversi exempli Cizania superseminaret, subque specioso Regis nomine quælibet sibi hic licere jactitaret, quare nocte cum suis Vespertilionum more per dormientium domus volitare, incautarumque animos, et corpora conspurcare conabatur; Indorumque animos à Dei Ministro in eorū salutem se tum temporalem, tum æternam se penitus consumente, averteret, ad inobedientias, et tumultus publicè excitaret et dictitans, quæ omnibus quidem scandalo extiterunt gravissimo unum autem præ cæteris genio magis perversum, ac benefactoribus suis minus affectum ad blasphemias stimularunt, qui Missionario dum ad aras faceret, sacrisque publicè illudere variaque indecentia eructare cœpit, ac demū Pago cum milite, qui eum ad hæc, ut suspicari fas est, induxerat, exire Missionarios á Se pago ejiciendos dictitans. furiis his agitatus, navim Missionario eripit, Gubernatorem nobis minus affectum, demum Epicopum accedit, nescio quæ figmenta ad illos delaturus, temporum successu detegenda. post aliquot septimanarum intervalla redux, dum Missionarium solum in domo, et pago conspicit, accedit vino madidus, iris plenus, baculo manu armata contra inermem clamitans etc. dumque mitius respondentem, ac ut iras contineret leniter rogantem audit, ille depositâ omni in sacerdotem reverentiâ insolescere, pede, et baculo terram quatere, non jam rogare, sed jubere cœpit etc. dumque Missionarium se ad interiora domûs retrahentem videt, forte metuens ne quo se defenderet, inveniret, in pagum se reduxit tumultum movens, ac sclopetam15 15 Forma correta: sclopetum. quâ Missionarium trajiceret, accipiens. quem dum jam non amplius domi invenit |: is enim quod se in domo undique apertâ minus securum videret, alió se contulerat peiora metuens :| Quare eum

[fl. 484v]

Stipatus fratre, quem socium criminis adduxerat, et adjutorem; armabus insequitur non módico viæ ac temporis spatio. Verùm licét Missionarius eadem quâ iverat viâ rediturus, exierat, divino tamen instinctu, qui eum domo exire fecerat, nunc quoque alio discesserat, atque ita Angelis ducibus rabidas hujus feræ ungues evasit, donec qui ei assisterent, tumultuantique metum injicerent, accederent. … Indus qui semper Patribus sat molestiæ causavit Pago se quidem subduxit; verùm Missionarium securum esse non sinit, invenitque similes sibi sócios quorum tellus hæc ferax est, qui ei consilio, et opera, adessent ut indies plures, et plures pago clam aut metú aut dolo subtraheret, cum quâ animarum ruinâ, et fidelis Pastoris dolore facilé quis colliget.

Hæc et similia sunt quæ ab his inter tygrides enutritis animalibus semirationalibus in tantorum laborum nostrorum præmium exspectare possumus; præsertim in his corruptis temporibus quibus tot infernales ministri contrarium divinæ legis et exemplo, et opere docent, impedientes omni ex parte Zelosos Dei Ministros, quo minus tot sudoribus á se irrigatam Dei vineam tractent; eosque ipsos de quorum bono, et Salute agitur, in benefactores suos aczerbè16 16 Palavra com rasura, conforme o original. Forma correta: acerbe. concitant. Etc …

Verùm licèt in ingratissimorum usus consumamur, propterea tamen minimè ab officio, et imposito nobis munere, ad quod nos Deus clementer vocare dignatus sat fuit, relaxandum; imò diligentias dupplicandas existimamus, non ignorantes quanto minus operæ nostræ pretium in tempore tulerimus, tanto majus æternitati reservatum rependi in futuro; quare si fortè necessarium fuerit terras has non solúm Operariorum sudoribus, sed et Sanguine conspergi, id ipsum non inter ultimam laborum nostrorum mercedem computandum ducimus, ubi Dominus Vineæ hujus tam intractabilis, tot tribulis, ac Cizaniis refertæ eam Sanguine quoque nostro irrigare dignatus fuerit, ut nativam suam duritiem tandem deponat, evulsisque Sylvestribus radicibus in meliores fructus evirescere fecerit.

Nos interim his annuas claudimus, ac ut precibus saltem in animarum Salutem concurrat, rogamos Lectorem, eique vitam precamur æternam.17 17 No fim da frase há um elemento estilístico que não foi reproduzido.

Laurentius Kaulen, Missionarius Piraguiriensis. 18 18 A manuscrita da assinatura difere daquela empregada na redação do corpus da carta.

Tradução

[481r]

LXXVII

Carta-ânua da missão de Piraguiri

do ano de 1755 para 1756.

O número de pessoas.

A missão contou neste ano de 1755 para 1756, após o nascimento de Cristo, 921 habitantes, entre os quais 81 rapazes, 220 homens, 358 mulheres, 62 meninas e aproximadamente 200 inocentes.19 19 Isto é, crianças de baixa idade.

Os mortos.

Dentre esses, a morte levou 30, dos quais quatro nos deram um exemplo extraordinário - o que é algo muito admirável entre os índios - de paciência, entrega e confiança na divina misericórdia. Eles nos deixaram assim, sem dúvida alguma, a esperança de que suas almas foram, sem demora, logo enviadas ao céu pelos anjos.

Os batizados.

Foram lavadas nas ondas sagradas20 20 Isto é, batizados. 44 inocentes. A esses se juntou, dentre os adultos, somente uma única mulher que recentemente foi instruída nos santos princípios da nossa fé. Diante disso,21 21 Isto é, o número muito baixo de catecúmenos adultos. lamentamos que justamente aqueles que nos deveriam ajudar, nos impedem de tirar um número maior de índios das trevas das selvas, trazendo-os à luz da fé.22 22 Alusão às incursões dos portugueses ao interior que aumentaram a desconfiança e as fugas dos índios aldeados.

Os que foram resgatados 23 23 Literalmente, reduzidos. da selva:

Mesmo assim, durante esse tempo, fizemos tudo para chamar de volta ao menos alguns daqueles que antes se haviam confiado aos missionários.24 24 Alusão às frequentes fugas de índios já cristianizados. De fato, por causa da inclemência das circunstâncias e forçados pela fome, eles acabaram retornando para a selva onde se encontram os esconderijos que lhes são familiares.25 25 Literalmente, paternos. Queríamos, na verdade, conquistar a ovelha perdida, deixando, a exemplo do Bom Pastor, as restantes para trás.26 26 Referência à parábola bíblica do Bom Pastor (Mateus 18,12-14 e Lucas 15,4-7). Por isso, embora já tenhamos percorrido uma vez o sertão em vão - sendo que fomos enganados pelas artimanhas do diabo -, ainda não perdemos o ânimo a ponto de não querermos tentar de novo a mesma sorte. E, assim, com a ajuda do céu, sucedeu algo muito favorável, pois tiramos dos esconderijos das matas dez almas, resgatando-as, desse modo, das presas do demônio.

Os enfermos.

Os índios foram atingidos por doenças (das quais este ano foi bastante fértil); foram frequentemente visitados; foram auxiliados com remédios e outras coisas necessárias; foram exortados a adotarem a paciência cristã. Os infelizes foram animados em vista da esperança das coisas futuras e da entrega final;27 27 Alusão à preparação para a morte, consistindo em confissão e extrema-unção. foram reconfortados com esmolas, na medida em que nossa pobreza o permitia; os famintos foram nutridos; os nus foram cobertos; houve assistência aos moribundos, conforme é nosso dever. Cada dia, os mais rudes foram instruídos na palavra divina; foram explanadas, sem cessar e de acordo com aquilo que nos incumbe, as coisas necessárias para conseguir a salvação eterna. Enfim, conseguimos, mediante admoestações apropriadas, que muitos desistissem da conduta de uma vida depravada; e aqueles que, em outro momento, tropeçavam frequentemente no caminho das leis divinas, agora avançam com mais certeza e com passos mais firmes.

Os casamentos restaurados.

Não só desentendimentos dividiram as opiniões de muitos cônjuges, mas o ódio os fez se separar até corporalmente (isso é algo

[fl. 481v]

extremamente frequente entre essas nações). De fato, enquanto DEUS unia, o diabo separava. Os casados, tanto um consorte quanto outro, viviam como animais, esquecendo-se da fidelidade conjugal. No entanto, com a ajuda de Deus, chegaram a reconhecer a ofensa infligida ao Criador e ao cônjuge. Desta feita, tendo-se perdoado mutuamente, voltaram ao primeiro28 28 Isto é, Deus. e respeitaram os princípios do matrimônio.

Os casados. 29 29 Literalmente, “os que foram unidos em matrimônio”.

Além disso, alguns que, incitados pela libertinagem carnal, estavam chafurdando em imoralidades, foram persuadidos a casar-se. Dez casais foram assim unidos pelo vínculo matrimonial conforme o rito da Santa Igreja. Desse modo, esta lhes pôs na mão o remédio contra a concupiscência para que se contivessem mais facilmente de atos ilícitos. E, felizmente, estamos vendo agora o resultado e nos resta só a esperança de que esses casais passem os anos de sua juventude, um tempo tão fervilhante, comportando-se como Cristãos.

Os casais que foram exortados mediante conversas particulares.

Os casais foram frequentemente exortados por meio de conversas privadas e pessoais (pelas quais se consegue bem mais nesta espécie rude de homens do que com exortações públicas) para que, mesmo passando por diversas adversidades, entrassem diretamente no caminho dos preceitos divinos. E, de fato, com a esperança posta nas coisas divinas, eles foram aconselhados, com muita dedicação, a se guardarem de atos ilícitos e, após terem renunciado a seus ritos silvestres, aceitarem os costumes dos filhos de Deus. Eu mesmo vi que em suas almas, para o grande consolo da minha, não existe aquela barbárie que não pode ser arrancada pelo mero esforço de um operário zeloso e nem tampouco ser subitamente mudada em algo melhor.

A administração dos bens temporais.

Em meio a esses trabalhos espirituais não foi possível nos dedicarmos à salvação das almas sem que tivéssemos de gastar ao menos parte de nossa energia no cuidado dos assuntos temporais. Com efeito, enquanto invejamos - e com razão - esta sorte aos missionários europeus,30 30 Isto é, de dedicar-se exclusivamente a atividades pastorais ou intelectuais. nós nos empenhamos aqui para conseguir não somente as coisas que forem necessárias para sustentar a nossa própria vida, mas também, e antes de tudo, obter as coisas que forem necessárias para os índios.

Nesse intento, estes foram enviados para coletarem nas selvas aquilo que é preciso para o sustento da casa de Deus e de seu ministro.31 31 Isto é, o missionário. Todavia, os índios, abatidos em razão de sua saúde gravemente afetada por febres decorrentes do tempo inclemente deste ano com chuvas mais fortes do que de costume, viram-se forçados a voltar no meio dos trabalhos. Não na mesma abundância das outras vezes, mas eles conseguiram extrair algumas provisões - só conseguiram mais graças à nossa insistência - e será o suficiente, a ponto de seu lucro, caso for habilmente aplicado, cobrir, além dos gastos que fizemos, uma quantidade considerável das dívidas que temos.

Dá-se uma aparência melhor à aldeia.

Os arvoredos e arbustos, crescendo dos tijolos - de onde, na medida do possível, já foram arrancados -, taparam as casas que ordinariamente são os lugares de morada dos habitantes. Este mato não deixava que os ventos e um ar mais livre pudessem circular, causando um prejuízo considerável para a saúde, como geralmente acontece em casos assim. As exalações provindas da terra - por sinal, extremamente úmidas - costumam fazer mal quando retidas debaixo das árvores.32 32 Em muitas cartas e crônicas frisa-se a importância da ventilação e da circulação do ar. Mas agora, uma paisagem muito agradável de prados, juntamente com a variedade das florestas vizinhas, dá à aldeia não somente um magnífico aspecto apreciável, mas servirá também no futuro

[fl. 482r]

de pastagem, tão necessária para alimentar os rebanhos de gado em vista do bem-estar geral. Tal perspectiva torna-se ainda mais desejável na medida em que está diminuindo a quantidade daquilo que o rio, que passa ao lado,33 33 Isto é, o rio Xingu. costuma fornecer para satisfazer a necessidade de conseguir alimentos para um número tão grande de pessoas.

As novas casas dos índios.

Também, há numerosas moradas de índios que mereceriam ser chamadas antes de abrigo de gado do que de gente. Geralmente, elas são feitas de quatro estacas e de folhas de árvores amarradas nas mesmas. Nelas, os índios se protegiam até agora, como antigamente em seus esconderijos, contra os rigores do sol e das enxurradas. Estas choupanas nem sequer serviram de abrigo seguro para os doentes. Na medida em que foram substituídas por novas, feitas ao modo dos europeus, as moradas dos índios tornaram-se bem melhores. Na sua construção foram incluídas certas espécies de madeira34 34 Literalmente, “espécie de madeiras”. A formulação no singular é equivocada, visto que, em seguida, se fala de duas espécies de madeira. que, por estarem menos sujeitas à degradação, conservarão as casas para o uso das gerações futuras. A primeira espécie de madeira designamos de acapu;35 35 Acapu ou angelim-da-folha-larga é uma madeira pesada e de alta resistência. No original, accapú. a outra chamamos, por causa de sua dureza, que é aquela própria do ferro, mas que ela possui por natureza, de itaúba.36 36 Itaúba, em tupi “madeira de pedra”, é uma madeira de consistência compacta. No original, itá-ŷba.

A casa do missionário começou a ser edificada.

Enquanto estávamos ainda ocupados com estes afazeres, as ruínas em que se encontrava a casa do missionário37 37 No original, “casa própria”. chamavam nossa atenção para outros trabalhos, mais importantes. De fato, vimo-nos forçados a iniciar a obra, porque nesses tempos calamitosos quase ninguém ousava empreender alguma coisa. A casa, quer dizer, a nova, cuja construção foi começada, é bastante ampla, medindo 160 palmos, com uma largura proporcional, e com até trinta e três palmos de altura, formando um ângulo com outro prédio, da mesma estrutura, que abriga as oficinas dos trabalhadores - melhor dizendo, dos artesãos - e dos tecelões. A obra já estava planejada há muitos anos. Com efeito, até agora, o servidor dos altares38 38 Isto é, o missionário. viu-se forçado a acomodar-se em dois cubículos acrescidos à igreja, colados a esta com barro. Neste espaço, os ratos e serpentes sentiam-se muito à vontade, a ponto de haver39 39 No original, “tu terias”. estes companheiros nojentos por toda parte, bem visíveis. Com a ajuda do céu, as atividades iniciais levarão a bom termo a obra começada sob a sua proteção.

O barracão para as embarcações.

Um barracão para as embarcações, que a Missão havia perdido por completo pelos efeitos prejudiciais do tempo, foi construído, novo, para o bem geral, com grande proveito para a Missão. Agora, pois, tudo pode ser abrigado com segurança o que antes arruinou-se, exposto às tempestades do rio,40 40 No original, “mar”. às fúrias das enxurradas e ao calor do sol, e que, assim, deve conservar-se para tempos futuros.

As embarcações fabricadas.

À construção das embarcações também foi dada seu tempo. Nove pequenas, destinadas à pesca. Outra maior de 80 palmos. Foi começada a ser construída, enfim, uma terceira, destinada a tornar as viagens do missionário mais agradáveis.

Que bastem estas notícias sobre os nossos trabalhos. Voltemos às pessoas que a Divina Providência submeteu ao nosso cuidado.

O estado lamentável dos índios.

Malmente pode-se dizer com quantas desgraças a lamentável Nação dos índios está sendo oprimida: aquilo que os deploráveis habitantes desta aldeia estão experimentando, sobretudo nestes tempos tristes, dos quais os céus nos queiram salvaguardar.

[fl. 482v]

A extensão das terras, ou dos rios, é maior do que os políticos portugueses puderam supor.41 41 Literalmente, “pensaram”. Existe um empenho muito cobiçoso dos europeus para procurar mercadorias. Existe uma multidão de homens péssimos que, muitas vezes, foram lançados fora de Portugal por causa de crimes.42 42 Referência aos condenados desterrados para o Grão-Pará e Maranhão. Existe um espírito em todos eles que é contra os miseráveis índios. Por isso, passamos a diversos assuntos que merecem ser inseridos em registros públicos. Esses assuntos todos se concentram, quase com uma ênfase só, nisso: que se restabeleça a posição inferior dos índios. E, neste sentido, esses homens levaram a situação a tal ponto que até os escravos, espalhados por aqui pelas casas dos europeus, estão vendo que tiveram uma sorte melhor do que os índios da aldeia. Pois, é tanta a pobreza desses últimos que a maior parte de ambos os sexos malmente encontra com que se cobrir; não diria eu, somente o corpo, mas também aquilo que a natureza queria que ficasse coberto. Assim, quando decidem ir para a casa do Senhor ou a do próprio missionário, eles se aproximam com camisas e calções emprestados, que receberam de outrem. Por esta razão e para que resolvêssemos esta necessidade, foi logo pensado o seguinte: enviá-los aos vizinhos nas redondezas43 43 Referência às missões de Aricará e Itacuruçá, além de Maturu, na foz do rio. e procurar tanto algodão quanto estivesse disponível, isto é, fora as mil braças de pano trazidas da cidade até agora, outras quinhentas. Estas foram distribuídas entre os pobres. Com efeito, a penúria foi assim abrandada, mas não completamente extinta.

A pesca.

Foi considerável a atenção que colocamos nesta empresa, sendo que procuramos, com muita dedicação, que tão grande número de homens trabalhadores e necessitados fosse sustentado, ao menos em parte, por meio dela.44 44 Isto é, a pesca.

Foram enviados pescadores muito experientes e um grande número de tartarugas foi capturado. Uma quantidade considerável de peixes foi tratada com o sal dos salineiros, como também foi transformada em pó pelos trituradores.45 45 Trata-se do piracuí, em tupi “farinha de peixe”, um alimento comum na Amazônia. Tudo isso, conservável por um longo tempo, serve de doação para os famintos e de sustento para os trabalhadores. Mas, de qualquer forma, esta quantidade parecia tão pouco para tanta gente, sobretudo neste tempo no qual era difícil não sentirmos a enorme falta de alimentos! De fato, só a muito custo foi possível colher nas roças tanto para a vida dos necessitados quanto foi indispensável para continuar levando uma vida em miséria; e isso, menos por causa da esterilidade da terra do que em razão da defecção dos operários que deveriam preparar as roças para uma tão grande multidão de pessoas. As constantes incursões de soldados régios, que se apoderaram dos pobres índios para trabalhos pesados, tiveram como resultado que muitos deixaram suas famílias e se embrenharam, para bem longe, nas matas, livrando-se assim, por meio da fuga, das ofensas infligidas. Já outros foram retidos em serviços para além do prazo permitido, e quando voltaram, só aumentaram a fome, fazendo que sentíssemos uma imensa dor em nossa alma. Esta aumentou consideravelmente, pois aconteceu ainda que se tentou tirar-lhes, a qualquer custo, aquele pequeno ganho,46 46 No original, bolus, que significa “lanço de peixe” e, também, “pequeno lucro”. impondo-lhes, conforme um pagamento calculado per capita, embora esse fosse somente previsto, um certo tributo sobre a farinha de mandioca47 47 O acréscimo “de mandioca” foi incluído para especificar o produto. (que aqui cumpre a função do pão). A referida porção foi extorquida de forma violenta e sob ameaças contra os infelizes, inclusive as mulheres48 48 No original, literalmente “o sexo feminino”. que estavam aflitas por causa de seus homens que lhes foram tirados pelos mesmos carrascos cruéis. Com o desmoronamento das casas e dos campos não restou às pobrezinhas ninguém que conseguisse comida, vestisse as nuas, defendesse as que haviam sido abandonadas, etc. Dificilmente, alguma destas injustiças

[fl. 483r]

não se pode esperar nem sequer da parte de inimigos. Por isso, essa gente está aflita, e aquele que, por Deus, se comprometeu a cuidar dela contra aqueles que deveriam defendê-la, não aguenta mais.49 49 Isto é, o missionário. Arrastados, de maneira cruel, para os trabalhos como mulas, eles conseguem dificilmente produzir algo a não ser farinha (que, além do mais, falta muitas vezes). Mesmo assim, exige-se com rigor o cumprimento do trabalho. Pensa-se, de modo algum, em remuneração, a não ser se, por acaso, quisesse se chamar de justa remuneração para um trabalho contínuo de nove meses as 8 braças de pano extremamente grosseiro, pagos pelos servidores régios, que facilmente se poderá comprar por apenas três cruzados da nossa moeda. Ou o que é pior: um pedaço minúsculo de papel enviado a uma pobre viúva, cujo marido caiu doente por causa do trabalho pesado e morreu, só para avisá-la, desta forma, ora que não fosse de imediato ao encontro do enfermo ora que a trabalheira com o defunto no transporte para a aldeia fosse paga, etc. São estas coisas que eles concedem como recompensa aos índios que, pela fuga, não se sujeitam aos serviços, que chamam de régios; e são aplicadas instruções50 50 No original, literalmente “instrumentos”. da competência do missionário - ah, que vergonha!51 51 O autor denuncia a arbitrariedade de moradores e autoridades ao disporem da mão de obra indígena, desrespeitando os regulamentos acerca da repartição anual e dos prazos de ausência permitida. - pelas quais os infelizes são constantemente forçados a suportar coisas desse gênero. Com ossos quebrados, nervos deslocados, doentes ou completamente nus eles voltam para junto de seus parentes. Aliás, só voltarão, se não se subtraírem pela fuga

… Mas deixo esses assuntos que devem ser tratados mais amplamente pelos escritores das crônicas. Há uma única coisa que nos resta a lamentar e que nos faz derramar lágrimas amargas: o fato de que, por causa de tudo isso, dentro de um espaço de poucos anos, as nações dos índios que ainda deveriam ser acrescentadas ao redil de Cristo e que, com os esforços de tantos homens ilustres, já foram conduzidos às aldeias, hão de desaparecer completamente.

Outra coisa é que o nome de cristão será muito odioso aos índios, pois aqueles que, sob o belo título de filhos de Deus, foram tirados das matas, são subjugados a tão imensas cruzes.

O terceiro ponto, enfim, é que nós, os missionários, fomos trazidos até aqui de terras tão distantes só para cuidar de coisas assim, enquanto pensávamos que fossemos chamados a uma messe copiosa de almas … Contudo … Talvez o tempo trará melhorias. São estes os assuntos sobre os índios.

Passemos agora para aquilo que sucedeu, de forma bastante dura, ao pastor deles ao longo deste ano.

Sem que respondamos às injúrias e calúnias lançadas contra nós por parte de pessoas próximas tão mal-intencionadas, para as quais até o próprio nome de missionário ou religioso parece ser odioso, temos que reconhecer os sucessos, bem notáveis, que se veem no interior da aldeia.

O missionário está em perigo

A nação dos Muruãs,52 52 Serafim Leite designa os Muruani de “Muruãs”. Nada indica que se trate dos índios Mura. mais populosa em relação às demais, expôs logo no início - eu não sei por qual rumor terrível - o missionário a um grave perigo. Faz agora alguns anos que esta nação se rebelou, armada com machados e arcos - seja como for, o furor das armas ajudava -, contra seu pastor, arrombando a casa do missionário. Os índios teriam assassinado seu benfeitor, se esse não tivesse procurado salvar-se logo pela fuga. Mas este crime, que até agora ficou sem punição - pois a clemência dos padres assim o permitiu - até o dia de hoje não para de assombrar as consciências dos índios.

[fl. 483v]

Eles podem pedir perdão, desde que reconheçam, de forma clara, sua culpa. No entanto, embora estejam no momento pensando menos nisso, eles temem que um dia as merecidas punições haverão de lhes ser infligidas. E o que há de surpreendente nisso tudo? Pois, como os animais selvagens, eles não aprenderam a perdoar aos inimigos, exceto quando não conseguem atacá-los.

Os Muruãs ameaçam fugir e matar muitas pessoas.

Estes índios, pelo que vi, consideravam a afabilidade própria do novo missionário53 53 Isto é, Kaulen. e seu jeito suave de lidar com todos - pois foi desta maneira que ele se esforçou para ganhar as suas almas a fim de levá-las à salvação - como algo suspeito e pensavam em fugir, matando muitas pessoas. Certa mulher, muito nobre, cujo marido era bastante próximo do missionário, em razão de seu ofício pelo qual ele sobressaia dentre os seus, levantou esta suspeita e ainda a aumentou entre eles. Enquanto difamava o missionário diante dos outros, ela acrescentou: “Se obedecerdes aos sermões dele, tudo irá bem para vós. Senão, ele prenderá todos vós por causa do crime perpetrado há muito tempo,54 54 O crime aqui evocado será explicitado em seguida. Trata-se de um atentado fingido para assustar o missionário. vos jogará para fora da aldeia e vos arrastará para a cidade a fim de que sejais punidos; enfim, ele vos expulsará, um por um, para o desterro”. Embora estas coisas tivessem sido proferidas com sinceridade pela mulher em forma de uma conversa habitual, elas abalaram o ânimo de todos, a ponto de arrancarem os frutos já semeados das roças, de não pensarem mais em preparar novas, de juntarem os parcos bens e de prepararem as armas; e isso tudo com tal sigilo (que é coisa a ser realmente admirada nesses gentios selvagens), para que ninguém dos outros o percebesse, a não ser o mínimo possível. Eles estavam à espera de seu principal (assim chamam seu chefe, uma pessoa muito respeitada entre eles), que tinha viajado para muito longe, para se lançarem na execução daquilo que estavam tendo em mente. Desta forma, ficou alimentado este fogo cujas chamas saíam, por assim dizer, por debaixo das cinzas.

Quando seu guia, o principal, voltou, eles logo correram para junto dele e, como o tinham visto sempre íntimo com o missionário, o interrogaram o que o futuro traria55 55 Literalmente, “seria”. e o que, afinal, deveria ser feito. Este, ponderando o acontecido com mais perspicácia ou sendo guiado pela inspiração divina, ao enxergar certo dia o missionário sozinho na aldeia, e querendo tirar as cinzas do fogo, aproximou-se do padre - com a língua, a coragem e as pernas trêmulas - e revelou-lhe o que tinha sucedido. Como o missionário acolheu o relato com uma atitude tranquila, dissipando a falsidade do boato, etc., ele56 56 Isto é, o chefe indígena. começou a ficar mais tranquilo. De fato, o espírito do homem estava perturbado, mas, finalmente, com o auxílio do alto, ele conseguiu sufocar a chama da perigosa sedição e ficou com o ânimo determinado, de tal sorte que se conteve dentro dos limites da conveniência racional. Com efeito, é um risco tão grande morar em meio a essas almas silvestres que, até quando se está lhes fazendo o bem, corre-se perigo.

E para que se compreenda mais completamente a barbárie inata desta gente, ou melhor, a sua insolência, incitada pelos europeus, contra os missionários, deve se estar atento ao que se passou em seguida. O autor disso é um dos índios mais antigos desta aldeia que já poderiam ser considerados mais próximos [ao padre].

[fl. 484r]

Há pouco, quando o missionário estava passeando pela aldeia, certa pessoa pegou em arco e flecha e começou a incitar a outros, dizendo: “Matai-o com coragem! Traspassemo-lo (o missionário, evidentemente) com flechas, ao menos até que ele se dê conta que foi ferido!” Ele continuou assim, até que um outro ouviu isso. Este - no entanto, sem ferir o segredo desta gente (que costuma guardá-lo santamente) - só teria advertido o missionário do perigo, se soubesse que, há muito tempo, o segredo já era conhecido e confirmado por testemunhos. É desta maneira que essas feras57 57 No original, “tigres”. ingratas brincam com a vida de uma pessoa.

Acrescento, como desfecho, uma terceira coisa de importância ainda maior, para que se perceba mais claramente que não faltava quem perturbasse a tranquilidade na qual costumavam transcorrer os nossos afazeres, elencados mais acima, ou, melhor dizendo, as nossas fadigas, e quem, deste modo, danificasse seriamente a vinha do Senhor. Tudo indica que uns espíritos infernais enviaram um homem para que, após ter pisado a boa semente, semeasse, como prova de sua intenção perversa, o joio por cima e, invocando o excelso nome do rei, declarasse publicamente que tudo lhe seria permitido aqui. É assim que, de noite, ele rondava com seus comparsas, iguais a morcegos, as casas daqueles que estavam dormindo. Ele tentou conspurcar as mentes e os corpos das mulheres imprudentes, incitar as mentes dos índios à desobediência em relação ao ministro de Deus, que estava se consumindo inteiramente pela sua salvação, tanto a temporal como a eterna, e provocar abertamente tumultos, repetindo as coisas que já eram conhecidas de todos em decorrência de seu comportamento escandaloso muito desaforado. Mas, estes acontecimentos estimularam outra pessoa - pelo seu caráter mais perversa ainda, em comparação com os demais, e muito hostil aos padres, seus benfeitores - a proferir blasfêmias. Ele começou a zombar publicamente do missionário e das coisas sagradas, enquanto o padre estava se dirigindo ao altar, além de vomitar várias indecências; e, afinal, saiu da aldeia junto com um soldado, que ele havia presumivelmente induzido a isso, sempre repetindo que os missionários deveriam ser jogados para fora da aldeia por ele. Agitado em razão destes delírios, ele pegou o barco do missionário, foi para junto do Governador,58 58 Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769), meio irmão do Marquês de Pombal e governador-geral do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1759). que nos é muito pouco favorável e, certamente também, para junto do Bispo.59 59 Dom Miguel de Bulhões e Sousa (1706-1778), frei dominicano e terceiro bispo da Diocese de Belém (1748-1760). Eu não sei que fábulas ele foi contar a estes; o passar o tempo há de desvendá-las. Estando de volta, após o intervalo de algumas semanas, quando enxergou certo dia o missionário sozinho em sua casa no meio da aldeia, ele se aproximava, bêbado de vinho e cheio de raiva, a mão armada com um bastão, gritando alto contra o padre desarmado, etc.; mas ao ouvi-lo responder muito calmamente e pedir suavemente que contivesse sua raiva, ele começou a tornar-se insolente por causa do grande respeito do qual gozou o sacerdote, e a bater o chão com o pé e o bastão; ele já não pediu mais, mas deu ordens, etc.; e quando viu o missionário retirar-se para o interior da casa, temendo, ao que parece, que o padre não buscasse defender-se e que talvez não o encontrasse mais, ele voltou à aldeia, provocando tumulto e pegando uma escopeta com a qual queria atirar no missionário. No entanto, já não encontrou mais o padre em casa (de fato, este, porque viu que estava menos seguro numa casa aberta para todos os lados, fora a outro lugar, por temer coisas piores). Por isso,

[fl. 484v]

escoltado por um irmão seu, que tinha chamado como companheiro de crime e ajudante seu, o homem, armado, se pôs a perseguir o missionário por um bom pedaço de caminho e de tempo. Ainda que o missionário tivesse deixado a aldeia, ele há de voltar pelo mesmo caminho pelo qual se foi embora. Todavia, pela inspiração divina, que o fizera sair de casa, ele conseguiu, por ora, partir para outro lugar e, assim, escapar das garras ferozes desta fera graças aos anjos da guarda que, durante este tempo, ficaram ao seu lado, infundiram medo no rebelde, avançaram … Este índio que há tanto tempo estava causando embaraço aos padres, retirou-se, enfim, da aldeia. Mas ele não se conforma que o missionário esteja em segurança e, por isso, está à procura de comparsas que lhe são parecidos - e dos quais esta terra é fértil - para que lhe assistam com conselho e ação no seu intento de subtrair clandestinamente mais e mais índios da aldeia, amedrontando uns e enganando outros. Ele os prende facilmente causando danos consideráveis a suas almas e dor ao pastor fiel.

São estas e coisas semelhantes que podemos esperar da parte destes animais semirracionais, criados em meio de tigres, como recompensa para nossos tão árduos trabalhos; principalmente nestes tempos dissolutos nos quais tantos ministros infernais ensinam coisas contra a lei divina, seja através do exemplo, seja por meio de atos, impedindo, por completo, que os zelosos Ministros de Deus tratem ao menos da vinha de Deus irrigada com tanto suor; e eles sublevam sem dó estes mesmos índios, que lhes são semelhantes, cujo bem e salvação está em jogo, contra seus benfeitores. Etc. …

Ainda que nos consumemos no serviço desses seres ingratíssimos, no entanto, é necessário repousar, ao menos por causa do cargo que nos foi imposto como obséquio, ao qual Deus dignou-se muito de nos chamar com clemência. Mas, antes disso, pensemos que os esforços terão que ser redobrados! Não ignoramos que, quanto menos recebermos como salário por nosso trabalho neste tempo, tanto mais será dado em paga no futuro àquele que é destinado para a eternidade. Portanto, se por acaso tivesse sido necessário que estas terras fossem regadas não somente com o suor dos operários, mas também com sangue - nós cremos que isso mesmo não deve ser contado como a última das mercês para nossos esforços -, logo o Senhor desta vinha tão intratável, abundante em cardos e joio, se teria dignado de irrigá-la também com nosso sangue, para que deixasse finalmente sua aspereza nativa e, tendo sido arrancadas as raízes silvestres, a fizesse verdejar em vista de frutos melhores.

Por enquanto, concluímos esta carta-ânua e rogamos ao leitor, ao qual desejamos vida eterna, que a inclua em suas preces pela salvação das almas.

Lourenço Kaulen, Missionário de Piraguiri.

  • *
    O processo de construção desse artigo se deu da seguinte forma: a introdução foi redigida em conjunto por Karl Arenz e Gabriel Prudente. Ambos os autores fizeram também a transcrição da fonte manuscrita. A tradução do latim para o português foi feita por Karl Arenz e revisada por Gabriel Prudente. Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia.
  • **
    Doutor em História Moderna e Contemporânea, Université Paris 4-Sorbonne, Paris, França. Professor do Programa de Pós-graduação em História Social da Amazônia, da Faculdade de História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal do Pará.
  • ***
    Mestre em História Social da Amazônia, Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará. Professor de História da rede particular.
  • 1
    KAULEN, Lourenço. Lit[t]eræ Annuæ Missionis Piraguirensis, 1755-1756. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 10 II, fl. 481r-483v.
  • 2
    Na última estatística oficial da Vice-Província do Maranhão, Kaulen está inscrito no Colégio de Belém. Cf. Catalogus Personarum & Officiorum V. Prov. Maragnonensis Societatis IESU, 25 nov. 1753. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 189v.
  • 3
    Sobre a situação dos índios, Cf. Domingues (2000, p. 247-295)DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000..
  • 4
    Catalogi da Vice-Província do Maranhão, 1751-1753. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 162r-189v.
  • 5
    O mapa situa os Mura mais ao oeste nos vales do Madeira e Tapajós.
  • 6
    No Catalogus da Vice-Provincia de 1752, Kaulen está inscrito na missão de Mortigura, vizinha de Samaúma. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 185r, 187r.
  • 7
    O Catalogus da Vice-Província de 1751 o julga como “bom para predicar e ensinar”, mas “inapto para governar e gerenciar”. Archivum Romanum Societatis Iesu. Cód. Bras 27, fl. 180r.
  • 8
    Forma correta: litteræ.
  • 9
    No original, os títulos dos parágrafos constam à margem. Aqui eles são reproduzidos em itálico encabeçando os mesmos.
  • 10
    Forma correta: quattuor.
  • 11
    Forma correta: compari.
  • 12
    No original, “& c.”.
  • 13
    Forma correta: causavitur, pois o verbo causare não existe.
  • 14
    Forma correta: e pago ou de pago.
  • 15
    Forma correta: sclopetum.
  • 16
    Palavra com rasura, conforme o original. Forma correta: acerbe.
  • 17
    No fim da frase há um elemento estilístico que não foi reproduzido.
  • 18
    A manuscrita da assinatura difere daquela empregada na redação do corpus da carta.
  • 19
    Isto é, crianças de baixa idade.
  • 20
    Isto é, batizados.
  • 21
    Isto é, o número muito baixo de catecúmenos adultos.
  • 22
    Alusão às incursões dos portugueses ao interior que aumentaram a desconfiança e as fugas dos índios aldeados.
  • 23
    Literalmente, reduzidos.
  • 24
    Alusão às frequentes fugas de índios já cristianizados.
  • 25
    Literalmente, paternos.
  • 26
    Referência à parábola bíblica do Bom Pastor (Mateus 18,12-14 e Lucas 15,4-7).
  • 27
    Alusão à preparação para a morte, consistindo em confissão e extrema-unção.
  • 28
    Isto é, Deus.
  • 29
    Literalmente, “os que foram unidos em matrimônio”.
  • 30
    Isto é, de dedicar-se exclusivamente a atividades pastorais ou intelectuais.
  • 31
    Isto é, o missionário.
  • 32
    Em muitas cartas e crônicas frisa-se a importância da ventilação e da circulação do ar.
  • 33
    Isto é, o rio Xingu.
  • 34
    Literalmente, “espécie de madeiras”. A formulação no singular é equivocada, visto que, em seguida, se fala de duas espécies de madeira.
  • 35
    Acapu ou angelim-da-folha-larga é uma madeira pesada e de alta resistência. No original, accapú.
  • 36
    Itaúba, em tupi “madeira de pedra”, é uma madeira de consistência compacta. No original, itá-ŷba.
  • 37
    No original, “casa própria”.
  • 38
    Isto é, o missionário.
  • 39
    No original, “tu terias”.
  • 40
    No original, “mar”.
  • 41
    Literalmente, “pensaram”.
  • 42
    Referência aos condenados desterrados para o Grão-Pará e Maranhão.
  • 43
    Referência às missões de Aricará e Itacuruçá, além de Maturu, na foz do rio.
  • 44
    Isto é, a pesca.
  • 45
    Trata-se do piracuí, em tupi “farinha de peixe”, um alimento comum na Amazônia.
  • 46
    No original, bolus, que significa “lanço de peixe” e, também, “pequeno lucro”.
  • 47
    O acréscimo “de mandioca” foi incluído para especificar o produto.
  • 48
    No original, literalmente “o sexo feminino”.
  • 49
    Isto é, o missionário.
  • 50
    No original, literalmente “instrumentos”.
  • 51
    O autor denuncia a arbitrariedade de moradores e autoridades ao disporem da mão de obra indígena, desrespeitando os regulamentos acerca da repartição anual e dos prazos de ausência permitida.
  • 52
    Serafim Leite designa os Muruani de “Muruãs”. Nada indica que se trate dos índios Mura.
  • 53
    Isto é, Kaulen.
  • 54
    O crime aqui evocado será explicitado em seguida. Trata-se de um atentado fingido para assustar o missionário.
  • 55
    Literalmente, “seria”.
  • 56
    Isto é, o chefe indígena.
  • 57
    No original, “tigres”.
  • 58
    Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769), meio irmão do Marquês de Pombal e governador-geral do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1759).
  • 59
    Dom Miguel de Bulhões e Sousa (1706-1778), frei dominicano e terceiro bispo da Diocese de Belém (1748-1760).

Fontes

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  • LAMEGO, Alberto. A terra Goytacá: à luz de documentos inéditos, t. 3. Bruxelas: L’Édition d’Art Gaudio, 1925.
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  • OFÍCIO do [governador e capitão general do Estado do Maranhão e Pará], Francisco Xavier de Mendonça Furtado, para o [secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra], Sebastião José de Carvalho e Melo, comunicando a partida para o Reino de vários padres estrangeiros, destacando o padre Lourenço Kaulen e António Meisterbourg, devido às ideologias contrárias que divulgavam naquele Estado Pará, 29 nov. 1757a. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_CU_013, Cx. 43, D. 3927.
  • OFÍCIO do [governador interino do Estado do Maranhão e Pará], Bispo do Pará, D. Fr. Miguel de Bulhões e Sousa], para o [secretário de Estado da Marinha e Ultramar], Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre a necessidade de se elaborar um directório espiritual para reger as paróquias e converter os índios mal encaminhados pelos missionários da Companhia de Jesus Pará, 29 nov. 1757b. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_CU_013, Cx. 43, D. 3919.
  • OFÍCIO do [governador e capitão general do Estado do Maranhão e Pará], Francisco Xavier de Mendonça FURTADO, para o [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre a má conduta e os crimes praticados pelos padres Lourenço Kaulen e António Meisterbourg nos aldeamentos daquele Estado Pará, 12 fev. 1759. Arquivo Histórico Ultramarino. AHU_CU_013, Cx. 44, D. 4010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2018
  • Aceito
    03 Abr 2019
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