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Estrutura conceitual para pesquisa e prática clínica na mudança de comportamentos em saúde cardiovascular

Resumos

OBJETIVO: apresentar a estrutura conceitual baseada no modelo PRECEDE, para guiar a pesquisa e a prática clínica do enfermeiro, na abordagem do paciente cardiopata ao longo de seu seguimento clínico. MÉTODO: as bases conceituais, assim como os desenhos metodológicos de pesquisa, implicados na estrutura conceitual, são abordados. A seguir, a contextualização da estrutura proposta é ilustrada no seguimento clínico de pacientes hipertensos, com incorporação das etapas de planejamento de intervenções, segundo o protocolo intervention mapping. RESULTADOS: constata-se que a utilização dessa estrutura conceitual permitiu guiar, de modo coerente e racional, as etapas diagnósticas relacionadas ao consumo excessivo de sal entre os hipertensos, bem como norteou o desenvolvimento e avaliação de intervenções específicas para mudança desse comportamento alimentar. CONCLUSÃO: a utilização da estrutura conceitual proposta permite compreensão mais ampla dos comportamentos em saúde, implicados no desenvolvimento e progressão dos fatores de risco cardiovascular, assim como revela-se um caminho interessante para a proposição de intervenções de enfermagem, com maior chance de sucesso. O emprego dessa estrutura, de modo ampliado, pode constituir um meio factível para melhorar a saúde cardiovascular dos pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde.

Comportamento; Planejamento em Saúde; Educação em Saúde; Enfermagem


OBJECTIVE: To present a conceptual framework based on the PRECEDE model conceived to guide research and the clinical practice of nurses in the clinical follow-up of patients with cardiovascular diseases. METHOD: The conceptual bases as well as the study designs used in the framework are discussed. The contextualization of the proposed structure is presented in the clinical follow-up of hypertensive patients. Examples of the intervention planning steps according to the intervention mapping protocol are provided. RESULTS: This conceptual framework coherently and rationally guided the diagnostic steps related to excessive salt intake among hypertensive individuals, as well as the development and assessment of specific interventions designed to change this eating behavior. CONCLUSION: The use of this conceptual framework enables a greater understanding of health-related behaviors implied in the development and progression of cardiovascular risk factors and is useful in proposing nursing interventions with a greater chance of success. This model is a feasible strategy to improve the cardiovascular health of patients cared for by the Brazilian Unified Health System.

Behavior; Health Planning; Health Education; Nursing


OBJETIVO: presentar el marco conceptual basado en el modelo PRECEDE, concebido para orientar la investigación y la práctica clínica de las enfermeras para el seguimiento clínico de pacientes cardíacos. MÉTODO: La base conceptual, así como los diseños metodológicos de los estudios implicados en el marco conceptual son discutidos. Además, la contextualización del modelo se ilustra en el seguimiento clínico de los pacientes hipertensos. Ejemplos de las etapas de planificación de la intervención de acuerdo con el protocolo intervention mapping son proporcionados. RESULTADOS: Se observó que la utilización del marco conceptual permitió guiar coherentemente y racionalmente los pasos de diagnóstico relacionados con el consumo excesivo de sal entre hipertensos, así como el desarrollo y la evaluación de las intervenciones específicas dirigidas a este comportamiento nutricional. CONCLUSIÓN: El uso del marco conceptual propuesto permite una mayor comprensión de los comportamientos de salud implicados en el desarrollo y progresión de los factores de riesgo cardiovascular, así como se muestra una propuesta interesante para las intervenciones de enfermería con mayores posibilidades de éxito. El uso ampliado de este modelo puede ser un medio factible para mejorar la salud cardiovascular de los pacientes incluidos en el Sistema Nacional de Salud.

Conducta; Planificación en Salud; Educación en Salud; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Estrutura conceitual para pesquisa e prática clínica na mudança de comportamentos em saúde cardiovascular

Maria-Cecilia GallaniI; Marilia Estevam CornélioII; Rúbia de Freitas AgondiII; Roberta C M RodriguesIII

IPhD, Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Professor Associado, Faculté des sciences infirmières, Université Laval, Québec, Canadá

IIDoutoranda, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

IIIPhD, Professor Associado, Faculdade de Enfermagem, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: apresentar a estrutura conceitual baseada no modelo PRECEDE, para guiar a pesquisa e a prática clínica do enfermeiro, na abordagem do paciente cardiopata ao longo de seu seguimento clínico.

MÉTODO: as bases conceituais, assim como os desenhos metodológicos de pesquisa, implicados na estrutura conceitual, são abordados. A seguir, a contextualização da estrutura proposta é ilustrada no seguimento clínico de pacientes hipertensos, com incorporação das etapas de planejamento de intervenções, segundo o protocolo intervention mapping.

RESULTADOS: constata-se que a utilização dessa estrutura conceitual permitiu guiar, de modo coerente e racional, as etapas diagnósticas relacionadas ao consumo excessivo de sal entre os hipertensos, bem como norteou o desenvolvimento e avaliação de intervenções específicas para mudança desse comportamento alimentar.

CONCLUSÃO: a utilização da estrutura conceitual proposta permite compreensão mais ampla dos comportamentos em saúde, implicados no desenvolvimento e progressão dos fatores de risco cardiovascular, assim como revela-se um caminho interessante para a proposição de intervenções de enfermagem, com maior chance de sucesso. O emprego dessa estrutura, de modo ampliado, pode constituir um meio factível para melhorar a saúde cardiovascular dos pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde.

Descritores: Comportamento; Planejamento em Saúde; Educação em Saúde; Enfermagem.

RESUMEN

OBJETIVO: presentar el marco conceptual basado en el modelo PRECEDE, concebido para orientar la investigación y la práctica clínica de las enfermeras para el seguimiento clínico de pacientes cardíacos.

MÉTODO: La base conceptual, así como los diseños metodológicos de los estudios implicados en el marco conceptual son discutidos. Además, la contextualización del modelo se ilustra en el seguimiento clínico de los pacientes hipertensos. Ejemplos de las etapas de planificación de la intervención de acuerdo con el protocolo intervention mapping son proporcionados.

RESULTADOS: Se observó que la utilización del marco conceptual permitió guiar coherentemente y racionalmente los pasos de diagnóstico relacionados con el consumo excesivo de sal entre hipertensos, así como el desarrollo y la evaluación de las intervenciones específicas dirigidas a este comportamiento nutricional.

CONCLUSIÓN: El uso del marco conceptual propuesto permite una mayor comprensión de los comportamientos de salud implicados en el desarrollo y progresión de los factores de riesgo cardiovascular, así como se muestra una propuesta interesante para las intervenciones de enfermería con mayores posibilidades de éxito. El uso ampliado de este modelo puede ser un medio factible para mejorar la salud cardiovascular de los pacientes incluidos en el Sistema Nacional de Salud.

Descriptores: Conducta; Planificación en Salud; Educación en Salud; Enfermería.

Introdução

Estima-se que as doenças cardiovasculares (DCV) sejam, no mundo, a principal causa de morte e perda da qualidade de vida relacionada a incapacidades(1). Embora seja constatado, nas útimas décadas, declínio em suas taxas de mortalidade, o impacto das DCVs continua expressivo. Nos Estados Unidos da América, no período de 1998-2008, uma a cada três mortes foi causada por DCV. Ainda no território americano, estima-se taxa superior a 2.200 mortes por DCV por dia, o que representa 1 morte a cada 39 segundos(1). No Brasil, as doenças do aparelho circulatório constituem a primeira causa de óbito. Segundo tabulação da mortalidade proporcional por grupos de causas, que compõem os Indicadores e Dados Básicos (IDB) – Brasil 2010, em 2009, as doenças do aparelho circulatório foram responsáveis por aproximadamente 31% dos óbitos ocorridos, o que representa, em números absolutos, 320.074 mortes(2). Esses dados apontam o ônus que as DCVs representam para o Sistema Único de Saúde, além de reiterar a necessidade de desenvolvimento de intervenções estratégicas em saúde, efetivas para reduzir a expressão das DCVs no Brasil..

Um dos pontos cardeais para o controle das DCVs é a abordagem dos fatores de risco cardiovascular, uma vez que sua frequência elevada é ainda intimamente associada à ocorrência desse grupo particular de afecções. Como demonstrado, inicialmente, no estudo de Framingham(3) e ratificado em estudos posteriores, os fatores de risco são ubíquos no mundo, nos diferentes grupos raciais e étnicos, sendo intimamente ligados ao estilo de vida das populações. Em contrapartida, é comprovado que o controle dos fatores de risco, por meio de programas específicos, resulta em redução do risco da morbimortalidade por doenças cardiovasculares e por todas as causas(4-6). Estudo de metanálise mostrou que independentemente de o programa conter somente estratégias educacionais para o controle dos fatores de risco, estratégias de condicionamento físico ou, ainda, intervençoes combinadas, os resultados obtidos são similares(6).

As atividades implicadas nos programas de reabilitação cardíaca, bem como nos programas mais amplos de promoção de saúde, são constituídas, em sua maioria, por intervenções educativas. Grande parte dessas ações são voltadas à mudança de comportamentos relacionados à saúde, além de incluir a avaliação e acompanhamento clínico daqueles com doenças já instaladas. São estratégias que podem ser desenvolvidas com excelência pelo enfermeiro, considerando sua competência clínica, sua perpectiva holística de abordagem do paciente e sua implicação no desenvolvimento de atividades educativas.

Tendo em vista a magnitude do problema das DCVs no contexto brasileiro, é importante que o enfermeiro utilize uma estrutura conceitual que permita, de modo racional, o planejamento e avaliação de intervenções que visem reverter essa situação, por meio do controle dos fatores de risco. A racionalidade no desenho das intervenções permite ao educador em saúde descobrir relações, alocar recursos e atividades em determinadas áreas, bem como avaliar os resultados de suas ações(7). À medida que o nível de especificidade aumenta em cada uma das etapas do planejamento, aumenta a possibilidade de o programa ser efetivo na obtenção dos resultados esperados.

Este artigo teve como objetivo apresentar uma proposição de estrutura conceitual que tem guiado a autoria deste estudo com abordagem em pesquisa e na prática clínica em relação ao paciente em seguimento ambulatorial em virtude de afecção cardiovascular. Visando explorar a aplicabilidade do modelo conceitual, foi realizada uma contextualização de sua utilização no seguimento específico de pacientes portadores de hipertensão arterial (HAS). No interior dessa estrutura, destacou-se a utilização de protocolo de planejamento para intervenções de educação em saúde – intervenvion mapping, assim como foram apontados os desenhos metodológicos de pesquisa implicados no modelo conceitual.

A estrutura conceitual

A estrutura do modelo conceitual foi baseada no modelo PRECEDE(8-10), com algumas adaptações(7). O modelo PRECEDE recomenda uma análise das causas dos problemas de saúde em múltiplos níveis e, ainda, a consideração dos múltiplos determinantes do comportamento relacionado à saúde e ao ambiente. Trata-se de um referencial de planejamento epidemiológico baseado na população(8), revisado e ampliado(9-10) e que vem sendo amplamente utilizado como base do planejamento de intervenções em vários programas de educação em saúde(7).

O modelo PRECEDE pressupõe a existência de fatores pessoais e externos que determinam os comportamentos relacionados à saúde. Fatores ambientais são vistos como possíveis determinantes do comportamento. Os comportamentos são apresentados como determinantes dos problemas de saúde, os quais influenciam a qualidade de vida da população em questão(8-9) (Figura 1).


O modelo PRECEDE permite a determinação do problema de saúde sobre o qual se deseja intervir, o que constitui a primeira das seis etapas do protocolo de planejamento de intervenções (intervention mapping)(7): avaliação das necessidades (etapa diagnóstica). Com base no diagnóstico situacional é possível dar sequência ao planejamento, com as etapas: estabelecimento de matrizes de objetivo, escolha do método mais adequado (baseado em teoria) para as estratégias práticas, desenho do programa propriamente dito, plano de adoção e implementação da intervenção e, finalmente, plano de avaliação dos resultados.

No modelo que ora se propõe para a abordagem do paciente hipertenso (Figura 2), estabeleceu-se a hipótese da existência de relações causais entre fatores individuais e socioambientais que predispõem, facilitam e reforçam comportamentos em saúde relacionados à HAS (atividade física, nutrição e adesão à terapia medicamentosa). Tais comportamentos, por sua vez, possuem relação causal com o desenvolvimento e progressão dos fatores de risco cardiovascular e, consequentemente, com a gravidade da manifestação clínica da HAS. A expressão fenotípica da HAS inclui, entre outros: níveis pressóricos, lesões de órgãos-alvo e evolução para insuficiência cardíaca. É suposto que os fatores genéticos permeiem a relação entre as variáveis descritas, sendo-lhes atribuído possível papel modulador na forma e intensidade das respostas à interação indivíduo/ambiente, no que se refere à expressão fenotípica da afecção.


A relação da qualidade de vida com as demais variáveis distingue a estrutura que aqui é proposta para o estudo do contexto do paciente hipertenso e o modelo PRECEDE. Na leitura de relação causal do modelo PRECEDE, a qualidade de vida é considerada como uma consequência dos problemas de saúde. Nesse modelo, supõe-se que a qualidade de vida tanto pode ser consequência dos problemas de saúde como pode também intermediar a relação entre as demais variáveis. Além do diagnóstico inicial da qualidade de vida, é necessário investigar os fatores que estão relacionados à sua melhor ou pior expressão, assim como se as diferentes dimensões da qualidade de vida podem, em momento anterior, influenciar comportamentos em saúde e, consequentemente, os resultados finais da qualidade de saúde, gravidade da doença e, finalmente, a qualidade de vida relacionada à saúde.

A vantagem da formulação de tal estrutura para avaliação diagnóstica reside no estabelecimento de um modelo lógico que aponta possíveis relações causais entre variáveis, permitindo, ainda, o emprego de estratégias específicas para o diagnóstico situacional. A partir do diagnóstico direcionado, é possível a determinação pontual de objetivos a serem atingidos. Com o diagnóstico e os objetivos estabelecidos, a seleção do método para intervenção torna-se mais objetiva, assim como os critérios, segundo os quais será avaliada a efetividade das intervenções.

Outro aspecto positivo do modelo é a possibilidade de ampliar as investigações de caráter exploratório. Além das relações causais pressupostas, novas relações entre as variáveis podem ser pesquisadas, ampliando as perspectivas de compreensão do contexto e, por conseguinte, da abordagem do paciente hipertenso. Do ponto de vista do pesquisador, o quadro permite elaborar uma linha de planejamento de estudos, em que são previstas colaborações necessárias, financiamento, assim como o enquadramento de alunos em pesquisa nos diferentes niveis – iniciação científica, mestrado e doutorado.

A estrutura conceitual e os desenhos metodológicos de pesquisa

Na estrutura conceitual proposta, os três grandes desenhos metodológicos em pesquisa são necessários: metodológico, exploratório (transversal e longitudinal) e experimental. A etapa diagnóstica ou levantamento de necessidades trata-se de etapa obrigatória do planejamento das intervenções(7) e requer dois desenhos: metodológico e exploratório.

Um programa efetivo de planejamento deve ser direcionado de acordo com um problema ou necessidade real, definido como a discrepância entre o que é e o que seria esperado para um determinado grupo, numa dada situação de interesse(7). No caso dos problemas de saúde, a avaliação de necessidades procura compreender a situação real e compará-la ao que seria um estado mais desejável em termos de qualidade de vida e estado de saúde, bem como identificar os fatores que influenciam a saúde, como comportamentos e ambiente. Antes de iniciar o levantamento de problemas, é necessário planejar como fazê-lo, incluindo a determinação da ferramenta mais adequada para seu diagnóstico. Muitas vezes, a ferramenta ideal não está disponível para a população de interesse. Torna-se necessário o desenvolvimento de estudos metodológicos para criação ou adaptação de instrumentos já existentes em outras culturas.

A medida de variáveis psicossociais, como qualidade de vida e fatores individuais que influenciam a motivação para adoção de comportamentos em saúde, como crenças, atitutes e valores, não é simples. Essas variáveis denominadas como constructo, por seu caráter abstrato hipotético, podem ser mensuradas, desde que o instrumento tenha sido desenvolvido dentro do rigor metodológico recomendado. Suas qualidades de medida, assim como a correta interpretação de seus resultados devem ser explicitadas. A medida do próprio comportamento em saúde também é complexa e pode ser feita por meio de medidas objetivas ou subjetivas. Ambas possuem vantagens e limitações. A escolha, ou o desenvolvimento, de uma nova medida deve ser norteada não somente pelas qualidades da medida, mas também por sua representação no grupo de interesse e especificidade para o qual está sendo estudado.

Uma vez obtidas as ferramentas necessárias para o levantamento de problemas, tem-se início o processo diagnóstico. Não há uma ordem específica para iniciar essa fase, e o diagnóstico pode ocorrer em múltiplas frentes, explorando as relações entre as variáveis envolvidas, para que os objetivos a serem obtidos com as intervenções possam ser traçados com maior precisão(7). Nessa fase, são privilegiados os estudos exploratórios ou de predição, portanto, de corte transversal ou longitudinal, para investigação das relações entre variáveis bem como de capacidade de predição de algumas. Na estrutura conceitual proposta para abordagem do paciente hipertenso, foram realizados vários estudos por este grupo de pesquisa, voltados primeiramente para o desenvolvimento e refinamento de instrumentos de medida e, então, estudos exploratórios para a compreensão da relação entre os componentes do modelo, como qualidade de vida, sintomas, perfil clínico e genético, assim como estudos de predição, para identificação dos fatores preditores dos comportamentos em saúde(11-14)

Uma vez que a etapa diagnóstica é concluída, inicia-se a programação dos estudos de desenho experimental, os quais, pautados nos problemas mensurados na etapa diagnóstica, propõem, implementam e avaliam o resultado das intervenções específicas. A avaliação dos resultados obtidos com base em estudos experimentais, com rigoroso desenho metodológico, é fundamental para retroalimentar as relações hipotetizadas entre as variáveis e para a compreensão dos possíveis mecanismos de ação da intervenção, o que permitirá a reestruturação da intervenção ou a recomendação de sua utilização em larga escala.

Aplicação do intervention mapping para redução do consumo de sal entre hipertensos

Neste tópico, será apresentada uma das linhas de pesquisa desenvolvida sob o modelo conceitual, na abordagem do problema do consumo excessivo de sal, entre pacientes hipertensos, problema que emergiu da atividade clínica, da autoria deste estudo, no seguimento ambulatorial desses pacientes. Nas consultas de enfermagem, ao longo da avaliação clínica, havia indícios de que os pacientes apresentavam consumo de sal mais elevado do que o recomendado pelas diretrizes nacionais e internacionais para hipertensos, que é de 4g de sal por dia. O consumo em excesso, por sua vez, tem efeito direto e indireto sobre a expressão fenotípica da HAS, com agravamento de suas consequências e influência sobre a resposta à terapia medicamentosa. Assim, era mandatório o diagnóstico preciso do problema para o desenvolvimento de intervenção direcionada à redução do consumo de sódio, nesse grupo de pacientes. O protocolo do intervention mapping foi utilizado para guiar o desenvolvimento e avaliação da intervenção.

Etapa 1: avaliação das necessidades (etapa diagnóstica)

O consumo excessivo de sal, além de ser um fator-chave na expressão de doenças cardiovasculares, principalmente HAS, tem sido associado a doenças não cardiovasculares como câncer gástrico, osteoporose, obesidade, entre outras(15-17). Atualmente, o consumo elevado de sal é considerado a sétima causa mais importante de morte prematura em países desenvolvidos e a segunda, entre os paises em desenvolvimento(18). Essas constatações ratificam a existência de um problema nutricional real na população visada, requerendo ações específicas para favorecer o consumo saudável de sal. Entretanto, fazia-se necessária a mensuração da magnitude do problema, com quantificação precisa do consumo de sódio, bem como a identificação das fontes majoritárias de consumo. Dessa maneira, a etapa inicial consistiu no desenvolvimento de ferramentas de autorrelato que possibilitassem essa medida. Foi realizado o primeiro de uma série de estudos referentes a esse comportamento alimentar, que desenvolveu e validou medidas de autorrelato de consumo de sal. Essas medidas foram validadas por meio de testes de correlação com a medida de excreção urinária de sódio de 24h, considerada como o padrão-ouro para estimar o consumo de sal(19). Essa medida objetiva tem como desvantagem refletir um período pontual de consumo alimentar, além de não identificar as fontes de consumo, o que é viabilizado pelos instrumentos de autorrelato. Este estudo, além de validar as medidas de autorrelato, revelou consumo muito elevado – em torno de 12g de sal/dia, três vezes maior do que o valor recomendado para hipertensos. Foi constatado, ainda, que a maior fonte de consumo de sal no grupo estudado, contrariamente ao descrito para países desenvolvidos, era o sal adicionado durante e após o preparo dos alimentos(19).

Continuando a etapa diagnóstica, foi feito um segundo estudo(20), que visou identificar os determinantes individuais do consumo de sal, por meio do estudo de três comportamentos alimentares: adição de sal no preparo dos alimentos, consumo de alimentos com alto teor de sal e uso do sal à mesa. Foi empregada como referencial teórico a Teoria do Comportamento Planejado(21) (TCP), extensamente utilizada nos estudos de predição de comportamentos em saúde, incluindo comportamentos alimentares. Segundo a TCP, a motivação para agir é o principal determinante da ação (comportamento) e a motivação, por sua vez, é determinada pela atitude (favorabilidade ao comportamento), norma social (pressão social percebida para realização do comportamento) e o controle comportamental percebido (quanto o indivíduo percebe ter de controle sobre o comportamento). O controle percebido pode ser ainda um preditor adicional do comportamento. Foram também adicionadas outras variáveis ao modelo (autoeficácia e hábito), visando aumentar seu poder de predição, considerando sua pertinência no contexto do comportamento alimentar estudado. Foi constatado que a motivação explicou 22% da variabilidade do consumo de adição de sal no preparo dos alimentos e que a motivação para esse comportamento foi explicada pelas variáveis autoeficácia e hábito(20).

As constatações feitas mediante estudos mencionados anteriormente(19-20) constituíram a base da etapa 1 do intervention mapping: o consumo de sal é elevado entre hipertensos e a principal fonte do consumo é dada pela adição de sal no preparo dos alimentos. A redução da adição de sal aos alimentos é explicada em 22% pela motivação (intenção para agir) e essa pelos constructos de autoeficácia e hábito.

Etapa II: estabelecimento de matrizes de objetivos

Os objetivos de desempenho foram estabelecidos considerando-se os determinantes da motivação para agir (autoeficácia e hábito) e o hiato na relação intenção/comportamento (uma vez que, embora estatisticamente significante, a motivação explicou somente 22% da variabilidade do comportamento). Assim, foram estabelecidos dois grandes objetivos, que embasaram dois estudos experimentais. Um dos estudos objetivou reforçar a motivação para limitar a adição de sal no preparo dos alimentos, sendo centrado no aumento da percepção de autoeficácia e na redução do automatismo (hábito) desse comportamento nutricional(22-23) e foi caracterizado como intervenção motivacional. No outro estudo focou-se na ativação da intenção, ou seja, aumentar a efetivação de uma intenção positiva em comportamento, sendo caracterizado como intervenção de planejamento(24). Ambos os estudos constituíram o Programa SALdável, para redução do consumo de sal entre pacientes hipertensos.

Etapa III: escolha do método baseado em teoria para as estratégias práticas.

Após longa revisão de literatura e discussão entre os membros do grupo de pesquisa e especialistas, para o estudo de intervenção motivacional, foram escolhidos os métodos de consciousness raising e de contracondicionamento (oriundos do modelo transteórico) para redução do hábito e de prática guiada com feedback e identificação de barreiras e estratégias de enfrentamento (oriundos do modelo cognitivo-social) para aumentar a percepção de autoeficácia. A partir dos métodos, foram selecionadas as técnicas mais apropriadas ao contexto: atividades em grupo, que incluíam brainstorming, atividades práticas com uso de colheres de medida, leitura de rótulos, uso de figuas e livro de receitas com temperos naturais em substituição ao sal, atividades com construção de habilidades no uso limitado do consumo de sal e jogo de papéis(23).

Para o estudo caracterizado como intervenção de planejamento, foi escolhido o método implementation intention(25), cuja técnica consiste em atividades individuais de elaboração de planejamentos de ação e de enfrentamento de obstáculos. O sujeito elabora pelo menos três planos de como, onde e com quem realizará o comportamento planejado. A seguir, o indivíduo é convidado a antecipar três obstáculos prováveis à realização desse comportamento e a estabelecer o planejamento de enfrentamento desses obstáculos(24-25).

Etapa IV e V: desenho do programa, plano de adoção e implementação da intervenção

Detalhes do desenho do programa e de sua implementação podem ser verificados nos estudos respectivos(22-24).

Etapa VI: avaliação

A avaliação da efetividade das intervenções foi efetuada por meio da comparação de respostas entre grupo-controle e grupos experimentais, tendo como endpoint primário a medida de autorrelato da frequência de redução da adição de sal no preparo dos alimentos, comportamento especificamente abordado na intervenção. Os endpoints secundários foram a medida objetiva de consumo de sal, dada pela excreção urinária de sódio de 24h, bem como as medidas de quantidade de sal per capita/pessoa/mês no domicílio, uso de temperos prontos/pessoa/mês e total de sal adicionado (que correspondia à soma das duas medidas anteriores) e as medidas das variáveis psicossociais: intenção, autoeficácia e hábito. Ao final do período de seguimento, os grupos experimentais foram submetidos a uma sessão de debriefing para avaliar os pontos positivos e os limites da intervenção à qual haviam sido submetidos. Verificou-se que ambas as intervenções foram efetivas na redução do uso de sal no preparo dos alimentos, quando comparadas ao grupo-controle. O resultado foi positivo para o endpoint primário e para as demais medidas de consumo de sal utilizadas como endpoint secundário, exceto para a excreção urinária de sódio, que teve significância estatística limítrofe no grupo da intervenção motivacional. A avaliação do endpoint primário apontou para a efetividade das intervenções. No que se refere às variáveis psicossociais, a intervenção motivacional, como esperado, aumentou a percepção de autoeficácia, reduziu a percepção de automatismo do comportamento (hábito) e aumentou significativamente a motivação para limitar o consumo de sal. A intervenção de planejamento, por sua vez, não teve efeito sobre as medidas de autoeficácia e intenção, o que era esperado, pois a intervenção não visava mudar a percepção de autoeficácia, nem aumentar a motivação, mas sim transformar uma motivação positiva em comportamento efetivo. No entanto, a intervenção de planejamento reduziu a percepção de automatismo, indicando que os planejamentos efetuados encontravam-se ligados à redução do uso do sal no preparo dos alimentos de maneira automática. Os dados mostram que o modo de operar das intervenções tem uma via comum, que é a redução do hábito.

Há, ainda, extensa gama de análises que podem ser feitas, baseadas nos dados obtidos: comparação da relação custo/eficácia entre as duas intervenções, análise de variáveis potencialmente mediadoras ou moderadoras da resposta à intervenção, análise das características dos que responderam positivamente à intervenção e aqueles que não apresentaram modificação do comportamento, assim como análise do conteúdo das sessões de debriefing. Essas informações são valiosas para avaliar as intervenções como um todo e fazer os ajustes necessários para que as intervenções possam ser reproduzidas em larga escala. A ampliação do estudo, com estratos populacionais diversificados, poderá proporcionar ainda outros indicadores que permitirão compreender o efeito da intervenção e contribuir para seu aprimoramento. Estudos subsequentes podem avaliar ainda o efeito das intervenções em médio e longo prazos sobre o consumo de sal, avaliando-se o potencial de manutenção do efeito obtido inicialmente. Pode ser analisado, ainda, o efeito de diferentes níveis de redução do consumo de sal sobre resultados de saúde, como a expressão clínica da HAS e qualidade de vida relacionada à saúde.

Considerações finais

A estrutura conceitual proposta neste artigo visa servir como um mapa para guiar o enfermeiro em sua prática clínica no seguimento do paciente que apresenta uma afecção crônica, como as doenças cardiovasculares. O modelo pressupõe uma inter-relação complexa entre as variáveis a serem consideradas no seguimento clínico de um paciente portador de doença cardiovascular, assim como a incorporação de um protocolo sistemático para planejamento de intervenções educativas do enfermeiro, visando a modificação de comportamentos em saúde. Tais intervenções encontram-se intimamente relacionadas à expressão clínica da afecção e qualidade de vida relacionada à saúde. Sua aplicabilidade é ampla e pode ser adaptada para grande variedade de comportamentos em saúde. A implantação de intervenções planejadas sistematicamente permite o direcionamento de recursos, otimização de resultados e, dessa maneira, a melhora da assistência prestada ao paciente com afecção cardiovascular, aumentando as chances de resultados de saúde positivos. Assim, a utilização de tal estrutura revela-se um caminho interessante para a proposição de intervenções de enfermagem em âmbito ampliado e pode constituir um meio factível para melhorar a saúde cardiovascular dos pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Ago 2012
    • Aceito
      01 Out 2012
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